62000C0009

Conclusões do advogado-geral Jacobs apresentadas em 17 de Janeiro de 2002. - Palin Granit Oy e Vehmassalon kansanterveystyön kuntayhtymän hallitus. - Pedido de decisão prejudicial: Korkein hallinto-oikeus - Finlândia. - Aproximação das legislações - Directivas 75/442/CEE e 91/156/CEE - Conceito de 'resíduo - Resíduo de produção - Pedreira - Armazenagem - Utilização de resíduos - Inexistência de risco para a saúde e para o ambiente - Possibilidade de valorização. - Processo C-9/00.

Colectânea da Jurisprudência 2002 página I-03533


Conclusões do Advogado-Geral


1 No caso presente, o Korkein hallinto-oikeus (Supremo Tribunal Administrativo, Finlândia) pediu ao Tribunal de Justiça que indicasse os critérios relevantes para determinar se, numa série de circunstâncias determinadas, a pedra residual libertada na extracção de granito deve ser considerada resíduo na acepção da Directiva 75/442 relativa aos resíduos (1).

Directiva relativa aos resíduos

2 O terceiro considerando do preâmbulo da Directiva 75/442 determina que «qualquer regulamentação em matéria de eliminação dos resíduos deve ter como objectivo essencial a protecção da saúde humana e do ambiente contra os efeitos nocivos da recolha, transporte, tratamento, armazenamento e depósito dos resíduos».

3 O primeiro considerando do preâmbulo da Directiva 91/156 (2), que altera a Directiva 75/442 e substitui as suas disposições essenciais, determina que «as alterações tomem como base um nível elevado de protecção do ambiente».

4 O artigo 1._, alínea a), da directiva, na versão alterada (a seguir «directiva relativa aos resíduos»), define «resíduo» como «quaisquer substâncias ou objectos abrangidos pelas categorias fixadas no anexo I de que o detentor se desfaz ou tem a intenção ou a obrigação de se desfazer».

5 O artigo 1._, alínea c), define «detentor» como «o produtor dos resíduos ou a pessoa singular ou colectiva que tem os resíduos na sua posse».

6 O anexo I da directiva, intitulado «Categorias de resíduos», inclui, sob o título Q11, os «Resíduos de extracção e de preparação de matérias-primas (por exemplo, resíduos de exploração mineira ou petrolífera, etc.)». O título final, Q16, menciona «Qualquer substância, matéria ou produto que não esteja abrangido pelas categorias acima referidas».

7 O artigo 1._, alínea a), determina igualmente que a Comissão elabore uma lista dos resíduos pertencentes às categorias constantes do anexo I. Em conformidade com esta disposição, foi adoptada uma lista pormenorizada de resíduos, designada Catálogo Europeu de Resíduos, através da Decisão 94/3/CE (3). Embora se determine no catálogo (4) que o facto de uma determinada matéria figurar no catálogo não significa que essa matéria constitui um resíduo em todas as situações mas apenas quando satisfizer a definição de resíduo, observe-se que a primeira categoria, 01 00 00, intitula-se «Resíduos da prospecção e exploração de minas e pedreiras e dos tratamentos posteriores das matérias extraídas» (5).

8 O artigo 4._ da directiva determina:

«Os Estados-Membros tomarão as medidas necessárias para garantir que os resíduos sejam aproveitados ou eliminados sem pôr em perigo a saúde humana e sem utilizar processos ou métodos susceptíveis de agredir o ambiente e, nomeadamente:

- sem criar riscos para a água, o ar, o solo, a fauna ou a flora,

- sem causar perturbações sonoras ou por cheiros,

- sem danificar os locais de interesse e a paisagem.

Os Estados-Membros tomarão as medidas necessárias para proibir o abandono, a descarga e a eliminação não controlada de resíduos.»

9 A directiva define «eliminação» como «qualquer das operações previstas no anexo IIA» (6) e «aproveitamento» como «qualquer das operações previstas no anexo IIB» (7).

10 Os anexos IIA e IIB da directiva (8) intitulam-se, respectivamente, «Operações de eliminação» e «Operações de valorização».

11 O anexo IIA inclui, sob o título D1, a «Deposição sobre o solo ou no seu interior (por exemplo, aterro sanitário, etc.)», sob o título D12, a «Armazenagem permanente (por exemplo, armazenagem de contentores numa mina, etc.)» e, sob o título D15, a «Armazenagem enquanto se aguarda a execução de uma das operações enumeradas de D1 a D14 (com exclusão do armazenamento temporário, antes da recolha, no local onde esta é efectuada)».

12 O anexo IIB inclui, sob o título R5, a «Reciclagem/recuperação de outras (9) matérias inorgânicas» e, sob o título R13, a «Acumulação de resíduos destinados a uma das operações enumeradas de R1 a R12 (com exclusão do armazenamento temporário, antes da recolha, no local onde esta é efectuada)».

13 Nos termos da directiva, os Estados-Membros devem garantir que qualquer detentor de resíduos confie a sua manipulação a um serviço de recolha ou a uma empresa que efectue as operações referidas nos anexos IIA ou IIB, ou proceda ele próprio ao respectivo aproveitamento ou eliminação, em conformidade com o disposto na directiva (10). Qualquer estabelecimento ou empresa que elimine ou recupere resíduos deve obter uma autorização (11). As autorizações para eliminação «podem ser concedidas por um período determinado, ser renovadas, vir acompanhadas de condições e obrigações ou [...] nos casos em que o método de eliminação previsto não seja aceitável do ponto de vista da protecção do ambiente, ser recusadas» (12).

Processo principal e questões prejudiciais

14 Nos termos da legislação finlandesa, é exigida uma autorização em matéria de meio ambiente para determinados projectos. A Palin Granit Oy, uma sociedade finlandesa, pediu à Vehmassalon kansanterveystyön kuntayhtymän hallitus (associação de municípios no sector da saúde pública de Vehmassalo, a seguir «associação de municípios») uma autorização em matéria de meio ambiente para exploração de uma pedreira. Nos termos do pedido, a pedra residual resultante da extracção - cerca de 50 000 metros cúbicos por ano, que representava 65-80% da quantidade total de pedra extraída - seria armazenada num vazadouro confinante. Dos documentos apresentados no Tribunal de Justiça resulta que a pedra residual não tem as dimensões ou a forma adequadas para ser utilizada do mesmo modo que a pedra que é vendida depois da extracção.

15 Segundo o pedido, o local de depósito, com 7,2 hectares de área, já estava a ser utilizado mas ainda havia espaço para o armazenamento de 700 000 metros cúbicos de material. A pedra residual seria utilizada em terraplenagens confinantes com a área de exploração, no enchimento de taludes e recuperação da paisagem e noutros fins como aglomerados (13) e material de aterro.

16 Na sequência de recurso interposto pela Turun ja Porin lääninhallitus (Administração Municipal de Turku e Pori), o Turun ja Porin lääninoikeus (Tribunal administrativo dos municípios de Turku e Pori) anulou a decisão da associação de municípios que concedeu a autorização em matéria de meio ambiente. O lääninoikeus declarou que a pedra residual devia ser considerada um resíduo, de forma que o que estava a ser construído no local era um aterro para resíduos industriais. A competência para conhecer do pedido cabia, portanto, nos termos da legislação nacional, ao Centro Regional do Meio Ambiente e não às autoridades municipais. Desta forma, o lääninoikeus transferiu o pedido de autorização para o Lounais-Suomen ympäristökeskus (Centro do Meio Ambiente do Sudoeste da Finlândia, a seguir «Centro do Meio Ambiente»).

17 Quer a Palin Granit quer a associação de municípios recorreram da decisão do lääninoikeus para o Korkein hallinto-oikeus, pedindo que a decisão fosse anulada, alegando que, uma vez que a pedra residual não constitui um resíduo na acepção da legislação nacional de execução da directiva (14), o seu armazenamento não constitui um local de aterro, pelo que a competência para conhecer do pedido é da associação de municípios.

18 A questão que se coloca ao Korkein hallinto-oikeus é, consequentemente, a de saber qual a autoridade administrativa competente para conhecer do pedido de autorização. O Korkein hallinto-oikeus explica no despacho de reenvio que a resposta a esta questão depende de saber se a pedra residual resultante da extracção da pedreira deve, nas circunstâncias do caso presente, ser considerada resíduo na acepção da directiva relativa aos resíduos. A Palin Granit apresentou no Korkein hallinto-oikeus três argumentos em apoio da sua tese de que a pedra residual não deve ser considerada resíduo.

19 Em primeiro lugar, salientou que a pedra residual é constituída por vários tipos de granito. A sua composição mineral é a mesma que a da rocha originária da qual é extraída. O seu estado físico não se altera independentemente do tempo e do modo de armazenamento e é inofensiva para o meio ambiente.

20 Em segundo lugar, a Palin Granit observou que a pedra residual - contrariamente aos subprodutos da actividade mineira - pode ser reutilizada directamente sem ter que ser submetida a operações de recuperação especiais, por exemplo, em terraplenagens e diques.

21 Em terceiro lugar, afirmou que a pedra residual era armazenada nas imediações do local de extracção, num local confinante, para utilização posterior.

22 O Korkein hallinto-oikeus considera que a jurisprudência do Tribunal de Justiça não resolve directamente a questão de saber se, tendo estes factores em conta, a pedra residual é um resíduo e, consequentemente, colocou ao Tribunal de Justiça as seguintes questões:

«Deve a pedra residual liberta na extracção da pedra útil ser considerada resíduo na acepção do artigo 1._, alínea a), da Directiva 75/442/CEE do Conselho, de 15 de Julho de 1975, relativa aos resíduos, com a redacção que lhe foi dada pela Directiva 91/156/CEE do Conselho, de 18 de Março de 1991, tendo em conta os critérios que adiante se questionam nas letras a) a d)?

a) Para efeitos da questão que acima se coloca, que importância tem o facto de a pedra residual ser armazenada numa área confinante com a área de extracção, aguardando utilização posterior? Em geral, é importante o facto de a pedra residual ser armazenada na própria área de extracção, numa área confinante com a mesma, ou mais longe?

b) Que importância têm para essa apreciação os factos de a pedra residual ser, quanto à sua composição, igual à rocha da qual foi liberta e de essa composição não sofrer alteração, independentemente do tempo ou do modo de armazenagem?

c) Que importância tem para essa apreciação o facto de a pedra residual não ser perigosa para a saúde humana nem para o meio ambiente? Para se decidir se a pedra residual é um resíduo, que importância se deve atribuir, em geral, aos efeitos que a pedra residual pode ter, se os tiver, na saúde e no meio ambiente?

d) Nessa apreciação, que importância se deve atribuir ao facto de existir a intenção de retirar a pedra residual, total ou parcialmente, da zona de armazenagem para o seu aproveitamento, por exemplo, em terraplenagem ou diques, e o facto de a pedra residual poder ser valorizada tal como se encontra, sem necessidade de ser submetida a operações de transformação ou outras equivalentes? A esse respeito, em que medida se deve levar em conta o grau de exactidão dos planos do detentor da pedra residual relativos a esse aproveitamento e a rapidez da verificação desse facto depois de depositada a pedra residual na zona de armazenagem?»

23 A associação de municípios, o Governo finlandês e a Comissão apresentaram observações escritas. Não houve lugar a audiência.

Análise

24 Embora o «resíduo» seja definido no artigo 1._, alínea a), da directiva relativa aos resíduos como «quaisquer substâncias ou objectos [...] de que o detentor se desfaz ou tem a intenção ou a obrigação de se desfazer», esta definição não é completa mas depende, por sua vez, do significado de «desfazer», que não é objecto de definição. Os conceitos de «resíduo», em geral, e de «desfazer», em especial, já foram analisados pelo Tribunal de Justiça em várias decisões. Embora o Tribunal de Justiça não tenha dado uma definição extensiva de resíduo, podem ser extraídos da jurisprudência os seguintes princípios.

25 Em primeiro lugar, a expressão «desfazer» deve ser interpretada à luz da finalidade da directiva, que consiste na protecção da saúde humana e do meio ambiente dos efeitos nocivos causados pela recolha, transporte, tratamento, armazenagem e descarga de resíduos (15), e do artigo 174._, n._ 2, CE, nos termos do qual a política da Comunidade no domínio do ambiente tem por objectivo atingir um nível de protecção elevado e deverá basear-se, inter alia, nos princípios da precaução e da acção preventiva. Consequentemente, o conceito de «resíduo» não pode ser objecto de interpretação restritiva (16). Mais especialmente, a questão de saber se determinada substância é um resíduo deve ser determinada à luz de todas as circunstâncias, tendo em conta o objectivo da directiva e a necessidade de garantir que a sua eficácia não é posta em causa (17).

26 Em segundo lugar, embora a expressão «desfazer» englobe a eliminação e o aproveitamento de uma substância ou de um objecto (18), o facto de essa substância ser sujeita a uma operação mencionada no anexo IIB (19) da directiva não permite concluir que se trata de se desfazer dessa substância e considerar, portanto, que se está perante um resíduo (20). Todavia, certas circunstâncias podem constituir indícios de que o detentor se desfez da substância ou tem intenção ou obrigação de se desfazer dela na acepção do artigo 1._, alínea a), da directiva. Isso acontecerá, nomeadamente, quando a substância utilizada é um resíduo de produção (21).

27 Em terceiro lugar, o conceito de resíduo pode englobar substâncias e objectos susceptíveis de reutilização económica (22). Pode englobar igualmente as substâncias e objectos susceptíveis de aproveitamento responsável para o ambiente e sem tratamento radical: o impacto do tratamento desta substância sobre o ambiente não tem incidência determinante sobre a sua qualificação como resíduo. Em termos mais gerais, o método de tratamento ou de utilização de uma substância não é decisivo para determinar se deve ser qualificado ou não como resíduo que, em conformidade com o artigo 1._, alínea a), da directiva, é definido por referência ao facto de o detentor se desfazer do resíduo ou à sua intenção ou obrigação de dele se desfazer (23).

28 Finalmente, o facto de uma substância ser qualificada resíduo reutilizável sem certeza alguma de reutilização não subtrai essa substância ao objectivo da directiva (24).

29 O presente processo refere-se aos resíduos resultantes da extracção de granito que são armazenados num local até serem utilizados - a curto prazo, para reforçar e recuperar a paisagem da área de exploração, ou a longo prazo, se e quando necessário, como aglomerado e como aterro - ou (como se pode deduzir dos termos da questão colocada) indefinidamente, se essa utilização não se concretizar.

30 O Governo finlandês alega essencialmente que a pedra residual resultante da extracção de pedra não constitui resíduo na acepção da directiva quando a sua utilização é parte integrante da produção e é utilizada directamente sem ser submetida a operações de recuperação ou de eliminação.

31 A Comissão considera que, com base nos factos, a pedra residual constitui um resíduo na acepção da directiva na medida em que tem que ser submetida a operações de eliminação e de recuperação nos termos dos anexos IIA e IIB da directiva e constitui um subproduto que não é imediatamente utilizável.

32 De notar que as observações foram apresentadas antes de o Tribunal de Justiça se ter pronunciado no processo ARCO (25), pelo que não reflectem inteiramente a jurisprudência relevante.

33 Em minha opinião, deve, de qualquer forma, concluir-se, quanto aos resíduos que permanecem indefinidamente no local, que se trata de se desfazer deles, pelo que constituem resíduos. O depósito e o armazenamento de quantidades consideráveis de pedra residual implica manifestamente - como observa o Governo finlandês - o risco de poluição, através de ruídos e de poeiras e de danificar de forma chocante a paisagem rural. Ora, é precisamente este tipo de situações que a directiva procura evitar (26).

34 Pode objectar-se que não se pode considerar correctamente que o acto de depositar a pedra residual significa desfazer-se dela, uma vez que nesse momento o produtor dos resíduos desconhece se os mesmos serão utilizados ou não. Todavia, há que ter presente que a definição de resíduo que consta do artigo 1._, alínea a), da directiva inclui substâncias ou objectos de que o detentor tem intenção de se desfazer. Deve considerar-se que o detentor que tem intenção de deixar indefinidamente armazenada no local a pedra residual que não venha a utilizar de outro modo preenche a definição, mesmo que no momento em questão não possa identificar a pedra que ficará e aquela que será utilizada. Qualquer outra interpretação seria manifestamente contrária à finalidade da directiva e aos objectivos da política comunitária do ambiente, definida no artigo 174._, n._ 2, CE, e poderia pôr em causa a eficácia da directiva.

35 Concluo, assim, que a pedra residual indefinidamente depositada deve ser considerada resíduo na acepção da directiva. Mais concretamente, tal depósito pode ser considerado operação de eliminação nos termos quer do título D1 do anexo IIA da directiva, «Deposição sobre o solo ou no seu interior (por exemplo, aterro sanitário, etc.)», quer do título D12, «Armazenagem permanente (por exemplo, armazenagem de contentores numa mina, etc.)», e, consequentemente, sujeitos ao requisito da autorização na acepção do artigo 9._ da directiva.

36 Quanto aos resíduos armazenados enquanto se aguarda a sua utilização final, parece-me que o objectivo da directiva impõe que também eles devem ser considerados substâncias ou objectos de que o detentor se desfaz ou tem intenção de se desfazer. Em especial, como a Comissão observa, a inexistência de garantias de que tais resíduos serão utilizados determina que os mesmos sejam abrangidos pelo objectivo da legislação comunitária relativa aos resíduos (27). Além disso, mesmo que fossem finalmente utilizados, o seu depósito enquanto se aguarda a sua utilização final pode claramente provocar o mesmo tipo de danos para o meio ambiente, incluindo poluição através de ruídos e poeiras e o risco de «danificar a paisagem» na acepção do artigo 4._ da directiva, como se estivessem depositados indefinidamente.

37 Daqui resulta que a utilização potencial a que pode ser destinada a pedra residual inclui terraplenagens confinantes com a área de exploração, o enchimento de taludes e recuperação da paisagem e outros fins como aglomerados (utilizados, por exemplo, na construção de portos e diques) e material de aterro. Estas utilizações podem constituir eliminação ou recuperação, dependendo do objectivo principal da operação e, especialmente, do facto de saber se, caso os resíduos não existissem, seria necessário utilizar outra substância para a mesma operação por razões que não estão ligadas à armazenagem de resíduos (28).

38 A armazenagem da pedra residual no local enquanto se aguarda a sua utilização futura é, em si, equivalente a uma operação de eliminação ou de recuperação na acepção do título D15 do anexo IIA ou do título R13 do anexo IIB (29).

39 O órgão jurisdicional de reenvio refere uma série de pontos que reflectem as circunstâncias do processo principal e pergunta se tais pontos são efectivamente pertinentes para a questão de saber se a pedra residual resultante da extracção de pedra deve ser considerada resíduo na acepção da directiva.

40 Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se é relevante o facto de a pedra residual ser armazenada num local confinante à área de exploração enquanto aguarda posterior utilização e, em geral, se é relevante o facto de ser armazenada no local de exploração, num local próximo ou num local distante da exploração.

41 Já indiquei que considero que o facto de a pedra residual ser armazenada enquanto aguarda posterior utilização não impede a sua classificação como resíduo. O Governo finlandês e a Comissão são da mesma opinião.

42 Quanto à situação do local de armazenagem, nada na directiva permite supor que é relevante para a classificação da pedra residual como resíduo saber se a pedra está armazenada no local da exploração ou noutro local, adjacente ou mais distante. A questão de saber se a pedra residual é um resíduo depende exclusivamente de saber se se pretende desfazer-se dela. Seria claramente contrário aos objectivos da directiva, como sublinha o Governo finlandês, que o produtor de resíduos pudesse subtrair as suas operações ao âmbito de aplicação da legislação relativa aos resíduos através da simples armazenagem de resíduos num local em vez de noutro.

43 Mas a situação do local de armazenagem pode, em determinadas circunstâncias, como observa o Governo finlandês, determinar se é exigida uma autorização, uma vez que poderia deduzir-se da formulação dos títulos D15 do anexo IIA e R13 do anexo IIB (30) que a armazenagem temporária no local onde os resíduos são produzidos enquanto não são recolhidos para eliminação ou recuperação não é uma operação de eliminação ou recuperação e, consequentemente, não está sujeita ao requisito da autorização na acepção do artigos 9._, n._ 1, e 10._ da directiva (31).

44 Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se é relevante que a composição dos resíduos (i) seja a mesma que a da rocha originária da qual foram extraídos e (ii) que o seu estado físico não se altere independentemente do tempo e do modo de armazenamento.

45 Mais uma vez, em minha opinião, estas características da pedra residual são irrelevantes para efeitos da sua classificação como resíduo, embora em termos mais gerais, como observam a Comissão e o Governo finlandês, a composição de uma substância possa determinar se se trata de resíduos perigosos na acepção da Directiva 91/689/CEE do Conselho, de 12 de Dezembro de 1991, relativa aos resíduos perigosos (32). De modo semelhante, podem existir circunstâncias em que a composição de uma substância pode ser decisiva para determinar se o detentor se desfez - ou se existe intenção ou obrigação de se desfazer - da substância: como o Tribunal de Justiça declarou no acórdão ARCO (33), o facto de essa substância ser um resíduo cuja composição não é adaptada à utilização que dela é feita ou de deverem ser tomadas precauções especiais quando essa utilização é feita, em razão da natureza perigosa da sua composição para o ambiente, pode considerar-se um indício de que o utilizador se desfez da substância.

46 Contudo, nada na directiva permite pensar que a composição de uma substância determina em termos mais gerais se se trata de um resíduo. A definição de resíduo contida no artigo 1._, alínea a), da directiva refere-se a quaisquer substâncias ou objectos abrangidos pelas categorias fixadas no anexo I; o próprio anexo contém uma categoria residual que se refere a quaisquer materiais, substâncias ou produtos. Além disso, resulta claramente da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o conceito de resíduo deve ser objecto de interpretação restritiva (34). Concretamente, algumas das categorias de resíduos especificadas no anexo I da directiva demonstram que os resíduos que tenham a mesma composição que a sua matéria de origem podem constituir resíduos: veja-se, por exemplo, o título Q10, que inclui resíduos de maquinagem/acabamento, e o título Q11, que inclui resíduos provenientes da extracção e da preparação de matérias-primas. Esta conclusão é confirmada igualmente por algumas categorias de resíduos que figuram no Catálogo Europeu de Resíduos: ver, por exemplo, alguns dos resíduos que constam da lista sob os títulos 01 01 00 (resíduos de extracção de minérios), 01 04 01 (gravilha e fragmentos de rocha), 01 04 06 (resíduos do corte e serragem de pedra), 03 01 00 (resíduos do processamento de madeiras e produção de painéis e mobiliário), 04 00 00 (resíduos das indústrias do couro e produtos de couro e têxtil), 10 11 00 (resíduos do fabrico do vidro e de produtos de vidro), 12 01 00 [resíduos de moldagem (fundição, soldadura, prensagem, estampagem, torneamento, corte e fresagem)] e 17 00 00 [resíduos de construção e demolição (incluindo construção de estradas)] (35). Acrescente-se que no acórdão Tombesi (36) o Tribunal de Justiça estava claramente na disposição de admitir que os fragmentos de mármore são resíduos na acepção da directiva.

47 Do mesmo modo, nada permite pensar que o facto de uma substância ser estável significa que a mesma não pode ser um resíduo: com efeito, como observa a Comissão, pode ser ainda mais importante garantir que os resíduos que subsistem por tempo indefinido sejam recuperados ou eliminados. Mais uma vez, esta interpretação é apoiada quer pela definição lata de resíduos dada pela directiva conforme interpretada pelo Tribunal de Justiça quer por algumas categorias que constam do Catálogo Europeu de Resíduos, por exemplo, sob o título 01 00 00 (resíduos da prospecção e exploração de minas e pedreiras e dos tratamentos posteriores das matérias extraídas), que abrange vários tipos de rochas e pedras, e sob o título 10 11 02 (resíduos de vidro) (37).

48 Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se é relevante o facto de a pedra residual não ser perigosa para a saúde humana e que importância se deve atribuir, em geral, aos possíveis efeitos que a pedra residual pode ter na saúde e no meio ambiente a fim de determinar se se trata de um resíduo.

49 Parece-nos claro que estes factores são igualmente irrelevantes para a questão de saber se a pedra residual é abrangida pela definição de resíduo. Sublinho uma vez mais a natureza exaustiva da definição de resíduo que figura no artigo 1._, alínea a), e no anexo I da directiva. Mesmo que o tribunal de reenvio tenha razão quando afirma que os resíduos em questão são inofensivos para a saúde humana e para o meio ambiente (mas ver n._ 33, supra), tal facto é irrelevante para determinar se se trata de resíduos. Esta questão, como já sublinhei, depende unicamente de saber se o seu detentor se desfaz - ou se tem intenção ou obrigação de se desfazer - deles.

50 Além disso, a posição do tribunal de reenvio e do Governo finlandês parece assentar no pressuposto de que um produto, pelo simples facto de ser «natural» (por oposição, suponho, ao fabricado pelo homem), não constitui um resíduo. Esta suposição é claramente errada: muitos produtos naturais são, como é previsível, enumerados no Catálogo Europeu de Resíduos [v., em especial, muitos dos produtos que constam do título 02 00 00 (resíduos de produção primária da agricultura, horticultura, caça, pesca e aquacultura, e da preparação e processamento de produtos alimentares)] (38).

51 Porém, se determinados resíduos forem inofensivos, será obviamente mais fácil preencher o requisito do artigo 4._ da directiva de que os resíduos, uma vez rejeitados, sejam aproveitados ou eliminados «sem pôr em perigo a saúde humana e sem utilizar processos ou métodos susceptíveis de agredir o ambiente».

52 Finalmente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se tem importância o facto de existir a intenção de transferir a pedra residual, total ou parcialmente, da zona de armazenagem para o seu aproveitamento, por exemplo, em terraplenagem ou diques, e o facto de a pedra residual poder ser recuperada no estado em que se encontra, sem necessidade de ser submetida a operações de transformação ou a outras operações equivalentes e, mais especificamente, em que medida tem importância o facto de o detentor ter planos definidos para essa utilização e o lapso de tempo decorrido entre o depósito no local de armazenagem e a utilização da pedra residual.

53 Já dei resposta negativa a grande parte da questão (39). Ainda não abordei, porém, a importância da alegada falta de transformação.

54 Mesmo que a afirmação de que a pedra residual pode ser recuperada sem ser necessário submetê-la a operações de transformação ou a operações equivalentes (e observe-se que o Governo finlandês defende que é possível que os resíduos tenham que ser partidos em fragmentos mais pequenos dependendo da utilização prevista), não vejo de que forma este facto pode afectar a sua classificação como resíduo, que depende, repito, de saber se o detentor se desfaz, se tem intenção ou obrigação de se desfazer dos resíduos. De qualquer forma, resulta claramente do acórdão ARCO (40) que nem o grau de transformação a que é submetida a substância ao ser recuperada nem o impacto no meio ambiente desse tratamento têm qualquer influência na sua classificação como resíduo. Admitindo - como parece ter acontecido - que o detentor da pedra residual se desfez realmente dela ou pelo menos tinha intenção de desfazer-se, a sua utilização futura que não exija transformação constitui ainda recuperação na acepção do título R5 do anexo IIB da directiva, «Reciclagem/recuperação de outras matérias inorgânicas» (41).

Conclusão

55 Com base nas considerações precedentes, proponho que às questões colocadas pelo Korkein hallinto-oikeus seja dada a seguinte resposta:

1) Deve considerar-se que o detentor da pedra residual libertada na extracção de pedra armazenada no local enquanto aguarda possível utilização posterior se desfez ou tem intenção de se desfazer dela e, consequentemente, deve ser classificada como resíduo na acepção do artigo 1._, alínea a), da Directiva 75/442/CEE do Conselho, de 15 de Julho de 1975, relativa aos resíduos, com a redacção que lhe foi dada pela Directiva 91/156/CEE do Conselho, de 18 de Março de 1991.

2) É irrelevante para a classificação da pedra residual como resíduo o facto de a) a mesma estar armazenada no local de extracção, numa área confinante com o mesmo ou afastada; b) a sua composição ser idêntica à da rocha da qual foi extraída e de a sua composição não se alterar independentemente do tempo ou do modo de conservação; c) não ser perigosa para a saúde humana e para o meio ambiente ou d) poder ser recuperada no estado em que se encontra sem necessidade de ser submetida a operações de transformação ou a operações equivalentes.

(1) - Directiva 75/442/CEE do Conselho, de 15 de Julho de 1975, relativa aos resíduos (JO L 194, p. 39; EE 15 F1 p. 129).

(2) - Directiva 91/156/CEE do Conselho, de 18 de Março de 1991 (JO L 78, p. 32).

(3) - Decisão da Comissão, de 20 de Dezembro de 1993, que estabelece uma lista de resíduos em conformidade com a alínea a) do artigo 1._ da Directiva 75/442/CEE do Conselho relativa aos resíduos (JO 1994, L 5, p. 15). O catálogo figura em anexo à decisão. Esta decisão foi anulada com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2002 e substituída pela Decisão 2000/532/CE da Comissão, de 3 de Maio de 2000 (JO L 226, p. 3), cujo anexo se intitula «Lista de resíduos em conformidade com a alínea a) do artigo 1._ da Directiva 75/442/CEE relativa aos resíduos e com o n._ 4 do artigo 1._ da Directiva 91/689/CEE relativa aos resíduos perigosos» (a seguir «Lista de resíduos 2002»).

(4) - Na nota introdutória n._ 3 (n._ 1 da Introdução à Lista de resíduos 2002).

(5) - Na Lista de resíduos 2002, «Resíduos da prospecção e exploração de minas e pedreiras, bem como da preparação e de outros tratamentos das matérias extraídas».

(6) - Artigo 1._, alínea e).

(7) - Artigo 1._, alínea f).

(8) - Estes anexos foram, em conformidade com os artigos 17._ e 18._ da directiva, substituídos pela Decisão 96/350/CE da Comissão, de 24 de Maio de 1996 (JO L 135, p. 32).

(9) - Isto é, diferentes dos metais e dos compostos metálicos que figuram na lista do título precedente.

(10) - Artigo 8._

(11) - Artigos 9._, n._ 1, e 10._

(12) - Artigo 9._, n._ 2.

(13) - Utilizados, por exemplo, na construção de portos e diques.

(14) - A Jätelaki (Lei n._ 1072/1993 relativa aos resíduos).

(15) - Terceiro considerando do preâmbulo, já referido no n._ 2, supra.

(16) - Acórdão de 15 de Julho de 2000, ARCO Chemie Nederland e o. (processos apensos C-418/97 e C-419/97, Colect., p. I-4475, n.os 36 a 40). Observe-se que o acórdão ARCO foi proferido depois de ter sido apresentado o presente pedido de decisão prejudicial.

(17) - Acórdão ARCO, já referido, n.os 73, 88 e 97.

(18) - Acórdão ARCO, já referido, n._ 47.

(19) - Ou, por analogia, no anexo IIA.

(20) - Acórdão ARCO, já referido, n._ 51.

(21) - Acórdão ARCO, já referido, n.os 83 a 87.

(22) - Acórdão de 28 de Março de 1990, Vessoso e Zanetti (processos apensos C-206/88 e C-207/88, Colect., p. I-1461).

(23) - Acórdão ARCO, já referido, n.os 64 a 66.

(24) - Acórdão de 25 de Junho de 1997, Tombesi e o. (processos apensos C-304/94, C-330/94, C-342/94 e C-224/95, Colect., p. I-3561, n.os 53 e 54); v. igualmente o n._ 61 das minhas conclusões naquele processo.

(25) - Já referido na nota 17.

(26) - Artigo 4._, já referido no n._ 8, supra.

(27) - V. acórdão Tombesi, já referido na nota 25, n.os 53 e 54, resumido no n._ 28, supra.

(28) - V. igualmente as minhas conclusões apresentadas em 15 de Novembro de 2001 no processo A.S.A. Abfall Service (C-6/00, especialmente, os n.os 76 a 89).

(29) - V. n.os 11 e 12, supra.

(30) - Já referidos nos n.os 11 e 12, supra.

(31) - V. n._ 13, supra.

(32) - JO L 377, p. 20.

(33) - Já referido na nota 17, n._ 87.

(34) - V. n._ 25, supra.

(35) - Os títulos equivalentes na Lista de resíduos 2002 são 01 01, 01 04 08, 01 04 13, 03 01 04, 10 11, 12 01 e 17.

(36) - Já referido na nota 25.

(37) - Os títulos equivalentes da Lista de resíduos 2002 são 01 e 10 11 02.

(38) - Título 02 da Lista de resíduos 2002.

(39) - V. n.os 29 a 38, supra.

(40) - Já referido na nota 17, n.os 65 e 66; v. n._ 27, supra.

(41) - V. ainda os n.os 80 a 82 das minhas conclusões no processo A.S.A. Abfall Service, já referido na nota 29.