Processos apensos C-473/01 P e C-474/01 P


Procter & Gamble Company
contra
Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI)


«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Marca comunitária – Artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.º 40/94 – Pastilhas de forma tridimensional para máquinas de lavar roupa ou para máquinas de lavar louça – Motivo absoluto de recusa do registo – Carácter distintivo»

Conclusões do advogado-geral D. Ruiz-Jarabo Colomer apresentadas em 6 de Novembro de 2003
    
Acórdão do Tribunal de Justiça (Sexta Secção) de 29 de Abril de 2004
    

Sumário do acórdão

1.
Marca comunitária – Definição e obtenção da marca comunitária – Motivos absolutos de recusa – Marcas desprovidas de carácter distintivo – Marcas tridimensionais constituídas pela forma do produto – Carácter distintivo – Critérios de apreciação

[Regulamento n.° 40/94 do Conselho, artigo 7.°, n.° 1, alínea b)]

2.
Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Fundamentos – Fiscalização pelo Tribunal de Justiça da apreciação dos elementos de facto submetidos ao Tribunal de Primeira Instância – Exclusão salvo caso de desvirtuação – Aplicação aos casos em exame dos critérios de apreciação do carácter distintivo das marcas comunitárias

[Artigo 225.° CE; Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, artigo 51.°]

1.
Os critérios de apreciação do carácter distintivo, na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, sobre a marca comunitária, das marcas tridimensionais constituídas pela forma do próprio produto não são diferentes dos aplicáveis às outras categorias de marcas. No entanto, no âmbito da aplicação destes critérios, a percepção do público pertinente não é necessariamente a mesma no caso de uma marca tridimensional, constituída pela forma e as cores do próprio produto, e no caso de uma marca nominativa ou figurativa, que consiste num sinal independente do aspecto dos produtos que designa. Com efeito, os consumidores médios não têm por hábito presumir a origem dos produtos baseando‑se na sua forma ou no seu acondicionamento, na ausência de qualquer elemento gráfico ou textual, e, por isso, pode tornar‑se mais difícil provar o carácter distintivo quando se trata de uma marca tridimensional do que quando se trata de uma marca nominativa ou figurativa.
Nestas condições, quanto mais a forma cujo registo é pedido se aproxima da forma mais provável que terá o produto em causa, mais verosimilmente a referida forma será desprovida de carácter distintivo. Apenas uma marca que, de forma significativa, diverge da norma ou dos hábitos do sector e, por esta razão, cumpre a sua função essencial de origem tem carácter distintivo na acepção da referida disposição.

(cf. n.os 36, 37)

2.
Só o Tribunal de Primeira Instância é competente, por um lado, para apurar os factos, salvo nos casos em que a inexactidão material das suas conclusões resulte dos documentos do processo que lhe foram submetidos, e, por outro, para apreciar esses factos. A apreciação dos factos não constitui, portanto, excepto em caso de desvirtuação dos elementos que lhe foram submetidos, uma questão de direito sujeita, como tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância.
Comporta apreciações de natureza factual a aplicação concreta aos casos em exame dos critérios de apreciação do carácter distintivo das marcas comunitárias, na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, e, mais em especial, a conclusão de que, por se tratar de produtos de consumo quotidiano, o nível de atenção do consumidor médio em relação à forma e ao desenho das pastilhas para máquinas de lavar roupa ou para máquinas de lavar louça não é elevado.

(cf. n.os 39, 53)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)
29 de Abril de 2004(1)

«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Marca comunitária – Artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.º 40/94 – Pastilhas de forma tridimensional para máquinas de lavar roupa ou para máquinas de lavar louça – Motivo absoluto de recusa do registo – Carácter distintivo»

Nos processos apensos C-473/01 P e C-474/01 P,

Procter & Gamble Company, com sede em Cincinnati (Estados Unidos da América), representada por C. van Nispen e G. Kuipers, advocaten,

recorrente,

que têm por objecto dois recursos dos acórdãos do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias (Segunda Secção) de 19 de Setembro de 2001, Procter & Gamble/IHMI (pastilha quadrada com incrustação) (T-128/00, Colect., p. II-2785), e Procter & Gamble/IHMI (pastilha rectangular com incrustação) (T-129/00, Colect., p. II-2793), em que se pede a anulação parcial desses acórdãos,

sendo a outra parte no processo:

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), representado por D. Schennen e C. Røhl Søberg, na qualidade de agentes,

recorrido em primeira instância,



O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),,



composto por: V. Skouris exercendo funções de presidente da Sexta Secção, J. N. Cunha Rodrigues, J.-P. Puissochet, R. Schintgen e F. Macken (relatora), juízes,

advogado-geral: D. Ruiz-Jarabo Colomer,
secretário: M. Múgica Arzamendi, administradora principal,

ouvidas as alegações das partes na audiência de 2 de Outubro de 2003, no decurso da qual a Procter & Gamble Company foi representada por C. van Nispen e G. Kuipers e o Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI) por D. Schennen e A. von Mühlendahl, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 6 de Novembro de 2003,

profere o presente



Acórdão



1
Através de petições apresentadas na Secretaria do Tribunal de Justiça em 6 de Dezembro de 2001, a Procter & Gamble Company (a seguir «Procter & Gamble») interpôs, nos termos do artigo 49.° do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, dois recursos dos acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Setembro de 2001, Procter & Gamble/IHMI (pastilha quadrada com incrustação) (T‑128/00, Colect., p. II‑2785, a seguir «acórdão T‑128/00»), e Procter & Gamble/IHMI (pastilha rectangular com incrustação) (T‑129/00, Colect., p. II‑2793, a seguir «acórdão T‑129/00») (a seguir, em conjunto, «acórdãos recorridos»), através dos quais o Tribunal de Primeira Instância negou parcialmente provimento aos seus recursos destinados à anulação das decisões da Terceira Câmara de Recurso do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (a seguir «IHMI»), de 8 de Março de 2000 (processos R‑506/1999‑1 e R‑508/1999‑1), que rejeitaram os seus recursos da recusa de registo como marcas comunitárias de pastilhas de forma tridimensional para máquinas de lavar roupa ou para máquinas de lavar louça (a seguir «decisões controvertidas»).

2
Através de despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 20 de Março de 2003, os processos C‑473/01 P e C‑474/01 P foram apensos para efeitos da fase oral e do acórdão.


Enquadramento jurídico

3
Nos termos do artigo 4.° do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1):

«Podem constituir marcas comunitárias todos os sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, algarismos, e a forma do produto ou do seu acondicionamento, desde que esses sinais sejam adequados para distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.»

4
O artigo 7.° do mesmo regulamento dispõe:

«1.     Será recusado o registo:

a)
Dos sinais que não estejam em conformidade com o artigo 4º;

b)
De marcas desprovidas de carácter distintivo;

c)
De marcas compostas exclusivamente por sinais ou indicações que possam servir, no comércio, para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de fabrico do produto ou da prestação do serviço, ou outras características destes;

[...]

3.       As alíneas b), c) e d) do n.° 1 não são aplicáveis se, na sequência da utilização da marca, esta tiver adquirido um carácter distintivo para os produtos ou serviços para os quais foi pedido o registo.»


Antecedentes do litígio

5
Em 7 de Outubro de 1998, a Procter & Gamble requereu ao IHMI o registo como marcas comunitárias das formas tridimensionais de duas pastilhas, uma quadrada e outra rectangular, com rebordos canelados, cantos biselados ou ligeiramente arredondados, mosqueadas e com incrustações na face superior.

6
Os produtos para os quais o registo é pedido estão incluídos na classe 3 do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de Junho de 1957, tal como revisto e alterado, e correspondem à seguinte descrição: «preparados para lavagem e branqueamento de roupa e outras substâncias para lavagem; preparados para limpar, polir, desengordurar e abrasivos, preparados para lavagem, limpeza e tratamento da louça; sabões; perfumaria, óleos essenciais, cosméticos, loções para cabelo; pastas dentífricas».

7
Através de decisões de 17 de Junho de 1999, o examinador do IHMI rejeitou esses pedidos porque as marcas cujo registo é pedido eram desprovidas de carácter distintivo e não podiam, por esta razão, ser objecto de registo por força do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94.

8
Através das decisões controvertidas, a Terceira Câmara de Recurso do IHMI confirmou as decisões do examinador considerando, para cada uma das marcas cujo registo é pedido, que eram desprovidas de carácter distintivo na acepção dessa mesma disposição.

9
Antes de mais, a referida Câmara indicou que decorre do artigo 4.° do Regulamento n.° 40/94 que a forma de um produto pode ser registada como marca comunitária, desde que apresente certas características suficientemente fora do vulgar e arbitrárias para permitir aos consumidores em causa reconhecer, unicamente com base no seu aspecto, que o produto provém de uma determinada empresa. Atendendo às vantagens que apresentam os produtos para a roupa e a louça acondicionados sob a forma de pastilhas, sublinhou, a seguir, que os concorrentes da Procter & Gamble devem ser livres de os fabricar também, utilizando as formas geométricas mais simples. Segundo a Câmara de Recurso, as formas geométricas de base (quadradas, redondas, triangulares ou rectangulares) são as formas mais óbvias para essas pastilhas e não há qualquer elemento de arbitrário ou de fantasia na escolha de uma pastilha quadrada para o fabrico de detergentes sólidos. A Câmara de Recurso afirmou, por último, que a utilização de cantos «com uma reentrância», de rebordos biselados, de centros côncavos e de cores não conferem às pastilhas para as quais o registo é pedido um carácter distintivo.


Processo no Tribunal de Primeira Instância e acórdãos recorridos

10
Através de petições que deram entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 12 de Maio de 2000, a Procter & Gamble interpôs dois recursos destinados à anulação das decisões controvertidas.

11
No acórdão T‑129/00, o Tribunal de Primeira Instância decidiu que a Câmara de Recurso do IHMI tinha concluído correctamente que a marca tridimensional cujo registo é pedido era desprovida de carácter distintivo na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, pelos seguintes motivos:

«47
Relativamente aos produtos domésticos, resulta do artigo 4.° do Regulamento n.° 40/94 que a forma do produto se conta entre os sinais susceptíveis de constituir uma marca comunitária. Mas a aptidão geral de uma categoria de sinais para constituir uma marca não implica que os sinais dessa categoria possuam necessariamente um carácter distintivo na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 em relação a um produto ou a um serviço determinado.

48
Nos termos do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, será recusado o registo ‘de marcas desprovidas de carácter distintivo’. Considera‑se que tem carácter distintivo a marca que permite distinguir, em função da sua origem, os produtos ou serviços para os quais o registo foi pedido. Para este efeito, não é necessário que transmita uma informação precisa quanto à identidade do fabricante do produto ou do prestador de serviços. Basta que a marca permita ao público em causa distinguir o produto ou serviço que ela designa dos que têm outra origem comercial e concluir que todos os produtos ou serviços que designa foram fabricados, comercializados ou fornecidos sob controlo do titular dessa marca, ao qual pode ser atribuída a responsabilidade da sua qualidade (v., neste sentido, o acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 1998, Canon, C‑39/97, Colect., p. I‑5507, n.° 28).

49
Resulta da letra do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 que um mínimo de carácter distintivo basta para que o motivo de recusa definido neste artigo não seja aplicável. Importa, pois, apurar – no quadro de um exame a priori e sem qualquer tomada em consideração da utilização do sinal na acepção do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94 – se a marca pedida permitirá ao público visado distinguir os produtos em causa dos que têm outra origem comercial quando, no acto da compra, tiver que escolher.

50
O artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 não distingue entre as diferentes categorias de marcas. Os critérios de apreciação do carácter distintivo das marcas tridimensionais compostas pela forma do próprio produto não são diferentes dos aplicáveis às outras categorias de marcas.

51
Há, no entanto, que ter em conta, no quadro da aplicação destes critérios, o facto de a percepção do público visado não ser necessariamente a mesma no caso de uma marca tridimensional constituída pela forma e pelas cores do próprio produto e no caso de uma marca nominativa, figurativa ou tridimensional, que não seja constituída pela forma do produto. Com efeito, se é certo que o público está habituado a apreender imediatamente estas últimas marcas como sinais identificadores do produto, já o mesmo não acontece necessariamente quando o sinal se confunde com o aspecto do próprio produto.

52
Importa realçar que os produtos domésticos para os quais a marca foi pedida no presente caso são bens de consumo largamente difundidos. O público visado por estes produtos é constituído por todos os consumidores. Há assim que apreciar o carácter distintivo da marca pedida, tendo em consideração a presumível expectativa de um consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado (v., por analogia, o acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Julho de 1998, Gut Springenheide e Tusky, C‑210/96, Colect., p. I‑4657, n.os 30 a 32).

53
A percepção da marca pelo público em causa é influenciada pelo nível de atenção do consumidor médio, que é susceptível de variar em função da categoria de produtos ou serviços em causa (v. o acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Junho de 1999, Lloyd Schuhfabrik Meyer, C‑342/97, Colect., p. I‑3819, n.° 26). Relativamente a este aspecto, ter‑se‑á que declarar que, tratando‑se de produtos de consumo quotidiano, o nível de atenção do consumidor médio em relação à forma e ao desenho das pastilhas para máquinas de lavar roupa e louça não é elevado.

54
Para apurar se a combinação da forma e do desenho da pastilha em causa pode ser apreendida pelo público como um indicador de origem, há que analisar a impressão de conjunto produzida por essa combinação (v., por analogia, o acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1997, SABEL, C‑251/95, Colect., p. I‑6191, n.° 23), o que não é incompatível com o exame um por um dos diferentes elementos da apresentação utilizados.

55
Não tendo sido reivindicada nenhuma cor pela recorrente, a marca pedida só poderia exercer a sua função de identificador dos produtos em função da sua origem se o consumidor médio, quando olhasse para uma pastilha rectangular com um rebordo canelado, mosqueado e com uma incrustação triangular, fosse levado a reconhecê‑la, independentemente da sua cor, e a atribuir todos os produtos assim apresentados à mesma origem.

56
A forma tridimensional cujo registo foi pedido […] é uma das formas geométricas de base e uma das formas que vem naturalmente à mente para um produto destinado a máquinas de lavar roupa ou louça. Os cantos ligeiramente arredondados da pastilha correspondem a considerações práticas e não são susceptíveis de ser apreendidos pelo consumidor médio como uma particularidade da forma reivindicada, capaz de a diferenciar de outras pastilhas para máquinas de lavar roupa ou louça. O rebordo canelado é uma variante pouco perceptível da forma de base e também não tem influência na impressão de conjunto proporcionada pela pastilha.

57
Quanto ao mosqueado e à incrustação triangular […] no centro da pastilha, importa examinar, em primeiro lugar, a alegação da recorrente segundo a qual a Câmara de Recurso não teve em conta esse mosqueado. Se é verdade que, na decisão impugnada, a Câmara de Recurso não examinou explicitamente esse aspecto, sublinhou, no entanto, ao referir‑se à incrustação […] que a utilização de cores diferentes para os produtos em causa é corrente […]. Esta afirmação permite compreender que a Câmara de Recurso considerou que o mosqueado não era susceptível de tornar a marca pedida distintiva, porque se trata de um elemento de apresentação corrente. A este propósito, a decisão impugnada está, pois, suficientemente fundamentada.

58
Saliente‑se, a seguir, que o público em causa está habituado à presença de elementos claros e escuros num produto detergente. Os pós, que correspondem à apresentação tradicional destes produtos, são a maior parte das vezes de cor cinzenta ou bege muito claro e parecem quase brancos. Como a própria recorrente explicou na audiência, contêm frequentemente partículas de uma ou várias cores, podendo ser mais escuras ou mais claras que a cor de base do produto. A publicidade promovida pela recorrente e pelos outros produtores de detergentes põe a tónica no facto de essas partículas consubstanciarem a presença de diferentes substâncias activas. Estas partículas coloridas evocam, portanto, sem no entanto poderem, por isso, ser consideradas como uma indicação descritiva na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94, certas qualidades do produto. Não se pode deduzir, porém, da inaplicabilidade deste último motivo de recusa, que os elementos claros ou escuros conferem necessariamente um carácter distintivo à marca pedida. Com efeito, esse carácter não existe quando o público visado é levado, como no presente caso, a apreender a presença dos elementos claros e escuros como a sugestão de certas qualidades do produto e não como a indicação da sua origem.

59
Relativamente ao facto de, além do mosqueado, a pastilha em causa apresentar, no centro e na face superior, uma incrustação […], há que salientar que a afirmação da Câmara de Recurso, segundo a qual a presença dessa incrustação não basta para que o aspecto da pastilha possa ser apreendido como uma indicação da origem do produto, é justificada. Com efeito, quando se trata de combinar diferentes substâncias num produto para máquinas de lavar roupa ou louça com a forma de uma pastilha, a junção de uma incrustação no meio da pastilha faz parte das soluções que vêm naturalmente à mente. O facto de essa incrustação formar uma ligeira concavidade no centro da pastilha não altera significativamente o aspecto desta e não é, portanto, susceptível de influenciar a percepção do consumidor.

60
A escolha da forma […] para a incrustação também não é suficiente para conferir à marca pedida um carácter distintivo. Com efeito, a associação de duas formas geométricas de base, tal como aparece na pastilha, faz parte das variantes na apresentação do produto em causa que vêm naturalmente à mente. Na falta de qualquer elemento de apresentação suplementar susceptível de influenciar a percepção do consumidor, esta combinação de formas não permite ao público visado distinguir os produtos assim apresentados de outros com uma diferente origem comercial.

61
A eventualidade de os consumidores adquirirem, apesar disso, o hábito de reconhecer o produto com base nessa combinação de formas não basta, por si só, para afastar o motivo de recusa baseado no artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94. Essa evolução na percepção do sinal pelo público só poderá ser tomada em conta, se for provada, no quadro do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94.

62
É irrelevante, neste contexto, que a combinação específica das formas geométricas não seja utilizada actualmente em produtos para máquinas de lavar roupa ou louça. […]

63
Atendendo à impressão de conjunto que sobressai da forma e do desenho da pastilha em causa, a marca pedida não permite ao público visado distinguir esses produtos dos que têm outra origem comercial, quando efectua a sua escolha no acto da compra.

64
Acrescente‑se que a falta de aptidão da marca pedida para indicar, a priori e independentemente da sua utilização na acepção do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94, a origem do produto não é resolvida pelo número mais ou menos importante de pastilhas semelhantes já presentes no mercado. Por conseguinte, não é necessário decidir, no presente caso, se o carácter distintivo da marca deve ser apreciado na data da apresentação do pedido de registo ou na data do registo efectivo.

[…]

68
De onde se conclui que a Câmara de Recurso julgou acertadamente que a marca tridimensional pedida não tinha carácter distintivo relativamente aos produtos da classe 3 na acepção do Acordo de Nice e correspondentes à seguinte descrição: ‘preparados para lavagem e branqueamento de roupa e outras substâncias para lavagem; preparados para limpar, polir, desengordurar e abrasivos, preparados para lavagem, limpeza e tratamento da louça; sabões’.»

12
No acórdão T‑128/00, o Tribunal de Primeira Instância chegou à mesma conclusão. Os n.os 47 a 68 deste acórdão estão essencialmente redigidos nos mesmos termos do que os n.os 47 a 68 do acórdão T‑129/00, que estão reproduzidos no número precedente.

13
Por conseguinte, através dos acórdãos recorridos, o Tribunal de Primeira Instância negou parcialmente provimento aos recursos interpostos pela Procter & Gamble das decisões controvertidas.


Os recursos das decisões do Tribunal de Primeira Instância

14
Nos seus recursos, a Procter & Gamble conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne anular parcialmente os acórdãos recorridos e condenar o IHMI nas despesas.

15
O IHMI conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne negar provimento aos recursos e condenar a Procter & Gamble nas despesas.

16
Nos seus recursos, a Procter & Gamble alega que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito na sua interpretação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b) do Regulamento n.° 40/94. Este fundamento único subdivide‑se, essencialmente, em cinco partes relativas:

ao carácter distintivo das marcas cujo registo é pedido,

à necessidade de considerar a marca na sua totalidade;

à definição do grau de atenção do consumidor médio;

à data em que deve ser apreciado o carácter distintivo das referidas marcas, e

ao critério do uso da marca.

17
O IHMI considera que, nos acórdãos recorridos, o Tribunal de Primeira Instância não cometeu nenhum erro de direito na interpretação e aplicação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94.

Quanto à primeira parte do fundamento, relativa ao carácter distintivo de uma marca

Argumentos das partes

18
Através da primeira parte do fundamento, a Procter & Gamble alega que não é pertinente analisar, como o Tribunal de Primeira Instância fez, se a forma geométrica do produto é uma forma que vem naturalmente à mente ou se os cantos ligeiramente arredondados ou os rebordos biselados das pastilhas em causa são susceptíveis de serem apreendidos pelo consumidor médio como uma particularidade da forma cujo registo como marca é pedido, apta a distingui‑la de outras pastilhas para máquinas de lavar roupa ou louça. A verdadeira questão é saber se a forma das pastilhas, os seus cantos ligeiramente arredondados, os rebordos biselados, ou os seus bordos canelados faziam já parte, na data pertinente, da apresentação habitual das pastilhas disponíveis no mercado e, se tal não for o caso, se a diferença é sensível, tornando‑a adequada a conferir às marcas um carácter distintivo.

19
Em relação, mais especialmente, aos mosqueados, a Procter & Gamble alega que, mesmo que, considerados individualmente, não indiquem a origem das pastilhas, fazem parte da apresentação de conjunto e contribuem para o carácter distintivo das marcas. Quanto às incrustações quadradas ou triangulares das superfícies superiores dessas pastilhas, a Procter & Gamble alega, contrariamente ao que decidiu o Tribunal de Primeira Instância, que não constituem soluções que vêm naturalmente à mente, mas que alteram sensivelmente o aspecto das pastilhas e, por este facto, contribuem, pelo menos, para influenciar a percepção que o consumidor tem das referidas pastilhas.

20
O Tribunal de Primeira Instância considerou que a inaptidão das marcas cujo registo é pedido para indicar a origem do produto não é posta em causa pelo número mais ou menos significativo de pastilhas semelhantes já presentes no mercado. No entanto, a Procter & Gamble alega que se não existia nenhuma pastilha semelhante no mercado na data pertinente, as apresentações das referidas pastilhas eram sensivelmente diferentes e, portanto, providas de carácter distintivo.

21
O IHMI considera que o Tribunal de Primeira Instância aplicou correctamente os critérios fixados no artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 para a apreciação do carácter distintivo de uma marca, tanto no que respeita ao público interessado como no que respeita aos produtos e serviços em causa, devendo o carácter distintivo ser apreciado em relação à natureza específica do produto. O Tribunal de Primeira Instância também analisou cada marca no seu conjunto, tendo em conta, como se deve, cada um dos seus componentes, a sua função e a sua apreensão na mente dos consumidores em causa. Além disso, o IHMI considera que o Tribunal de Primeira Instância recusou, com razão, ter em conta a questão de saber se a Procter & Gamble ou os seus concorrentes utilizavam realmente pastilhas para máquinas de lavar roupa ou louça idênticas ou semelhantes na data de apresentação do pedido de registo.

22
No que respeita ao carácter distintivo, o IHMI alega que uma marca tem tal carácter quando permite distinguir os produtos ou serviços reivindicados segundo a sua origem comercial e não em função das suas propriedades ou características. Esta interpretação do carácter distintivo, que foi a considerada pelo Tribunal de Primeira Instância, é a única compatível com as disposições do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 e com a definição e função da marca.

23
O IHMI alega que a asserção do Tribunal de Primeira Instância, segundo a qual a percepção do público em causa não é necessariamente a mesma no caso de uma marca tridimensional, constituída pela forma do próprio produto, e no caso de uma marca nominativa é especialmente importante no caso vertente. O público tem o hábito de apreender imediatamente as marcas nominativas como sinais que permitem identificar o produto, ao passo que isso não ocorre necessariamente do mesmo modo quando o sinal se confunde com o aspecto do próprio produto.

24
Na opinião do IHMI, a forma só por si, não havendo outros elementos geralmente utilizados como sinais – tais como as palavras gravadas –, não é, regra geral, apreendida imediatamente pelo consumidor médio como uma marca, a menos que essa forma apresente uma particularidade. Por conseguinte, é necessário definir essa particularidade, que confere carácter distintivo à forma do produto, e defini‑la em relação às funções desempenhadas pelas marcas. Uma definição positiva pode consistir em afirmar que a forma deve ser suficientemente imaginativa, arbitrária ou fora do vulgar. Uma definição negativa consiste em afirmar que as formas e/ou combinações de formas e de cores que são correntes, evidentes ou banais, são desprovidas de carácter distintivo.

25
No caso vertente, a impressão global que sobressai das pastilhas em causa, em cada um dos processos que originaram os acórdãos recorridos, é a da inexistência de sinal distintivo. Nenhuma destas pastilhas possui características distintivas susceptíveis de permitir ao consumidor médio associá‑la a um dado fabricante, salvo em caso de publicidade e/ou uso intensivos, dito de outra forma, por força do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94.

26
Quanto ao teste proposto pela Procter & Gamble, segundo o qual há que verificar, num primeiro momento, qual é a apresentação habitual do produto pertinente no mercado e, num segundo momento, se a forma da marca cujo registo é pedido for sensivelmente diferente para o consumidor, significa, com efeito, que uma marca tridimensional deve ser registada pelo simples facto de ser diferente de qualquer outra forma, o que é contrário ao artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94.

27
Com efeito, esse teste equivaleria a exigir, para o registo das marcas, os mesmos requisitos que os exigidos para o registo dos desenhos e dos modelos. Embora o IHMI reconheça que um único e mesmo elemento pode beneficiar da protecção de diferentes sistemas do direito da propriedade industrial, é primordial, na sua opinião, aplicar separadamente, relativamente a cada um desses sistemas, as definições e os requisitos correspondentes à protecção que confere.

Apreciação do Tribunal de Justiça

28
Nos termos do artigo 4.° do Regulamento n.° 40/94, podem constituir marcas comunitárias todos os sinais susceptíveis de representação gráfica, desde que esses sinais sejam adequados para distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.

29
Resulta da referida disposição que tanto a forma de um produto como as suas cores fazem parte dos sinais susceptíveis de constituir uma marca comunitária. Assim, um sinal composto pela forma tridimensional de uma pastilha quadrada ou rectangular para máquinas de lavar roupa ou para máquinas de lavar louça, com os rebordos canelados, os cantos biselados ou ligeiramente arredondados, mosqueada e com incrustações na face superior, pode, em princípio, constituir uma marca, desde que as duas condições mencionadas no número precedente estejam reunidas.

30
No entanto, como o Tribunal de Primeira Instância correctamente referiu nos n.os 47 dos acórdãos recorridos, a aptidão geral de um sinal para constituir uma marca na acepção do artigo 4.°, do Regulamento n.° 40/94 não implica, contudo, que esse sinal possua necessariamente carácter distintivo, na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do referido regulamento, em relação a um produto ou um serviço determinado.

31
Nos termos dessa última disposição, são recusados os registos das marcas que são desprovidas de carácter distintivo.

32
O carácter distintivo de uma marca, na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, significa que essa marca permite identificar o produto para o qual é pedido o registo como proveniente de uma empresa determinada e, portanto, distinguir esse produto dos das outras empresas [v., a propósito do artigo 3.°, n.° 1, alínea b), da Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (JO 1989, L 40, p. 1), disposição que é idêntica ao referido artigo 7.°, n.° 1, alínea b), acórdão de 8 de Abril de 2003, Linde e o., C‑53/01 a C‑55/01, Colect., p. I‑3161, n.° 40].

33
Esse carácter distintivo deve ser apreciado, por um lado, relativamente aos produtos ou aos serviços para os quais o registo foi pedido e, por outro, em relação à percepção que deles tem o público pertinente constituído pelo consumidor médio desses produtos ou serviços, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado (v. acórdãos Linde e o., já referido, n.° 41, e de 12 de Fevereiro de 2004, Koninklijke KPN Nederland, C‑363/99, ainda não publicado na Colectânea, n.° 34).

34
A este respeito, resulta dos fundamentos dos acórdãos recorridos que o Tribunal de Primeira Instância não cometeu nenhum erro de direito na interpretação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94.

35
Com efeito, o Tribunal de Primeira Instância apreciou, em conformidade com a jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, a inexistência de carácter distintivo das marcas em causa em relação, por um lado, aos produtos ou aos serviços para os quais o seu registo foi pedido e, por outro, à percepção do público interessado, constituído, no caso vertente, por todos os consumidores.

36
O Tribunal de Primeira Instância também referiu, com razão, que os critérios de apreciação do carácter distintivo das marcas tridimensionais constituídas pela forma do próprio produto não são diferentes dos aplicáveis às outras categorias de marcas. No entanto, recordou que, no âmbito da aplicação destes critérios, a percepção do público pertinente não é necessariamente a mesma no caso de uma marca tridimensional, constituída pela forma e as cores do próprio produto, e no caso de uma marca nominativa ou figurativa, que consiste num sinal independente do aspecto dos produtos que designa. Com efeito, os consumidores médios não têm por hábito presumir a origem dos produtos baseando‑se na sua forma ou no seu acondicionamento, na ausência de qualquer elemento gráfico ou textual, e, por isso, pode tornar‑se mais difícil provar o carácter distintivo quando se trata de uma marca tridimensional do que quando se trata de uma marca nominativa ou figurativa (v., neste sentido, acórdãos Linde e o., já referido, n.° 48, e de 12 de Fevereiro de 2004, Henkel, C‑218/01, ainda não publicado na Colectânea, n.° 52).

37
Nestas condições, quanto mais a forma cujo registo é pedido se aproxima da forma mais provável que terá o produto em causa, mais verosimilmente a referida forma será desprovida de carácter distintivo na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94. Apenas uma marca que, de forma significativa, diverge da norma ou dos hábitos do sector e, por esta razão, cumpre a sua função essencial de origem tem carácter distintivo na acepção da referida disposição (v., a propósito da disposição idêntica do artigo 3.°, n.° 1, alínea b), da Primeira Directiva 89/104, acórdão Henkel, já referido, n.° 49).

38
Daí resulta que, ao decidir que as marcas cujo registo é pedido eram desprovidas de carácter distintivo na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, o Tribunal de Primeira Instância não cometeu nenhum erro de direito à luz dessa disposição e da jurisprudência pertinente do Tribunal de Justiça.

39
Quanto à aplicação concreta desses critérios ao caso vertente pelo Tribunal de Primeira Instância, cabe referir que ela comporta apreciações de natureza factual. Ora, só o Tribunal de Primeira Instância é competente, por um lado, para apurar os factos, salvo nos casos em que a inexactidão material das suas conclusões resulte dos documentos do processo que lhe foram submetidos, e, por outro, para apreciar esses factos. A apreciação dos factos não constitui, portanto, excepto em caso de desvirtuação dos elementos que lhe foram submetidos, uma questão de direito sujeita, como tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância (v. acórdão de 19 de Setembro de 2002, DKV/IHMI, C‑104/00 P, Colect., p. I‑7561, n.° 22).

40
No caso vertente, as asserções do Tribunal de Primeira Instância não revelam nenhum elemento que indicie uma desvirtuação dos elementos que lhe foram submetidos.

41
Tendo em conta as considerações expostas, há que rejeitar a primeira parte do fundamento relativa ao carácter distintivo de uma marca.

Quanto à segunda parte do fundamento, relativa à necessidade de considerar a marca na sua totalidade

Argumentos das partes

42
Através da segunda parte do fundamento, a Procter & Gamble alega que, na realidade, ao apreciar se a combinação das formas e dos elementos constitutivos das pastilhas em causa pode ser apreendida pelo público interessado como uma indicação da sua origem, o Tribunal de Primeira Instância não analisou, como é exigido pela jurisprudência, a impressão de conjunto produzida por essa combinação. O Tribunal de Primeira Instância analisou em detalhe cada um dos referidos elementos e tirou as suas conclusões desta análise, mas não analisou verdadeiramente a impressão de conjunto produzida pelas combinações específicas em causa.

43
O IHMI contesta essa parte do fundamento alegando que o Tribunal de Primeira Instância considerou correctamente as marcas em causa no seu conjunto, embora tenha afirmado, também com razão, que esta abordagem não exclui de começar por uma análise separada de cada um dos componentes dessas marcas. O próprio IHMI, que procede a tal análise, conclui que a impressão global de cada uma das marcas em causa é a da inexistência de sinal distintivo.

Apreciação do Tribunal de Justiça

44
Como o Tribunal de Justiça já por várias vezes referiu, o consumidor médio apreende normalmente uma marca como um todo e não procede a uma análise das suas diferentes particularidades (acórdãos já referidos SABEL, n.° 23, e Lloyd Schuhfabrik Meyer, n.° 25). Também, para apreciar se uma marca é ou não desprovida de carácter distintivo, há que ter em consideração a impressão de conjunto que produz (v. acórdãos já referidos SABEL, n.° 23, e, em relação a uma marca nominativa, DKV/IHMI, n.° 24).

45
No entanto, isso não pode implicar que a autoridade competente, incumbida de verificar se a marca cujo registo é pedido – no caso vertente, a representação gráfica de uma combinação da forma e dos elementos constitutivos de uma pastilha para máquinas de lavar roupa ou para máquinas de lavar louça – pode ser apreendida pelo público como uma indicação de origem, não possa proceder, num primeiro momento, a uma análise sucessiva dos diferentes elementos de apresentação utilizados por essa marca. Com efeito, pode ser útil, no decurso da apreciação global efectuada pela referida autoridade, analisar cada um dos elementos constitutivos da marca em causa.

46
No caso vertente, após ter analisado separadamente os referidos elementos, o Tribunal de Primeira Instância apreciou, como resulta dos n.os 54 a 63 dos acórdãos recorridos, a impressão de conjunto que sobressai da forma e dos outros elementos constitutivos das pastilhas em causa, conforme descritos no n.° 29 do presente acórdão, como exige a jurisprudência recordada no n.° 44 do presente acórdão.

47
Daí resulta que os acórdãos recorridos não revelam nenhum elemento que deixe presumir que o Tribunal de Primeira Instância não baseou a sua apreciação do carácter distintivo das marcas cujo registo é pedido na sua impressão de conjunto.

48
Por conseguinte, há que rejeitar esta segunda parte do fundamento relativa à necessidade de considerar a marca na sua totalidade.

Quanto à terceira parte do fundamento, relativa à definição do grau de atenção do consumidor médio

Argumentos das partes

49
Através da terceira parte do fundamento, a Procter & Gamble recorda que, na data de apresentação dos pedidos de registo das marcas em causa, as pastilhas para máquinas de lavar louça e ainda mais as pastilhas para máquinas de lavar roupa não eram produtos de consumo quotidiano e situavam‑se, na época, no segmento de gama alta do mercado em questão. Nestas condições, a Procter & Gamble alega que, contrariamente ao que o Tribunal de Primeira Instância decidiu, o nível de atenção que o consumidor médio dos referidos produtos concedia à sua apresentação era elevado.

50
Em qualquer caso, a Procter & Gamble acrescenta que não compreende por que razão o nível de atenção do consumidor face a produtos de consumo quotidiano não é elevado. Na sua opinião, a utilização quotidiana de tais produtos chama continuamente a atenção do consumidor para a sua apresentação e contribui para que beneficiem de um nível de atenção elevado.

51
O IHMI observa que, nos acórdãos recorridos, o Tribunal de Primeira Instância definiu o público pertinente como sendo o consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, e qualificou os produtos em causa como sendo objecto de consumo quotidiano. A este respeito, o que é importante, segundo o IHMI, é que as pastilhas para máquinas de lavar roupa ou para máquinas de lavar louça destinam‑se a ser utilizados diariamente por qualquer consumidor. O facto dessas pastilhas serem mais caras do que os produtos para lavar roupa ou para a louça apresentados em pó e o facto de serem produtos novos no mercado não implica que se tratam de produtos de gama alta a que os consumidores prestam muita atenção.

52
Além disso, o IHMI considera que é importante saber de que forma as pastilhas em causa são vendidas, quais são as diferenças ou vantagens que apresentam em relação às outras formas de produtos para máquinas de lavar roupa ou para máquinas de lavar louça e como são de facto utilizadas no processo de lavagem. Em nenhuma fase da utilização dessas pastilhas o consumidor é obrigado ou mesmo incitado a colocar mais questões sobre a sua forma ou aspecto exterior.

Apreciação do Tribunal de Justiça

53
A esse respeito, a conclusão do Tribunal de Primeira Instância, no n.° 53 dos acórdãos recorridos, segundo a qual, por se tratar de produtos de consumo quotidiano, o nível de atenção do consumidor médio em relação à forma e ao desenho das pastilhas para máquinas de lavar roupa ou para máquinas de lavar louça não é elevado, constitui uma apreciação de natureza factual que, como foi recordado no n.° 39 do presente acórdão, não está sujeita à fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância uma vez que, como no caso vertente, não constitui uma desvirtuação dos elementos de facto que foram submetidos ao Tribunal de Primeira Instância.

54
Nessas condições, a terceira parte do fundamento relativa à definição do grau de atenção do consumidor médio deve também ser rejeitada.

Quanto à quarta parte do fundamento, relativa à data em que deve ser apreciado o carácter distintivo de uma marca

Argumentos das partes

55
Através da quarta parte do fundamento, a Procter & Gamble alega que o Tribunal de Primeira Instância errou quando não decidiu a questão de saber a data que deve ser tomada em consideração para apreciar o carácter distintivo das marcas cujo registo é pedido. De acordo com a Procter & Gamble, há que verificar, no caso vertente, a apresentação habitual das pastilhas para máquinas de lavar roupa e para máquinas de lavar louça no mercado na data em que os respectivos pedidos de registo foram apresentados, e apreciar se a apresentação das marcas cujo registo é pedido é sensivelmente diferente para o consumidor.

56
O IHMI alega que, nos acórdãos recorridos, o Tribunal de Primeira Instância não julgou necessário decidir quanto a este ponto, pelo facto de as marcas em causa não terem carácter distintivo na data da apresentação dos pedidos de registo. Em qualquer caso, segundo o IHMI, os requisitos impostos para o registo de uma marca comunitária devem estar preenchidos tanto na referida data como na data do registo.

Apreciação do Tribunal de Justiça

57
Como resulta do n.° 32 do presente acórdão, uma marca apresenta carácter distintivo na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 se permite distinguir os produtos ou serviços para os quais o seu registo é pedido dos de outras empresas.

58
No caso vertente, o Tribunal de Primeira Instância considerou com razão, no n.° 64 dos acórdãos recorridos, que não era necessário decidir a questão da data pertinente para apreciar o carácter distintivo das marcas na acepção da referida disposição, uma vez que tinha decidido que as marcas cujo registo é pedido não permitiam distinguir a origem dos produtos em causa e que esta conclusão não podia ser posta em causa pelo número mais ou menos significativo de pastilhas semelhantes já presentes no mercado.

59
Nestas condições, o Tribunal de Primeira Instância não cometeu nenhum erro de direito ao considerar que não tinha de se pronunciar quanto à questão de saber em qual das duas datas convinha apreciar o carácter distintivo das marcas em causa.

60
A quarta parte do fundamento relativa à data em que deve ser apreciado o carácter distintivo de uma marca deve também ser rejeitada.

Quanto à quinta parte do fundamento, relativa ao critério do uso de uma marca

Argumentos das partes

61
Através da quinta parte do fundamento, a Procter & Gamble alega que o hábito geral que o público tem de apreender as cores como indicação de origem de um produto, hábito que pode ser criado através da utilização de outros sinais ou pela publicidade feita a estes sinais, está inserido no artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, e não no n.° 3 deste artigo.

62
O IHMI considera que a questão da aquisição do carácter distintivo de uma marca pelo uso só se coloca no âmbito do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94.

Apreciação do Tribunal de Justiça

63
A esse respeito, basta referir que tal argumento é inoperante, tendo o Tribunal de Primeira Instância, como resulta dos n.os 31 a 38 do presente acórdão, aplicado correctamente o artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 e verificado, sem cometer nenhum erro de direito, a inexistência de carácter distintivo das marcas cujo registo é pedido.

64
Resulta de todo o exposto que os recursos são improcedentes e, portanto, deve ser‑lhes negado provimento.


Quanto às despesas

65
Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, aplicável ao recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância por força do artigo 118.° deste mesmo regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o IHMI pedido a condenação da Procter & Gamble e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

decide

1)
É negado provimento aos recursos.

2)
A Procter & Gamble Company é condenada nas despesas.

Skouris

Cunha Rodrigues

Puissochet

Schintgen

Macken

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 29 de Abril de 2004.

O secretário

O presidente

R. Grass

V. Skouris


1
Língua do processo: inglês.