CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

CHRISTINE STIX‑HACKL

apresentadas em 12 de Maio de 2005 (1)

Processo C‑416/02

Comissão das Comunidades Europeias

Interveniente: Reino Unido

contra

Reino de Espanha

«Acção por incumprimento – Violação de várias obrigações em matéria de ambiente na região de Vera, província de Almería – Directiva 75/442/CEE relativa aos resíduos – Conceito de resíduo – Chorumes – Directiva 85/337/CEE relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente – Directiva 80/68/CEE relativa à protecção das águas subterrâneas contra a poluição causada por certas substâncias perigosas – Directiva 91/271/CEE relativa ao tratamento de águas residuais urbanas – Directiva 91/676/CEE relativa à protecção das águas contra a poluição causada por nitratos de origem agrícola»







Índice


I –   Enquadramento jurídico

II – Matéria de facto

III – Fase pré‑contenciosa e processo judicial

IV – Quanto à violação da directiva relativa aos resíduos

A –   Principais argumentos das partes

B –   Apreciação

1.     Quanto à aplicabilidade da directiva relativa aos resíduos

a)     Quanto à classificação no conceito de «resíduo», na acepção da directiva relativa aos resíduos

b)     Quanto à disposição derrogatória do artigo 2.°, n.° 1, alínea b), subalínea iii), da directiva relativa aos resíduos

c)     Quanto à violação dos artigos 4.°, 9.° e 13.° da directiva

V –   Quanto à violação da directiva AIA

A –   Principais argumentos das partes

B –   Quanto à admissibilidade

C –   Quanto ao mérito

VI – Violação da directiva relativa às águas subterrâneas

A –   Principais argumentos das partes

B –   Apreciação

VII – Violação da directiva relativa às águas residuais

A –   Principais argumentos das partes

B –   Apreciação

VIII – Violação da directiva sobre os nitratos

A –   Principais argumentos das partes

1.     Apreciação

a)     Quanto à admissibilidade

B –   Quanto ao mérito

IX – Despesas

X –   Conclusão

1.     Na presente acção por incumprimento, a Comissão acusa o Reino de Espanha de uma série de infracções a cinco directivas respeitantes ao ambiente, invocando vários tipos de poluição e ilegalidades que, em larga medida, são imputadas a um determinado estabelecimento de engorda intensiva de suínos que funciona em Espanha.

2.     A Comissão considera que foram violadas as seguintes directivas respeitantes ao ambiente:

Directiva 75/442/CEE do Conselho, de 15 de Julho de 1975, relativa aos resíduos (2), com a redacção dada pela Directiva 91/156/CEE do Conselho, de 18 de Março de 1991 (3) (a seguir «directiva relativa aos resíduos»)

Directiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de Junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente (4) (a seguir «directiva AIA»), alterada pela Directiva 97/11/CE do Conselho, de 3 de Março de 1997 (5) (a seguir «directiva AIA alterada»)

Directiva 80/68/CEE do Conselho, de 17 de Dezembro de 1979, relativa à protecção das águas subterrâneas contra a poluição causada por certas substâncias perigosas (6) (a seguir «directiva relativa às águas subterrâneas»)

Directiva 91/271/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1991, relativa ao tratamento de águas residuais urbanas (7) (a seguir «directiva relativa às águas residuais»)

Directiva 91/676/CEE do Conselho, de 12 de Dezembro de 1991, relativa à protecção das águas contra a poluição causada por nitratos de origem agrícola (8) (a seguir «directiva sobre os nitratos»)

I –    Enquadramento jurídico

3.     A directiva relativa aos resíduos prevê, designadamente:

«Artigo 1.°

Na acepção da presente directiva, entende‑se por:

a) Resíduo: quaisquer substâncias ou objectos abrangidos pelas categorias fixadas no anexo I de que o detentor se desfaz ou tem a intenção ou a obrigação de se desfazer.

[...]

Artigo 2.°

1. São excluídos do campo de aplicação da presente directiva:

[...]

b)      Sempre que já abrangidos por outra legislação:

[...]

iii)      os cadáveres de animais e os seguintes resíduos agrícolas: matérias fecais e outras substâncias naturais não perigosas utilizadas nas explorações agrícolas;

[...]

Artigo 4.°

Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para garantir que os resíduos sejam aproveitados ou eliminados sem pôr em perigo a saúde humana e sem utilizar processos ou métodos susceptíveis de agredir o ambiente e, nomeadamente:

–       sem criar riscos para a água, o ar, o solo, a fauna ou a flora,

–       sem causar perturbações sonoras ou por cheiros,

–       sem danificar os locais de interesse e a paisagem.

Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para proibir o abandono, a descarga e a eliminação não controlada de resíduos.»

O artigo 9.° prevê que os estabelecimentos e as empresas que depositam resíduos no solo devem obter uma autorização, nos termos das disposições sobre resíduos.

O artigo 13.° prevê que tais estabelecimentos e empresas serão submetidos a controlos periódicos apropriados.

4.     Na sua versão original, a directiva AIA prevê, designadamente:

«Artigo 2.°

1. Os Estados‑Membros tomarão as disposições necessárias para que, antes de concessão da aprovação, os projectos que possam ter um impacto significativo no ambiente, nomeadamente pela sua natureza, dimensões ou localização, sejam submetidos à avaliação dos seus efeitos.

[...]

Artigo 4.°

1. [...] os projectos que pertencem às categorias enumeradas no Anexo I são submetidos a uma avaliação, nos termos dos artigos 5.° a 10.°

2. Os projectos pertencentes às categorias enumeradas no Anexo II são submetidos a uma avaliação nos termos dos artigos 5.° a 10.°, sempre que os Estados‑Membros considerarem que as suas características assim o exigem.

[...]»

A directiva AIA alterada, na medida em que é pertinente no presente caso, prevê, designadamente:

«Artigo 2.°

1. Os Estados‑Membros tomarão as disposições necessárias para garantir que, antes de concedida a aprovação, os projectos que possam ter um impacte significativo no ambiente, nomeadamente pela sua natureza, dimensão ou localização, fiquem sujeitos a um pedido de aprovação e a uma avaliação dos seus efeitos. Estes projectos são definidos no artigo 4.°

[...]

Artigo 4.°

1. Sem prejuízo do disposto no n.° 3 do artigo 2.°, os projectos incluídos no anexo I serão submetidos a uma avaliação nos termos dos artigos 5.° a 10.°

[...]»

5.     A directiva relativa às águas subterrâneas prevê, designadamente:

«Artigo 3.°

Os Estados‑Membros tomam as medidas necessárias para:

[...]

b)      Limitar a introdução de substâncias constantes da Lista II nas águas subterrâneas, a fim de evitar a poluição dessas águas por essas substâncias.

[...]

Artigo 5.°

1. Para cumprimento da obrigação prevista na alínea b) do artigo 3.°, os Estados‑Membros submetem a uma investigação prévia:

–       qualquer descarga de substâncias constantes da Lista II, de forma a eliminar tais descargas;

–       as acções de eliminação ou de depósito com vista a eliminar essas substâncias, susceptíveis de levar a uma descarga indirecta.

[...]

Artigo 7.°

As investigações prévias previstas nos artigos 4.° e 5.° devem incluir um estudo das condições hidrogeológicas da respectiva zona, do eventual poder depurador do solo e subsolo, dos riscos de poluição e alteração da qualidade das águas subterrâneas pela descarga e determinar se, do ponto de vista do ambiente, a descarga nessas águas constitui uma solução adequada.»

6.     A directiva relativa às águas residuais prevê, designadamente:

«Artigo 5.°

1. Para efeitos do n.° 2, os Estados‑Membros devem identificar, até 31 de Dezembro de 1993, as zonas sensíveis de acordo com os critérios estabelecidos no anexo II.

2. Os Estados‑Membros devem garantir que, antes de serem lançadas em zonas sensíveis, as águas residuais urbanas que entrem nos sistemas colectores sejam sujeitas a um tratamento mais rigoroso que aquele a que se refere o artigo 4.°, o mais tardar a partir de 31 de Dezembro de 1998, quanto a todas as descargas a partir de aglomerações com um e. p. superior a 10 000.

[...]»

7.     A directiva sobre os nitratos prevê, designadamente:

«Artigo 3.°

1. As águas poluídas e as águas susceptíveis de serem poluídas caso não sejam tomadas as medidas previstas no artigo 5.° deverão ser identificadas pelos Estados‑Membros em conformidade com os critérios definidos no anexo I.

2. Num prazo de dois anos contados a partir da data de notificação da presente directiva, os Estados‑Membros deverão designar as zonas vulneráveis conhecidas nos respectivos territórios, entendidas como sendo as que drenam para as águas identificadas nos termos do n.° 1, contribuindo para a poluição das mesmas. Desse facto notificarão a Comissão no prazo de seis meses.

[...]

4. Os Estados‑Membros deverão analisar e, se necessário, rever ou aumentar em tempo oportuno e, pelo menos, de quatro em quatro anos, a lista das zonas vulneráveis designadas, de modo a ter em conta alterações e factores imprevistos por ocasião da primeira designação. Notificarão a Comissão de qualquer alteração ou aditamento à lista de designações no prazo de seis meses.

[...]»

II – Matéria de facto

8.     As violações do direito comunitário invocadas na presente acção por incumprimento têm, por um lado – e mais concretamente no que se refere à directiva relativa aos resíduos, à directiva AIA alterada e à directiva relativa às águas subterrâneas – um nexo directo com um estabelecimento de engorda intensiva de suínos (a seguir «estabelecimento de engorda»), situado no lugar denominado «El Pago de la Media Legua» próximo dos rios Antas e Aguas, no território do município de Vera, província de Almería (Andaluzia), que desaguam no mar Mediterrâneo; por outro lado – no que se refere à directiva relativa às águas residuais e à directiva sobre os nitratos – dizem respeito às imediações deste estabelecimento de engorda e, mais concretamente, ao município de Vera e à zona ribeirinha Rambla de Mojácar.

9.     O estabelecimento de engorda em causa existe desde 1976, foi posteriormente ampliado para as suas dimensões actuais e compreendia no período relevante no presente processo cerca de 3 400 animais, incluindo cerca de 600 leitões lactentes. Dispõe de uma fossa subterrânea para chorumes, cimentada, com uma capacidade de 240 000 litros. De 14 em 14 dias, os chorumes são dela retirados, transportados em tanques e aplicados em terrenos situados em Las Alparatas de Mojácar, com uma superfície de 80 ha e em Jara de la Vera, com uma superfície de 5 ha.

10.   Antes de mais, o estabelecimento de engorda é acusado de causar a emissão de maus cheiros e a poluição da zona, em especial dos rios e estuários próximos, devido à aplicação de chorumes e à decomposição de cadáveres de animais.

11.   É pacífico entre as partes que o estabelecimento de engorda não foi objecto de um processo de avaliação ambiental (em especial de uma avaliação do impacto ambiental ou de um estudo hidrogeológico relativo à eventual poluição das águas subterrâneas) nem antes de iniciar o seu funcionamento nem antes de ser ampliado e que não foi obtida qualquer autorização exigida pelas disposições sobre resíduos nem efectuado qualquer controlo.

III – Fase pré‑contenciosa e processo judicial

12.   Na sequência de queixas relativas às perturbações causadas pelo estabelecimento de engorda, a Comissão procedeu a investigações no ano de 2000. Uma vez que a Comissão considerou que, relativamente ao estabelecimento de engorda e à região afectada, o Reino de Espanha violou várias directivas que se destinam à protecção do ambiente, dirigiu ao Governo espanhol, por carta de 18 de Janeiro de 2001, uma notificação para cumprir, fixando‑lhe um prazo de dois meses para tomar posição.

13.   Entendendo que a resposta do Governo espanhol, de 20 de Junho de 2001, não eliminou as suspeitas de violação do Tratado, a Comissão dirigiu ao Governo espanhol, por carta de 26 de Julho de 2001, um parecer fundamentado no qual lhe imputava a violação das directivas referidas na parte introdutória (9) e convidava o Reino de Espanha a tomar as medidas necessárias no prazo de dois meses. O Governo espanhol respondeu por carta de 4 de Outubro de 2001.

14.   Uma vez que a Comissão concluiu que o Reino de Espanha não cumpriu as suas obrigações, intentou no Tribunal de Justiça, em 15 de Novembro de 2002, nos termos do artigo 226.° CE, uma acção por incumprimento contra o Reino de Espanha, inscrita no registo do Tribunal de Justiça em 19 de Novembro de 2002.

15.   A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

1.      declarar que:

a)      ao não adoptar as medidas necessárias para assegurar o cumprimento das obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 4.°, 9.° e 13.° da Directiva 75/442/CEE, com a redacção dada pela Directiva 91/156/CEE, ao não tomar as medidas necessárias para garantir que os resíduos provenientes da exploração de suínos situada no lugar denominado «El Pago de la Media Legua» sejam eliminados ou valorizados sem perigo para a saúde humana nem prejuízo para o meio ambiente e por não sido emitida a essa exploração a autorização exigida pela directiva nem terem sido realizados os controlos periódicos necessários a essas instalações;

b)      ao não proceder a uma avaliação de impacto ambiental previamente à construção ou modificação deste projecto, contrariamente ao exigido pelos artigos 2.° e 4.°, n.° 2, da Directiva 85/337/CEE, na sua versão original ou com a redacção dada pela Directiva 97/11/CE;

c)      ao não proceder aos estudos hidrogeológicos necessários na zona afectada pela contaminação, como exigem os artigos 3.°, alínea b), 5.°, n.° 1, e 7.° da Directiva 80/68/CEE;

d)      ao não submeter as águas residuais urbanas do município de Vera a um tratamento mais rigoroso do que o descrito no artigo 4.°, como exige o artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 91/271/CEE;

e)      ao não declarar a Rambla de Mojácar zona vulnerável, em violação do disposto no artigo 3.°, n.os  1, 2 e 4, da Directiva 91/676/CEE;

o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força das referidas directivas;

2.      condenar o Reino de Espanha nas despesas.

IV – Quanto à violação da directiva relativa aos resíduos

A –    Principais argumentos das partes

16.   A Comissão observa que o estabelecimento de engorda em causa produz grandes quantidades de resíduos e, em especial, de chorumes e de cadáveres de animais. Na ausência de outra regulamentação comunitária pertinente, o tratamento destes resíduos é abrangido pelo âmbito de aplicação da directiva relativa aos resíduos. Contrariamente ao disposto no artigo 9.° desta directiva, o estabelecimento de engorda não dispõe da autorização exigida pela legislação sobre resíduos, o que foi admitido pelo Governo espanhol na fase pré‑contenciosa. Além disso, o Reino de Espanha não garantiu que os resíduos provenientes do estabelecimento de engorda sejam aproveitados ou eliminados de harmonia com o artigo 4.° da directiva relativa aos resíduos. O Governo espanhol não contestou que estes resíduos causam maus cheiros nem que se verifica a sua proliferação não controlada nas imediações do estabelecimento de engorda. Por último, nada leva a crer que tenha sido efectuado qualquer dos controlos exigidos pelo artigo 13.° da directiva.

17.   De qualquer modo, no caso vertente, a aplicação de chorumes não constitui um aproveitamento na agricultura, dado que, como o Governo espanhol admitiu, é efectuada de 14 em 14 dias. Por conseguinte, não corresponde a quaisquer boas práticas agrícolas. O Governo espanhol nem sequer indicou o que é cultivado em ambos os terrenos afectados. Mesmo que estes terrenos sejam cultivados, com os chorumes seria aplicado demasiado azoto. Acresce que a aplicação é efectuada durante todo o ano, independentemente dos períodos de crescimento.

18.   A Comissão admite que os chorumes que, de harmonia com as boas práticas agrícolas, são aproveitados como fertilizante na mesma exploração agrícola, podem constituir um subproduto agrícola, do qual o estabelecimento não tem a intenção de se «desfazer» na acepção da directiva e que, por conseguinte, não devem ser considerados resíduos. Contudo, no presente caso, o estabelecimento espalha os chorumes em terrenos situados a doze e três quilómetros de distância, para deles se desfazer. De qualquer modo, relativamente aos cadáveres de animais não se pode falar de um aproveitamento na agricultura.

19.   Quanto ao argumento do Governo espanhol segundo o qual é aplicável a disposição derrogatória do artigo 2.°, n.° 1, alínea b), da directiva relativa aos resíduos, a Comissão contrapõe que não existe qualquer outra regulamentação comunitária relevante e, por conseguinte, a derrogação não é pertinente. As normas nacionais eventualmente existentes não podem ser consideradas, em geral, «outra legislação» na acepção da referida norma e, de resto, as disposições indicadas pelo Governo espanhol não satisfazem as exigências da directiva.

20.   O Governo do Reino Unido concorda com a Comissão quanto à existência das alegadas violações da directiva relativa aos resíduos, mas com base numa análise jurídica diferente do conceito de resíduo. Sustenta que a aplicação de chorumes a terrenos agrícolas como método tradicional de fertilização não equivale, em princípio, a desfazer‑se de resíduos na acepção do artigo 1.°, alínea a), da directiva relativa aos resíduos. Os chorumes constituem um subproduto agrícola, dos quais o estabelecimento não tem a intenção de se desfazer, na acepção do conceito de resíduo, quando for certo que os chorumes são reutilizados como fertilizante na agricultura, sem ser necessário determinar se isto ocorre na mesma exploração agrícola ou nos terrenos adjacentes. Mas se – como no presente caso – os chorumes são aplicados em tais quantidades e também no Inverno e em tempo de pousio, isto não corresponde a qualquer fertilização na acepção de uma boa prática agrícola e, por conseguinte, equivale a desfazer‑se de resíduos.

21.   O Governo espanhol não nega as perturbações causadas pelos cheiros. Considera, contudo, que a directiva relativa aos resíduos não é aplicável a empresas como o estabelecimento de engorda controvertido. Sustenta que a aplicação de chorumes nos terrenos agrícolas é um método comprovado de fertilização natural e, em consequência, não deve ser entendido como eliminação de resíduos na acepção do artigo 1.°, alínea a), da directiva. Além disso, contesta que a quantidade de matérias fecais diariamente produzida pelos animais permita concluir que os chorumes são aplicados em excesso. Na Primavera, a fertilização com chorumes é muito útil na agricultura, dado que os solos absorvem os nutrientes particularmente bem; a aplicação de chorumes em tempo de pousio prepara os solos para os subsequentes períodos de cultivo.

22.   A título subsidiário, o Governo espanhol alega que – caso o Tribunal de Justiça conclua que, em princípio, é aplicável a directiva relativa aos resíduos – é relevante, de qualquer modo, a disposição derrogatória do artigo 2.°, n.° 1, alínea b). Com efeito, a directiva sobre os nitratos constitui «outra legislação» na acepção desta disposição derrogatória, porque esta directiva regula a poluição causada por nitratos de origem agrícola e o impacto ambiental negativo da aplicação de chorumes a terrenos decorre, em qualquer caso, de uma eventual poluição das águas subterrâneas pelos nitratos. De resto, a disposição derrogatória é também aplicável quando existe legislação nacional pertinente. É o que sucede em Espanha, porque o estabelecimento é abrangido pelo âmbito de aplicação de várias disposições espanholas em matéria de resíduos.

B –    Apreciação

1.      Quanto à aplicabilidade da directiva relativa aos resíduos

23.   Antes de examinar em detalhe a existência das violações dos artigos 4.°, 9.° e 13.° da directiva relativa aos resíduos, alegadas pela Comissão, importa, em primeiro lugar, responder à questão de saber se e em que medida as substâncias em causa no presente processo – os chorumes e os cadáveres de animais – são abrangidas, como «resíduos», pelo âmbito de aplicação da directiva relativa aos resíduos.

a)      Quanto à classificação no conceito de «resíduo», na acepção da directiva relativa aos resíduos

24.   O artigo 1.°, alínea a), primeiro parágrafo, da directiva relativa aos resíduos define «resíduo» como «quaisquer substâncias ou objectos abrangidos pelas categorias fixadas no anexo I de que o detentor se desfaz ou tem a intenção ou a obrigação de se desfazer».

25.   Como o Tribunal de Justiça já declarou, o referido anexo e o Catálogo Europeu de Resíduos (CER) – este último refere‑se a «fezes, urina, e estrume» na rubrica 020106 – precisam e concretizam esta definição, apresentando listas de substâncias e de objectos que podem ser qualificados como resíduos e têm, assim, carácter meramente indicativo (10).

26.   Em consequência, segundo jurisprudência assente, a qualificação efectiva de substâncias e objectos como resíduos na acepção da directiva resulta de que o detentor se desfaz ou tem a intenção ou a obrigação de se desfazer das substâncias e objectos em questão. Assim, o âmbito de aplicação do conceito de «resíduo» depende do significado da expressão «se desfazer» (11).

27.   Neste contexto, é necessário realçar que, como o Governo do Reino Unido assinalou correctamente, a circunstância de uma substância como os chorumes ser sujeita a uma operação mencionada no anexo II B da directiva relativa aos resíduos como o «Espalhamento no solo em benefício da agricultura ou da ecologia, incluindo as operações de compostagem e outras transformações biológicas» (12), referido no ponto R10 deste anexo, não permite concluir automaticamente que se trata de «se desfazer» dessa substância e considerar, portanto, que essa substância é um resíduo na acepção da directiva (13). Pelo contrário, a utilização de uma substância da maneira descrita deve ser entendida como «aproveitamento» na acepção da directiva se e na medida em que se refere à substância como «resíduo» (14).

28.   A questão de saber se o detentor de uma substância se desfaz ou tem a intenção ou a obrigação de se desfazer dela e esta substância é, deste modo, um resíduo, deve, porém, ser verificada tendo em conta o conjunto das circunstâncias, devendo considerar‑se o objectivo da directiva relativa aos resíduos e assegurar‑se que a sua eficácia não é posta em causa (15). A jurisprudência fornece alguns elementos ou critérios para esta apreciação.

29.   Assim, o Tribunal de Justiça reconheceu como indício de que o detentor de uma substância se desfaz ou tem a intenção ou a obrigação de se desfazer dessa substância, designadamente, a circunstância de que a substância utilizada é um resíduo de produção, ou seja, um produto que não se pretendeu produzir como tal, com vista à sua posterior utilização (16).

30.   Segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, esta apreciação de uma substância que resulta de um processo de fabrico que não é destinado essencialmente a produzi‑la, pode também levar a concluir que esta substância não constitui um resíduo propriamente dito, mas um subproduto, do qual a empresa não deseja «desfazer‑se», mas que tem a intenção de explorar ou comercializar em condições vantajosas para ela, num processo posterior, sem qualquer operação de transformação prévia (17).

31.   Por seu turno, os cadáveres de animais – não a carne de suíno, bem entendido, que se destina a uma outra utilização como o consumo – constituem, evidentemente, um mero resíduo da engorda de suínos, cuja utilização posterior nem foi alegada pelo Governo espanhol nem parece ser possível. Pelo contrário, para os cadáveres de animais nenhuma outra utilização além da eliminação pode ser encarada (18), devendo entender‑se que o estabelecimento de engorda de suínos se desfaz ou tem a intenção ou a obrigação de se desfazer dos cadáveres de animais e que, em consequência, estes constituem, em princípio, «resíduos» na acepção da directiva relativa aos resíduos.

32.   Mais diferenciada deve ser a apreciação da qualidade de resíduos dos chorumes que, embora constituam também claramente, em primeira linha, um resíduo de produção do estabelecimento de engorda de suínos e, em qualquer caso, não o objectivo (primário) da mesma, são susceptíveis de ser utilizados na agricultura como fertilizante e, deste modo, podem ser entendidos como subproduto, do qual o estabelecimento não tem a intenção de «se desfazer» na acepção do conceito de resíduo.

33.   Mas a admissibilidade de uma tal argumentação relativa aos subprodutos da produção propriamente dita, para limitar os inconvenientes ou prejuízos inerentes à sua natureza e tendo em conta a obrigação de interpretar de forma ampla o conceito de resíduo, foi circunscrita pelo Tribunal de Justiça às situações em que a reutilização de um bem, de um material ou de uma matéria‑prima não seja meramente eventual, mas certa, sem transformação prévia, e na continuidade do processo de produção (19).

34.   A título ilustrativo, refira‑se o acórdão AvestaPolarit, no qual o Tribunal de Justiça distinguiu entre resíduos resultantes da exploração mineira, utilizados sem transformação prévia no processo de produção para assegurar o enchimento necessário das galerias e, por outro, os restantes resíduos. O Tribunal de Justiça qualificou os primeiros como subprodutos não abrangidos no âmbito da directiva relativa aos resíduos, porque são utilizados como matéria‑prima no processo industrial mineiro propriamente dito e não podem ser considerados substâncias de que o detentor se desfaz ou tem a intenção de se desfazer, uma vez que, pelo contrário, deles necessita para a sua actividade principal (20).

35.   À luz dos elementos atrás mencionados, fornecidos pela jurisprudência, são efectivamente concebíveis casos em que os chorumes resultantes da exploração agrícola não devem ser considerados resíduos na acepção da directiva, na condição de que seja certa a reutilização dos chorumes «sem transformação prévia, e na continuidade do processo de produção» ou para fins agrícolas – isto é, para fertilização (não é possível descortinar, em geral, outra utilidade).

36.   Poder‑se‑á pensar, por exemplo, numa exploração agrícola tradicional, na qual os animais aí criados são alimentados sobretudo com o que cresce no solo e o solo é, por seu turno, fertilizado pelo estrume dos animais, existindo, deste modo, no contexto da aplicação de chorumes, um ciclo ecológico natural, tal como foi invocado pelos governos intervenientes: é certo que também neste caso se verifica uma eliminação de matérias fecais mas, simultaneamente, a fertilização contribui ou condiciona mesmo o objectivo final da produção agrícola: a fertilização é necessária para obter os correspondentes produtos agrícolas e, deste modo, para criar animais de rendimento, pelo menos em certo número. Um ciclo natural é justamente caracterizado pelo facto de que, na cadeia de produção, vários elementos se condicionam e geram reciprocamente, sendo nesta medida necessários – mesmo que se trate apenas de «resíduos» da produção essencialmente visada.

37.   Neste caso, em minha opinião, pode partir‑se do princípio de que os chorumes constituem um subproduto da exploração pecuária que – como os resíduos das minas que asseguram o enchimento das galerias na exploração mineira – são utilizados na exploração agrícola propriamente dita e não podem ser considerados substâncias de que o detentor tem a intenção de se desfazer.

38.   Mas, por outro lado, se os chorumes são aplicados, por exemplo, em quantidades superiores às que, segundo as boas práticas agrícolas, são necessárias para a fertilização ou mesmo a um terreno que não vale a pena fertilizar porque, por exemplo, não é cultivado ou está em pousio, isto deve constituir um indício suficiente de que o detentor tem a intenção de se desfazer dos chorumes.

39.   Neste sentido, o Tribunal de Justiça declarou também quanto aos resíduos das minas que, no caso de serem utilizados «incorrectamente» para assegurar o enchimento das galerias – assim, na hipótese de essa utilização ser proibida, designadamente por razões de segurança ou de protecção do ambiente, e de as galerias deverem ser fechadas e escoradas através de outro processo – se deverá então considerar que o detentor tem o dever de se desfazer deles e que estes constituem resíduos (21).

40.   No que respeita ao caso que nos ocupa, trata‑se de um estabelecimento de engorda intensiva de suínos, cujos chorumes são transportados para terrenos distantes e aí são despejados. Resulta dos autos que esta aplicação de chorumes é efectuada regularmente de duas em duas semanas e, ao que parece, meramente em função da quantidade produzida no estabelecimento de engorda, sem ter em conta períodos de crescimento ou as estações do ano. Não pode ser determinado com certeza se os terrenos afectados são mesmo cultivados e se, por conseguinte, a fertilização é necessária em geral ou, pelo menos, durante determinados períodos. Pelo contrário, o Governo espanhol não contestou que os terrenos afectados estão em pousio, pelo menos parcialmente. Em qualquer caso, o Governo espanhol não apresentou elementos que permitam concluir que o estabelecimento de engorda obtém ou pretende obter um rendimento agrícola. Assim, uma reutilização dos chorumes como fertilizante não é evidente e de modo algum inquestionável.

41.   Nestas circunstâncias, deve, a meu ver, partir‑se do princípio de que o estabelecimento de engorda em causa tem a intenção de se desfazer dos chorumes, pelo que estes devem ser qualificados como resíduos na acepção da directiva relativa aos resíduos.

42.   Importa sublinhar ainda que o facto de uma substância ser utilizada de modo que não constitua um perigo para a saúde do homem ou para o ambiente não permite deduzir que esta substância não constitui um resíduo. A utilização não perigosa ou inofensiva é realmente importante no que toca ao cumprimento das várias obrigações previstas na directiva – assim, por exemplo, quanto à questão de saber em que medida existe uma obrigação de autorização ou para decidir da intensidade do controlo a exercer – mas não pode, por si só, excluir que isso se traduz em «desfazer‑se» (22).

43.   Por conseguinte, não é necessário examinar aqui se a aplicação de chorumes aos terrenos em questão conduz ou não a um excesso de fertilização azotada e se, em geral, atendendo ao estado do solo em Espanha, pode também ser útil, em determinadas circunstâncias, uma fertilização fora da fase de crescimento vegetativo.

44.   Tendo em conta o exposto, há que concluir que quer os cadáveres de animais quer os chorumes em questão no caso em apreço constituem resíduos na acepção da directiva relativa aos resíduos.

b)      Quanto à disposição derrogatória do artigo 2.°, n.° 1, alínea b), subalínea iii), da directiva relativa aos resíduos

45.   Deve agora examinar‑se se os resíduos em causa são excluídos do campo de aplicação da directiva relativa aos resíduos nos termos da disposição derrogatória do seu artigo 2.°, n.° 1, alínea b).

46.   Esta disposição refere‑se, em geral, a «cadáveres de animais» e a «resíduos agrícolas» na medida em que se trata de «matérias fecais e outras substâncias naturais não perigosas utilizadas nas explorações agrícolas».

47.   Posto isto, não duvido que, por um lado, os cadáveres de suínos e, por outro, os chorumes de suínos, aqui em causa, estão em princípio abrangidos por esta disposição derrogatória. É claro que, nos termos desta disposição derrogatória, a directiva relativa aos resíduos não se aplica a tais resíduos «(s)empre que já abrangidos por outra legislação». Assim, é necessário determinar se existe «outra legislação» relativa a estes resíduos.

48.   Neste ponto, o Governo espanhol invocou, por um lado, uma regulamentação comunitária, mais concretamente, a directiva sobre os nitratos e, por outro, várias disposições legislativas nacionais.

49.   Segundo o acórdão AvestaPolarit, a «outra legislação» na acepção da referida disposição derrogatória pode ser quer uma regulamentação comunitária específica quer uma legislação nacional específica (23).

50.   Independentemente de se tratar de uma regulamentação comunitária específica ou de uma legislação nacional específica, não basta, de modo algum, que esta esteja relacionada, de qualquer forma, com os resíduos em causa. Pelo contrário, uma tal regulamentação deve visar a sua «gestão» como resíduos, na acepção do artigo 1.°, alínea d), da directiva relativa aos resíduos, prosseguir os mesmos objectivos que esta directiva e conduzir a um nível de protecção do ambiente pelo menos equivalente ao pretendido pela referida directiva (24).

51.   No que toca, antes de mais, à directiva sobre os nitratos referida pelo Governo espanhol, é de notar que, como a Comissão assinalou correctamente, esta prossegue objectivos diferentes dos da directiva relativa aos resíduos e não regula a gestão de chorumes ou cadáveres de animais na acepção (lata) do artigo 1.°, alínea d), da directiva relativa aos resíduos. Assim, a directiva sobre os nitratos não prevê um controlo dos estabelecimentos poluidores mas, pelo contrário, um controlo da natureza eventualmente afectada por tais estabelecimentos. Também não impõe aos estabelecimentos que produzem resíduos uma obrigação de autorização correspondente à prevista na directiva relativa aos resíduos. Além disso, nos termos da directiva sobre os nitratos, o controlo abrange apenas as águas afectadas, mas não a protecção do ar, do solo, da fauna e da flora, também referida no artigo 4.° da directiva relativa aos resíduos. Por último, a directiva sobre os nitratos não se refere a eventuais perturbações causadas por ruídos ou cheiros, nem aos danos causados às paisagens.

52.   Em seguida, o Governo espanhol referiu como legislação nacional aplicável aos chorumes os Decretos reais n.os 261/1996 e 324/2000, bem como – na audiência – dois despachos ministeriais de 20 de Outubro de 1980 e de 22 de Fevereiro de 2001, que dizem respeito aos cadáveres de animais.

53.   Note‑se que o Governo espanhol se limitou a mencionar a aplicabilidade da referida legislação que, aliás, não apresentou ao Tribunal de Justiça, sem demonstrar em que medida esta legislação se refere a chorumes ou cadáveres de animais não apenas relativamente a determinados aspectos, mas à sua gestão na acepção do artigo 1.°, alínea d), da directiva relativa aos resíduos e conduz a um nível equivalente de protecção do ambiente. Também não contestou a averiguação pormenorizada a este respeito efectuada pela Comissão, pela qual esta concluiu que não existe qualquer legislação nacional que preencha os referidos critérios.

54.   No que toca, mais especialmente, ao Decreto real n.° 261/1996, trata‑se, segundo as indicações das autoridades espanholas, da transposição para o direito nacional da directiva sobre os nitratos, a qual porém, como já referido supra no n.° 51, não preenche os requisitos da directiva relativa aos resíduos.

55.   De acordo com as informações fornecidas pelo Governo espanhol, o Decreto real n.° 324/2000 ainda não estava em vigor no momento determinante para apreciar a existência do incumprimento.

56.   De resto, o Governo espanhol indicou que, no direito nacional, os chorumes – ao contrário do que, como referido supra, resulta da directiva relativa aos resíduos – não são considerados resíduos, pelo que, logo por isso, é duvidoso que a gestão dos chorumes como resíduos esteja regulada no direito nacional.

57.   No que toca aos referidos despachos ministeriais que, alegadamente, constituem a legislação nacional que abrange os cadáveres de animais, na acepção da directiva relativa aos resíduos, o Governo espanhol indicou apenas que foram adoptados para combater a peste suína e que, nos termos do despacho ministerial de 22 de Fevereiro de 2001, é permitido, em certas condições, enterrar cadáveres de animais em fossas cheias de cal viva. Atendendo a esta indicação resumida do seu conteúdo, estes despachos não constituem uma legislação que regula a gestão de cadáveres de animais como resíduos, na acepção da directiva relativa aos resíduos.

58.   Logo, deve concluir‑se que, no caso vertente, não existe nem uma regulamentação comunitária específica nem uma legislação nacional específica, cujo conteúdo preencha os requisitos do artigo 2.°, n.° 1, alínea b), subalínea iii), da directiva relativa aos resíduos.

59.   Por consequência, esta disposição derrogatória não é, de modo algum, aplicável no caso em apreço. Portanto, não é necessário analisar os argumentos da Comissão, segundo os quais a jurisprudência AvestaPolarit deve ser alterada no sentido de que só as disposições comunitárias devem ser consideradas «outra legislação» na acepção desta disposição derrogatória.

c)      Quanto à violação dos artigos 4.°, 9.° e 13.° da directiva

60.   No que toca, antes de mais, às acusações da Comissão, segundo as quais o estabelecimento de engorda em causa não possui a autorização exigida pelo artigo 9.° nem foi submetido aos controlos periódicos previstos no artigo 13.°, importa notar que o Governo espanhol não contestou que este estabelecimento de engorda não foi submetido a qualquer processo de autorização exigido pelas disposições sobre resíduos e que não foram efectuados quaisquer controlos correspondentes.

61.   Por isso e porque, de resto – como foi exposto anteriormente – deve ser rejeitado o argumento de que a directiva relativa aos resíduos não é aplicável à situação deste estabelecimento de engorda, o fundamento assente na violação dos artigos 9.° e 13.° da directiva relativa aos resíduos deve ser julgado procedente.

62.   A Comissão acusa ainda o Reino de Espanha de não ter tomado as medidas que, nos termos do artigo 4.° das directivas relativas aos resíduos, são necessárias para garantir que os resíduos provenientes do estabelecimento de engorda, em especial chorumes e cadáveres de animais, sejam aproveitados ou eliminados sem pôr em perigo a saúde humana e sem agredir o ambiente.

63.   Nas suas observações, o Governo espanhol limitou‑se quase exclusivamente a afirmar que os chorumes não constituem resíduos, sem praticamente se pronunciar quanto às várias acusações. Contestou ainda, por várias vezes, a coerência e a força probatória de várias indicações da Comissão relativamente ao depósito e à utilização dos chorumes e cadáveres de animais, com base nas quais esta última alega a violação, mas, tudo ponderado, não contrariou a veracidade destes factos.

64.   Em particular, o Governo espanhol não se pronunciou quanto à existência de uma fossa – que a Comissão entende ser demasiado pequena – para depositar os cadáveres de animais e não contestou o argumento da Comissão de que nas imediações do estabelecimento de engorda de suínos se verifica uma eliminação não controlada de cadáveres de animais o que, por consequência, causa cheiros muito desagradáveis.

65.   Pelo contrário, o Governo espanhol admitiu que a utilização dos chorumes e de «outro material orgânico» dá, inevitavelmente, origem a cheiros.

66.   O Governo espanhol também não contestou que o estabelecimento de engorda de suínos em questão produz diariamente cerca de 12 m3 de chorumes e que os chorumes são quinzenalmente retirados da fossa e despejados em dois terrenos com uma superfície total de 85 ha. Dos argumentos do Governo espanhol e dos autos não resulta que uma parte dos chorumes seja submetida a um tratamento diferente, pelo que a totalidade dos chorumes resultantes da referida exploração de suínos, que compreende cerca de 3 400 animais, é despejada numa superfície de 85 ha, ao longo de todo o ano e sem atender a períodos de crescimento, embora os terrenos em questão estejam em pousio, pelo menos parcialmente.

67.   O argumento do Governo espanhol relativamente ao método «año y ves» em geral utilizado, segundo as suas indicações, para cultivar cereais e que consiste em cultivar um terreno apenas de dois em dois anos, pode explicar por que razão os terrenos em causa estão parcialmente em pousio ou que, não obstante, são em princípio cultivados, mas não logra, em minha opinião, infirmar o raciocínio da Comissão, segundo o qual esta aplicação dos chorumes não corresponde a uma boa prática agrícola e existe um excesso de fertilização. O facto de o código de boa prática agrícola adoptado pela Junta de Andalucía e ao qual a Comissão também se referiu proibir a fertilização ao longo de todo o ano constitui pelo menos um indício de que, no caso em apreço, não existe uma prática de fertilização natural, mesmo que este código não seja juridicamente vinculativo para a exploração de suínos.

68.   Além disso, o Governo espanhol indicou que foram agora tomadas medidas contra o estabelecimento de engorda e que este poderá em breve vir a ser encerrado. A este respeito, basta recordar que, segundo jurisprudência assente, a existência de incumprimento deve ser apreciada em função da situação do Estado‑Membro em causa tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, não sendo as alterações posteriormente ocorridas tomadas em consideração pelo Tribunal de Justiça (25).

69.   Por último, é de notar que o estabelecimento de engorda em questão está em funcionamento desde 1976 e que, pelo menos quanto ao período decorrente até ao termo do prazo fixado no parecer fundamentado, não são conhecidas quaisquer medidas concretas em matéria de resíduos tomadas pelas autoridades espanholas face ao estabelecimento de engorda em causa.

70.   Pelas razões expostas, e não tendo o Governo espanhol apresentado argumentos convincentes em contrário, mesmo atendendo à margem de apreciação que o artigo 4.° da directiva relativa aos resíduos deixa aos Estados‑Membros (26), há que considerar que tem fundamento a acusação da Comissão assente na violação deste artigo.

71.   Nestes termos, deve concluir‑se que o Reino de Espanha violou os artigos 4.°, 9.° e 13.° da directiva relativa aos resíduos.

V –    Quanto à violação da directiva AIA

A –    Principais argumentos das partes

72.   Através do segundo fundamento, a Comissão acusa o Reino de Espanha de ter violado os artigos 2.° e 4.°, n.° 2, da directiva AIA, na sua versão original ou alterada, ao não proceder a uma avaliação do impacto ambiental previamente à construção ou modificação posterior do estabelecimento de engorda em causa.

73.   Observa que, pelas suas dimensões e localização, o estabelecimento de engorda tem consequências negativas para o ambiente (em especial a poluição das águas e os maus cheiros), pelo que devia ter sido efectuada uma avaliação prévia do impacto ambiental. Porém, resulta da resposta do Governo espanhol que o estabelecimento não foi submetido a uma tal avaliação nem antes da sua construção – ocorrida antes da entrada em vigor da directiva AIA alterada, isto é, abrangida pelo âmbito de aplicação da directiva AIA, na sua versão original – nem após a sua ampliação – ou seja, quando aquela directiva já devia ter sido transposta.

74.   O Governo espanhol contesta a admissibilidade deste argumento, alegando que a Comissão não precisou qual a versão da directiva AIA que entende ter sido violada. A título subsidiário, defende que é pertinente a versão alterada, porque a directiva AIA alterada devia ter sido transposta até 14 de Março de 1999 e a data determinante para apreciar o incumprimento em apreço, tal como resulta do parecer fundamentado, é o dia 26 de Setembro de 2001.

75.   Observa que o estabelecimento de engorda em causa não pode ser considerado um projecto na acepção do anexo I, ponto 17, alínea b), da directiva AIA na versão alterada. Indica ainda que o estabelecimento de engorda foi construído em 1976 e, deste modo, antes da adesão da Espanha à Comunidade Europeia, e que só a partir de 1996, na sequência de um pedido de autorização apresentado ao município, relativo à legalização e ampliação do estabelecimento, se colocou o problema de uma avaliação do impacto ambiental, nos termos da lei andaluza n.° 7/1994. Este processo de autorização culminou num relatório negativo sobre os efeitos ambientais que, por seu turno, resultou na abertura de um processo para aplicação de sanções, susceptível de conduzir ao encerramento do estabelecimento.

76.   A Comissão observa que se referiu a ambas as versões da directiva porque o Governo espanhol não indicou, na fase pré‑contenciosa, quando é que o estabelecimento de engorda em causa foi construído e ampliado. Na réplica, limita a sua crítica à ampliação do estabelecimento de engorda e observa que, com base nas informações contidas na contestação, a existência do incumprimento deve ser analisada à luz da versão original da directiva AIA porque, embora o pedido de autorização do estabelecimento de engorda só tenha sido apresentado em 26 de Março de 1999 (e não logo em 1996) é de supor que a ampliação já tinha ocorrido antes desta data.

77.   Contudo, para a hipótese de ser aplicável a directiva AIA alterada, a Comissão mantém, a título subsidiário, o fundamento assente na violação desta directiva.

78.   O argumento do Governo espanhol, de que a ampliação do estabelecimento de engorda foi objecto de uma avaliação do impacto ambiental nos termos da lei andaluza n.° 7/1994 é rejeitado pela Comissão com o fundamento de que esta avaliação, contrariamente ao exigido, só foi efectuada após a execução do projecto.

B –    Quanto à admissibilidade

79.   Quanto à questão prévia de admissibilidade, suscitada pelo Governo espanhol, deve notar‑se desde logo que este não acusa a Comissão de não lhe ter comunicado os elementos necessários à preparação da sua defesa, circunstância que inquinaria a regularidade do processo por incumprimento de Estado (27). Em especial, não existe qualquer divergência inadmissível entre o parecer fundamentado e a petição e, deste modo, o objecto do litígio não foi alargado ou alterado (28), porque a Comissão se refere em alternativa, quer no parecer fundamentado quer na petição, à versão original e à versão alterada da directiva AIA.

80.   Pelo contrário, no caso vertente coloca‑se a questão de saber se a petição preenche, em si mesma, os requisitos de admissibilidade.

81.   Segundo jurisprudência assente, a Comissão deve indicar, em qualquer requerimento apresentado nos termos do artigo 226.° CE, as acusações exactas sobre as quais o Tribunal de Justiça se deve pronunciar, bem como, de forma pelo menos sumária, os elementos de facto e de direito em que essas acusações se baseiam. Deve precisar os factos e circunstâncias que estão na origem do incumprimento, para que o Tribunal de Justiça possa decidir sobre a lide, nos termos em que esta lhe é submetida pela Comissão (29).

82.   No caso em apreço, resulta da petição que a Comissão critica a circunstância de o estabelecimento de engorda em causa ter sido construído e ampliado sem uma avaliação prévia do impacto ambiental. Ela salienta ainda que, no seu entendimento, isto constitui uma violação dos artigos 2.° e 4.° da directiva AIA, embora se refira à versão original «ou» à versão alterada desta directiva porque, como indicou, desconhece as datas exactas das violações.

83.   Em minha opinião, quanto ao presente fundamento, o objecto do litígio está, portanto, suficientemente delimitado na petição para preencher os requisitos de admissibilidade. Manifestamente, a Comissão solicita que o Tribunal de Justiça examine quer à luz da versão original quer à luz da versão alterada da directiva se, devido às circunstâncias que refere, existe uma violação do direito comunitário. Nesta medida, «ou» deve ser entendido como «e/ou» e a Comissão podia ter igualmente criticado o facto de não ter sido efectuada uma avaliação do impacto ambiental antes da construção ou da ampliação do estabelecimento de engorda, separadamente, como violação da directiva na sua versão original e como violação da directiva AIA alterada, sem que um destes fundamentos fosse inadmissível. Pelo contrário, um dos dois fundamentos seria eventualmente improcedente, por não estar coberto pelo âmbito de aplicação temporal da respectiva versão da directiva.

84.   Assim, no caso em apreço, as questões relativas ao momento em que se verificou o incumprimento e à versão da directiva aplicável devem ser abordadas ao apreciar o mérito. Eventualmente, a insuficiência das indicações fornecidas pela Comissão relativamente a estas questões poderá colocar um problema de falta de fundamento do argumento, não de admissibilidade.

85.   De resto, importa constatar que a Comissão pode, no decurso do processo no Tribunal de Justiça e à luz dos argumentos do Estado‑Membro acusado, desistir de determinadas acusações ou limitar as suas acusações e que, por outro lado, o Estado‑Membro acusado pode também, no decurso do processo, não contestar ou reconhecer o mérito de um argumento da Comissão. Assim, é admissível que a Comissão tenha limitado, na réplica, o argumento da ausência da avaliação do impacto ambiental à ampliação do estabelecimento de engorda, dado que isto também não acarreta qualquer desvantagem para o Estado‑Membro acusado.

C –    Quanto ao mérito

86.   Relativamente à ampliação do estabelecimento de engorda em causa, a Comissão acusa o Reino de Espanha de não ter cumprido a obrigação de avaliação prévia do impacto ambiental deste projecto, decorrente da directiva AIA na sua versão original ou na sua versão alterada.

87.   Segundo jurisprudência assente, no quadro de uma acção por incumprimento proposta nos termos do artigo 226.° CE, cabe à Comissão provar o incumprimento alegado. É ela que deve apresentar ao Tribunal de Justiça todos os elementos necessários para que este verifique a existência desse incumprimento, não podendo basear‑se numa qualquer presunção (30).

88.   Para provar o incumprimento de uma obrigação prevista numa directiva é necessário demonstrar, antes de mais, que os factos em causa estão abrangidos pelo âmbito de aplicação desta directiva.

89.   Segundo a Comissão, a ampliação do estabelecimento de engorda é abrangida pelo âmbito de aplicação temporal da directiva AIA na sua versão original, porque o pedido de autorização do estabelecimento de engorda foi apresentado em 26 de Março de 1999 e a ampliação do estabelecimento parece ter sido efectuada já antes desta data. Sendo determinante a referida data da apresentação do pedido, é aplicável a directiva na sua versão alterada.

90.   A este respeito, note‑se que a Comissão não acusa o Reino de Espanha de não ter adoptado, em geral, as medidas necessárias para assegurar que projectos como o estabelecimento de engorda em causa sejam submetidos a uma avaliação prévia do impacto ambiental à luz da versão original ou da versão alterada da directiva AIA. Pelo contrário, deduz o incumprimento em concreto da circunstância de que, como salienta na réplica, o estabelecimento de engorda controvertido não foi, de facto, submetido a qualquer avaliação do impacto ambiental antes de ter sido ampliado.

91.   Nesta medida, no contexto da apreciação do mérito deste argumento, só pode ser relevante a data da efectiva ampliação e não a da posterior apresentação do pedido.

92.   Todavia, a Comissão admitiu, na petição, desconhecer a data da ampliação do estabelecimento de engorda. Mas, com base nas alegações do Governo espanhol na contestação, a Comissão constatou, na réplica, que a ampliação foi efectuada, em qualquer caso, antes de Março de 1999. Não tendo isto sido subsequentemente contestado pelo Governo espanhol que, de resto, não se pronunciou substancialmente sobre este aspecto, pode considerar‑se que esta conclusão está correcta.

93.   O prazo de transposição da directiva AIA na versão alterada expirou em 16 de Março de 1999, ou seja, após a ampliação controvertida. Por conseguinte, a procedência do argumento da Comissão deve ser examinada à luz da directiva AIA na sua versão original e o fundamento com referência à directiva AIA alterada é improcedente.

94.   A este respeito, importa referir que é possível – como a Comissão o faz – partir‑se do princípio de que o estabelecimento de engorda foi ampliado antes de Março de 1999. Além disso, é pacífico que esta ampliação foi realizada pelo menos sem uma avaliação prévia do impacto ambiental.

95.   Porém, penso que isto não é suficiente para provar uma violação da directiva AIA.

96.   No caso vertente, coloca‑se a questão de saber se o Reino de Espanha cumpriu a obrigação que lhe incumbe por força do artigo 2.° da directiva, de tomar as disposições necessárias para que, antes da concessão da aprovação, os projectos que possam ter um impacto significativo no ambiente, nomeadamente pela sua natureza, dimensões ou localização, sejam submetidos à avaliação dos seus efeitos sobre o ambiente.

97.   Como é natural, o incumprimento desta obrigação – tanto mais que se trata de uma obrigação de resultado – pode resultar de um caso concreto (31). Contudo, deve resultar do caso concreto que o Estado‑Membro em causa não tomou as disposições necessárias.

98.   É certo que o artigo 2.° da directiva obriga inequivocamente as autoridades competentes dos Estados‑Membros a submeter determinados projectos a uma avaliação do impacto ambiental. Nesta medida, o Tribunal de Justiça declarou também que a Comissão pode provar a violação deste artigo demonstrando que um projecto susceptível de produzir um impacto significativo no ambiente não foi objecto de um estudo do impacto ambiental quando deveria tê‑lo sido (32).

99.   Porém, isto diz respeito aos casos em que as autoridades do Estado‑Membro aprovaram um projecto sem que tenha sido realizada uma avaliação adequada dos seus efeitos ambientais (33). Em contrapartida, quando não foi efectuada uma avaliação do impacto ambiental, por exemplo, porque, em violação das disposições nacionais, não foi apresentado qualquer pedido de autorização e o projecto foi executado de modo absolutamente ilegal, entendo que é necessário apresentar outros elementos dos quais resulte que o Estado‑Membro em questão não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da directiva.

100. Por outras palavras, não é possível deduzir directamente da não conformidade de uma situação de facto com os objectivos fixados no artigo 2.° da directiva AIA – no caso vertente, da circunstância de que o estabelecimento de engorda em causa, porque também não foi apresentado qualquer pedido de autorização, foi ampliado sem avaliação prévia do impacto ambiental – que o Estado‑Membro em causa não cumpriu necessariamente as obrigações impostas por esta disposição (34). Para provar um tal incumprimento seria também necessário, por exemplo, demonstrar que esta situação (ilegal) persistiu durante um período prolongado, sem intervenção das autoridades competentes e sem terem sido tomadas as medidas correspondentes (35).

101. No caso vertente, a Comissão não pôde provar a data exacta da ampliação do estabelecimento de engorda controvertido, pelo que não é possível determinar mais precisamente desde quando persiste a situação «ilegal» e em que medida as autoridades competentes podem ser acusadas de uma omissão. O incumprimento das obrigações que incumbem ao Reino de Espanha por força do artigo 2.° da directiva AIA poderia, por exemplo, ter sido provado através de indícios de que as autoridades competentes tomaram conhecimento da ampliação ilegal ou a deviam conhecer – pressupondo que as autoridades têm, pelo menos, um mínimo de obrigações de fiscalização (independentemente do artigo 13.°) – com base no facto de a ampliação já ter sido efectuada há muito tempo ou noutras circunstâncias – e de que, não obstante, as autoridades não tomaram medidas eficazes no sentido de sancionar a ampliação ilegal ou de efectuar uma avaliação posterior do impacto ambiental. Deve sublinhar‑se de novo que o argumento da Comissão não abrange expressamente o comportamento das autoridades após a apresentação, em Março de 1999, do pedido de autorização do estabelecimento de engorda ampliado, mas que assenta apenas no facto de que, em qualquer caso, não foi efectuada qualquer avaliação do impacto ambiental antes da ampliação deste estabelecimento. Porém, como expliquei, apenas com base nesta circunstância, não é possível deduzir automaticamente que o Reino de Espanha não tenha cumprido as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 2.° da directiva AIA, porque não é claro em que medida as autoridades do Estado‑Membro são responsáveis por esta situação.

102. Por conseguinte, a Comissão não demonstrou suficientemente, do ponto de vista jurídico, a existência de uma violação da directiva AIA na sua versão original ou na sua versão alterada. Logo, esta acusação é infundada.

VI – Violação da directiva relativa às águas subterrâneas

A –    Principais argumentos das partes

103. A Comissão entende que o Reino de Espanha violou o artigo 3.°, alínea b), o artigo 5.°, n.° 1 e o artigo 7.° da directiva relativa às águas subterrâneas ao não ter submetido a qualquer estudo hidrogeológico prévio a zona afectada pelo estabelecimento de engorda em causa.

104. Defende que o estudo hidrogeológico era necessário, dado que as águas subterrâneas da zona pertinente podem ser afectadas por substâncias perigosas quando o estabelecimento de engorda aplica os seus chorumes a terrenos agrícolas. Isto é demonstrado através de um parecer que confirma a porosidade do solo.

105. Nas suas observações, a Comissão limita‑se a referir a eventual poluição das águas subterrâneas pelos nitratos. Considera que os nitratos são uma substância perigosa, na acepção da directiva relativa às águas subterrâneas, dado que estão abrangidos pelo ponto 3 da Lista II.

106. O Governo espanhol considera que a utilização de chorumes como adubos não constitui qualquer acção para eliminar as substâncias abrangidas pela directiva relativa às águas subterrâneas (artigo 5.°, segundo travessão, da directiva relativa às águas subterrâneas), mas um aproveitamento dos resíduos da exploração pecuária para fins de fertilização.

107. Mesmo que seja aplicável a directiva relativa às águas subterrâneas não existe, de modo algum, qualquer contaminação causada por substâncias perigosas na acepção desta directiva, dado que os nitratos referidos pela Comissão não estão abrangidos pela sua Lista II. De resto, invoca também um parecer no qual se conclui que o solo da zona pertinente é, em larga medida, estanque.

B –    Apreciação

108. Importa examinar se a obrigação de realizar um estudo hidrogeológico, prevista na directiva relativa às águas subterrâneas, é aplicável a uma situação como a que está em apreço.

109. Nos termos do artigo 3.°, alínea b), da directiva relativa às águas subterrâneas, os Estados‑Membros tomam as medidas necessárias para limitar a introdução de substâncias constantes da Lista II nas águas subterrâneas, a fim de evitar a poluição dessas águas por essas substâncias. Para cumprimento desta obrigação, os Estados‑Membros devem, designadamente, submeter a uma investigação prévia «as acções de eliminação ou de depósito para eliminar essas substâncias, susceptíveis de levar a uma descarga indirecta». Nos termos do artigo 7.° da directiva, esta investigação prévia deve incluir um estudo das condições hidrogeológicas.

110. Para que esta obrigação exista é necessário, em primeiro lugar, que esteja em causa a descarga de uma substância abrangida pela directiva relativa às águas subterrâneas. Segundo a Comissão, este requisito está preenchido, porque – como explica, remetendo para um parecer – as águas subterrâneas da zona em causa estão poluídas por nitratos e os nitratos constituem uma substância abrangida pelo ponto 3 da Lista II da directiva.

111. Porém, este ponto refere‑se a substâncias «que têm um efeito prejudicial no sabor e/ou no cheiro das águas subterrâneas [...]».

112. A este respeito, note‑se que a Comissão também não afirmou que os nitratos têm um efeito prejudicial no sabor e/ou no cheiro das águas subterrâneas.

113. No que toca ao segundo tipo de substâncias abrangidas pelo ponto 3 da Lista II, mais concretamente aos «compostos susceptíveis de produzir essas substâncias nas águas e torná‑las impróprias para o consumo humano», não foi alegado que os nitratos são susceptíveis de produzir essas substâncias. De resto, a menção «e torná‑las impróprias para o consumo humano» não deve ser lida separadamente do resto da frase como descrição alternativa de uma categoria de substâncias na qual os nitratos devem seguramente ser subsumidos. Com efeito, uma enumeração alternativa devia apresentar, por um lado, uma estrutura linguística diferente, por exemplo, através da utilização de «e/ou» – como mais acima na mesma frase. Por outro lado, a Lista II, na qual os compostos são referidos nominalmente ou descritos com exactidão, inclui, de modo contrário ao sistema, uma categoria geral de substâncias. Deve, portanto, concluir‑se que os nitratos não estão abrangidos pelo ponto 3 da Lista II, referido pela Comissão.

114. Além disso deve considerar‑se, de maneira geral, que o nitrato, conhecido como um metal pesado nocivo para a saúde, especialmente frequente em regiões agrícolas, deveria constar da Lista I ou da Lista II da directiva, se a directiva relativa às águas subterrâneas abrangesse esta substância.

115. Pelo contrário, precisamente tendo em conta os factos nos quais a Comissão baseia o presente fundamento, designadamente a poluição causada por nitratos provenientes de uma exploração agrícola, verifica‑se que a directiva sobre os nitratos constitui um instrumento jurídico concebido de modo específico para tais situações.

116. Assim, não foi demonstrado que, no caso em apreço, se trata da descarga de uma substância abrangida pelo âmbito de aplicação da directiva relativa às águas subterrâneas.

117. Do mesmo modo, há que observar que a directiva visa impedir ou limitar «descargas» nas águas subterrâneas (v., por exemplo, o sétimo considerando e o artigo 3.° da directiva), sendo o conceito de «descarga» descrito como «a introdução nas águas subterrâneas de substâncias» [artigo 1.°, n.° 2, alíneas b) e c) da directiva]. Considero que se trata de uma descrição muito inadequada para a utilização de chorumes na agricultura e duvido igualmente que, na ausência de quaisquer indicações na directiva, esta operação possa estar abrangida pelo âmbito de aplicação da directiva.

118. Acresce que, tal como já referi atrás, com base no facto de que os chorumes devem ser qualificados, em certas condições, como «resíduos» na acepção da directiva relativa aos resíduos, não se pode necessariamente deduzir que a aplicação de chorumes deve ser subsumida ao conceito de «acções de eliminação [...] (d)essas substâncias, susceptíveis de levar a uma descarga indirecta», na acepção do artigo 5.°, n.° 1, primeira frase, segundo travessão, da directiva relativa às águas subterrâneas. Com efeito, a directiva relativa aos resíduos prossegue objectivos diferentes dos da directiva relativa às águas subterrâneas e a expressão «desfazer‑se», que está subjacente ao conceito de resíduo da primeira directiva, não é necessariamente idêntico ao conceito de «eliminação» constante do artigo 5.°, n.° 1, primeira frase, segundo travessão, da directiva relativa às águas subterrâneas.

119. Por último, é de considerar também que o mecanismo de controlo e de autorização da directiva relativa aos resíduos se refere, em princípio, ao estabelecimento individualmente considerado, ao passo que a obrigação de efectuar uma investigação prévia, prevista no artigo 5.°, n.° 1, primeira frase, segundo travessão, da directiva relativa às águas subterrâneas está associada, em geral, a «acções» de eliminação de substâncias susceptíveis de levar a uma descarga indirecta.

120. Qualificar a aplicação de chorumes, em geral, como uma tal acção significaria, em consequência, que a utilização de chorumes na agricultura pressupõe sempre (ou pelo menos inicialmente?) uma avaliação prévia, incluindo um estudo hidrogeológico da zona em causa, independentemente do objectivo e da intensidade da aplicação de chorumes e do tipo de exploração agrícola. Entendo que uma tal obrigação seria, pura e simplesmente, demasiado burocrática e absurda.

121. Não é sem razão que a directiva sobre os nitratos, que se refere especialmente à poluição causada por nitratos de origem agrícola, assenta sobretudo em instrumentos de âmbito vasto e regional como programas de acção e a adopção de medidas gerais – de carácter vinculativo ou não.

122. Por conseguinte, entendo que, no presente contexto, a directiva relativa às águas subterrâneas não é pertinente e, assim, é improcedente o fundamento da Comissão, segundo o qual esta directiva foi violada por não ter sido realizado um estudo hidrogeológico. Não é necessário, por isso, examinar outras questões, como a porosidade do solo em causa.

VII – Violação da directiva relativa às águas residuais

A –    Principais argumentos das partes

123. A Comissão acusa o Reino de Espanha de não ter cumprido as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 5.°, n.° 2, da directiva relativa às águas residuais, ao não submeter as águas residuais urbanas do município de Vera a um tratamento mais rigoroso do que o descrito no artigo 4.° da directiva.

124. A este respeito, salienta que as águas residuais urbanas são lançadas no rio Antas, o qual devia ter sido identificado como zona sensível, na acepção do artigo 5.°, n.° 1, em conjugação com o anexo II A da directiva relativa às águas residuais. Como fundamentação, remete para um parecer do Instituto ERM.

125. Um parecer do Instituto TECNOMA indica que no curso inferior do rio existe uma laguna natural que só é alimentada pelo rio Antas, o qual é utilizado como escoamento para a estação de tratamento de águas residuais do município de Vera. Resulta também deste parecer que as águas residuais urbanas foram submetidas a um tratamento insuficiente.

126. Além disso, com base em indicações sobre habitantes e turistas em páginas da Internet das autoridades regionais, a Comissão calcula um equivalente de população local muito mais elevado que o equivalente de população «superior a 10 000», necessário para a aplicação do artigo 5.°, n.° 2.

127. O Governo espanhol contesta que toda a região do rio Antas devesse ter sido identificada como zona sensível. Da identificação como zona sensível da laguna costeira do Antas não decorre automaticamente que todo o rio devia ter sido identificado como tal. As águas do Antas são sobretudo subterrâneas e, na ausência de luz, não pode ocorrer nelas qualquer eutrofização.

128. Além disso, o Governo espanhol invoca vários argumentos para contestar a exactidão do equivalente de população calculado pela Comissão. Afirma que é determinante não o ano de 2003, ao qual os números da Comissão se referem mas, nos termos do parecer fundamentado, o ano de 2001. Nesta data, a região afectada apresentava um equivalente de população muito inferior ao calculado pela Comissão.

B –    Apreciação

129. Com a sua alegação, a Comissão critica o facto de as águas residuais urbanas do município de Vera, antes de serem lançadas no rio Antas, não terem sido submetidas a um tratamento mais rigoroso do que o descrito no artigo 4.° da directiva relativa às águas residuais.

130. Nos termos do artigo 5.°, n.° 2, da directiva relativa às águas residuais, a partir de 31 de Dezembro de 1998, um tal tratamento só deve ser garantido na medida em que se trate de águas residuais lançadas em zonas sensíveis e de sistemas colectores de aglomerações com um e. p. superior a 10 000.

131. Em primeiro lugar, no que toca à condição do lançamento numa zona sensível, é pacífico que o rio Antas, no qual, segundo a Comissão indicou, são lançadas as águas residuais urbanas do município de Vera, não foi identificado pelo Reino de Espanha como zona sensível, na acepção do artigo 5.°, n.° 1, da directiva relativa às águas residuais.

132. Contudo, no caso em apreço não é relevante se o próprio rio Antas foi identificado como zona sensível ou, como a Comissão entende, devia ter sido identificado como tal.

133. Com efeito, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o artigo 5.°, n.° 2, da directiva relativa às águas residuais impõe a obrigação de sujeitar a um tratamento mais rigoroso as águas residuais urbanas que entrem nos sistemas colectores também no caso de as águas só serem indirectamente lançadas numa zona sensível (36).

134. Em qualquer caso, o rio Antas, através do qual são lançadas as águas residuais urbanas da estação de depuração do município de Vera numa laguna natural do rio, corre para a laguna costeira do Antas que, incontestavelmente, foi identificada pelo Reino de Espanha como zona sensível na acepção do artigo 5.°, n.° 1, da directiva relativa aos resíduos. Assim, as águas residuais do município de Vera são indirectamente lançadas numa zona sensível.

135. Em seguida, no que se refere ao equivalente de população superior a 10 000 como outro pressuposto da obrigação de efectuar um tratamento mais rigoroso, resulta do artigo 2.°, ponto 6, da directiva relativa às águas residuais, que o equivalente de população é uma variável que indica a qualidade média da água calculada por cada habitante.

136. Dado que os equivalentes de população indicados na directiva relativa às águas residuais expressam uma determinada carga (37), ao calcular estes valores com base no número de habitantes só devem ser incluídos habitantes cujas águas residuais são recebidas na estação de tratamento. Nesta medida, trata‑se de determinar quantas pessoas estão, efectivamente, presentes na área abrangida pela estação de tratamento em causa, sendo irrelevante se estas pessoas estão registadas como habitantes do município.

137. Portanto, a Comissão incluiu correctamente nos seus cálculos também pessoas que se encontram no território do município de Vera, por exemplo, como turistas.

138. Ao calcular o equivalente de população, a Comissão pode referir‑se à época alta pois, nos termos do artigo 4.°, n.° 4, da directiva relativa às águas residuais, a carga, expressa em e. p. será calculada «com base na carga média semanal máxima recebida na estação de tratamento durante um ano».

139. No que toca ao equivalente de população concreto do município de Vera, o Governo espanhol confirmou que, no ano de 2001, Vera contava 7 664 e Antas 2 844 habitantes (permanentes). Nesta medida, é irrelevante que a Comissão se tenha baseado primeiro em estatísticas do ano de 2003. É certo que, além disso, o Governo espanhol afirmou não estar provado que Antas pertence ao município de Vera, mas também não o contestou substancialmente. Em consequência, pode partir‑se do princípio de que o número de habitantes permanentes era superior a 10 000.

140. Além disso, a Comissão calculou que estão ainda presentes na zona em causa mais de 9 000 outras pessoas, número que resulta das capacidades hoteleiras existentes no município de Vera, dos parques de campismo, dos apartamentos de férias, residências secundárias e urbanizações.

141. No respeitante a estes dados, é de sublinhar que o Governo espanhol confirmou, em qualquer caso, que as pensões podem alojar 43 pessoas e os hotéis 659 pessoas. Além disso, segundo a documentação apresentada pela Comissão, o parque de campismo local pode acolher 2 700 pessoas.

142. Por conseguinte, mesmo que, como o Governo espanhol alegou, algumas das urbanizações incluídas nos cálculos da Comissão não pertençam ao território do município aqui relevante e alguns habitantes tenham sido contados duas vezes – por exemplo, atendendo às residências secundárias – entendo que, mesmo admitindo uma grande margem de erro, a Comissão provou que o município de Vera tem, em qualquer caso, um equivalente de população superior a 10 000, sem que este tenha de ser determinado mais pormenorizadamente para os efeitos do artigo 4.°, n.° 2, da directiva relativa às águas residuais.

143. Porque as águas residuais do município de Vera, um município com um equivalente de população superior a 10 000, são indirectamente lançadas numa zona sensível seria necessário – dado que, nos termos do artigo 4.°, n.° 2, da directiva relativa às águas residuais, esta obrigação existe desde 31 de Dezembro de 1998 – submeter estas águas residuais a um tratamento mais rigoroso do que o descrito no artigo 5.° da directiva.

144. Contudo, o Governo espanhol não contestou que as águas residuais em questão não foram submetidas a um tal tratamento, mas indicou, pelo contrário, que solicitou à sociedade que explora a estação de depuração em causa um estudo sobre as águas residuais do município o qual, porém, ainda não está disponível.

145. Tendo em conta o que antecede, o quarto fundamento da Comissão é procedente.

VIII – Violação da directiva sobre os nitratos

A –    Principais argumentos das partes

146. Através do quinto fundamento, a Comissão acusa o Reino de Espanha de ter violado o artigo 3.°, n.os  1, 2 e 4, da directiva sobre os nitratos, ao não declarar a Rambla de Mojácar zona vulnerável, embora esta região drene para a laguna costeira do rio Antas, identificada como zona sensível.

147. A Comissão contesta a questão prévia de admissibilidade deste fundamento, suscitada pelo Governo espanhol, alegando que, por um lado, dedicou a este fundamento uma página inteira do parecer fundamentado e, por outro, o princípio non bis in idem ou não é aplicável à acção por incumprimento ou não é, de qualquer modo, pertinente no caso em apreço.

148. Por outro lado, a Comissão apoia o conteúdo da sua crítica no estudo do Instituto ERM, do qual resulta que as águas em questão são eutróficas e contêm uma elevada concentração de nitratos. Observa que decorre do anexo I da directiva sobre os nitratos que não é necessário existir uma concentração de nitratos superior a 50 mg/l para ter de declarar vulnerável a zona em questão, pois basta que as águas subterrâneas possam conter uma tal quantidade. O mesmo é válido relativamente ao critério da eutrofização. Refere‑se também aos dados do Instituto Geológico y Minero de España, dos quais resulta que a região hidrogeológica 06.06 do Bajo Almanzora apresenta uma concentração de nitratos superior a 50 mg/l. Sustenta que a origem agrícola da poluição causada por nitratos é sugerida por uma outra publicação deste instituto, que data de 1999, sobre a qualidade química e a poluição das águas subterrâneas em Espanha, que se refere aos anos de 1982–1993.

149. O Governo espanhol sustenta que o fundamento assente na violação da directiva sobre os nitratos é inadmissível por duas razões. Por um lado, porque no parecer fundamentado a directiva sobre os nitratos só é mencionada nos pedidos numa oração subordinada, a propósito da directiva AIA. Por outro lado, porque antes de ter sido intentada a presente acção, a Comissão, no contexto de uma outra acção por incumprimento, já lhe tinha enviado uma notificação para cumprir com um fundamento idêntico ao do presente processo e porque a Comissão viola assim o princípio non bis in idem.

150. Subsidiariamente, o Governo espanhol contesta a intensidade da poluição causada por nitratos referida pela Comissão, bem como a sua origem agrícola, que entende não ter sido demonstrada pelo estudo do Instituto ERM – que apresenta várias deficiências. Por outro lado, o Bajo Almanzora, ao qual se refere a publicação do ano de 1999, mencionada pela Comissão, não é comparável à região em causa no presente processo. Numa perspectiva hidrogeológica, os rios Antas e Aguas estão separados da região de Bajo Almanzora e encontram‑se também numa região essencialmente turística.

1.      Apreciação

a)      Quanto à admissibilidade

151. Em primeiro lugar, há que analisar o argumento segundo o qual a presente acusação é inadmissível, porque não constava da parte decisória do parecer fundamentado.

152. Segundo jurisprudência assente, as acusações que serão mais tarde formuladas na petição devem estar logo claramente indicadas no parecer fundamentado. Esta exigência revela‑se indispensável para delimitar claramente o objecto do litígio antes da abertura da fase contenciosa e para assegurar que o Estado‑Membro em causa tenha um conhecimento exacto das acusações que a Comissão mantém contra ele e possa, assim, pôr termo aos incumprimentos alegados ou invocar os seus argumentos de defesa antes da eventual propositura de uma acção pela Comissão no Tribunal de Justiça (38).

153. Por consequência, embora, em princípio, a parte decisória do parecer fundamentado deva coincidir com a da petição (39), o facto de uma acusação não ser mencionada na parte decisória do parecer fundamentado não torna esta acusação inadmissível, se o Estado‑Membro em causa pode entender facilmente, com base no restante conteúdo da carta, que este fundamento é invocado contra ele. Com efeito, nesta hipótese, o Estado‑Membro pode exercer os seus direitos de defesa.

154. É o que acontece neste caso dado que, como também foi admitido pelo Governo espanhol, a Comissão dedicou quase uma página inteira do parecer fundamentado à imputação assente na violação da directiva sobre os nitratos e, além disso, também referiu esta imputação na capa e na parte introdutória. Assim, resulta inequivocamente do conteúdo geral do parecer fundamentado que a Comissão pretendia também invocar o fundamento assente nesta violação.

155. Em seguida, o Governo espanhol alegou uma violação do princípio non bis in idem, que proíbe punir uma mesma pessoa mais do que uma vez pelo mesmo comportamento ilícito, a fim de proteger o mesmo bem jurídico (40) A este respeito há que observar, como o faz a Comissão, que, por um lado, a acção de incumprimento prevista no artigo 226.° CE implica apenas uma verificação objectiva de que o Estado‑Membro – atendendo à situação tal como se apresenta na data relevante para a apreciação – não cumpriu as obrigações que lhe são impostas pelo Tratado (41). Assim, este processo não tem, em si mesmo, qualquer carácter sancionatório pelo que, desde logo por esta razão, entendo que o princípio non bis in idem não é pertinente neste contexto (42). Acresce que uma outra acção por incumprimento intentada, em qualquer caso, após o presente processo não pode implicar a inadmissibilidade deste último.

156. Assim, a quinta imputação da Comissão é admissível.

B –    Quanto ao mérito

157. De acordo com o artigo 3.°, n.° 2, da directiva sobre os nitratos, os Estados‑Membros deverão designar as zonas vulneráveis conhecidas nos respectivos territórios, entendidas como as que são drenadas para as águas poluídas identificadas nos termos do n.° 1 do artigo 3.°

158. Estas águas deverão ser identificadas pelos Estados‑Membros em conformidade com os critérios definidos no anexo I da directiva. Segundo estes critérios, as águas devem ser identificadas como poluídas quando as águas subterrâneas contiverem mais do que 50 mg/l de nitratos ou quando os lagos naturais de água doce, outras reservas de água doce, os estuários, as águas costeiras e marinhas se revelarem eutróficos. Mas, quer nos termos do artigo 3.°, n.° 1, quer nos termos do anexo I A, ponto 2, da directiva sobre os nitratos, a obrigação de designar águas vulneráveis pode decorrer não apenas de uma poluição/contaminação já verificada, mas desde logo de uma eventual contaminação das águas de uma zona.

159. Assim, o argumento do Governo espanhol relativamente ao teor de nitratos efectivo não basta para contestar a crítica da Comissão. Importa ainda notar que a laguna costeira do Antas, para a qual, como a Comissão indicou, é drenada a região da Rambla de Mojácar, foi identificada como zona sensível na acepção da directiva relativa às águas residuais o que, como o Governo espanhol indicou, ocorreu devido ao perigo da poluição causada por nitratos e da eutrofização.

160. Porém, mesmo entendendo que as águas da laguna costeira do Antas preenchem, nesta medida, os critérios de identificação das águas definidos no anexo I da directiva sobre os nitratos, é ainda necessário, como decorre do acórdão do Tribunal de Justiça no processo Standley, que a Comissão prove que as fontes agrícolas contribuem de forma significativa para a poluição destas águas (43).

161. No que toca, antes de mais, ao estudo do Instituto ERM, este não fornece qualquer indicação sobre a origem agrícola da poluição na laguna costeira do Antas. Pelo contrário, este estudo, igualmente mencionado pela Comissão no presente processo, enumera a intensidade das actividades turísticas desenvolvidas nesta região como uma das causas da poluição das águas. De igual modo, a publicação do ano de 1999, mencionada pela Comissão, diz respeito por um lado ao Bajo Almanzora, cuja importância hidrogeológica para a laguna costeira do Antas foi contestada pelo Governo espanhol; e, por outro, esta publicação, que se refere aos anos de 1982–1993, aponta de modo pouco específico para a agricultura como a eventual causa da poluição das águas subterrâneas, sem que seja possível determinar com base nisto, com alguma certeza, que a descarga de compostos azotados de origem agrícola contribui de forma significativa para a totalidade da poluição da laguna costeira do Antas.

162. Além disso, considerando que, para a definição das águas a que se refere o disposto no artigo 3.°, n.° 1, é reconhecido aos Estados‑Membros um amplo poder de apreciação (44), deve concluir‑se, à luz das considerações precedentes, que a Comissão não demonstrou suficientemente, do ponto de vista jurídico, que a Rambla de Mojácar seja drenada para águas que estão poluídas, na acepção do artigo 3.°, n.° 1, da directiva sobre os nitratos, em conjugação com o seu anexo I, e devia, por isso, ter sido declarada zona vulnerável.

163. Assim, a acusação da Comissão de que o Reino de Espanha violou o artigo 3.° da directiva sobre os nitratos ao não declarar a Rambla de Mojácar zona vulnerável é improcedente.

IX – Despesas

164. Por força do artigo 69.°, n.° 3, do Regulamento de Processo, se cada parte obtiver vencimento parcial, ou em circunstâncias excepcionais, o Tribunal de Justiça pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes ou que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas. Tendo as partes sido parcialmente vencidas, e atendendo à consistência dos argumentos de ambas as partes ou à falta da mesma, propomos que as partes sejam condenadas nas respectivas despesas.

165. Em conformidade com o disposto no artigo 69.°, n.° 4, o Reino Unido, interveniente no litígio, suportará as suas próprias despesas.

X –    Conclusão

166. Com base no exposto, propomos que o Tribunal de Justiça:

1.      declare que:

–       Ao não adoptar as medidas necessárias para assegurar o cumprimento das obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 4.°, 9.° e 13.° da Directiva 75/442/CEE, com a redacção dada pela Directiva 91/156/CEE, ao não tomar as medidas necessárias para garantir que os resíduos provenientes da exploração de suínos situada no lugar denominado «El Pago de la Media Legua» sejam eliminados ou valorizados sem perigo para a saúde humana nem prejuízo para o meio ambiente e por não ter essa exploração a autorização exigida pela directiva, nem ter sido submetida aos controlos periódicos necessários para essas instalações,

–       ao não submeter as águas residuais urbanas do município de Vera a um tratamento mais rigoroso do que o descrito no artigo 4.°, como exige o artigo 5.°, n.° 2, da Directiva 91/271/CEE,

o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado.

2.      A acção é julgada improcedente quanto ao restante.

3.      A Comissão, o Reino de Espanha e o Reino Unido suportam as suas próprias despesas.


1 – Língua original: alemão.


2 –      JO L 194, p. 39; EE 15 F1 p. 129.


3 –      JO L 78, p. 32.


4 –      JO L 175, p. 40; EE 15 F6 p. 9.


5 –      JO L 73, p. 5.


6 –      JO 1980, L 20, p. 43; EE 15 F2 p. 162.


7 –      JO L 135, p. 40.


8 –      JO L 375, p. 1.


9 – V. supra, n.° 1.


10 – Acórdão de 18 de Abril de 2002, Palin Granit Oy e o. (C‑9/00, Colect., p. I‑3533, n.° 22).


11 – Acórdão de 18 de Dezembro de 1997, Inter‑Environnement Wallonie (C‑129/96, Colect., p. I‑7411, n.° 26).


12 – Mas «excepto no caso de resíduos excluídos ao abrigo do n.° 1, alínea b), subalínea iii), do artigo 2.°». Abordarei esta disposição derrogatória mais adiante.


13 – V. acórdão de 15 de Junho de 2000, ARCO Chemie (C‑418/97 e C‑419/97, Colect., p. I‑4475, n.os  51 e 82).


14 – V. acórdão de 11 de Novembro de 2004, Niselli (C‑457/02, ainda não publicado na Colectânea, n.° 36); mas, por outro lado, não se pode excluir que a utilização de uma substância do modo descrito no anexo II B da directiva relativa aos resíduos como «operações de que resulta uma possibilidade de aproveitamento», pode fornecer um indício para a apreciação a efectuar tendo em conta o conjunto das circunstâncias, se o detentor da substância em causa se desfaz ou tem a intenção ou a obrigação de se desfazer desta substância e se está, por isso, perante um «resíduo»: v. acórdão ARCO Chemie (já referido na nota 13, n.° 69).


15 – V. acórdãos de 28 de Março de 1990, Vessoso e Zanetti (C‑206/88 e C‑207/88, Colect., p. I‑1461, n.° 12) e Palin Granit Oy e o. (já referido na nota 10, n.os  23 e 24).


16 – Acórdãos ARCO Chemie (já referido na nota 13, n.° 84) e Niselli (já referido na nota 14, n.° 43).


17 – V. acórdãos Palin Granit Oy e o. (já referido na nota 10, n.os  34 e 35), e Niselli (já referido na nota 14, n.° 44).


18 – V., ibidem, n.° 86.


19 – Acórdãos Palin Granit Oy e o. (já referido na nota 10, n.os  34 a 36), e Niselli (já referido na nota 14, n.os  44 e 45).


20 – Acórdão de 11 de Setembro de 2003, AvestaPolarit (C‑114/01, Colect., p. I‑8725, n.os  35 a 37).


21 – V., ibidem, n.° 38.


22 – V. acórdão ARCO Chemie (já referido na nota 13, n.os  66 a 68).


23 – Acórdão AvestaPolarit (já referido na nota 20, n.os  50 e 51).


24 – V., ibidem, n.os  51, 52 e 59.


25 – V., designadamente, acórdãos de 29 de Janeiro de 2004, Comissão/Áustria (C‑209/02, ainda não publicado na Colectânea), e de 10 de Setembro de 1996, Comissão/Bélgica (C‑11/95, Colect., p. I‑4115).


26 – V. acórdão de 18 de Novembro de 2004, Comissão/Grécia (C‑420/02, ainda não publicado na Colectânea, n.os  21 a 24).


27 – V. acórdãos de 12 de Setembro de 2000, Comissão/Países Baixos (C‑408/97, Colect., p. I‑6417, n.° 18), e de 5 de Junho de 2003, Comissão/Itália (C‑145/01, Colect., p. I‑5581, n.° 17).


28 – V., designadamente, acórdãos de 11 de Julho de 2002, Comissão/Espanha (C‑139/00, Colect., p. I‑6407, n.° 18), e de 23 de Outubro de 1997, Comissão/Grécia (C‑375/95, Colect., p. I‑5981, n.° 37).


29 – V., designadamente, acórdãos de 29 de Novembro de 2001, Comissão/Itália (C‑202/99, Colect., p. I‑9319, n.° 20), de 23 de Outubro de 1997, Comissão/Grécia (C‑375/95, Colect., p. I‑5981, n.° 35), de 31 de Março de 1992, Comissão/Dinamarca (C‑52/90, Colect., p. I‑2187, n.° 17), e de 13 de Dezembro de 1990, Comissão/Grécia (C‑347/88, Colect., p. I‑4747, n.° 28).


30 – V., designadamente, acórdãos de 25 de Maio de 1982, Comissão/Países Baixos (96/81, Recueil, p. 1791, n.° 6), de 26 de Junho de 2003, Comissão/Espanha (C‑404/00, Colect., p. I‑6695, n.° 26), e de 6 de Novembro de 2003, Comissão/Reino Unido (C‑434/01, ainda não publicado na Colectânea, n.° 21).


31 – V., designadamente, acórdão Comissão/Espanha (já referido na nota 28, n.° 27).


32 – Acórdão de 29 de Abril de 2004, Comissão/Portugal (C‑117/02, ainda não publicado na Colectânea, n.° 82).


33 – V., ibidem, n.° 1.


34 – V. acórdão C‑420/02 (já referido na nota 26, n.° 22).


35 – V., ibidem, n.° 22.


36 – Acórdão de 25 de Abril de 2002, Comissão/Itália (C‑396/00, Colect., p. I‑3949, n.os  29 e seg.).


37 – V. artigo 4.°, n.° 4, da directiva relativa às águas residuais.


38 – V., designadamente, acórdão de 24 de Junho de 2004, Comissão/Países Baixos (C‑350/02, ainda não publicado na Colectânea, n.os  18 a 21) e a jurisprudência aí referida.


39 – V. acórdão Comissão/Espanha (já referido na nota 28, n.° 18).


40 – V., designadamente, acórdão de 7 de Janeiro de 2004, Aalborg Portland e o. (C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, ainda não publicado na Colectânea, n.° 338).


41 – V., designadamente, acórdão de 1 de Outubro de 1998, Comissão/Espanha (C‑71/97, Colect., p. I‑5991, n.° 14).


42 – V., também neste sentido, conclusões apresentadas pelo advogado‑geral L. A. Geelhoed em 21 de Outubro de 2004, no processo Comissão/França (C‑212/03, ainda não publicadas na Colectânea, n.° 23).


43 – Acórdão de 29 de Abril de 1999, Standley e o. (C‑293/97, Colect., p. I‑2603, n.° 40).


44 – V. acórdão C‑293/97 (já referido na nota 43, n.os  37 e 39).