61999J0094

Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 7 de Dezembro de 2000. - ARGE Gewässerschutz contra Bundesministerium für Land- und Forstwirtschaft. - Pedido de decisão prejudicial: Bundesvergabeamt - Áustria. - Contratos públicos de serviços - Directiva 92/50/CEE - Processo de adjudicação de contratos públicos - Igualdade de tratamento dos concorrentes - Discriminação em razão da nacionalidade - Livre prestação de serviços. - Processo C-94/99.

Colectânea da Jurisprudência 2000 página I-11037


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


Aproximação das legislações - Processos de adjudicação de contratos públicos de serviços - Directiva 92/50 - Princípio da igualdade de tratamento dos concorrentes - Participação de concorrentes que recebem subvenções de entidades adjudicantes que lhes permitem apresentar propostas a preços inferiores aos dos demais concorrentes - Discriminação dissimulada - Inexistência

[Tratado CE, artigo 59.° (que passou, após alteração, a artigo 49.° CE); Directiva 92/50 do Conselho]

Sumário


$$O princípio da igualdade de tratamento dos concorrentes pretendido pela Directiva 92/50, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços, não é violado pelo simples facto de a entidade adjudicante aceitar a participação num concurso público de adjudicação de contratos públicos de serviços de organismos que recebem, dela mesma ou de outras entidades adjudicantes, subvenções, seja de que natureza forem, que lhes permitem apresentar propostas a preços sensivelmente inferiores aos dos demais concorrentes que não beneficiam de tais subvenções.

O mero facto de uma entidade adjudicante admitir a participação num concurso público de adjudicação de contratos públicos de serviços de tais organismos não constitui nem uma discriminação dissimulada nem uma restrição contrárias ao artigo 59.° do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 49.° CE).

(cf. n.os 32, 38, disp. 1-2)

Partes


No processo C-94/99,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.° do Tratado CE (actual artigo 234.° CE), pelo Bundesvergabeamt (Áustria), e que visa obter, no processo pendente naquele tribunal entre

ARGE Gewässerschutz

e

Bundesministerium für Land- und Forstwirtschaft,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação da Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços (JO L 209, p. 1), e do artigo 59.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 49.° CE),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Sexta Secção),

composto por: C. Gulmann (relator), presidente de secção, J.-P. Puissochet e F. Macken, juízes,

advogado-geral: P. Léger,

secretário: H. A. Rühl, administrador principal,

vistas as observações escritas apresentadas:

- em representação da ARGE Gewässerschutz, por J. Schramm, advogado em Viena,

- em representação do Governo austríaco, por W. Okresek, Sektionschef na Chancelaria, na qualidade de agente,

- em representação do Governo francês, por K. Rispal-Bellanger, subdirectora na Direcção dos Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e A. Bréville-Viéville, encarregada de missão na mesma direcção, na qualidade de agentes,

- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por M. Nolin, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, assistido por R. Roniger, advogado em Bruxelas,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações da ARGE Gewässerschutz, representada por M. Öhler, advogado em Viena, do Governo austríaco, representado por M. Fruhmann, da Chancelaria, na qualidade de agente, do Governo francês, representado por S. Pailler, redactor na Direcção dos Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, e da Comissão, representada por M. Nolin, assistido pelo advogado R. Roniger, na audiência de 16 de Março de 2000,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 15 de Junho de 2000,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por decisão de 5 de Março de 1999, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 17 do mesmo mês, o Bundesvergabeamt (serviço federal de adjudicações de contratos públicos) apresentou, nos termos do artigo 177.° do Tratado CE (actual artigo 234.° CE), quatro questões prejudiciais sobre a interpretação da Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços (JO L 209, p. 1), e do artigo 59.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 49.° CE).

2 Estas questões foram levantadas no âmbito de um litígio que opõe a ARGE Gewässerschutz (a seguir «ARGE») ao Bundesministerium für Land- und Forstwirtschaft (Ministério Federal da Agricultura e das Florestas), entidade adjudicante, quanto à participação de concorrentes semipúblicos num processo de adjudicação de contratos públicos de serviços.

O quadro jurídico comunitário

3 A Directiva 92/50 propõe-se coordenar os processo de adjudicação de contratos públicos de serviços. Nos termos do seu segundo considerando, contribui para a realização progressiva do mercado interno, definido como um espaço sem fronteiras internas no qual é assegurada a livre circulação de mercadorias, pessoas, serviços e capitais.

4 No seu sexto considerando explicita que é necessário evitar entraves à livre circulação de serviços e o vigésimo acrescenta que, para eliminar práticas que restringem a concorrência, em geral, e, em particular, as que restringem a participação nos contratos de nacionais de outros Estados-Membros, é necessário melhorar o acesso dos prestadores de serviços aos processos de adjudicação dos contratos.

5 A Directiva 92/50, no artigo 1.°, alínea b), considera «entidades adjudicantes», para efeitos da mesma directiva, o Estado, as autarquias locais ou regionais, os organismos de direito público, as associações formadas por uma ou mais autarquias ou organismos de direito público.

6 Nos termos da referida disposição, considera-se «organismo de direito público» qualquer organismo:

- criado com o objectivo específico de satisfazer necessidades de interesse geral, sem carácter industrial ou comercial,

e

- dotado de personalidade jurídica,

e

- financiado maioritariamente pelo Estado, por autarquias locais ou regionais ou por outros organismos de direito público, ou submetido a um controlo de gestão por parte dessas entidades, ou que tenha um órgão de administração, de direcção ou de fiscalização cujos membros são, em mais de 50%, designados pelo Estado, por autarquias locais ou regionais ou por outros organismos de direito público.

7 No mesmo artigo, alínea c), define-se «prestador de serviços» como qualquer pessoa singular ou colectiva, incluindo organismos de direito público, que ofereçam serviços. Aquele que solicitou um convite para participar num concurso limitado ou num procedimento por negociação é designado pelo termo «candidato».

8 Aliás, o artigo 1.°, alínea d), define «concursos públicos» como concursos nacionais no âmbito dos quais qualquer prestador de serviços interessado pode apresentar uma proposta.

9 O artigo 3.°, n.os 1 e 2, dispõe:

«1. Na adjudicação dos seus contratos públicos de prestação de serviços... as entidades adjudicantes aplicarão procedimentos adaptados ao disposto na presente directiva.

2. As entidades adjudicantes assegurarão que não se verifique qualquer discriminação entre os vários prestadores de serviços.»

10 O artigo 6.° prevê uma excepção à aplicação do processo de celebração de contratos públicos de serviços:

«A presente directiva não é aplicável à celebração de contratos públicos de serviços atribuídos a uma entidade que seja ela própria uma entidade adjudicante na acepção da alínea b) do artigo 1.°, com base num direito exclusivo estabelecido por disposições legislativas, regulamentares ou administrativas publicadas, desde que essas disposições sejam compatíveis com o Tratado.»

11 O primeiro parágrafo do artigo 37.°, referindo-se à rejeição das propostas anormalmente baixas, prevê:

«Se em relação a um determinado contrato as propostas parecerem anormalmente baixas face à prestação em causa, a entidade adjudicante solicitará por escrito, antes de rejeitar essas propostas, esclarecimentos sobre os elementos constitutivos da proposta em questão que considere relevantes e verificará esses elementos constitutivos tendo em conta as explicações recebidas.»

O litígio no processo principal

12 A ARGE, associação de empresas e de técnicos civis, apresentou propostas no âmbito de um concurso público aberto pelo Bundesministerium für Land- und Forstwirtschaft, visando os contratos públicos em causa a recolha e análise de amostras de água provenientes de uma série de lagos e rios austríacos, para os períodos de 1998/1999 e 1999/2000. Além da ARGE, apresentaram também propostas prestadores de serviços do sector público, nomeadamente, o Österreichische Forschungszentrum Seibersdorf GmbH e o Österreischische Forschungs- und Prüfungszentrum Arsenal GmbH, centros de pesquisas e de ensaios.

13 No processo de conciliação na Bundes-Vergabekontrollkommission (comissão federal de controlo das adjudicações), a ARGE contestou a participação das referidas sociedades no concurso público de adjudicação, sustentando que, concorrentes semipúblicos, beneficiavam de importantes subvenções do Estado, sem afectação concreta a determinado projecto.

14 A Bundes-Vergabekontrollkommission considerou que o artigo 16.° da Bundesvergabegesetz (lei federal sobre a adjudicação de contratos públicos), que impõe, nomeadamente, o respeito pelos princípios da livre e leal concorrência, bem como da igualdade de tratamento de todos os concorrentes, não se opunha àquela participação em concorrência com candidatos privados.

15 Consequentemente, a ARGE interpôs recurso para o Bundesvergabeamt.

16 Este tribunal, considerando que a solução do litígio dependia da interpretação do direito comunitário, decidiu suspender a instância e apresentar ao Tribunal de Justiça, para decisão a título prejudicial, as seguintes questões:

«1) A decisão de uma entidade adjudicante de aceitar a participação num concurso público de organismos que recebem, dela mesma ou de outras entidades públicas adjudicantes, subvenções, de qualquer natureza, que lhes permitam fazer propostas, com preços sensivelmente inferiores aos dos concorrentes com actividade comercial, é contrária ao princípio da igualdade de tratamento de todos os candidatos e proponentes?

2) A decisão de uma entidade adjudicante de aceitar a participação daqueles organismos num concurso público constitui uma discriminação dissimulada quando os organismos que beneficiam daquelas subvenções têm, sem excepção, a nacionalidade do Estado-Membro ou a sua sede no Estado-Membro da sede da entidade adjudicante?

3) Mesmo admitindo que não seja discriminatória quanto aos restantes candidatos e proponentes, a decisão de uma entidade adjudicante que admita aqueles organismos a participarem num concurso público constitui uma restrição à livre circulação de serviços incompatível com as disposições do Tratado CE, em especial com os seus artigos 59.° e seguintes?

4) A entidade adjudicante pode celebrar contratos de adjudicação com organismos que pertencem exclusivamente ou, pelo menos, a título principal aos poderes públicos e que executam as respectivas prestações exclusivamente ou, no mínimo, principalmente para a entidade adjudicante ou outros organismos do Estado sem abrir concurso para prestação nos termos da Directiva 92/50/CEE, em concorrência com candidatos com actividade comercial?»

Observações preliminares

17 Resulta da decisão de reenvio que a ARGE requereu tentativa de reconciliação para esclarecer se a admissão de concorrentes do sector público simultaneamente com concorrentes «puramente privados» a um concurso público de adjudicação, prevista pela Bundesvergabegesetz, era conforme aos princípios de uma concorrência livre e leal e da igualdade de tratamento de todos os concorrentes a que se reporta o artigo 16.° da mesma lei.

18 Na sua decisão, o Bundesvergabeamt salienta que, se, como no caso em apreço, determinados concorrentes são empresas ou organismos públicos que beneficiam, enquanto tais, de auxílios no sentido do artigo 92.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 87.° CE) ou gozam de vantagens especiais em termos de custos, a entidade adjudicante não tem possibilidades de averiguar, com fiabilidade, se o preço oferecido pelos concorrentes é razoável ou conforme à situação do mercado, uma vez que nem sempre reflecte os custos calculados numa base económica real. Tais concorrentes beneficiariam de substancial vantagem concorrencial relativamente aos outros concorrentes na medida em que o Estado-Membro em causa assume, pelo menos, parte dos custos, tanto fixos como variáveis, relevantes para o cálculo da respectiva proposta.

19 O tribunal de reenvio coloca, assim, a questão de princípio de saber se o direito comunitário não permite que uma entidade adjudicante aceite a participação, ao lado de concorrentes não subvencionados, de organismos em benefício dos quais um Estado-Membro assume uma parte dos custos relevantes para o cálculo da respectiva proposta, eventualmente através de auxílios no sentido do artigo 92.° do Tratado.

20 Com as três primeiras questões, pergunta concretamente se a aceitação da participação de organismos que gozam de vantagens que lhes permitem fazer propostas a preços sensivelmente inferiores aos dos seus concorrentes é contrária ao princípio da igualdade de tratamento dos concorrentes, em seu entender inerente à Directiva 92/50, e, dado todos os organismos beneficiados serem nacionais, se constitui uma discriminação dissimulada ou uma restrição à livre circulação de serviços contrária ao artigo 59.° do Tratado.

21 O tribunal de reenvio não exclui que a resposta a estas questões seja no sentido de que o direito comunitário não permite a participação de organismos que beneficiam de vantagens. Considera, no entanto, que tal solução teria uma consequência excessiva consistente na exclusão da realização, por qualquer organismo estatal com personalidade jurídica e enquanto sujeito de direito autónomo, de prestações efectuadas a título oneroso com base em contrato escrito e destinadas ao Estado. É neste contexto que apresenta a quarta questão, procurando obter uma definição dos limites da excepção à aplicação das directivas em matéria de adjudicação dos contratos públicos, excepção dita «In House Providing», referente a contratos celebrados por uma entidade adjudicante com determinados organismos públicos a ela ligados.

Quanto à primeira questão

22 A ARGE sustenta que as directivas comunitárias aplicáveis em matéria de concursos públicos partem do princípio de que a concorrência entre os proponentes deve fazer-se em condições normais de mercado, isto é, sem que este seja falseado em especial pela intervenção do Estado-Membro em causa. É o que resulta do Tratado, que proíbe em princípio as restrições à concorrência imputáveis tanto a empresas privadas como aos Estados-Membros. É o que demonstram igualmente as próprias directivas: nos termos dos artigos 37.° da Directiva 92/50 e 34.°, n.° 5, da Directiva 93/38/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de celebração de contratos nos sectores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações (JO L 199, p. 84), a entidade adjudicante deveria previamente examinar as propostas anormalmente baixas, supostamente possíveis em virtude da concessão de um auxílio. Segundo a ARGE, se o legislador tivesse considerado admissível a participação de empresas e organismos subvencionados em processos de adjudicação, tais disposições seriam supérfluas.

23 Segundo a ARGE, a participação de concorrentes beneficiários de subvenções públicas origina necessariamente uma desigualdade de tratamento e uma discriminação do candidato não subsidiado na determinação da melhor oferta. Em definitivo, a ilegalidade daquela participação resulta da finalidade da Directiva 92/50, expressa no seu vigésimo considerando, a eliminação das práticas restritivas da concorrência, em geral, e a participação nos concursos dos operadores de outros Estados-Membros, em especial.

24 É incontestável que, como o tribunal de reenvio salientou, a entidade adjudicante, nos termos da Directiva 92/50, é obrigada a respeitar o princípio da igualdade de tratamento dos concorrentes. Efectivamente, o n.° 2 do artigo 3.° dispõe que as entidades adjudicantes assegurarão que não se verifique qualquer discriminação entre os vários prestadores de serviços.

25 Todavia, como sustentaram os Governos austríaco e francês e a Comissão, o princípio da igualdade de tratamento não é desrespeitado apenas porque as entidades adjudicantes admitem a participação num concurso de adjudicação de contrato público de organismos beneficiários de subvenções que lhes permitem fazer ofertas a preços sensivelmente inferiores aos dos demais concorrentes não subvencionados.

26 Com efeito, se o legislador comunitário pretendesse obrigar as entidades adjudicantes a excluir aqueles concorrentes, tê-lo-ia dito expressamente.

27 Ora, a este respeito, deve salientar-se que os artigos 23.° e 29.° a 37.° da Directiva 92/50 contêm disposições precisas referentes às condições de selecção dos prestadores de serviço que podem apresentar propostas e às condições de adjudicação do contrato, mas nenhuma dessas disposições prevê a exclusão de um concorrente ou a não aceitação, por princípio, da sua proposta apenas porque recebe subvenções públicas.

28 Ao invés, o artigo 1.°, alínea c), da Directiva 92/50 permite expressamente a participação num concurso público de organismos financiados, eventualmente, por fundos públicos. Efectivamente, refere que o proponente é o prestador de serviços que apresenta uma proposta e define-o como qualquer pessoa singular ou colectiva, «incluindo organismos de direito público», que ofereça os seus serviços.

29 Se o príncipio da igualdade de tratamento não se opõe, em si, à participação num concurso público de organismos públicos, mesmo num contexto como o descrito na primeira questão prejudicial, não pode excluir-se que, em determinadas circunstâncias especiais, a Directiva 92/50 obrigue as entidades adjudicantes ou, no mínimo, as autorize a ter em consideração a existência de subvenções e nomeadamente de auxílios não conformes com o Tratado para, eventualmente, excluir os proponentes que deles beneficiem.

30 A este respeito, a Comissão sustenta, a justo título, que um proponente pode ser excluído no decurso do processo de selecção quando a entidade adjudicante considere que recebeu um auxílio não conforme com o Tratado e que a obrigação de o restituir poria em perigo a sua saúde financeira, pelo que pode ser considerado como não oferecendo as garantias financeiras ou económicas exigidas.

31 No entanto, para responder à questão de princípio colocada no processo principal, não é necessário, nem mesmo possível, atentos os elementos dos autos, definir as condições em que as entidades adjudicantes são obrigadas ou têm o direito de excluir os proponentes beneficiários de subvenções.

32 Basta por isso responder à primeira questão que o princípio da igualdade de tratamento dos concorrentes pretendido pela Directiva 92/50 não é violado pelo simples facto de a entidade adjudicante aceitar a participação num concurso de adjudicação de contratos públicos de serviços de organismos que recebem, dela mesma ou de outras entidades adjudicantes, subvenções, seja de que natureza forem, que lhes permitam apresentar propostas a preços sensivelmente inferiores aos dos demais concorrentes que não beneficiam de tais subvenções.

Quanto às segunda e terceira questões

33 Na decisão de reenvio, o tribunal nacional conclui que as subvenções de que beneficiam determinados concorrentes aproveitam exclusivamente a organismos com sede na Áustria e ligados às colectividades territoriais austríacas. Considera possível que o facto de assumir na totalidade ou em parte os custos de exploração de organismos nacionais e de os colocar em condições de apresentarem propostas a preços inferiores aos dos outros concorrentes não subvencionados seja considerada uma discriminação dissimulada baseada na nacionalidade e por isso incompatível com as disposições do artigo 59.° do Tratado. Acrescenta que, se podem existir noutros Estados-Membros organismos financiados por subvenções comparáveis do respectivo Estado-Membro que poderão participar no concurso público de adjudicação de um contrato público de serviços, os prestadores de serviços com actividade comercial de outros Estados-Membros não devem esperar encontrar, no quadro de tal processo, concorrentes austríacos que, em relação a eles, tenham uma vantagem concorrencial considerável graças às subvenções das colectividades territoriais austríacas.

34 Para o tribunal de reenvio, mesmo se a admissão dos organismos nacionais com vantagem não constitui uma discriminação dissimulada, pode, no entanto, considerar-se uma restrição à livre circulação de serviços entre Estados-Membros, quando tais organismos, para além da finalidade de interesse geral que presidiu à sua criação, podem, com base em disposições que prevêem o financiamento total ou parcial dos seus custos, propor prestações em condições e preços que os seus co-participantes no concurso não beneficiados não poderão oferecer.

35 A ARGE sustenta que a circunstância de os concorrentes favorecidos poderem participar num processo de adjudicação é contrária à proibição das discriminações baseadas na nacionalidade.

36 Há que ter em conta, como fez a Comissão nas observações escritas, que, em geral, os auxílios são concedidos a empresas instaladas no território do Estado-Membro que os concede. Tal prática, e a desigualdade de tratamento dela decorrente para as empresas de outros Estados-Membros, é por isso inerente à noção de auxílio de Estado. Não constitui, no entanto, em si, uma discriminação dissimulada nem uma restrição à livre circulação de serviços no sentido do artigo 59.° do Tratado.

37 Deve, aliás, salientar-se que, no caso objecto do processo principal, não se alega que a participação no concurso em causa esteja sujeita, de direito ou de facto, a uma condição que implique que os concorrentes subvencionados tenham a nacionalidade do Estado-Membro a que pertence a entidade adjudicante ou a respectiva sede no mesmo Estado.

38 Nestas condições, deve responder-se às segunda e terceira questões que o mero facto de uma entidade adjudicante admitir a participação num concurso público de adjudicação de contratos públicos de serviços de organismos que recebem, dela mesma ou de outras entidades adjudicantes, subvenções, seja qual for a sua natureza, que lhes permitem apresentar propostas a preços sensivelmente inferiores aos dos outros concorrentes que não beneficiam de tais subvenções, não constitui nem uma discriminação dissimulada nem uma restrição contrárias ao artigo 59.° do Tratado.

Quanto à quarta questão

39 Atentas as respostas às três primeiras questões e tendo em conta o contexto em que a quarta questão foi formulada (v. n.° 21 deste acórdão), não há que responder a esta questão.

40 Para todos os efeitos úteis, deve salientar-se que o Tribunal examinou questão semelhante no acórdão de 18 de Novembro de 1999, Teckal (C-107/98, Colect., p. I-8121), relativamente à Directiva 93/36/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos públicos de fornecimento (JO L 199, p. 1). Concluiu que esta directiva é aplicável quando uma entidade adjudicante, como uma colectividade territorial, pretende celebrar por escrito, com uma entidade dela distinta no plano formal e dela autónoma no plano decisório, um contrato a título oneroso com o objecto de fornecimento de produtos, quer seja ela própria uma entidade adjudicante quer não.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

41 As despesas efectuadas pelos Governos austríaco e francês e pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Sexta Secção),

pronunciando-se sobre as questões que lhe foram apresentadas pelo Bundesvergabeamt, por decisão de 5 de Março de 1999, declara:

1) O princípio da igualdade de tratamento dos concorrentes pretendido pela Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços, não é violado pelo simples facto de a entidade adjudicante aceitar a participação num concurso público de adjudicação de contratos públicos de serviços de organismos que recebem, dela mesma ou de outras entidades adjudicantes, subvenções, seja de que natureza forem, que lhes permitam apresentar propostas a preços sensivelmente inferiores aos dos demais concorrentes que não beneficiam de tais subvenções.

2) O mero facto de uma entidade adjudicante admitir a participação num concurso público de adjudicação de contratos públicos de serviços de tais organismos não constitui nem uma discriminação dissimulada nem uma restrição contrárias ao artigo 59.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 49.° CE).