Processo T‑399/02

Eurocermex SA

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno      (marcas, desenhos e modelos) (IHMI)

«Marca comunitária – Marca tridimensional – Forma de uma garrafa – Garrafa de gargalo longo no qual está introduzida uma fatia de limão – Motivos absolutos de recusa – Carácter distintivo – Artigo 7.º, n.º 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.º 40/94»

Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Segunda Secção) de 29 de Abril de 2004 

Sumário do acórdão

1.     Marca comunitária – Definição e aquisição da marca comunitária – Motivos absolutos de recusa – Marcas desprovidas de carácter distintivo – Marca tridimensional – Forma de um acondicionamento de bebida

[Regulamento n.º 40/94 do Conselho, artigo 7.º, n.º 1, alínea b)]

2.     Marca comunitária – Definição e aquisição da marca comunitária – Motivos absolutos de recusa – Marcas desprovidas de carácter distintivo, descritivas ou de carácter usual – Excepção – Aquisição do carácter distintivo pelo uso – Critérios de apreciação

(Regulamento n.º 40/94 do Conselho, artigo 7.º, n.º 3)

1.     É desprovida de carácter distintivo na acepção do artigo 7.º, n.º 1, alínea b), do Regulamento n.º 40/94, sobre a marca comunitária, uma marca tridimensional que se apresenta sob a forma de uma garrafa transparente, cheia de um líquido amarelo, com um gargalo longo no qual é introduzida uma fatia de limão com casca verde, cujo registo é pedido para cervejas, águas minerais e gasosas e sumos de frutos incluídos na classe 32 na acepção do Acordo de Nice, bem como para restaurantes, bares e snacks incluídos na classe 42 desse acordo, quando a marca é constituída por uma combinação de elementos, cada um dos quais, por ser susceptível de ser comummente utilizado, no comércio, para a apresentação dos produtos e serviços visados pelo pedido de marca, é desprovido de carácter distintivo em relação a esses produtos e serviços e quando a forma como esses elementos são combinados também não é susceptível de conferir um carácter distintivo à marca.

(cf. n.os 30, 32, 35, 36)

2.     A aquisição do carácter distintivo pelo uso da marca comunitária, visado no artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94, exige, em primeiro lugar, que pelo menos uma fracção significativa do público pertinente identifique, graças à marca, os produtos ou serviços em causa como provenientes de uma empresa determinada. Todavia, as circunstâncias em que se pode considerar preenchido o requisito ligado à aquisição de um carácter distintivo pelo uso não podem ser provadas unicamente com base em dados gerais e abstractos, tais como percentagens determinadas.

Em segundo lugar, para que seja aceite o registo de uma marca nos termos do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94, o carácter distintivo adquirido pelo uso dessa marca deve ser demonstrado na parte substancial da Comunidade onde era desprovida do mesmo à luz do artigo 7.°, n.° 1, alíneas b), c) e d), desse regulamento.

Em terceiro lugar, para apreciar, num caso concreto, a aquisição de um carácter distintivo pelo uso, há que ter em conta factores como, nomeadamente, a quota de mercado detida pela marca, a intensidade, a área geográfica e a duração do uso dessa marca e a importância dos investimentos feitos pela empresa para a promover. Constituem meios de prova adequados para esse efeito, nomeadamente, as declarações das câmaras de comércio e de indústria ou de outras associações profissionais e as sondagens de opinião.

Em quarto lugar, a aquisição de um carácter distintivo pelo uso deve ter lugar anteriormente à apresentação do pedido de marca.

(cf. n.os 42-45)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)
29 de Abril de 2004(1)

«Marca comunitária – Marca tridimensional – Forma de uma garrafa – Garrafa de gargalo longo no qual está introduzida uma fatia de limão – Motivos absolutos de recusa – Carácter distintivo – Artigo 7.º, n.º 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.º 40/94»

No processo T-399/02,

Eurocermex SA, com sede em Evere (Bélgica), representada por A. Bertrand e T. Reisch, advogados,

recorrente,

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), representado por S. Laitinen e A. Rassat, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da decisão da primeira Câmara de Recurso do IHMI, de 21 de Outubro de 2002 (processo R 188/2002-1), relativa ao pedido de registo de uma marca tridimensional (garrafa de gargalo longo no qual está introduzida uma fatia de limão) como marca comunitária,



O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção),



composto por: J. Pirrung, exercendo funções de presidente, A. W. H. Meij e N. J. Forwood, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador,

vista a petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 31 de Dezembro de 2002,vista a contestação apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 24 de Abril de 2003,na sequência da audiência de 25 de Novembro de 2003,

profere o presente



Acórdão




Antecedentes do litígio

1
Em 27 de Novembro de 1998, a recorrente, cuja actividade consiste na comercialização e distribuição da cerveja mexicana CORONA no território europeu, apresentou um pedido de marca comunitária ao Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), ao abrigo do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), na redacção em vigor.

2
A marca objecto do pedido de registo é uma forma tridimensional para a qual são reclamadas as cores amarela e verde. Depreende‑se da reprodução gráfica da marca, tal como é apresentada em anexo ao pedido de marca (reproduzida infra a preto e branco), que esta consiste numa garrafa transparente, cheia de um líquido amarelo, com um gargalo longo no qual está introduzida uma fatia de limão com casca verde.

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3
Os produtos e serviços para os quais é pedido o registo da marca estão abrangidos pelas classes 16, 25, 32 e 42 na acepção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de Junho de 1957, tal como revisto e modificado, e correspondem, em cada uma das classes referidas, à seguinte descrição:

classe 16: «Papel, cartão e artigos nestas matérias; produtos de impressão, artigos de encadernação, fotografias; papelaria; adesivos, matérias colantes para papelaria ou para uso doméstico; artigos para escritório (com excepção de móveis); matérias plásticas para embalagem (não incluídas noutras classes), caracteres de impressão; clichés (estereótipos)»;

classe 25: «Vestuário de todos os tipos, calças curtas e de todos os tipos; calçado de todos os tipos; chapelaria de todos os tipos»;

classe 32: «Cervejas; águas minerais e gasosas; sumos de frutos»;

classe 42: «Restaurantes, bares, snacks».

4
Por carta de 18 de Outubro de 1999, a examinadora informou a recorrente de que considerava que a marca pedida é desprovida de qualquer carácter distintivo na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94.

5
Por carta de 17 de Fevereiro, transmitida por telecópia em 22 de Fevereiro de 2000, a recorrente apresentou as suas observações a esse respeito e alegou que a marca nominativa CORONA era notória. A carta informa que vai acompanhada por anexos, entre os quais consta um artigo intitulado «La bière mexicaine [A cerveja mexicana]», publicado no jornal Le Monde de 31 de Agosto de 1997. No entanto, esses anexos não constam do processo da Câmara de Recurso transmitido ao Tribunal de Primeira Instância.

6
Por carta de 25 de Setembro de 2001, a examinadora reiterou o seu entendimento de que a marca pedida é desprovida de qualquer carácter distintivo na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 e convidou a recorrente a apresentar, no prazo de dois meses, provas de que essa marca tinha adquirido um carácter distintivo na sequência da sua utilização.

7
Por decisão de 21 de Dezembro de 2001, a examinadora recusou, ao abrigo do artigo 38.° do Regulamento n.° 40/94, o pedido de registo da marca para os produtos abrangidos pelas classes 32 e 42, por a marca pedida ser desprovida de qualquer carácter distintivo na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94. A examinadora declarou que a recorrente não tinha apresentado, no prazo fixado, provas de que essa marca tinha adquirido um carácter distintivo na sequência da sua utilização.

8
A 20 de Fevereiro de 2002, a recorrente interpôs no IHMI recurso da decisão da examinadora, ao abrigo do artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94. Por decisão de 21 de Outubro de 2002, notificada à recorrente em 24 de Outubro de 2002 (a seguir «decisão impugnada»), a Primeira Câmara de Recurso anulou parcialmente a decisão da examinadora, na parte em que recusou o pedido de marca para os produtos denominados «águas minerais», abrangidos pela classe 32, e negou provimento ao recurso quanto ao restante.


Pedidos das partes

9
A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

reformar a decisão impugnada, anulando a decisão da examinadora no que respeita aos produtos e serviços denominados «Cervejas; águas gasosas; sumos de frutos; restaurantes, bares, snacks», e remeter o processo à examinadora para nova apreciação dos pedidos;

condenar o IHMI nas despesas.

10
O IHMI conclui pedindo que o Tribunal se digne:

negar provimento ao recurso;

condenar a recorrente nas despesas.


Questão de direito

11
A recorrente invoca dois fundamentos de recurso assentes, respectivamente, na violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), e do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94.

Quanto ao primeiro fundamento, assente na violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94

Argumentos das partes

12
A recorrente critica a análise da Câmara de Recurso, segundo a qual o consumidor está habituado à forma da garrafa que constitui a marca pedida tanto para as cervejas como para as bebidas gasosas e sumos de frutos. Segundo a recorrente, só determinadas cervejas mexicanas são vendidas em garrafas daquela forma, ao passo que as cervejas comercializadas na Europa, com excepção de algumas, que foram alvo, com êxito, de processos judiciais por contrafacção, são apresentadas em garrafas cuja forma é radicalmente distinta da que constitui a marca pedida.

13
No que respeita aos sumos de frutos, a recorrente afirma que a garrafa clássica para essas bebidas se distingue da garrafa em causa devido, nomeadamente, ao tamanho diferente e gargalo menos longo. Quanto às águas gasosas, a recorrente alega que o consumidor não está habituado a garrafas de 33 cl, como a garrafa controvertida, pois a água gasosa é normalmente comercializada em garrafas de 75 cl e mesmo de um litro.

14
Por último, a recorrente sustenta, referindo um artigo de imprensa, que o facto de um quarto de limão ser introduzido no gargalo da garrafa constitui uma particularidade da marca pedida que permite ao público pertinente identificar a origem comercial dos produtos assim designados. A recorrente acrescenta que a Câmara de Recurso não justificou o seu entendimento no que respeita aos sumos de frutos e as águas gasosas, dado que não é habitual ornamentar esses tipos de bebida com um quarto de limão.

15
O IHMI observa que a forma da garrafa que constitui a marca pedida vem à mente com naturalidade. No que diz respeito, em particular, à forma alongada do gargalo da garrafa em causa, o IHMI afirma, apresentando alguns exemplos, que numerosas cervejas são comercializadas em garrafas que possuem, geralmente, a mesma configuração. Quanto ao facto de uma fatia de limão estar introduzida no gargalo da garrafa, o IHMI é de opinião de que isso constitui uma simples adição de um elemento banal, de resto normalmente utilizado para determinados tipos de cerveja. O IHMI conclui que os diferentes elementos da marca pedida, tomados isoladamente, são normalmente utilizados para a comercialização dos produtos em causa e que há indícios concretos que permitem concluir que esses elementos, globalmente considerados, também são utilizados ou susceptíveis de ser utilizados, normalmente, na área de actividade em causa.

Apreciação do Tribunal

16
Nos termos do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, é recusado o registo de «marcas desprovidas de carácter distintivo».

17
O carácter distintivo de uma marca na acepção da referida disposição significa que esta marca é adequada a identificar o produto para o qual é pedido o registo como sendo proveniente de uma empresa determinada e, portanto, a distinguir esse produto dos das outras empresas (acórdãos do Tribunal de Justiça de 18 de Junho de 2002, Philips, C‑299/99, Colect. p. I‑5475, n.° 35, e de 8 de Abril de 2003, Linde e o., C‑53/01 a C‑55/01, Colect., p. I‑3161, n.° 40).

18
As marcas a que o artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 se refere são, designadamente, aquelas que, do ponto de vista do público pertinente, são comummente utilizadas, no comércio, para a apresentação dos produtos e dos serviços em causa ou a respeito dos quais existem, pelo menos, indícios concretos que permitam concluir que são susceptíveis de ser utilizadas desta maneira [acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 2 de Julho de 2002, SAT.1/IHMI (SAT.2), T‑323/00, Colect., p. II‑2839, n.° 37, e de 5 de Março de 2003, Unilever/IHMI (Pastilha oval), T‑194/01, Colect., p. II‑383, n.° 39].

19
O carácter distintivo de uma marca deve ser apreciado relativamente, por um lado, aos produtos ou serviços para os quais foi pedido o respectivo registo e, por outro, à percepção dos meios interessados, que são, regra geral, constituídos pelos consumidores desses produtos ou serviços (acórdão Linde e o., já referido no n.° 17 supra, n.° 41). Trata‑se da presumível percepção de um consumidor médio da categoria de produtos ou serviços em causa, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado (v., por analogia, acórdãos de 16 de Julho de 1998, Gut Springenheide e Tusky, C‑210/96, Colect., p. I‑4657, n.° 31, e Philips, já referido no n.° 17 supra, n.° 63).

20
O público a que a marca pedida diz respeito é composto por todos os consumidores finais. Com efeito, as cervejas, as águas gasosas e os sumos de frutos destinam‑se ao consumo corrente. O mesmo sucede com os serviços que a marca pedida tem em vista.

21
Quanto aos produtos em relação aos quais, no caso em apreço, o registo da marca foi recusado, a saber, as cervejas, as águas gasosas e os sumos de frutos, a marca pedida é constituída pela embalagem, a saber, a garrafa, e por um acessório dessa embalagem, a saber, uma fatia de limão. Dado que as bebidas, como os outros líquidos, não têm forma própria e que a sua comercialização exige uma embalagem, que dá a sua forma ao produto, essa embalagem deve ser equiparada à forma do produto, para efeitos do exame de um pedido de registo enquanto marca.

22
A este propósito, resulta da jurisprudência que os critérios de apreciação do carácter distintivo das marcas tridimensionais constituídas pela forma do produto não são diferentes dos aplicáveis às outras categorias de marcas. Com efeito, o artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 não faz qualquer distinção entre categorias diferentes de marcas, quando da apreciação do respectivo carácter distintivo [v., quanto à forma dos produtos, acórdão Pastilha oval, já referido no n.° 18 supra, n.° 44, e, quanto ao artigo 3.°, n.° 1, alínea b), da Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (JO 1989, L 40, p. 1), acórdão Linde e o., já referido no n.° 17 supra, n.os  42 a 49].

23
Não obstante, a percepção do público relevante não é necessariamente a mesma no caso de uma marca tridimensional, constituída pela embalagem de um produto, do que no caso de uma marca nominativa, figurativa ou tridimensional que consiste num sinal independente do aspecto dos produtos que designa. Com efeito, os consumidores não têm por hábito presumir a origem dos produtos com base na forma da respectiva embalagem, na ausência de todo e qualquer elemento gráfico ou textual e, por isso, a prova do carácter distintivo pode revelar‑se mais difícil no que respeita a essa marca tridimensional (v., por analogia, acórdão Linde e o., já referido no n.° 17 supra, n.° 48; acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Maio de 2003, Libertel, C‑104/01, Colect., p. I‑3793, n.° 65, e acórdão Pastilha oval, já referido no n.° 18 supra, n.° 45).

24
À embalagem de um produto líquido, que constitui um imperativo de comercialização, o consumidor médio atribui, em primeiro lugar, uma simples função de acondicionamento. Uma marca tridimensional constituída por tal embalagem só é distintiva, na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, se permitir ao consumidor médio de tal produto, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, distinguir o produto em causa dos de outras empresas, sem proceder a uma análise ou comparação nem dar provas de uma particular atenção.

25
Uma vez que a recorrente pediu o registo de uma marca composta por diversos elementos (marca complexa), há que considerá‑la globalmente para efeitos de apreciar o seu carácter distintivo. No entanto, isso não é incompatível com o exame sucessivo dos diferentes elementos de que a marca se compõe (acórdão Pastilha oval, já referido no n.° 18 supra, n.° 54).

26
Em primeiro lugar, quanto à forma tridimensional da marca pedida, esta apresenta‑se como uma garrafa em vidro, cuja parte superior é ligeiramente em forma de um cone truncado, dotada de um gargalo alongado.

27
A este propósito, a Câmara de Recurso referiu, com razão, no n.° 13 da decisão impugnada, que numerosas cervejas, bem como as bebidas gasosas e os sumos de frutos, são comercializados em garrafas cujas formas são muito semelhantes à da garrafa em causa. No anexo à contestação, o IHMI apresenta várias imagens de garrafas que confirmam esta asserção. Em contrapartida, a recorrente não produziu qualquer prova para fundamentar o argumento segundo o qual foram intentados com êxito processos judiciais contra a utilização de garrafas semelhantes para cervejas europeias. Quanto às águas gasosas e aos sumos de frutos, é um facto notório que essas bebidas são comercializadas em garrafas de diversos tamanhos e não apenas em garrafas de 75 cl ou de um litro, como afirmou a recorrente. Além disso, as formas dessas garrafas são muito variadas. Por conseguinte, a forma tridimensional da garrafa em causa é comummente utilizada, ou pelo menos, susceptível de ser utilizada, para a apresentação de todos os produtos em causa.

28
Depois, no que respeita à fatia de limão verde, as referência aos sítios Internet que constam da nota de rodapé ao n.° 15 da decisão impugnada e as indicações suplementares fornecidas pelo IHMI no anexo à sua contestação demonstram, de modo bastante, que esse elemento é comummente utilizado, no comércio, para a apresentação das cervejas. Quanto aos outros produtos em causa, é um facto notório que o limão é comummente utilizado, no comércio, para a apresentação de diversos tipos de alimentos. O mesmo sucede com o facto de, frequentemente, serem adicionadas, no momento do consumo, fatias ou quartos de limão às águas gasosas e a outras bebidas não alcoólicas e de o limão verde ser igualmente utilizado dessa forma. Estas circunstâncias constituem indícios concretos que permitem concluir que o limão e o limão verde são susceptíveis de ser comummente utilizados, no comércio, para a apresentação dos produtos em causa.

29
Quanto às cores reclamadas, depreende‑se da representação gráfica da marca pedida que se trata, por um lado, da cor do conteúdo amarelo da própria garrafa, que é transparente, por outro, das cores da casca verde e da polpa do limão, de um verde amarelado muito claro. Ora, o amarelo corresponde à cor da cerveja e de determinadas águas gasosas, a saber, das limonadas, ao passo que os dois matizes de verde constantes da representação da marca correspondem à cor natural da casca e da polpa do limão verde. Além disso, o verde e o amarelo são cores básicas utilizadas comummente, no comércio, para a apresentação de todo o tipo de alimento e, em particular, de bebidas.

30
Daqui se conclui que a marca pedida é constituída por uma combinação de elementos, cada um dos quais, por ser susceptível de ser comummente utilizado, no comércio, para a apresentação dos produtos visados pelo pedido de marca, é desprovido de carácter distintivo em relação a esses produtos.

31
Resulta da jurisprudência que o facto de uma marca complexa ser composta apenas por elementos desprovidos de carácter distintivo em relação aos produtos ou serviços em causa permite concluir que essa marca, considerada no seu todo, é igualmente susceptível de ser comummente utilizada, no comércio, para apresentação desses produtos ou serviços (acórdão SAT.2, já referido no n.° 18 supra, n.° 49). Esta conclusão só pode ser infirmada caso indícios concretos, como, por exemplo, o modo como esses elementos são combinados, indiquem que a marca complexa, considerada no seu todo, representa algo mais do que a soma dos elementos que a compõem (v., neste mesmo sentido, as conclusões do advogado‑geral Ruiz‑Jarabo Colomer relativas ao acórdão de 12 de Fevereiro de 2004, Koninklijke KPN Nederland, C‑363/99, ainda não publicadas na Colectânea, n.° 65).

32
Não se verifica, no caso em apreço, a existência de tais indícios. Com efeito, a marca pedida, que se caracteriza, no essencial, pela combinação de uma forma tridimensional de uma garrafa com as cores amarela e verde, por um lado, e com uma fatia de limão verde, por outro, é susceptível de ser comummente utilizada, no comércio, para a apresentação dos produtos visados no pedido de marca. No que respeita, em particular, à estrutura da marca pedida, caracterizada por uma fatia de limão introduzida no gargalo da garrafa, é difícil imaginar outras possibilidades de combinar esses elementos numa única entidade tridimensional. Além disso, é a única forma de ornamentar uma bebida com uma fatia ou um quarto de limão se esta for bebida directamente a partir do gargalo da garrafa. Daqui se conclui que a forma como os elementos da presente marca complexa são combinados não é susceptível de conferir a esta um carácter distintivo.

33
Importa acrescentar que as eventuais diferenças entre a forma e a a cor que constituem a marca pedida e a forma e cor de outras garrafas que servem de embalagem dos produtos em causa não são susceptíveis de infirmar esta conclusão. Com efeito, vista globalmente, a marca pedida não se diferencia substancialmente das formas de base do acondicionamento dos produtos em causa, comummente utilizadas no comércio, surgindo antes como uma variante dessas formas.

34
Ora, o consumidor médio não procede a uma análise detalhada da forma e da cor da embalagem das bebidas em causa, dando‑lhes antes um fraco grau de atenção.

35
Por conseguinte, a marca pedida, tal como é entendida por um consumidor médio, normalmente informado e razoável atento e avisado, não é adequada a individualizar os produtos visados no pedido de marca e a distingui‑los dos que têm outra origem comercial. Por esse motivo, a marca pedida é desprovida de carácter distintivo em relação a esses produtos.

36
Quanto ao serviços visados pelo pedido de marca, a saber, os restaurantes, bares ou snacks, há que sublinhar que esses serviços têm por objecto, nomeadamente, a comercialização dos produtos em causa. Como se concluiu supra, a marca pedida é susceptível de ser comummente utilizada, no comércio, para a apresentação daqueles produtos. Ora, essa circunstância constitui um indício concreto que permite concluir que esta marca é igualmente susceptível de ser comummente utilizada, no comércio, para a apresentação daqueles serviços. Por conseguinte, é desprovida de carácter distintivo em relação a estes.

37
Daqui se conclui que o argumento assente na violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 não procede.

Quanto ao segundo fundamento, assente na violação do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94

Argumentos das partes

38
A recorrente afirma que, no âmbito da comercialização da cerveja CORONA em todo o território da Comunidade, explorou largamente a marca pedida e que esta foi objecto de larga, séria, constante e contínua promoção. Por conseguinte, segundo a recorrente, a marca pedida é adequada a identificar os produtos em causa como provenientes da sua empresa.

39
Para comprovar a sua tese, a recorrente junta à petição, como elementos de prova, em primeiro lugar os documentos que tinha já apresentado em anexo às alegações com os fundamentos do recurso interposto no IHMI, em 19 de Abril de 2002, em segundo lugar o artigo intitulado «La bière mexicaine», publicado no jornal Le Monde, que tinha invocado no decurso do processo na examinadora, em terceiro lugar cinco fotografias de garrafas e em quinto lugar um artigo intitulado «Dossier‑bières [Dossier cervejas]».

40
O IHMI entende que os elementos de prova apresentados pela recorrente no decurso do processo na Câmara de Recurso são insuficientes para demonstrar que a marca pedida adquiriu um carácter distintivo na sequência da sua utilização e que os elementos de prova apresentados pela primeira vez com a petição de recurso não devem ser admitidos.

Apreciação do Tribunal

41
Por força do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94, os motivos absolutos de recusa constantes do artigo 7.°, n.° 1, alíneas b) a d), do mesmo regulamento não se opõem ao registo de uma marca se esta, quanto aos produtos ou serviços para os quais o registo é pedido, tiver adquirido um carácter distintivo após o uso que dela foi feito. Com efeito, na hipótese referida no artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94, o facto de o sinal que constitui a marca em questão ser efectivamente compreendido, pelo público pertinente, como uma indicação da origem comercial de um produto ou de um serviço é o resultado de um esforço económico do requerente da marca. Ora, esta circunstância justifica o afastamento das considerações de interesse geral subjacentes ao n.° 1, alíneas b) a d), do mesmo artigo, que exigem que as marcas referidas por essas disposições possam ser livremente utilizadas por todos, a fim de se evitar criar uma vantagem concorrencial ilegítima a favor de um único operador económico (acórdão SAT.2, já referido no n.° 18, n.° 36).

42
Em primeiro lugar, resulta da jurisprudência relativa à interpretação do artigo 3.°, n.° 3, da Directiva 89/104, cujo conteúdo normativo é, no essencial, idêntico ao do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94, que a aquisição do carácter distintivo pelo uso da marca exige que pelo menos uma fracção significativa do público pertinente identifique, graças à marca, os produtos ou serviços em causa como provenientes de uma empresa determinada. Todavia, as circunstâncias em que se pode considerar preenchido o requisito ligado à aquisição de um carácter distintivo pelo uso não podem ser provadas unicamente com base em dados gerais e abstractos, tais como percentagens determinadas (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 4 de Maio de 1999, Windsurfing Chiemsee, C‑108/97 e C‑109/97, Colect., p. I‑2779, n.° 52, e Philips, já referido no n.° 17 supra, n.° 62).

43
Em segundo lugar, para que seja aceite o registo de uma marca nos termos do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94, o carácter distintivo adquirido pelo uso dessa marca deve ser demonstrado na parte substancial da Comunidade onde era desprovida do mesmo, à luz do artigo 7.°, n.° 1, alíneas b), c) e d), desse regulamento [acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Março de 2000, Ford Motor/IHMI (OPTIONS), T‑91/99, Colect., p. II‑1925, n.° 27].

44
Em terceiro lugar, para apreciar, num caso concreto, a aquisição de um carácter distintivo pelo uso, há que ter em conta factores como, nomeadamente, a quota de mercado detida pela marca, a intensidade, a área geográfica e a duração do uso dessa marca e a importância dos investimentos feitos pela empresa para a promover. Constituem meios de prova adequados para esse efeito, nomeadamente, as declarações das câmaras de comércio e de indústria ou de outras associações profissionais e as sondagens de opinião (v., nesse sentido, acórdãos Windsurfing Chiemsee, já referido no n.° 42 supra, n.° 51 e 53, e Philips, já referido no n.° 17 supra, n.° 60).

45
Em quarto lugar, a aquisição de um carácter distintivo pelo uso deve ter lugar anteriormente à apresentação do pedido de marca [acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 2002, eCopy/IHMI (ECOPY), T‑247/01, Colect., p. II‑5301, n.° 36].

46
Importa verificar, à luz destas considerações, se, no caso em apreço, a Câmara de Recurso infringiu o artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94, ao entender que a marca pedida não pode ser registada por força dessa disposição.

47
A decisão impugnada não contém qualquer indicação quanto à parte da Comunidade na qual a marca pedida é desprovida de carácter distintivo. Não obstante, no caso das marcas nominativas, como a visada no caso em apreço, presume‑se que a apreciação do seu carácter distintivo é a mesma em toda a Comunidade, salvo se houver indícios concretos em sentido contrário. Uma vez que, no caso em apreço, não resulta dos autos que é esse o caso, há que considerar que, no que diz respeito à marca pedida, o motivo de recusa previsto no artigo 7.°, n.° 3, alínea b), do Regulamento (CE) n.° 40/94 existe em toda a Comunidade. Assim, a marca pedida deve ter adquirido, em toda a Comunidade, um carácter distintivo pela sua utilização, para poder ser registada ao abrigo do artigo 7.°, n.° 3, do mesmo regulamento.

48
Nas alegações com os fundamentos do recurso apresentadas no decurso do procedimento administrativo no IHMI, datadas de 19 de Abril de 2002, a recorrente afirmou, efectivamente, que a marca pedida tinha adquirido um carácter distintivo pelo uso em toda a Comunidade e apresentou o relatório anual de vendas e exportações da sociedade mexicana Grupo Modelo SA de CV do ano de 1999, material publicitário e fotografias de garrafas.

49
Assim, há que verificar se a Câmara de Recurso teve razão ao declarar que os elementos de prova que lhe foram apresentados eram insuficientes para demonstrar que, na data da apresentação, a marca pedida tinha adquirido um carácter distintivo pelo uso.

50
Em primeiro lugar, quanto ao relatório de vendas e exportações da sociedade mexicana Grupo Modelo SA de CV do ano de 1999, o IHMI sublinhou, com razão, que nem todas as garrafas nele reproduzidas são idênticas à que constitui a marca pedida e que todas elas apresentam uma etiqueta da qual constam elementos nominativos como «corona», «corona extra», «coronita» ou ainda «estrella». Os resultados financeiros dos anos de 1990 a 1994, que constam das páginas 4 e 5 desse documento, não fazem qualquer distinção entre as diferentes marcas exploradas por essa sociedade nem entre os diferentes mercados geográficos. As passagens desse documento relativas ao mercado europeu limitam‑se a indicar, de forma genérica e não circunstanciada, que, em 1999, a posição das marcas exploradas pela sociedade Grupo Modelo SA de CV se reforçou em França, na Itália, Bélgica, Alemanha, Grécia e noutros países, que conheceu um importante crescimento na Áustria e que a penetração no mercado melhorou no Reino Unido. No que respeita, mais especificamente, ao mercado espanhol, o documento indica, no essencial, que foram levadas a cabo importantes campanhas promocionais e que o volume de vendas aumentou 12% em relação a 1998, reforçando, assim, a posição da marca Coronita de detentora da maior quota do mercado entre as cervejas importadas. Em contrapartida, o documento não contém qualquer indicação precisa quanto à quota de mercado detida pela marca pedida e quanto à importância dos investimentos feitos pela empresa para a promover. O documento não permite, por isso, concluir que pelo menos uma fracção significativa do público pertinente compreende a marca pedida como uma indicação da origem comercial dos produtos e serviços em causa.

51
O mesmo sucede com o material publicitário apresentado pela recorrente, pois não permite extrair qualquer conclusão concreta em relação aos factores identificados no n.° 44 supra. Além disso, o material publicitário apresentado pela recorrente não contém qualquer prova da utilização da marca tal como tinha sido pedida. Com efeito, em todas as imagens apresentadas, a representação da forma e das cores reclamadas é acompanhada pelas marcas nominativas da recorrente. Por isso, o material não pode constituir prova de que o público em causa compreende a marca pedida, enquanto tal e independentemente das marcas nominativas e figurativas que a acompanham na publicidade e no momento da venda dos produtos, como uma indicação da origem comercial dos produtos e serviços em causa.

52
Há que acrescentar que, para demonstrar que a marca adquiriu um carácter distintivo, a recorrente não pode invocar os elementos de prova que apresentou, pela primeira vez, em anexo à sua petição. Com efeito, a Câmara de Recurso só está obrigada a levar em conta um elemento de prova susceptível de ser pertinente para apreciar a aquisição de um carácter distintivo pelo uso se o mesmo tiver sido apresentado pelo requerente do registo da marca no decurso do procedimento administrativo no IHMI (acórdão ECOPY, já referido no n.° 45 supra, n.° 47). Por conseguinte, os elementos de prova que não foram apresentados no decurso do procedimento administrativo no IHMI não podem pôr em causa a legalidade da decisão impugnada.

53
Por último, quanto ao artigo intitulado «La bière mexicaine», publicado no jornal Le Monde, ao qual a recorrente se referiu no procedimento na examinadora, e que não é claramente evidente no processo efectivamente apresentado pela recorrente ao IHMI, basta observar que esse artigo apenas se refere ao mercado francês e não demonstra, por isso, que a marca pedida de facto adquiriu um carácter distintivo em toda a Comunidade.

54
Por conseguinte, a recorrente não provou que a marca pedida adquiriu, em toda a Comunidade, um carácter distintivo na sequência da sua utilização, na acepção do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94. Portanto, o segundo fundamento do recurso, assente na violação da referida disposição, não procede.

55
Daqui se conclui que há que negar provimento ao recurso.


Quanto às despesas

56
Por força artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

decide:

1)
É negado provimento ao recurso.

2)
A recorrente é condenada nas despesas.

Pirrung

Meij

Forwood

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 29 de Abril de 2004.

O secretário

O presidente

H. Jung

J. Pirrung


1
Língua do processo: francês.