Processo C‑496/99 P


Comissão das Comunidades Europeias
contra
CAS Succhi di Frutta SpA


«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Política agrícola comum – Ajuda alimentar – Processo de concurso – Decisão da Comissão que altera as condições posteriormente à adjudicação – Pagamento aos adjudicatários em frutas diferentes das especificadas no anúncio de concurso»

Conclusões do advogado‑geral S. Alber apresentadas em 24 de Outubro de 2002
    
Acórdão do Tribunal de Justiça (Sexta Secção) de 29 de Abril de 2004
    

Sumário do acórdão

1.
Recurso de anulação – Pessoas singulares ou colectivas – Actos que lhes dizem directa e individualmente respeito – Decisão da Comissão que modifica, posteriormente à adjudicação, as condições da mesma – Recurso de um proponente excluído – Admissibilidade

[Tratado CE, artigo 173.°, quarto parágrafo (que passou, após alteração, a artigo 230.°, quarto parágrafo, CE)]

2.
Recurso de anulação – Interesse em agir – Recurso de um proponente excluído interposto contra uma decisão que afecta directamente as condições da proposta a apresentar pelos diferentes proponentes – Admissibilidade

[Tratado CE, artigo 173.° (que passou, após alteração, a artigo 230.° CE)]

3.
Agricultura – Política agrícola comum – Ajuda alimentar – Acções de fornecimento gratuito de produtos agrícolas destinados às populações da Arménia e do Azerbeijão – Regulamento n.° 228/96 – Sistema de adjudicação – Princípios da igualdade de tratamento dos proponentes e da transparência – Alcance – Alteração pela entidade adjudicante, posteriormente à adjudicação, de uma das condições da mesma – Violação

(Regulamento n.° 228/96 da Comissão)

1.
No âmbito de um processo de concurso, os proponentes devem poder dirigir‑se ao juiz comunitário para fiscalizar a legalidade de todo o processo de concurso, pouco importando que os mesmos tenham finalmente sido escolhidos ou afastados. Efectivamente, uma vez que só os adjudicatários podem impugnar, eventualmente, uma decisão que altera as condições da adjudicação, as violações do direito eventualmente cometidas pela entidade adjudicante depois da adjudicação do contrato, mas podendo pôr em causa a legalidade do processo de concurso no seu todo, só podem ser punidas se não afectarem a situação do ou dos adjudicatários. Tal resultado é incompatível tanto com os termos do artigo 173.°, quarto parágrafo, do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 230.°, quarto parágrafo, CE), que garante uma via de recurso aos particulares a quem o acto impugnado diz directa e individualmente respeito, como com o princípio fundamental de que, numa comunidade de direito, o respeito da legalidade deve ser devidamente garantido.
Consequentemente, deve considerar‑se que diz individualmente respeito a um proponente excluído uma decisão, mesmo adoptada posteriormente pela entidade adjudicante, susceptível de ter uma incidência directa na própria formulação da proposta por ele apresentada e na igualdade de oportunidades de todas as empresas participantes no processo em causa.

(cf. n.os 59, 61‑64, 66)

2.
No âmbito de um processo de concurso, um proponente excluído tem interesse em pedir a anulação de uma decisão que afecta directamente as condições da proposta a apresentar pelos diferentes proponentes, em especial para obter a declaração, pelo juiz comunitário, da verificação de uma ilegalidade eventualmente cometida pela entidade adjudicante. Com efeito, tal declaração pode servir de base a uma eventual acção de indemnização destinada a repor de modo adequado a situação do proponente excluído.

(cf. n.os 82, 83)

3.
Tendo em conta tanto a importância como o objectivo e o efeito útil dos princípios da igualdade de tratamento dos proponentes e da transparência, o respeito destes deve ser integralmente assegurado também no caso de um concurso específico como o do caso vertente, concretizado através do Regulamento n.° 228/96, relativo ao fornecimento de sumos de frutas e doces de frutas destinados às populações da Arménia e do Azerbaijão, tendo simultaneamente em conta, se for caso disso, especificidades que caracterizam este último processo. Em tal contexto, incumbe à Comissão, na sua qualidade de entidade adjudicante, observar rigorosamente os critérios por ela fixados, isto até ao termo da fase de execução do contrato em causa. Consequentemente, a mesma não está autorizada a alterar a sistemática geral do concurso, modificando em seguida unilateralmente uma das suas condições essenciais e, em especial, uma estipulação que, se tivesse figurado no anúncio de concurso, teria permitido aos proponentes apresentarem uma proposta substancialmente diferente.
Com efeito, na falta de habilitação expressa neste sentido constante das disposições pertinentes aplicáveis, a entidade adjudicante não podia, depois da adjudicação do contrato e além disso através de uma decisão cujo conteúdo derroga as estipulações dos regulamentos adoptados anteriormente, proceder a uma modificação de uma condição importante do concurso, como a relativa aos modos de pagamento dos produtos a fornecer, sem desvirtuar os termos que regem a adjudicação do contrato, conforme estipulados inicialmente. E mais, tal prática provocaria inelutavelmente uma violação dos princípios da transparência e da igualdade de tratamento dos proponentes, já que a aplicação uniforme das condições de adjudicação e a objectividade do processo deixariam de estar garantidas.

(cf. n.os 112, 115‑117, 120, 121)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)
29 de Abril de 2004(1)

«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Política agrícola comum – Ajuda alimentar – Processo de concurso – Decisão da Comissão que altera as condições posteriormente à adjudicação – Pagamento aos adjudicatários em frutas diferentes das especificadas no anúncio de concurso»

No processo C-496/99 P,

Comissão das Comunidades Europeias, inicialmente representada por F. Ruggeri Laderchi, na qualidade de agente, e em seguida por T. van Rijn e L. Visaggio, na qualidade de agentes, assistidos por A. Dal Ferro, avvocato, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

que tem por objecto um recurso do acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias (Segunda Secção) de 14 de Outubro de 1999, CAS Succhi di Frutta/Comissão (T-191/96 e T-106/97, Colect., p. II-3181), em que se pede a anulação parcial desse acórdão,

sendo a outra parte no processo:

CAS Succhi di Frutta SpA, com sede em Castagnaro (Itália), inicialmente representada por A. Tizzano, G. M. Roberti e F. Sciaudone, e em seguida por G. M. Roberti e F. Sciaudone, avvocati,

recorrente em primeira instância,



O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),,



composto por: V. Skouris, exercendo funções de presidente da Sexta Secção, J. N. Cunha Rodrigues, J.-P. Puissochet, R. Schintgen (relator) e F. Macken, juízes,

advogado-geral: S. Alber,
secretário: R. Grass,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 24 de Outubro de 2002,

profere o presente



Acórdão



1
Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 21 de Dezembro de 1999, a Comissão das Comunidades Europeias interpôs, nos termos do artigo 49.° do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, recurso do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Outubro de 1999, CAS Succhi di Frutta/Comissão (T‑191/96 e T‑106/97, Colect., p. II‑3181, a seguir «acórdão recorrido»), em que se pede a anulação parcial deste acórdão.


Quadro jurídico, factual e processual

2
No acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância expôs o quadro jurídico, factual e processual nos seguintes termos:

«1
Em 4 de Agosto de 1995, o Conselho adoptou o Regulamento (CE) n.° 1975/95 relativo a acções de fornecimento gratuito de produtos agrícolas às populações da Geórgia, Arménia, Azerbaijão, Quirguizistão e Tajiquistão (JO L 191, p. 2, a seguir ‘Regulamento n.° 1975/95’). Os dois primeiros considerandos deste regulamento referem ‘que é conveniente fornecer produtos agrícolas à Geórgia, à Arménia, ao Azerbaijão, ao Quirguizistão e ao Tajiquistão, para melhorar as condições de abastecimento tendo em conta a diversidade das situações locais sem comprometer a evolução no sentido do respeito das regras de mercado’, e que ‘a Comunidade dispõe de produtos agrícolas armazenados na sequência de medidas de intervenção e que, a título excepcional, é conveniente escoar prioritariamente esses produtos para a realização da acção prevista’.

2
Nos termos do artigo 1.° do Regulamento n.° 1975/95:

‘Serão efectuadas, nas condições fixadas pelo presente regulamento, acções de fornecimento gratuito a favor da Geórgia, Arménia, Azerbaijão, Quirguizistão e Tajiquistão de produtos agrícolas a determinar, disponíveis na sequência de medidas de intervenção; em caso de indisponibilidade temporária dos produtos de intervenção, estes podem ser mobilizados no mercado comunitário a fim de respeitar os compromissos da Comunidade.’

3
O artigo 2.° do Regulamento n.° 1975/95 dispõe:

‘1.
Os produtos serão fornecidos no estado em que se encontrem ou após transformação.

2.
As acções podem igualmente dizer respeito a géneros alimentícios disponíveis ou que possam ser obtidos no mercado mediante o fornecimento, a título de contraprestação, de produtos provenientes das reservas de intervenção pertencentes ao mesmo grupo de produtos.

3.
Os custos de fornecimento, incluindo os custos de transporte e, se for caso disso, de transformação, serão determinados por concurso ou, em caso de urgência ou de dificuldades de transporte por ajuste directo.

[...]’

4
Seguidamente, a Comissão adoptou o Regulamento (CE) n.° 2009/95, de 18 de Agosto de 1995, que estabelece as normas de execução aplicáveis ao fornecimento gratuito de produtos agrícolas provenientes das existências de intervenção destinados à Geórgia, à Arménia, ao Azerbaijão, ao Quirguizistão e ao Tajiquistão previsto no Regulamento (CE) n.° 1975/95 do Conselho (JO L 196, p. 4; a seguir ‘Regulamento n.° 2009/95’).

5
O segundo considerando do Regulamento n.° 2009/95 refere:

‘[...] os fornecimentos gratuitos serão constituídos por produtos agrícolas no seu estado inalterado provenientes das existências de intervenção e por produtos não disponíveis em intervenção pertencentes ao mesmo grupo de produtos; [...] é, pois, conveniente prever as normas específicas aplicáveis ao fornecimento de produtos transformados; [...] é conveniente prever, nomeadamente, que estes fornecimentos possam ser pagos em matérias‑primas provenientes das existências de intervenção.’

6
O artigo 2.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2009/95 dispõe:

‘O concurso pode incidir na quantidade de produtos a retirar fisicamente das existências de intervenção a título de pagamento do fornecimento de produtos transformados pertencentes ao mesmo grupo de produtos no estádio de entrega a indicar no anúncio de concurso.’

7
Nos termos do artigo 6.°, n.° 1, alínea e), ponto 1, do Regulamento n.° 2009/95, para serem válidas, as propostas devem conter, no caso de aplicação do artigo 2.°, n.° 2, ‘a quantidade de produtos proposta, expressa em toneladas (peso líquido) em troca de uma tonelada líquida de produto acabado nas condições e no estádio de entrega previstos no anúncio de concurso’.

8
Nos termos do artigo 6.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2009/95:

‘Podem ser recusadas as propostas que não sejam apresentadas em conformidade com o presente artigo, que só satisfaçam parcialmente as condições do regulamento do concurso ou que contenham condições diferentes das previstas no presente regulamento.’

9
Nos termos do artigo 15.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2009/95, dos anúncios de concurso constarão, designadamente:

‘–
as cláusulas e condições complementares,

a definição dos lotes,

[...]

as principais características físicas e tecnológicas dos diferentes lotes,

[...]’.

10
Nos termos do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 2009/95, no caso dos concursos previstos no artigo 2.°, n.° 2, do anúncio deve ainda constar:

‘–
o lote ou o grupo de lotes a tomar a cargo a título de pagamento do fornecimento,

as características do produto transformado a fornecer: natureza, quantidade, qualidade, acondicionamento, etc.’

11
A Comissão adoptou seguidamente o Regulamento (CE) n.° 228/96, de 7 de Fevereiro de 1996, relativo ao fornecimento de sumos de frutas e doces de frutas destinados às populações da Arménia e do Azerbaijão (JO L 30, p. 18, a seguir ‘Regulamento n.° 228/96’).

12
O primeiro e segundo considerandos do Regulamento n.° 228/96 referem:

‘[...] o Regulamento [CE] n.° 1975/95 prevê que as acções de fornecimento de produtos agrícolas podem dizer respeito a géneros alimentícios disponíveis ou que possam ser obtidos no mercado mediante o fornecimento, a título de contraprestação, de produtos disponíveis na sequência de medidas de intervenção;

[...] de forma a dar resposta a pedidos dos países beneficiários de sumos de frutas e de doces de frutas, é conveniente abrir concurso para a determinação das condições mais vantajosas para o fornecimento destes produtos e prever o pagamento ao adjudicatário em frutas retiradas do mercado na sequência de operações de retirada, nos termos do disposto no[s] artigo[s] 15.° e 15.°‑A do Regulamento (CEE) n.° 1035/72 do Conselho, de 18 de Maio de 1972, que estabelece a organização comum de mercado no sector das frutas e produtos hortícolas (JO L 118, p. 1; EE 3 F5 p. 258), com a última redacção que lhe foi dada pelo Regulamento (CE) n.° 1363/95 da Comissão (JO L 132, p. 8).’

13
Dispõe o artigo 1.° do Regulamento n.° 228/96:

‘Nos termos do Regulamento (CE) n.° 2009/95 e, nomeadamente, do n.° 2 do seu artigo 2.°, e em conformidade com as disposições específicas do presente regulamento, é realizado um concurso relativo ao fornecimento de, no máximo, 1 000 toneladas de sumos de frutas, 1 000 toneladas de sumos de frutas concentrados e 1 000 toneladas de doces de frutas, como indicado no anexo I.’

14
O anexo I do Regulamento n.° 228/96 contém os seguintes esclarecimentos:

Lote n.° 1 Produto a fornecer: 500 toneladas [líquidas] de sumo de maçã

Lote n.° 2 Produto a fornecer: 500 toneladas líquidas de sumo concentrado de maçã a 50%

Lote n.° 3 Produto a fornecer: 500 toneladas líquidas de sumo de laranja

Lote n.° 4 Produto a fornecer: 500 toneladas líquidas de sumo concentrado de laranja a 50%

Lote n.° 5 Produto a fornecer: 500 toneladas líquidas de doces de frutas diversas

Lote n.° 6 Produto a fornecer: 500 toneladas líquidas de doces de frutas diversas

Para todos os lotes a data de entrega foi fixada em 20 de Março de 1996.

15
Por carta de 15 de Fevereiro de 1996, [CAS Succhi di Frutta SpA, a seguir ‘Succhi di Frutta’ ou ‘a recorrente’] apresentou uma proposta relativamente aos lotes n.os 1 e 2, propondo‑se retirar em pagamento do fornecimento dos seus produtos, pelos referidos lotes, 12 500 toneladas e 25 000 toneladas de maçãs.

16
As sociedades Trento Frutta SpA (a seguir ‘Trento Frutta’) e Loma GmbH (a seguir ‘Loma’) propuseram‑se, respectivamente, retirar 8 000 toneladas de maçãs pelo lote n.° 1 e 13 500 toneladas de maçãs pelo lote n.° 2. Além disso, a Trento Frutta referiu que, no caso de não haver maçãs suficientes, estava disposta a receber pêssegos.

17
Em 6 de Março de 1996, a Comissão enviou à Azienda di Stato per gli Interventi nel Mercato Agricolo (organismo de intervenção italiano, a seguir ‘AIMA’), com cópia à Trento Frutta, a nota n.° 10663 referindo que tinha adjudicado a esta os lotes n.os 1, 3, 4, 5 e 6. Nos termos da mesma nota, a Trento Frutta receberia como pagamento, a título prioritário, as seguintes quantidades de fruta retirada do mercado:

Lote n.° 1 8 000 toneladas de maçãs ou, em alternativa, 8 000 toneladas de pêssegos;

Lote n.° 3 20 000 toneladas de laranjas ou, em alternativa, 8 500 toneladas de maçãs ou 8 500 toneladas de pêssegos;

Lote n.° 4 32 000 toneladas de laranjas ou, em alternativa, 13 000 toneladas de maçãs ou 13 000 toneladas de pêssegos;

Lote n.° 5 18 000 toneladas de maçãs ou, em alternativa, 18 000 toneladas de pêssegos;

Lote n.° 6 45 000 toneladas de laranjas ou, em alternativa, 18 000 toneladas de maçãs ou 18 000 toneladas de pêssegos.

18
Em 13 de Março de 1996, a Comissão enviou à AIMA a nota n.° 11832 informando‑a de que tinha adjudicado o lote n.° 2 à Loma mediante a retirada de 13 500 toneladas de maçãs.

19
A AIMA, em conformidade com o Regulamento n.° 226/96, adoptou as medidas necessárias para dar cumprimento às notas n.os 10663 e 11832 da Comissão, já referidas, através da circular n.° 93/96, de 21 de Março de 1996, que reproduzia o conteúdo daquelas.

20
Em 14 de Junho de 1996, a Comissão adoptou a Decisão C(96) 1453, relativa ao fornecimento de sumos de frutas e doces de frutas destinados às populações da Arménia e do Azerbaijão, prevista no Regulamento (CE) n.° 228/96 (a seguir ‘decisão de 14 de Junho de 1996’). Nos termos do segundo considerando da referida decisão, após a adjudicação, as quantidades dos produtos em causa retiradas do mercado eram irrisórias relativamente às quantidades necessárias, apesar de a campanha de retirada estar praticamente concluída. Era assim necessário, para levar a bom termo a operação, permitir que as empresas adjudicatárias que o pretendessem recebessem em pagamento, em lugar de maçãs e laranjas, outros produtos retirados do mercado em proporções preestabelecidas, as quais reflectem a equivalência da transformação dos produtos em questão.

21
O artigo 1.° da decisão de 14 de Junho de 1996 dispõe que os produtos retirados do mercado serão postos à disposição dos adjudicatários (ou seja, a Trento Frutta e a Loma) a seu pedido, de acordo com os coeficientes de equivalência seguintes:

a)
1 tonelada de pêssegos por 1 tonelada de maçãs,

b)
0,667 toneladas de damascos por 1 tonelada de maçãs,

c)
0,407 toneladas de pêssegos por 1 tonelada de laranjas,

d)
0,270 toneladas de damascos por 1 tonelada de laranjas.

22
Esta decisão foi dirigida à República Italiana, à República Francesa, à República Helénica e ao Reino de Espanha.

23
Em 22 de Julho de 1996, a Comissão adoptou a decisão C(96) 1916, relativa ao fornecimento de sumos e frutas e doces de frutas destinados às populações da Arménia e do Azerbaijão, prevista no Regulamento (CE) n.° 228/96 (a seguir ‘decisão de 22 de Julho de 1996’). Nos termos do terceiro considerando da referida decisão, a quantidade disponível de pêssegos e damascos não era suficiente para terminar a operação, sendo oportuno permitir, além disso, substituir por nectarinas as maçãs que deviam ser retiradas pelas adjudicatárias.

24
O artigo 1.° da decisão de 22 de Julho de 1996 dispõe que os produtos retirados do mercado serão colocados à disposição da Trento Frutta e da Loma a seu pedido, segundo o coeficiente de equivalência de 1,4 toneladas de nectarinas por 1 tonelada de maçãs.

25
Esta decisão foi dirigida à República Italiana.

26
Por recurso interposto para o Tribunale amministrativo regionale del Lazio, notificado à AIMA em 24 de Julho de 1996, a recorrente pediu a anulação da circular n.° 93/96 da AIMA, já referida.

27
Em 26 de Julho de 1996, durante a reunião organizada a seu pedido com os serviços da Direcção‑Geral Agricultura da Comissão (DG VI), a recorrente formulou as suas objecções relativamente à substituição das maçãs e laranjas por outras frutas autorizada pela Comissão, e obteve cópia da decisão de 14 de Junho de 1996.

28
Em 2 de Agosto de 1996, a recorrente enviou à Comissão o relatório técnico n.° 94, realizado pelo Dipartimento Territorio e Sistemi Agro‑Forestali da Universidade de Pádua, relativo aos coeficientes de equivalência económica de determinadas frutas para efeitos de transformação em sumo.

29
Em 6 de Setembro de 1996, a Comissão adoptou a Decisão C(96) 2208, que altera a decisão da Comissão de 14 de Junho de 1996, relativa ao fornecimento de sumo de frutas e doces de frutas destinados às populações da Arménia e do Azerbaijão, prevista no Regulamento (CE) n.° 228/96 (a seguir ‘decisão de 6 de Setembro de 1996’). Nos termos do segundo considerando desta decisão, a fim de realizar uma substituição mais equilibrada dos produtos, na totalidade do período de retirada dos pêssegos, entre as maçãs e laranjas utilizadas para fornecimento de sumos de frutas às populações do Cáucaso, por um lado, e os pêssegos retirados do mercado para pagamento dos referidos fornecimentos, por outro, era necessário alterar os coeficientes fixados na decisão de 14 de Junho de 1996. Os novos coeficientes seriam aplicáveis unicamente aos produtos que não tivessem ainda sido retirados pelas adjudicatárias em pagamento dos fornecimentos.

30
Nos termos do artigo 1.° da decisão de 6 de Setembro de 1996, o artigo 1.°, alíneas a) e c), da decisão de 14 de Junho de 1996 foi alterado da seguinte forma:

‘a)
0,914 toneladas de pêssegos por 1 tonelada de maçãs,

[...]

c)
0,372 toneladas de pêssegos por 1 tonelada de laranjas’.

31
Esta decisão foi dirigida à República Italiana, à República Francesa, à República Helénica e ao Reino de Espanha.

32
Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 25 de Novembro de 1996, a recorrente interpôs recurso de anulação da decisão de 6 de Setembro de 1996. Este processo foi registado sob o número T‑191/96.

33
Por despacho de 26 de Fevereiro de 1997, CAS Succhi di Frutta/Comissão (T‑191/96 R, Colect., p. II‑211), o presidente do Tribunal de Primeira Instância indeferiu o pedido de suspensão da execução da decisão de 6 de Setembro de 1996, apresentado pela recorrente em 16 de Janeiro de 1997.

34
Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 9 de Abril de 1997, a recorrente interpôs recurso de anulação da decisão de 22 de Julho de 1996, alegando que só recebeu cópia da referida decisão em 30 de Janeiro de 1997, no âmbito do processo de medidas provisórias. Este processo foi registado sob o número T‑106/97.

35
Por despacho de 20 de Março de 1998, o presidente da Segunda Secção do Tribunal de Primeira Instância indeferiu o pedido apresentado pela Allione Industria Alimentare SpA [a seguir ‘Allione’] no sentido de ser autorizada a intervir em apoio dos pedidos da recorrente no processo T‑191/96 (Colect., p. II‑57[3]).

36
Por despacho de 14 de Outubro de 1998, o presidente da Segunda Secção do Tribunal de Primeira Instância ordenou a apensação dos processos T‑191/96 e T‑106/97 para efeitos da audiência e do acórdão.

37
Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal de Primeira Instância (Segunda Secção) decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução. Contudo, convidou a Comissão a indicar por escrito até à audiência qual era o estado dos stocks [de maçãs] disponíveis nos organismos de intervenção no momento dos factos. A Comissão deu cumprimento ao solicitado no prazo fixado. A audiência teve lugar em 10 de Fevereiro de 1999.»

3
No processo T‑191/96, a Succhi di Frutta concluía pedindo que o Tribunal de Primeira Instância anulasse a decisão de 6 de Setembro de 1996, que altera a decisão de 14 de Junho de 1996, e que condenasse a Comissão nas despesas.


O acórdão recorrido

Quanto à admissibilidade

4
A Comissão alegou perante o Tribunal de Primeira Instância que o recurso da Succhi di Frutta no processo T‑191/96 era inadmissível pela dupla razão de que a decisão de 6 de Setembro de 1996 não dizia directa e individualmente respeito à recorrente e que ela não tinha nenhum interesse em obter a sua anulação.

5
Quanto à admissibilidade, o Tribunal de Primeira Instância decidiu o seguinte:

«50
O artigo 173.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 230.° CE) concede, no quarto parágrafo, às pessoas singulares ou colectivas a possibilidade de interporem recurso de anulação das decisões de que sejam destinatárias e das que, embora tomadas sob a forma de regulamento ou de decisão dirigida a outra pessoa, lhe digam directa e individualmente respeito.

51
Segundo jurisprudência constante, os sujeitos que não sejam destinatários de uma decisão só podem afirmar que esta lhes diz individualmente respeito, na acepção daquela disposição, se a decisão em causa os afectar devido a certas qualidades que lhes são próprias ou a uma situação de facto que os caracterize em relação a qualquer outra pessoa e assim os individualize de maneira análoga à do destinatário (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1963, Plaumann/Comissão, 25/62, Colect. 1962‑1964, p. 279; v., por exemplo, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Fevereiro de 1999, Arbeitsgemeinschaft Deutscher Luftfahrt‑Unternehmen e Hapag Lloyd Fluggesellschaft/Comissão, T‑86/96, Colect., p. II‑179, n.° 42, e jurisprudência citada).

52
No caso presente, é pacífico que a recorrente participou no concurso relativo aos lotes n.os 1 e 2, e que o lote n.° 1 foi adjudicado à Trento Frutta.

53
Por outro lado, a Comissão não contesta que a sua nota n.° 10663 de 6 de Março de 1996, já referida, contém elementos que não correspondem às condições impostas no anúncio de concurso previsto no Regulamento n.° 228/96, na medida em que prevê, designadamente, a substituição de maçãs e laranjas por pêssegos como modo de pagamento dos fornecimentos da Trento Frutta. A referida nota introduz, por isso, uma alteração às modalidades de pagamento previstas para os diferentes lotes.

54
A alteração das modalidades de pagamento previstas para os diferentes lotes foi confirmada pela decisão de 14 de Junho de 1996 para todos os adjudicatários. Posteriormente, a recorrente solicitou à Comissão que reanalisasse a referida decisão. Para esse efeito, teve lugar em 26 de Julho de 1996 uma reunião entre os serviços da DG VI e a recorrente, na sequência da qual esta enviou à Comissão o relatório técnico n.° 94 (n.os 27 e 28 supra).

55
À luz dos novos elementos desta forma levados ao seu conhecimento e da reanálise de toda a situação, designadamente do nível do preço dos pêssegos no mercado comunitário verificado pelos seus serviços em meados de Agosto de 1996 (v. documento de trabalho da DG VI, anexo 11 à contestação), a Comissão adoptou a decisão controvertida de 6 de Setembro de 1996, que previa novos coeficientes de equivalência entre, por um lado, pêssegos, e, por outro, maçãs ou laranjas.

56
Consequentemente, a decisão controvertida deve ser considerada como uma decisão autónoma, adoptada após solicitação da recorrente, com base em novos elementos, e que altera as condições do concurso na medida em que prevê, com coeficientes de equivalência diferentes, a substituição de maçãs e laranjas por pêssegos como modo de pagamento às adjudicatárias, e isto apesar dos contactos que tiveram lugar entretanto entre as partes.

57
Nestas condições, deve considerar‑se que a decisão controvertida diz individualmente respeito à recorrente. Em primeiro lugar, diz‑lhe respeito enquanto concorrente excluída, na medida em que uma das condições importantes do concurso – a relativa ao modo de pagamento dos fornecimentos em questão – foi posteriormente alterada pela Comissão. Efectivamente, um concorrente nesta situação não é individualmente afectado apenas pela decisão da Comissão que determina o destino favorável ou desfavorável de cada uma das propostas apresentadas na sequência do anúncio de concurso [acórdão (de 6 de Março de 1979,) Simmenthal/Comissão, (92/78, Colect., p. 407), n.° 25]. Mantém igualmente um interesse individual em zelar para que as condições do anúncio de concurso sejam respeitadas na própria fase de execução do concurso. Efectivamente, a falta de indicação pela Comissão, no anúncio de concurso, da possibilidade de os adjudicatários receberem frutas diferentes das previstas em pagamento dos seus fornecimentos, privou a recorrente da possibilidade de apresentar uma proposta diferente da que tinha apresentado, e de dispor, assim, das mesmas oportunidades que a Trento Frutta.

58
Em segundo lugar, nas condições específicas do presente processo, a decisão controvertida diz individualmente respeito à recorrente pelo facto de ter sido adoptada na sequência da reanálise de toda a situação, feita a seu pedido e à luz, designadamente, de dados adicionais que apresentou à Comissão.

59
A decisão controvertida diz também directamente respeito à recorrente, uma vez que a Comissão não deixou qualquer margem de apreciação às autoridades nacionais no que respeita às modalidades de execução da mesma (v., por exemplo, acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Maio de 1971, International Fruit Company/Comissão, 41/70, 42/70, 43/70 e 44/70, Colect., p. 131, n.os 25 a 28).

60
Por outro lado, é de rejeitar o argumento assente no facto de a recorrente não ter impugnado dentro do prazo previsto a decisão de 14 de Junho de 1996, uma vez que a decisão controvertida não pode ser considerada como acto meramente confirmativo daquela. Efectivamente, como acima foi declarado, a Comissão, a pedido da recorrente, aceitou reanalisar a sua decisão de 14 de Junho de 1996, e a decisão controvertida foi adoptada na sequência da referida reanálise. Além disso, a decisão controvertida fixa coeficientes de equivalência diferentes e baseia‑se em novos elementos. Nestas condições, o recurso da recorrente não pode ser julgado inadmissível por esse motivo (v. acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 3 de Março de 1994, Cortes Jimenez e o./Comissão, T‑82/92, ColectFP, p. II‑237, n.° 14; de 15 de Outubro de 1997, IPK/Comissão, T‑331/94, Colect., p. II‑1665, n.° 24; de 8 de Julho de 1998, Aquilino/Conselho, T‑130/96, ColectFP, p. II‑1017, n.° 34, e de 21 de Outubro de 1998, Vicente‑Nuñez/Comissão, T‑100/96, ColectFP, p. II‑1779, n.os 37 a 42).

61
Improcede igualmente o argumento segundo o qual a recorrente não tem qualquer interesse em agir uma vez que a anulação da decisão controvertida tem por único objectivo restabelecer os coeficientes, para ela menos favoráveis, previstos na decisão de 14 de Junho de 1996.

62
Efectivamente, para efeitos de apreciação da admissibilidade do presente recurso, não há que presumir que um acórdão de anulação da decisão de 6 de Setembro de 1996 terá como único efeito fazer renascer os coeficientes de equivalência previstos na decisão de 14 de Junho de 1996, tendo em conta, designadamente, a obrigação da Comissão de adoptar as medidas necessárias à execução do acórdão, nos termos do artigo 176.° do Tratado CE (actual artigo 233.° CE) (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Abril de 1988, Asteris/Comissão, 97/86, 99/86, 193/86 e 215/86, Colect., p. 2181, n.os 27 a 32).

63
Em qualquer caso, resulta do n.° 32 do acórdão Simmenthal/Comissão, já referido, que, mesmo na hipótese de ter já sido plenamente executada uma decisão de adjudicação a favor de outros concorrentes, o proponente mantém interesse em obter a anulação dessa decisão, quer para obter, da parte da Comissão, uma reposição da sua situação de forma adequada, quer para levar a Comissão a introduzir, para o futuro, as modificações adequadas ao regime dos concursos, no caso de este se verificar contrário a determinadas exigências jurídicas. Esta jurisprudência pode ser transposta para o presente caso, tanto mais que é pacífico que as operações referidas no anúncio de concurso em questão não tinham ainda sido plenamente executadas quando foi adoptada a decisão controvertida.

64
Daqui resulta que o recurso é admissível.»

Quanto ao mérito

6
Quanto ao mérito no processo T‑191/96, a Succhi di Frutta invocava sete fundamentos assentes, respectivamente, em: 1) violação do Regulamento n.° 228/96 e dos princípios da transparência e da igualdade de tratamento; 2) violação dos Regulamentos n.os 1975/95 e 2009/95; 3) desvio de poder; 4) erros manifestos de apreciação; 5) violação do artigo 39.° do Tratado CE (actual artigo 33.° CE) e do artigo 40.°, n.° 3, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 34.° CE), bem como do Regulamento n.° 1035/72; 6) falta de fundamentação; e 7) inadequação manifesta do mecanismo de substituição.

7
Em relação ao primeiro fundamento, o Tribunal de Primeira Instância decidiu o seguinte:

«72
No âmbito da Directiva 71/305/CEE do Conselho, de 26 de Julho de 1971, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas (JO L 185, p. 5; EE 17 F1 p. 9), o Tribunal de Justiça decidiu que, quando uma entidade adjudicante fixa prescrições no caderno de encargos, o respeito do princípio da igualdade de tratamento dos concorrentes exige que todas as propostas sejam conformes com as prescrições, a fim de garantir uma comparação objectiva entre as propostas (acórdãos do Tribunal de Justiça de 22 de Junho de 1993, Comissão/Dinamarca, C‑243/89, Colect., p. I‑3353, n.° 37, e de 25 de Abril de 1996, Comissão/Bélgica, C‑87/94, Colect., p. I‑2043, n.° 70). Acresce que o Tribunal de Justiça decidiu que o procedimento de comparação das propostas deve respeitar, em todas as suas fases, tanto o princípio da igualdade de tratamento dos concorrentes como o da transparência, a fim de que todos os concorrentes disponham das mesmas possibilidades na formulação dos termos das suas propostas (acórdão Comissão/Bélgica, já referido, n.° 54).

73
Esta jurisprudência pode ser transposta para o presente caso. Daqui resulta que a Comissão era obrigada a precisar com clareza no anúncio de concurso o objecto e as condições do concurso, e a obedecer rigorosamente às condições enunciadas, a fim de que todos os concorrentes dispusessem das mesmas possibilidades na formulação das suas propostas. Em especial, a Comissão não podia posteriormente alterar as condições do concurso e, designadamente, as relativas à proposta a apresentar, de um modo não previsto no próprio anúncio de concurso, sem violar o princípio da transparência.

74
Como se verificou acima, a decisão controvertida permite às adjudicatárias, ou seja, à Trento Frutta e à Loma, receber em pagamento dos seus fornecimentos produtos diferentes dos referidos no anúncio de concurso, e, designadamente, pêssegos em substituição de maçãs e laranjas.

75
Esta alteração não está prevista no anúncio de concurso tal como resulta do Regulamento n.° 228/96. Efectivamente, resulta do anexo I do referido regulamento, interpretado nos termos do artigo 15.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 2009/95 (v. n.os 9 a 13 supra), que apenas os produtos citados, ou seja, no que respeita aos lotes n.os 1, 2 e 5, maçãs, e, no que respeita aos lotes n.os 3, 4 e 6, laranjas, podiam ser retirados pelas adjudicatárias em pagamento dos fornecimentos.

76
Por outro lado, resulta do artigo 6.°, n.° 1, alínea e), 1), do Regulamento n.° 2009/95 (v. n.° 7 supra) que, para uma proposta ser válida, deve referir a quantidade de produtos solicitada pelo concorrente em pagamento do fornecimento de produtos transformados nas condições previstas no anúncio de concurso.

77
A substituição de maçãs ou laranjas por pêssegos em pagamento dos fornecimentos em causa, bem como a fixação de coeficientes de equivalência entre as referidas frutas, constituem, assim, uma alteração significativa de uma condição essencial do anúncio do concurso, ou seja, as modalidades de pagamento dos produtos a fornecer.

78
Ora, ao contrário do que a Comissão afirma, nenhum dos textos por ela citados, designadamente, os primeiro e segundo considerandos do Regulamento n.° 228/96, e o artigo 2.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1975/95 (n.os 3 e 12 supra), autoriza, mesmo implicitamente, essa substituição. Também não está prevista a substituição na hipótese adiantada pela Comissão, de as quantidades de frutas nos stocks de intervenção serem insuficientes e de as frutas de substituição dadas em pagamento aos adjudicatários pertencerem ao ‘mesmo grupo de produtos’ do dos seus fornecimentos.

79
Aliás, a decisão controvertida não apenas prevê a substituição de maçãs e laranjas por pêssegos, mas fixa também coeficientes de equivalência com referência a acontecimentos ocorridos posteriormente ao concurso, ou seja, o nível dos preços das frutas em questão no mercado em meados de Agosto de 1996, apesar de a tomada em consideração destes elementos, posteriores ao concurso, para determinar as modalidades de pagamento aplicáveis aos fornecimentos em causa de modo algum estar prevista no anúncio de concurso.

80
Por outro lado, os dados fornecidos pela Comissão durante o processo (v. anexo 3 à contestação e a resposta da Comissão às perguntas do Tribunal) não justificam que, no momento da adopção da decisão controvertida, existisse uma indisponibilidade de maçãs nos stocks de intervenção susceptível de impedir a execução das operações visadas pelo anúncio de concurso.

81
Mesmo pressupondo que tenha existido a nível comunitário uma indisponibilidade desse tipo de maçãs que pudessem ser retiradas, não é menos verdade que cabia à Comissão prever, no anúncio de concurso, as condições exactas de substituição das frutas previstas em pagamento dos fornecimentos em causa, a fim de respeitar os princípios da transparência e da igualdade de tratamento. Não o tendo feito, competia à Comissão abrir novo processo de concurso.

82
Resulta do que antecede que a decisão controvertida viola o anúncio de concurso previsto no Regulamento n.° 228/96, bem como os princípios da transparência e da igualdade de tratamento, e que, consequentemente, deve ser anulada sem que haja necessidade de decidir quanto aos restantes fundamentos invocados pela recorrente.»

8
Em consequência, o Tribunal de Primeira Instância decidiu:

«1)
É anulada a Decisão C(96) 2208 da Comissão, de 6 de Setembro de 1996.

[...]

3)
A Comissão suportará as despesas no processo T‑191/96.

[...]»


Quanto ao presente recurso

9
A Comissão conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

anular o acórdão recorrido e julgar inadmissível o recurso interposto pela Succhi di Frutta no processo T‑191/96;

a título subsidiário, anular o acórdão recorrido quanto ao mérito e julgar improcedente o recurso interposto pela Succhi di Frutta no processo T‑191/96;

também a título subsidiário, anular o acórdão recorrido e remeter o processo ao Tribunal de Primeira Instância para que este se pronuncie quanto ao mérito à luz das indicações que o Tribunal de Justiça lhe fornecerá;

condenar a Succhi di Frutta nas despesas do presente processo, bem como nas do que correu no Tribunal de Primeira Instância sob o número T‑191/96.

10
A Succhi di Frutta conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

declarar, no todo ou em parte, inadmissíveis os fundamentos suscitados pela Comissão no âmbito do recurso de anulação do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Outubro de 1999 nos processo apensos T‑191/96 e T‑106/97 quanto à parte respeitante ao processo T‑191/96;

a título subsidiário, negar provimento ao recurso por falta de fundamento;

condenar a Comissão no pagamento da totalidade das despesas.

11
Em apoio do seu recurso, a Comissão deduz cinco fundamentos assentes respectivamente:

na aplicação errada do princípio da igualdade de tratamento entre os proponentes não escolhidos e os adjudicatários que levou o Tribunal de Primeira Instância a admitir erradamente a admissibilidade do recurso da Succhi di Frutta;

no carácter errado e contraditório dos fundamentos do acórdão recorrido quanto às consequências que o Tribunal de Primeira Instância deduziu do mesmo princípio quanto ao mérito da causa;

no erro de interpretação cometido pelo Tribunal de Primeira Instância ao decidir que a decisão de 6 de Setembro de 1996 dizia individualmente respeito à Succhi di Frutta devido à sua participação no procedimento de adopção da mesma;

no erro de interpretação cometido pelo Tribunal de Primeira Instância do conceito de interesse em agir da Succhi di Frutta bem como do alcance do artigo 233.° CE, e

no erro de interpretação cometido pelo Tribunal de Primeira Instância das regras relativas à retirada de frutas prevista pela organização comum de mercado no sector das frutas e produtos hortícolas que levaram esse órgão jurisdicional a negar a existência de uma indisponibilidade de maçãs como forma de meio de pagamento dos produtos a fornecer pelos adjudicatários.


Quanto ao recurso da Comissão

12
Verifica‑se que os primeiro, terceiro e quarto fundamentos da Comissão dizem respeito a diferentes aspectos relativos à admissibilidade do recurso interposto pela Succhi di Frutta em primeira instância no processo T‑191/96, ao passo que os segundo e quinto fundamentos invocados por esta instituição dizem respeito à apreciação, em sede de mérito, do referido processo.

13
Nestas condições, cabe examinar sucessivamente os fundamentos da Comissão relativos à admissibilidade e à procedência do recurso da Succhi di Frutta no processo T‑191/96 contra a decisão de 6 de Setembro de 1996.

Quanto aos fundamentos relativos à admissibilidade do recurso interposto pela Succhi di Frutta no processo T‑191/96

Argumentos das partes

14
A Comissão acusa o Tribunal de Primeira Instância de ter cometido três erros de direito ao julgar admissível o recurso da Succhi di Frutta no processo T‑191/96.

15
No quadro do seu primeiro fundamento, a Comissão sustenta que o acórdão recorrido conferiu um alcance demasiado amplo ao princᆳpio da igualdade de tratamento entre os proponentes.

16
Se a Comissão não contesta que este princípio bem como o da transparência devem ser escrupulosamente respeitados pela entidade adjudicante ao longo do processo de concurso, afirma que a situação é diferente uma vez adjudicado o contrato.

17
Há assim que fazer uma distinção muito clara entre o adjudicatário, por um lado, e os proponentes não escolhidos, por outro.

18
Com efeito, uma vez o contrato adjudicado, existe uma relação de natureza contratual entre a Comissão e o único adjudicatário e cada uma destas partes é obrigada a respeitar os termos do acordo celebrado. Em contrapartida, nesta fase do processo, a Comissão deixa de ter qualquer relação com os proponentes não escolhidos.

19
Pela mesma razão, as condições enunciadas no anúncio de concurso só são intangíveis até ao momento da designação do adjudicatário, mas a entidade adjudicante pode em seguida afastar‑se das mesmas se as circunstâncias o exigirem e desde que a modificação em causa não lese os direitos da empresa à qual foi adjudicado o contrato.

20
Do que precede a Comissão deduz que a decisão de 6 de Setembro de 1996 impugnada pela Succhi di Frutta, adoptada depois da avaliação das propostas e da adjudicação do contrato, diz respeito às relações da Comissão com os adjudicatários, mas não afecta os proponentes não escolhidos cuja situação em nada é diferente da de qualquer terceiro que não participa no processo de concurso.

21
Em consequência, a Succhi di Frutta, como qualquer outra empresa do sector em causa, não tem legitimidade para impugnar uma modificação das condições de concurso ocorrida, como no caso vertente, depois da adjudicação do contrato.

22
O Tribunal de Primeira Instância cometeu assim um erro de direito ao considerar, no n.° 57 do acórdão recorrido, que a decisão de 6 de Setembro de 1996 dizia individualmente respeito à Succhi di Frutta na sua qualidade de proponente não escolhido.

23
A Comissão acrescenta que o seu ponto de vista é corroborado pela circunstância de a intervenção na instância da Allione, outro produtor italiano de sumos de frutas, ter sido recusada por despacho do presidente da Segunda Secção do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Março de 1998, já referido, com base em que essa sociedade não tinha um interesse suficiente na anulação da decisão impugnada pela Succhi di Frutta. Com efeito, nada distingue a situação desta última da da Allione.

24
Com o seu terceiro fundamento, a Comissão alega que, contrariamente ao que o Tribunal de Primeira Instância decidiu no n.° 58 do acórdão recorrido, a decisão de 6 de Setembro de 1996 também não dizia individualmente respeito à Succhi di Frutta pelo facto de essa sociedade ter participado no processo conducente à adopção da referida decisão, que foi adoptada na sequência de um pedido expresso da sua parte e do reexame da situação pela Comissão, à luz de dados adicionais apresentados pela Succhi di Frutta.

25
Estas circunstâncias não são, enquanto tais, susceptíveis de individualizar a Succhi di Frutta, tanto mais que, na ocorrência, diferentes Estados‑Membros foram destinatários da decisão em causa e que a mesma só afectou os adjudicatários.

26
Em apoio do seu quarto fundamento, a Comissão afirma que, por um lado, foi erradamente que o Tribunal de Primeira Instância decidiu, nos n.os 62 a 63 do acórdão recorrido, que a Succhi di Frutta tinha um interesse em agir contra a decisão de 6 de Setembro de 1996, porque esta empresa não tinha impugnado as decisões similares tomadas anteriormente, que lhe teriam sido mais desfavoráveis, e que, por outro, a anulação da decisão de 6 de Setembro de 1996 reporia as referidas decisões anteriores. A obrigação de executar correctamente o acórdão de anulação do Tribunal de Primeira Instância de modo algum afectaria estas outras decisões adoptadas numa data anterior.

27
Em suma, o acórdão de anulação do Tribunal de Primeira Instância põe em causa as relações da Comissão com os adjudicatários num momento em que o processo de concurso estava terminado, de modo que não é garantida a segurança jurídica.

28
A Succhi di Frutta pede, a título principal, que os três fundamentos acima mencionados da Comissão sejam julgados inadmissíveis.

29
O primeiro fundamento deve ser afastado porque a Comissão se limita a apresentar de novo a questão de inadmissibilidade do recurso que já tinha suscitado perante o Tribunal de Primeira Instância. Assim, este fundamento equivale a um simples pedido de reexame do recurso interposto no Tribunal de Primeira Instância.

30
De igual modo, no que se refere ao quarto fundamento, está‑se perante uma simples repetição dos motivos e argumentos já invocados perante o Tribunal de Primeira Instância. Com efeito, conforme resulta claramente do n.° 46 do acórdão recorrido, este fundamento retoma uma excepção já arguida em primeira instância, quando a Comissão sustentou que a Succhi di Frutta não tinha qualquer interesse em interpor recurso de anulação da decisão de 6 de Setembro de 1996, porque o único efeito desta anulação seria repor os coeficientes de equivalência anteriormente estabelecidos e que eram mais favoráveis à Trento Frutta.

31
Quanto ao terceiro fundamento, é inadmissível na medida em que a Comissão não o invocou em primeira instância e que é portanto suscitado pela primeira vez no quadro do presente recurso, quando esta instituição já teria conhecimento do mesmo quando do processo no Tribunal de Primeira Instância.

32
A título subsidiário, a Succhi di Frutta contesta a procedência destes fundamentos.

33
Os primeiro e terceiro fundamentos, cujo objecto é essencialmente idêntico, só podem ser julgados improcedentes.

34
Foi, com efeito, com razão que o Tribunal de Primeira Instância julgou que, nas circunstâncias específicas do caso concreto, a decisão de 6 de Setembro de 1996 dizia individualmente respeito à Succhi di Frutta.

35
Assim, a situação da Succhi di Frutta é singularizada não apenas porque esta sociedade agiu atempadamente junto dos serviços da Comissão em razão do prejuízo económico grave que tinha sofrido na sequência da atribuição a concorrentes directos de uma quantidade inadaptada de frutas de substituição como modo de pagamento dos fornecimentos de sumos de frutas ou de doces de frutas, mas sobretudo porque tinha participado tanto no concurso em causa como no processo de adopção da decisão de 6 de Setembro de 1996.

36
A argumentação da Comissão, segundo a qual, uma vez escolhido o adjudicatário, a situação da Succhi di Frutta em nada se distinguiria da de qualquer outro terceiro, é desprovida de fundamento.

37
Incumbe à entidade adjudicante definir, no anúncio de concurso, o objecto e as condições do processo de concurso. A entidade adjudicante devia em seguida respeitar rigorosamente as condições por ela fixadas e que levaram os proponentes a participar no concurso bem como a apresentar uma certa proposta, que é função das condições que regem o concurso.

38
Esta obrigação subsiste ao longo do processo, inclusive na fase de execução do contrato celebrado pela entidade adjudicante com o proponente escolhido. A referida entidade só pode afastar‑se das condições e modalidades previstas nos casos expressamente enunciados no anúncio de concurso. Não é, portanto, livre de gerir, do modo que considere mais adequado, o contrato com a ou as sociedades escolhidas.

39
Em caso de circunstâncias excepcionais, ocorridas depois da adjudicação do contrato, e exigindo uma adaptação das condições de adjudicação, e na falta de cláusula do anúncio que permita obviar a tal, cabe à entidade adjudicante anular o processo e fazer um novo anúncio de concurso em que todos os proponentes anteriores têm a faculdade de participar em pé de igualdade.

40
Ora, no caso concreto, resulta claramente do Anexo I do Regulamento n.° 228/96 que as frutas a retirar pelos adjudicatários eram maçãs e laranjas e a regulamentação pertinente não comportava qualquer cláusula permitindo modificar a posteriori uma das condições estipuladas no anúncio de concurso e, em especial, substituir maçãs por pêssegos.

41
A Succhi di Frutta acrescenta que, se fosse seguida a tese da Comissão, a entidade adjudicante poderia, na fase de execução do contrato com a sociedade escolhida, fazer alterações essenciais no anúncio de concurso sem correr o risco de ser confrontada com um recurso de um proponente não escolhido a fim de obter uma sanção para a modificação não autorizada das condições de concurso.

42
Quanto ao quarto fundamento, a Succhi di Frutta considera que o mesmo deve ser igualmente julgado improcedente.

43
Foi deste modo acertadamente que o Tribunal de Primeira Instância julgou que esta sociedade podia invocar um interesse em agir nas circunstâncias específicas do caso vertente.

44
O interesse em impugnar uma decisão ilegal não desaparece pelo facto de existirem outros actos não conformes ao direito que não foram eles próprios objecto de um recurso de anulação.

45
Na ocorrência, o Tribunal de Primeira Instância decidiu claramente que a substituição das frutas mencionadas no anúncio de concurso por outras era ilegal.

46
Ora, em conformidade com o artigo 176.° do Tratado e com o princípio da boa administração, a Comissão devia ter tirado todas as consequências desta declaração de ilegalidade em relação às decisões que tinha tomado anteriormente à decisão de 6 de Setembro de 1996 e que padecem do mesmo vício. Qualquer outra interpretação está manifestamente em contradição com o sistema de protecção jurisdicional na base da ordem jurídica comunitária.

47
De qualquer forma, o interesse em agir da Succhi di Frutta justifica‑se, por um lado, pela necessidade de evitar a repetição de actos ilegais e, por outro, com vista a uma eventual acção de indemnização contra a entidade adjudicante para efeitos da reparação do prejuízo causado pela ilegalidade cometida.

Apreciação do Tribunal de Justiça

– Quanto ao primeiro fundamento

48
Quanto à admissibilidade deste fundamento, recorde‑se que, segundo jurisprudência constante, resulta dos artigos 225.° CE, 51.°, primeiro parágrafo, do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça e 112.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça que o recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância deve indicar de modo preciso os elementos contestados do acórdão cuja anulação é pedida, bem como os argumentos jurídicos em que se apoia especificamente esse pedido (v., nomeadamente, acórdão de 6 de Março de 2003, Interporc/Comissão, C‑41/00 P, Colect., p. I‑2125, n.° 15).

49
Assim, não respeita as exigências de fundamentação resultantes dessas disposições um recurso que se limita a repetir ou a reproduzir textualmente os fundamentos e os argumentos já alegados no Tribunal de Primeira Instância, incluindo os que se baseavam em factos expressamente julgados não provados por aquele órgão jurisdicional (v., nomeadamente, acórdão Interporc/Comissão, já referido, n.° 16).

50
Contudo, quando um recorrente contesta a interpretação ou a aplicação do direito comunitário feita pelo Tribunal de Primeira Instância, as questões de direito examinadas em primeira instância podem ser de novo discutidas em sede de recurso para o Tribunal de Justiça. Com efeito, se um recorrente não pudesse basear o seu recurso em fundamentos e argumentos já utilizados no Tribunal de Primeira Instância, o processo de recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância ficaria privado de uma parte do seu sentido (v., nomeadamente, acórdão Interporc/Comissão, já referido, n.° 17).

51
Ora, conforme resulta dos n.os 15 a 23 do presente acórdão, o primeiro fundamento satisfaz estas exigências.

52
Na ocorrência, a Comissão contesta o n.° 57 do acórdão recorrido a fim de demonstrar que o Tribunal de Primeira Instância violou o direito comunitário ao julgar que a decisão de 6 de Setembro de 1996 dizia individualmente respeito à Succhi di Frutta na sua qualidade de proponente não escolhido no âmbito do concurso em causa. A Comissão acusa mais especialmente o Tribunal de Primeira Instância de, ao agir deste modo, ter atribuído um alcance muito vasto ao princípio da igualdade de tratamento entre os proponentes que, em sua opinião, deixa de ser aplicável quando da fase de execução do contrato.

53
Nestas condições, longe de se limitar a repetir argumentos já suscitados perante o Tribunal de Primeira Instância, a Comissão contesta a resposta deste órgão jurisdicional a uma questão de direito expressamente feita no acórdão recorrido que pode ser objecto de fiscalização pelo Tribunal de Justiça no quadro do recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância.

54
Daqui resulta que o primeiro fundamento da Comissão é admissível.

55
A fim de apreciar a procedência deste fundamento, há que assinalar desde já que o essencial da argumentação da Comissão em apoio do referido fundamento, segundo o qual os princípios da transparência e da igualdade de tratamento dos proponentes não são aplicáveis uma vez adjudicado o contrato, diz na realidade respeito ao mérito da questão.

56
Tal argumentação deve assim ser examinada no âmbito do segundo fundamento da Comissão, que respeita à procedência do recurso interposto pela Succhi di Frutta em primeira instância.

57
Nesta fase, a apreciação da procedência do primeiro fundamento, relativo à questão da admissibilidade do recurso no processo T‑191/96, será circunscrita à questão de saber se o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao julgar, no n.° 57 do acórdão recorrido, que, nas circunstâncias do caso concreto, a decisão de 6 de Setembro de 1996 dizia individualmente respeito à Succhi di Frutta na sua qualidade de proponente não escolhido.

58
A este respeito, é manifesto que a Succhi di Frutta participou no processo de concurso no âmbito da qual foi adoptada a referida decisão.

59
Ora, se é incontestável que tal decisão não diz individualmente respeito aos operadores económicos do sector em causa que não participaram no concurso, uma vez que só são visados na sua qualidade objectiva de empresas produtoras de sumos de frutas ou de doces de frutas, o mesmo não deve acontecer em relação aos proponentes que devem poder dirigir‑se ao juiz comunitário para fiscalizar a legalidade de todo o processo de concurso, pouco importa que os mesmos tenham finalmente sido escolhidos ou afastados.

60
É precisamente aqui que a situação da Succhi di Frutta se distingue fundamentalmente da da Allione que não apresentou qualquer proposta quando do concurso na origem do presente processo e à qual o presidente da Segunda Secção do Tribunal de Primeira Instância não reconheceu, assim, interesse em intervir em apoio dos pedidos da Succhi di Frutta no processo T‑191/96 (v. despacho de 20 de Março de 1998, já referido).

61
Em consequência, a Comissão não pode validamente defender que a situação desta última sociedade, à luz de uma decisão como a de 6 de Setembro de 1996, em nada se diferencia da de qualquer operador do sector em causa e que, deste modo, só os adjudicatários podiam impugnar, eventualmente, uma decisão deste tipo.

62
Tal interpretação levaria à consequência, inevitável, de que as violações do direito eventualmente cometidas pela entidade adjudicante depois da adjudicação do contrato, mas podendo pôr em causa a legalidade do processo de concurso no seu todo não pudessem ser punidas se não afectarem a situação do ou dos adjudicatários.

63
Tal resultado é incompatível tanto com os termos do artigo 173.°, quarto parágrafo, do Tratado que garante uma via de recurso aos particulares a quem o acto impugnado diz directa e individualmente respeito como com o princípio fundamental de que, numa comunidade de direito, o respeito da legalidade deve ser devidamente garantido.

64
Assim, deve ser em especial em circunstâncias como as que estão na origem do processo T‑191/96 em que, como o Tribunal de Primeira Instância assinalou nomeadamente no n.° 57 do acórdão recorrido, bem como, no mesmo sentido, no n.° 73 do mesmo, a decisão visada pelo recurso do proponente, mesmo adoptada posteriormente pela entidade adjudicante, era susceptível de ter uma incidência directa na própria formulação da proposta por ele apresentada e na igualdade de oportunidades de todas as empresas participantes no processo em causa.

65
Dos autos resulta, com efeito, que antes mesmo da adopção formal de decisões a este respeito pela entidade adjudicante, entre as quais figura a decisão controvertida, a proposta da empresa à qual foi adjudicada finalmente a maior parte do contrato em causa referia já uma possibilidade de substituição de frutas como forma de meio de pagamento no entanto não prevista no anúncio de concurso, enquanto as propostas de todos os outros proponentes tinham respeitado rigorosamente as condições estipuladas nesse anúncio.

66
Atendendo ao que precede, foi portanto acertadamente que o Tribunal de Primeira Instância decidiu, no n.° 57 do acórdão recorrido, que a decisão de 6 de Setembro de 1996 dizia individualmente respeito à Succhi di Frutta na sua qualidade de proponente não escolhido para que seja verificado, pelo juiz comunitário, o respeito do direito quando da adopção da referida decisão e, sendo caso disso, para que seja punida a ilegalidade processual cometida pela entidade adjudicante.

67
Nestas condições, o primeiro fundamento da Comissão deve ser julgado improcedente.

– Quanto ao terceiro fundamento

68
Recorde‑se que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, desde que um dos fundamentos considerados pelo Tribunal de Primeira Instância seja suficiente para justificar a parte decisória do seu acórdão, os vícios que possam eventualmente afectar outro fundamento, igualmente assinalado no acórdão em questão, não têm, de qualquer forma, qualquer influência na referida parte decisória, de forma que o fundamento que os invoca é inoperante e deve ser rejeitado (v., nomeadamente, acórdão de 2 de Junho de 1994, De Compte/Parlamento, C‑326/91 P, Colect., p. I‑2091, n.° 94, e despacho de 12 de Dezembro de 1996, Progoulis/Comissão, C‑49/96 P, Colect., p. I‑6803, n.° 27).

69
Como o advogado‑geral assinalou no n.° 19 das suas conclusões, os primeiro e terceiro fundamentos da Comissão referem‑se na realidade à mesma questão que consiste em saber se o Tribunal de Primeira Instância não cometeu um erro de direito ao julgar, no n.° 57 do acórdão recorrido, que a decisão de 6 de Setembro de 1996 dizia individualmente respeito à Succhi di Frutta.

70
Ora, resulta claramente dos n.os 57 e 58 do acórdão recorrido que o Tribunal de Primeira Instância baseou a sua conclusão, segundo a qual a referida decisão dizia na ocorrência individualmente respeito à Succhi di Frutta, em dois fundamentos distintos.

71
Com efeito, no n.° 57 do seu acórdão, o Tribunal de Primeira Instância considerou que a decisão de 6 de Setembro de 1996 dizia individualmente respeito à Succhi di Frutta, «em primeiro lugar», na sua qualidade de proponente excluído.

72
No n.° 58 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância prosseguiu que, «em segundo lugar», nas circunstâncias específicas do caso concreto, a decisão de 6 de Setembro de 1996 dizia individualmente respeito à Succhi di Frutta pelo facto de ter sido adoptada na sequência da reanálise de toda a situação, feita a seu pedido e à luz, designadamente, de dados adicionais que apresentou à Comissão.

73
Basta, portanto, verificar que, por um lado, conforme resulta do n.° 66 do presente acórdão, foi sem cometer qualquer erro de direito que o Tribunal de Primeira Instância decidiu, no n.° 57 do seu acórdão, que a Succhi di Frutta podia invocar um interesse individual em obter a verificação pelo juiz comunitário do respeito da legalidade da decisão de 6 de Setembro de 1996 e que, por outro, o referido número é suficiente para justificar a conclusão do Tribunal de Primeira Instância de que, no processo T‑191/96, a referida decisão dizia individualmente respeito à Succhi di Frutta.

74
Sendo o terceiro fundamento da Comissão dirigido contra a apreciação do Tribunal de Primeira Instância constante do n.° 58 do acórdão recorrido, que constitui, como resulta dos quatro números anteriores do presente acórdão, um fundamento subsidiário do referido acórdão do Tribunal de Primeira Instância, este fundamento é, de qualquer forma, inoperante e deve, em consequência, ser rejeitado.

– Quanto ao quarto fundamento

75
Em conformidade com a jurisprudência citada nos n.os 48 a 50 do presente acórdão, há que afastar a questão prévia de inadmissibilidade suscitada pela Succhi di Frutta no que respeita a este fundamento.

76
Com efeito, a Comissão refere‑se aos n.os 62 e 63 do acórdão recorrido para contestar a apreciação jurídica do Tribunal de Primeira Instância, de acordo com a qual a Succhi di Frutta podia aqui invocar um interesse em agir contra a decisão de 6 de Setembro de 1996.

77
Tendo a Comissão indicado de forma precisa os elementos criticados a este respeito do acórdão cuja anulação pede bem como os argumentos com base nos quais considera que a apreciação jurídica do Tribunal de Primeira Instância é errada, o presente fundamento não constitui uma simples reprodução textual dos argumentos apresentados.

78
Quanto à procedência do quarto fundamento, assinale‑se, em primeiro lugar, que a Succhi di Frutta tinha participado no concurso em causa e que, conforme resulta mais especialmente do n.° 66 do presente acórdão, se deve considerar que a decisão de 6 de Setembro de 1996 lhe diz individualmente respeito tendo portanto legitimidade para interpor um recurso contencioso permitindo obter a verificação da legalidade da referida decisão e, eventualmente, obter a punição da ilegalidade cometida na matéria pela entidade adjudicante. Com efeito, a Comissão de forma alguma contestou a apreciação do Tribunal de Primeira Instância segundo a qual a decisão cuja anulação era pedida por esta sociedade diz directamente respeito à Succhi di Frutta.

79
Em segundo lugar, o Tribunal de Primeira Instância considerou, no n.° 60 do acórdão recorrido, que esta decisão não podia ser considerada um acto meramente confirmativo da decisão de 14 de Junho de 1996, porque a Comissão tinha aceite, a pedido da Succhi di Frutta, reexaminar esta última decisão, porque a decisão de 6 de Setembro de 1996 foi adoptada na sequência deste reexame e porque fixa coeficientes de equivalência diferentes baseando‑se em elementos novos, entre os quais dados apresentados pela Succhi di Frutta.

80
Ora, a Comissão não contestou o referido número no âmbito do presente recurso.

81
Em terceiro lugar, é manifesto que a decisão de 6 de Setembro de 1996 afecta a Succhi di Frutta, na medida em que é susceptível de lesar os seus interesses legítimos afectando substancialmente a sua posição no mercado em causa.

82
Acrescente‑se que resulta dos autos que a substituição, por pêssegos, das maçãs e das laranjas previstas no anúncio de concurso em pagamento dos fornecimentos em causa, conforme feita, nomeadamente, pela decisão de 6 de Setembro de 1996, afecta directamente as condições da proposta a apresentar pelos diferentes proponentes, conforme o Tribunal de Primeira Instância o assinalou no final dos n.os 57 e 73 do seu acórdão e como aliás o demonstra a proposta feita pela Trento Frutta, que tinha expressamente indicado que estava disposta a receber pêssegos em vez de maçãs em caso de penúria destas últimas, quando é sabido que tal possibilidade não se encontrava prevista no anúncio de concurso e que as propostas dos outros proponentes obedeceram rigorosamente às condições enunciadas a este respeito pelo referido anúncio. A tomada em consideração de uma proposta como a da Trento Frutta é assim susceptível de beneficiar a empresa que a apresentou relativamente aos seus concorrentes, o que violaria o princípio da igualdade de tratamento dos proponentes e prejudicaria a transparência do processo.

83
Nestas condições, há que considerar que, conforme o Tribunal de Primeira Instância decidiu no n.° 63 do seu acórdão, a Succhi di Frutta tinha efectivamente interesse em pedir a anulação da decisão de 6 de Setembro de 1996, em especial para obter a declaração, pelo juiz comunitário, da verificação de uma ilegalidade eventualmente cometida pela entidade adjudicante. Com efeito, tal declaração pode servir de base a uma eventual acção de indemnização destinada a repor de modo adequado a situação da Succhi di Frutta.

84
Quanto ao argumento da Comissão, segundo o qual a anulação da decisão de 6 de Setembro de 1996 teria por efeito repor a anterior decisão de 14 de Junho de 1996 que seria menos favorável a esta sociedade, refere‑se ao n.° 62 do acórdão recorrido.

85
Ora, por um lado, o n.° 63 do mesmo acórdão justifica de modo suficiente a conclusão do Tribunal de Primeira Instância segundo a qual a Succhi di Frutta tinha no caso vertente um interesse em que a decisão de 6 de Setembro de 1996 fosse anulada. Por outro lado, resulta do n.° 83 do presente acórdão que o Tribunal de Primeira Instância não violou o direito comunitário ao chegar a essa conclusão.

86
Daqui resulta que a acusação da Comissão, referente ao n.° 62 do acórdão recorrido, que comporta um argumento suplementar em favor do interesse em agir da Succhi di Frutta, é inoperante.

87
Atendendo ao que precede, o quarto fundamento deve ser julgado improcedente.

Quanto aos fundamentos relativos à procedência do recurso interposto pela Succhi di Frutta no processo T‑191/96

Argumentos das partes

88
A Comissão acusa o Tribunal de Primeira Instância de ter cometido dois erros de direito ao anular a decisão de 6 de Setembro de 1996.

89
Em apoio do seu segundo fundamento, a Comissão desenvolve uma argumentação idêntica à que está na base do seu primeiro fundamento assente na aplicação incorrecta pelo Tribunal de Primeira Instância do princípio da igualdade de tratamento entre os proponentes quando da fase do processo de concurso que se segue à adjudicação do contrato.

90
Desta argumentação, conforme resumida nos n.os 15 a 19 do presente acórdão, a Comissão deduz que foi erradamente que o Tribunal de Primeira Instância decidiu, nos n.os 73 e 81 do acórdão recorrido, que a referida instituição é obrigada a obedecer rigorosamente, durante todas as fases do contrato administrativo, às condições conforme enunciadas no anúncio de concurso, de modo que não pode modificar a posteriori as modalidades de pagamento do adjudicatário na falta de estipulação de uma cláusula para o efeito e que só teria a opção de abrir um novo concurso de adjudicação permitindo reservar o mesmo tratamento, do ponto de vista das condições aplicáveis, à empresa escolhida e aos outros proponentes cujas propostas não tinham sido escolhidas.

91
No caso presente, foi com efeito impossível executar o contrato como inicialmente previsto, em razão da indisponibilidade de uma quantidade suficiente de maçãs.

92
Segundo a Comissão, se é um facto que, até ao momento em que o adjudicatário é conhecido, há que velar escrupulosamente pelo respeito do princípio da transparência e do da igualdade de tratamento entre todos os proponentes, em contrapartida, na fase de execução do contrato, pode tornar‑se indispensável proceder a uma adaptação dos termos do contrato a circunstâncias imprevisíveis, dado que é impossível prever todas as eventualidades no anúncio de concurso.

93
Além disso, o acórdão recorrido é contraditório na medida em que proíbe toda e qualquer alteração ulterior das condições conforme estipuladas no anúncio de concurso ou no caderno de encargos, mas que, ao mesmo tempo, afirma que a Comissão devia ter aberto um novo concurso, o que teria necessariamente conduzido a uma modificação das condições da adjudicação e, além disso, posto em causa a confiança legítima dos adjudicatários que já tinham executado as suas obrigações contratuais.

94
Com o seu quinto e último fundamento, a Comissão sustenta que o Tribunal de Primeira Instância considerou erradamente, no n.° 80 do acórdão recorrido, que, no momento da adopção da decisão de 6 de Setembro de 1996, não existia qualquer indisponibilidade de maçãs susceptível de obrigar os serviços da Comissão a prever uma modificação das condições de pagamento dos produtos a fornecer pelos adjudicatários autorizando que pêssegos possam substituir as maçãs previstas na regulamentação pertinente a fim de permitir às empresas escolhidas cumprirem as suas obrigações contratuais para com a entidade adjudicante.

95
Face à argumentação da Succhi di Frutta, segundo a qual este fundamento é manifestamente inadmissível porque não suscita qualquer questão de direito, dizendo respeito a uma simples verificação dos factos pelo Tribunal de Primeira Instância, a Comissão contrapõe que a apreciação feita por este último, para considerar que não havia indisponibilidade de maçãs nas existências de intervenção, padecia de erro de direito, tendo aquele órgão jurisdicional, ao agir desta forma, ignorado o sistema de retirada de frutas previsto pela organização comum de mercado no sector das frutas e produtos hortícolas.

96
A Succhi di Frutta sustenta, a título principal, que os dois fundamentos em causa são inadmissíveis.

97
Com efeito, o segundo fundamento consiste numa simples repetição dos argumentos já apresentados pela Comissão perante o Tribunal de Primeira Instância.

98
Quanto ao quinto fundamento, o mesmo não diz respeito a questões de direito, mas unicamente a verificações de facto feitas pelo Tribunal de Primeira Instância e que são da exclusiva competência deste último.

99
A título subsidiário, estes fundamentos devem ser julgados improcedentes.

100
Quanto ao segundo fundamento, o mesmo é improcedente por razões idênticas às alegadas pela Succhi di Frutta em resposta aos primeiro e terceiro fundamentos da Comissão (v., mais especialmente, n.os 37 a 40 do presente acórdão).

101
Quanto ao quinto fundamento, o mesmo é igualmente mal apoiado, já que o Tribunal de Primeira Instância fez uma apreciação correcta dos dados fornecidos pela própria Comissão para considerar que, no momento da adopção da decisão de 6 de Setembro de 1996, não existia nenhuma indisponibilidade de maçãs susceptível de impedir a execução das operações visadas pelo anúncio de concurso.

Apreciação do Tribunal de Justiça

– Quanto ao segundo fundamento

102
Em aplicação da jurisprudência citada nos n.os 48 a 50 do presente acórdão, há que rejeitar a argumentação da Succhi di Frutta, segundo a qual este fundamento é inadmissível enquanto repetição pura e simples de argumentos já apresentados em primeira instância.

103
Com efeito, fazendo referência aos n.os 72 a 75 e 81 do acórdão recorrido, a Comissão contesta a interpretação pelo Tribunal de Primeira Instância do princípio da igualdade de tratamento entre os proponentes bem como as consequências jurídicas que este órgão jurisdicional daí deduziu quanto ao mérito do processo T‑191/96.

104
Ora, tais questões de direito podem ser examinadas pelo Tribunal de Justiça no quadro de um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância.

105
A fim de apreciar a procedência do referido fundamento, recorde‑se que, como aliás as próprias partes reconheceram, ele assenta na mesma premissa que o primeiro fundamento da Comissão, premissa segundo a qual o Tribunal de Primeira Instância fez uma apreciação incorrecta do princípio da igualdade de tratamento entre os proponentes alargando o seu âmbito de aplicação à fase do processo de concurso que se segue à adjudicação do contrato.

106
A Comissão sustenta mais especialmente que o Tribunal de Primeira Instância considerou erradamente que o respeito do princípio da igualdade de tratamento entre todos os proponentes implica que era obrigada a obedecer rigorosamente às condições do concurso conforme enunciadas no anúncio do mesmo, que não podia alterar posteriormente, ou seja, depois da adjudicação do contrato, as condições do processo de concurso e, nomeadamente, as relativas à proposta a apresentar de uma forma não prevista pelo próprio anúncio de concurso e que, consequentemente, se desejava proceder a tal modificação, era obrigada a abrir um novo concurso, que podia então ser sujeito a condições diferentes, mas impondo‑se de igual forma a todas as empresas participantes nesse processo.

107
É nesta fase do exame do presente recurso que cabe decidir da procedência desta argumentação da Comissão.

108
Recorde‑se que, segundo jurisprudência assente do Tribunal de Justiça no que respeita aos contratos administrativos, a entidade adjudicante está obrigada ao respeito do princípio da igualdade de tratamento dos proponentes (v., nomeadamente, acórdãos de 27 de Novembro de 2001, Lombardini e Mantovani, C‑285/99 e C‑286/99, Colect., p. II‑9233, n.° 37, e de 19 de Junho de 2003, GAT, C‑315/01, Colect., p. I‑6351, n.° 73).

109
Resulta igualmente da jurisprudência que o referido princípio implica uma obrigação de transparência a fim de permitir verificar o seu respeito (v., nomeadamente, acórdãos de 18 de Junho de 2002, HI, C‑92/00, Colect., p. I‑5553, n.° 45, e de 12 de Dezembro de 2002, Universale‑Bau e o., C‑470/99, Colect., p. I‑11617, n.° 91).

110
O princípio da igualdade de tratamento entre os proponentes, que tem por objectivo favorecer o desenvolvimento de uma concorrência sã e efectiva entre as empresas que participam num concurso público, impõe que todos os proponentes tenham as mesmas oportunidades na formulação dos termos das suas propostas e implica portanto que estas estejam sujeitas às mesmas condições para todos os concorrentes.

111
Quanto ao princípio da transparência, que é corolário daquele, o mesmo destina‑se essencialmente a garantir a ausência de risco de favoritismo e de arbitrariedade por parte da entidade adjudicante. Implica que todas as condições e modalidades do processo de adjudicação sejam formuladas de forma clara, precisa e unívoca, no anúncio de concurso ou no caderno de encargos, de forma, por um lado, a permitir a todos os proponentes razoavelmente informados e normalmente diligentes compreenderem o seu alcance exacto e interpretá‑las da mesma maneira e, por outro, a possibilitar à entidade adjudicante verificar efectivamente se as propostas dos proponentes correspondem aos critérios por que se rege o concurso em causa.

112
Ora, tendo em conta tanto a importância como o objectivo e o efeito útil dos referidos princípios, o respeito destes deve ser integralmente assegurado também no caso de um concurso específico como o do caso vertente, tendo simultaneamente em conta, se for caso disso, especificidades que caracterizam este último processo.

113
A este respeito, importa sublinhar que, na ocorrência, a Comissão, com fundamento no Regulamento n.° 1975/95 do Conselho e através dos dois Regulamentos n.os 2009/95 e 228/96, determinou, primeiro, as condições gerais do concurso para o fornecimento de sumos de frutas e de doces de frutas destinados às populações da Arménia e do Azerbaijão e elaborou em seguida o anúncio de concurso definindo simultaneamente o objectivo preciso bem como as modalidades concretas do processo de concurso.

114
Nestas condições, deve considerar‑se que as estipulações dos referidos regulamentos constituem o enquadramento do desenrolar do processo.

115
Em tal contexto, incumbe em consequência à Comissão, na sua qualidade de entidade adjudicante, observar rigorosamente os critérios por ela fixados não só quando do processo de concurso enquanto tal que tem por objecto a avaliação das propostas e a escolha do adjudicatário, mas, mais geralmente, até ao termo da fase de execução do contrato em causa.

116
Se, assim, uma proposta que não seja conforme às condições estipuladas deve, com toda a evidência, ser afastada, a entidade adjudicante também não está autorizada a alterar a sistemática geral do concurso modificando em seguida unilateralmente uma das suas condições essenciais e, em especial, uma estipulação que, se tivesse figurado no anúncio de concurso, teria permitido aos proponentes apresentarem uma proposta substancialmente diferente.

117
Daqui resulta que, numa situação como a do caso vertente, a entidade adjudicante não podia, depois da adjudicação do contrato e além disso através de uma decisão cujo conteúdo derroga as estipulações dos regulamentos adoptados anteriormente, proceder a uma modificação de uma condição importante do concurso, como a relativa aos modos de pagamento dos produtos a fornecer.

118
Com efeito, no caso de a entidade adjudicante desejar que, por motivos precisos, certas condições do concurso possam ser modificadas depois da escolha do adjudicatário, é obrigada a prever expressamente esta possibilidade de adaptação, tal como as suas regras de execução, no anúncio de concurso que ela própria elaborou e que traça o quadro do desenrolar do processo, de modo que todas as empresas interessadas em participar no concurso tenham desde o início conhecimento das mesmas e se encontrem assim em pé de igualdade no momento de formularem a sua proposta.

119
Além disso, se tal possibilidade não estiver expressamente prevista, mas a entidade adjudicante quiser, durante a fase posterior à adjudicação do contrato, afastar‑se de uma das modalidades essenciais estipuladas, aquela não pode validamente continuar o processo aplicando condições diferentes das inicialmente estipuladas.

120
Com efeito, se a entidade adjudicante estivesse autorizada a modificar à sua vontade, quando da fase de execução do contrato, as próprias condições do concurso, na falta de habilitação expressa neste sentido constante das disposições pertinentes aplicáveis, os termos que regem a adjudicação do contrato, conforme estipulado inicialmente, seriam desvirtuados.

121
E mais, tal prática provocaria inelutavelmente uma violação dos princípios da transparência e da igualdade de tratamento dos proponentes, já que a aplicação uniforme das condições de adjudicação e a objectividade do processo deixariam de estar garantidas.

122
Ora, na ocorrência, é manifesto que a Comissão, depois da adjudicação do contrato, procedeu a uma substituição das frutas indicadas no anúncio de concurso por outras frutas enquanto modalidades de pagamento dos produtos a fornecer pelo adjudicatário, quando tal substituição de frutas não se encontrava prevista nem neste anúncio nem na regulamentação pertinente em que este último se fundava.

123
Portanto, foi com razão que o Tribunal de Primeira Instância decidiu, no n.° 82 do acórdão recorrido, que a modificação controvertida decidida pela Comissão, na falta de habilitação para o efeito, devia implicar a anulação da decisão de 6 de Setembro de 1996, por violação do anúncio de concurso anexo ao Regulamento n.° 228/96 e dos princípios da transparência e da igualdade de tratamento dos proponentes.

124
Na medida em que, através do mesmo fundamento, a Comissão afirma que o acórdão recorrido assenta em fundamentos contraditórios visto que, embora proibindo modificar as condições de concurso, conforme especificadas no anúncio de concurso, durante a fase de execução do contrato em relação ao adjudicatário, afirma, ao mesmo tempo, que devia ter sido aberto novo concurso, o que teria inevitavelmente implicado uma alteração das condições de concurso, basta assinalar que esta crítica assenta numa leitura manifestamente errada do acórdão recorrido.

125
Com efeito, resulta claramente do próprio teor deste acórdão que, na falta de disposição expressa para o efeito no anúncio de concurso, a entidade adjudicante não pode modificar, seja em que fase do processo for, as condições do concurso, sob pena de violar o princípio da igualdade de tratamento entre todos os proponentes bem como o da transparência.

126
Conforme resulta expressamente do n.° 81 do acórdão recorrido, a Comissão podia, portanto, eventualmente, ter previsto, no anúncio de concurso, a possibilidade de modificar, em determinadas circunstâncias, as condições de pagamento aos adjudicatários estipulando em especial as modalidades precisas de uma substituição das frutas expressamente previstas como pagamento dos fornecimentos em causa. Desta forma, os princípios da igualdade de tratamento e da transparência teriam sido plenamente respeitados.

127
O facto de, no mesmo n.° 81, o Tribunal de Primeira Instância evocar a abertura de um novo concurso na falta de habilitação da entidade adjudicante para efeitos de uma substituição das frutas indicadas não está de forma alguma em contradição com as considerações anteriores. É um facto que nada teria então impedido a entidade adjudicante de prever condições diferentes, mas estas teriam então sido aplicáveis da mesma maneira a todos os proponentes. Tal como na hipótese referida no número anterior do presente acórdão, o respeito dos princípios da igualdade de tratamento e da transparência teria nesse caso sido também perfeitamente assegurado.

128
Na medida em que o último período do n.° 81 do acórdão tenha podido ser entendido pela Comissão como não lhe deixando qualquer outra possibilidade, para efeitos da execução do acórdão, que não fosse recomeçar o processo de concurso, basta assinalar que não cabe ao juiz comunitário fazer, ao autor de uma violação do direito, intimações quanto ao modo de reparação da ilegalidade verificada.

129
Nestas condições, o segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

– Quanto ao quinto fundamento

130
Com este fundamento, a Comissão contesta o n.° 80 do acórdão recorrido nos termos do qual os dados fornecidos por ela não justificavam a existência, no momento da adopção da decisão de 6 de Setembro de 1996, de uma indisponibilidade de maçãs nas existências de intervenção, susceptível de impedir a execução das operações referidas no anúncio de concurso.

131
Ora, conforme resulta do próprio teor do referido n.° 80, que começa pelas palavras «Por outro lado», bem como do do n.° 81 do mesmo acórdão que começa por «Mesmo pressupondo que tenha existido a nível comunitário uma indisponibilidade desse tipo de maçãs que pudessem ser retiradas [...]», a apreciação do Tribunal de Primeira Instância constante do referido n.° 80 mais não constitui do que um fundamento subsidiário do acórdão em causa.

132
Em conformidade com a jurisprudência citada no n.° 68 do presente acórdão, há que considerar que o quinto fundamento, dirigido contra o referido fundamento do Tribunal de Primeira Instância, é, de qualquer forma, inoperante e deve, assim, ser rejeitado.

133
Não tendo sido julgado procedente nenhum dos fundamentos invocados pela Comissão em apoio do seu recurso, deve ser negado integral provimento ao mesmo.


Quanto às despesas

134
Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, aplicável ao processo de recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância por força do artigo 118.° do mesmo regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Succhi di Frutta pedido a condenação da Comissão e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

decide:

1)
É negado provimento ao recurso.

2)
A Comissão das Comunidades Europeias é condenada nas despesas da presente instância.

Skouris

Cunha Rodrigues

Puissochet

Schintgen

Macken

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 29 de Abril de 2004.

O secretário

O presidente

R. Grass

V. Skouris


1
Língua do processo: italiano.