61999J0085

Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 15 de Março de 2001. - Vincent Offermanns e Esther Offermanns. - Pedido de decisão prejudicial: Oberster Gerichtshof - Áustria. - Regulamento (CEE) n.º 1408/71 - Conceito de prestação familiar - Legislação nacional que prevê o pagamento de adiantamentos sobre uma pensão de alimentos devida por um trabalhador a seu filho menor - Condição de nacionalidade do filho. - Processo C-85/99.

Colectânea da Jurisprudência 2001 página I-02261


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


Segurança social dos trabalhadores migrantes - Regulamentação comunitária - Âmbito de aplicação material - Prestação paga na forma de adiantamento sobre a pensão de alimentos de filhos menores - Inclusão - Condição de nacionalidade do beneficiário - Inadmissibilidade

[Regulamento n.° 1408/71 do Conselho, artigos 1.° , alínea u), i), 3.° e 4.° , n.° 1, alínea h)]

Sumário


$$A expressão «compensar os encargos familiares», que figura no artigo 1.° , alínea u), i), do Regulamento n.° 1408/71, deve ser interpretada no sentido de que tem em vista, nomeadamente, uma contribuição pública para o orçamento familiar, destinada a atenuar os encargos decorrentes do sustento («Unterhalt») dos filhos.

O modo de financiamento de uma prestação é irrelevante para a sua qualificação como prestação de segurança social. Pouco importa o mecanismo jurídico a que o Estado-Membro recorre para concretizar a prestação. Assim, é indiferente que a contribuição pública tome a forma de adiantamento sobre a pensão de alimentos pagos por um fundo público em substituição do devedor que não cumpriu.

Donde resulta que uma prestação como o adiantamento sobre a pensão de alimentos previsto na österreichische Bundesgesetz über die Gewährung von Vorschüssen auf den Unterhalt von Kindern (Unterhaltsvorschußgesetz) (lei federal austríaca relativa à concessão de adiantamentos para o sustento dos filhos) constitui uma prestação familiar na acepção do artigo 4.° , n.° 1, alínea h), do Regulamento n.° 1408/71. Em consequência, as pessoas que residem no território de um Estado-Membro às quais são aplicáveis as disposições deste regulamento são admitidas ao benefício de tal prestação prevista na legislação nacional deste Estado-Membro nas mesmas condições que os cidadãos nacionais, em conformidade com o princípio da igualdade de tratamento dos próprios nacionais e dos nacionais dos outros Estados-Membros no domínio da segurança social que enuncia o artigo 3.° do referido regulamento.

( cf. n.os 41, 46-47, 49 e disp. )

Partes


No processo C-85/99,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.° do Tratado CE (actual artigo 234.° CE), pelo Oberster Gerichtshof (Áustria), destinado a obter, no processo instaurado por

Vincent Offermanns e Esther Offermanns,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 3.° e 4.° , n.° 1, alínea h), do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na versão alterada e actualizada pelo Regulamento (CE) n.° 118/97 do Conselho, de 2 de Dezembro de 1996 (JO 1997, L 28, p. 1), assim como dos artigos 6.° e 52.° do Tratado CE (que passaram, após alteração, a artigos 12.° CE e 43.° CE),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: A. La Pergola, presidente de secção, M. Wathelet, D. A. O. Edward (relator), P. Jann e L. Sevón, juízes,

advogado-geral: S. Alber,

secretário: H. A. Rühl, administrador principal,

vistas as observações escritas apresentadas:

- em representação do Governo austríaco, por C. Pesendorfer, na qualidade de agente,

- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por V. Kreuschitz e P. Hillenkamp, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações do Governo austríaco, representado por G. Hesse, na qualidade de agente, do Governo sueco, representado por L. Nordling, na qualidade de agente, e da Comissão, representada por V. Kreuschitz, na audiência de 22 de Junho de 2000,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 28 de Setembro de 2000,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por despacho de 23 de Fevereiro de 1999, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 10 de Março seguinte, o Oberster Gerichtshof colocou, nos termos do artigo 177.° do Tratado CE (actual artigo 234.° CE), duas questões prejudiciais sobre a interpretação dos artigos 3.° e 4.° , n.° 1, alínea h), do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na versão alterada e actualizada pelo Regulamento (CE) n.° 118/97 do Conselho, de 2 de Dezembro de 1996 (JO 1997, L 28, p. 1, a seguir «Regulamento n.° 1408/71»), assim como dos artigos 6.° e 52.° do Tratado CE (que passaram, após alteração, a artigos 12.° CE e 43.° CE).

2 Estas questões foram suscitadas no âmbito do processo em que são requerentes Vincent e Esther Offermanns, filhos menores de pais divorciados, a fim de obter do «Familienlastenausgleichsfonds» (fundo de compensação dos encargos de família) o pagamento de adiantamentos sobre a pensão de alimentos devida pelo seu pai, mas não paga.

A regulamentação comunitária

3 O Regulamento n.° 1408/71 tem por objectivo a coordenação, no âmbito da livre circulação de pessoas, das legislações nacionais de segurança social em conformidade com os objectivos do artigo 51.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 42.° CE).

4 O artigo 1.° do Regulamento n.° 1408/71, intitulado «Definições», dispõe:

«Para efeitos da aplicação do presente regulamento:

[...]

u) i) a expressão prestações familiares designa quaisquer prestações em espécie ou pecuniárias destinadas a compensar os encargos familiares no âmbito de uma legislação prevista no n.° 1, alínea h), do artigo 4.° , excluindo os subsídios especiais de nascimento ou de adopção mencionados no anexo II;

[...]

[...]»

5 O artigo 2.° , n.° 1, do Regulamento n.° 1408/71, relativo ao âmbito de aplicação pessoal deste regulamento, prevê:

«O presente regulamento aplica-se aos trabalhadores assalariados ou não assalariados que estão ou estiveram sujeitos à legislação de um ou mais Estados-Membros e que sejam nacionais de um dos Estados-Membros, apátridas ou refugiados residentes no território de um dos Estados-Membros, bem como aos membros da sua família e sobreviventes.»

6 O artigo 3.° do Regulamento n.° 1408/71, relativo à igualdade de tratamento, dispõe:

«1. As pessoas que residem no território de um dos Estados-Membros e às quais se aplicam as disposições do presente regulamento estão sujeitas às obrigações e beneficiam da legislação de qualquer Estado-Membro nas mesmas condições que os nacionais deste Estado, sem prejuízo das disposições especiais constantes do presente regulamento.

2. [...]

3. O benefício das disposições de convenções de segurança social que continuam aplicáveis nos termos do n.° 2, alínea c), do artigo 7.° , bem como das disposições das convenções celebradas ao abrigo do n.° 1 do artigo 8.° , é extensivo a todas as pessoas às quais se aplica o presente regulamento, salvo disposição contrária do anexo III.»

7 O artigo 4.° do Regulamento n.° 1408/71, que define o âmbito de aplicação material deste regulamento, precisa, no seu n.° 1, alínea h):

«O presente regulamento aplica-se a todas as legislações relativas aos ramos de segurança social que respeitam a:

[...]

h) Prestações familiares.»

8 O artigo 5.° do Regulamento n.° 1408/71, respeitante às declarações dos Estados-Membros relativas ao âmbito de aplicação do presente regulamento, prevê:

«Os Estados-Membros mencionarão as legislações e regimes a que se referem os n.os 1 e 2 do artigo 4.° , as prestações especiais de carácter não contributivo referidas no n.° 2A do artigo 4.° , as prestações mínimas referidas no artigo 50.° , bem como as prestações referidas nos artigos 77.° e 78.° , em declarações notificadas e publicadas em conformidade com o disposto no artigo 97.° »

9 O artigo 7.° , n.os 1 e 2, do Regulamento (CEE) n.° 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação de trabalhadores na Comunidade (JO L 257, p. 2; EE 05 F1 p. 77), prevê:

«1. O trabalhador nacional de um Estado-Membro não pode, no território de outros Estados-Membros, sofrer, em razão da sua nacionalidade, tratamento diferente daquele que é concedido aos trabalhadores nacionais no que respeita a todas as condições de emprego e de trabalho, nomeadamente em matéria de remuneração, de despedimento e de reintegração profissional ou de reemprego, se ficar desempregado.

2. Aquele trabalhador beneficia das mesmas vantagens sociais e fiscais que os trabalhadores nacionais.»

A regulamentação nacional

10 A österreichische Bundesgesetz über die Gewährung von Vorschüssen auf den Unterhalt von Kindern (Unterhaltsvorschußgesetz) (lei federal austríaca relativa à concessão de adiantamentos para o sustento dos filhos, BGBl. I, 1985, p. 451, a seguir a «UVG»), adoptada em 1985, prevê, nas condições que fixa, a concessão pelo Estado de adiantamentos sobre a pensão de alimentos.

11 O § 2, n.° 1, da UVG prevê:

«Têm direito aos adiantamentos os filhos menores com residência habitual no território nacional e que sejam de nacionalidade austríaca ou apátridas [...]»

12 Nos termos do § 3 da UVG:

«São concedidos adiantamentos

1. quando existe, relativamente ao direito legal a uma pensão de alimentos, um título exequível no país e

2. quando uma execução que incide sobre obrigações de alimentos em curso [...] ou, no caso de o devedor da pensão de alimentos não dispor manifestamente de rendimentos ou de uma outra remuneração regular, quando uma execução [...] não cobriu completamente, durante os últimos seis meses antes da apresentação do pedido de concessão de adiantamentos, pelo menos um dos montantes da pensão alimentar tornada exigível; nesta situação, os montantes em dívida da pensão de alimentos que forem pagos são imputados à dívida de alimentos em curso.»

13 O § 4 da UVG dispõe que, em determinadas circunstâncias, os adiantamentos são concedidos mesmo que a execução se mostre sem perspectivas de êxito ou se o direito à pensão de alimentos não tenha sido fixado.

14 Os §§ 30 e 31 da UVG prevêem que os direitos a alimentos de um filho que foram objecto de adiantamentos são transferidos para os poderes públicos. Quando o devedor da obrigação de sustento não efectua qualquer pagamento, os créditos são objectos de cobrança coerciva.

15 A concessão do adiantamento sobre a pensão de alimentos não depende de uma situação de indigência pessoal do beneficiário e não se inclui no exercício de um poder discricionário na apreciação do caso particular.

16 A UVG foi adoptada com fundamento no artigo 10.° , n.° 1, ponto 6, da Constituição austríaca, que reconhece ao Estado federal austríaco uma competência em matéria «civil».

17 A UVG não foi alterada na sequência da adesão da República da Áustria à União Europeia. Além disso, o Governo austríaco não declarou, nos termos do artigo 5.° do Regulamento n.° 1408/71, que a UVG devia ser considerada um regime previsto no artigo 4.° , n.os 1 e 2, do mesmo regulamento.

O litígio na causa principal e as questões prejudiciais

18 Os requerentes no processo principal, que são menores (a seguir «filhos»), assim como os seus pais são de nacionalidade alemã e residem na Áustria desde 1987. Os pais exercem ambos uma actividade independente neste Estado-Membro.

19 O divórcio dos pais foi proferido em 1 de Fevereiro de 1995 e a mãe ficou com a guarda exclusiva dos filhos. Em 17 de Janeiro de 1996, o pai obrigou-se, no quadro de uma transacção judicial, a pagar, para cada filho, uma pensão de alimentos mensal de 3 500 ATS, mas deixou de pagá-la a partir de Fevereiro de 1998.

20 Em 1 de Setembro de 1998, cada um dos filhos requereu a concessão de adiantamentos sobre a pensão de alimentos do montante mensal de 3 500 ATS, baseando-se nas disposições da UVG. Alegaram que tinham tentado obter a execução coerciva do título executivo contra o seu pai, mas tal se tinha revelado impossível uma vez que este último já não tinha rendimentos.

21 É facto assente que os filhos não preenchem as condições impostas pelo regime alemão de segurança social para a concessão de um adiantamento sobre a pensão de alimentos.

22 Com fundamento no § 2, n.° 1, da UVG, o órgão jurisdicional austríaco de primeira instância julgou improcedente o pedido dos filhos tendo em conta a sua nacionalidade alemã. O órgão jurisdicional de segunda instância confirmou esta decisão, com fundamento em que os adiantamentos sobre a pensão de alimentos não são prestações familiares, na acepção do Regulamento n.° 1408/71, nem vantagens sociais, na acepção do artigo 7.° , n.° 2, do Regulamento n.° 1612/68. Além disso, segundo este órgão jurisdicional, o facto de restringir os adiantamentos sobre a pensão de alimentos aos filhos que têm a sua residência habitual na Áustria e que são de nacionalidade austríaca ou apátridas não constitui uma violação do princípio comunitário da não discriminação.

23 Tendo sido interposto recurso para o Oberster Gerichtshof, este decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais seguintes:

«1) Os adiantamentos de prestações de alimentos a filhos menores de trabalhadores independentes, nos termos da Bundesgesetz über die Gewährung von Vorschüssen auf den Unterhalt von Kindern (legislação federal austríaca em matéria de concessão de adiantamentos para o sustento de crianças - Unterhaltsvorschußgesetz 1985 - UVG BGBl 451 na sua versão em vigor), constituem prestações familiares para efeitos do n.° 1 do artigo 4.° , alínea h), do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na versão alterada e actualizada pelo Regulamento (CEE) n.° 2001/83 do Conselho, de 2 de Junho de 1983, como alterado pelo Regulamento (CEE) n.° 3427/89 do Conselho, de 30 de Outubro de 1989, sendo por isso aplicável também o seu artigo 3.° , sobre a igualdade de tratamento?

2) No caso de resposta negativa à primeira questão:

Os menores, que, como seus pais trabalhadores independentes na República da Áustria, têm a nacionalidade alemã mas residência habitual na Áustria e solicitaram adiantamentos sobre prestações de alimentos nos termos da Bundesgesetz über die Gewährung von Vorschüssen auf den Unterhalt von Kindern austríaca (Unterhaltsvorschußgesetz 1985 - UVG BGBl 451, na versão em vigor), são vítimas de discriminação, contra o disposto nos artigos 52.° ou 6.° , n.° 1, do Tratado CE, tendo em conta que não lhes é reconhecido o direito aos adiantamentos que solicitaram por terem a nacionalidade alemã, com base no § 2, n.° 1, da UVG?»

Quanto à primeira questão

24 Importa realçar que, tendo em conta a data dos factos no processo principal, a versão aplicável do Regulamento n.° 1408/71 parece ser a alterada e actualizada pelo Regulamento n.° 118/97, de forma que é esta última versão que há que interpretar. Deve, todavia, sublinhar-se que as disposições pertinentes do Regulamento n.° 1408/71 mantiveram-se substancialmente as mesmas.

25 Na sua primeira questão, que incide sobre o âmbito de aplicação material do Regulamento n.° 1408/71, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta essencialmente se uma prestação como o adiantamento sobre a pensão de alimentos previsto na UVG constitui uma prestação familiar na acepção do artigo 4.° , n.° 1, alínea h), do Regulamento n.° 1408/71.

26 A título liminar, deve sublinhar-se que o facto de o Governo austríaco não ter declarado, em aplicação do artigo 5.° do Regulamento n.° 1408/71, a UVG como sendo um regime previsto no artigo 4.° , n.os 1 e 2, do mesmo regulamento, não constitui, por si só, prova de que a UVG não está abrangida pelo âmbito de aplicação do referido regulamento (v., nomeadamente, acórdão de 29 de Novembro de 1977, Beerens, 35/77, Recueil p. 2249, n.° 9, Colect., p. 835).

27 Além disso, como recordaram o Governo austríaco e a Comissão, o Tribunal de Justiça tem reiteradamente decidido que a distinção entre prestações excluídas do âmbito de aplicação Regulamento n.° 1408/71 e prestações por ele abrangidas assenta essencialmente nos elementos constitutivos de cada prestação, designadamente as suas finalidades e as suas condições de concessão (v., nomeadamente, acórdãos de 16 de Julho de 1992, Hughes, C-78/91, Colect., p. I-4839, n.° 14, e de 10 de Outubro de 1996, Hoever e Zachow, C-245/94 e C-312/94, Colect., p. I-4895, n.° 17).

28 Segundo jurisprudência constante, uma prestação só pode ser considerada uma prestação de segurança social se, por um lado, for concedida, sem se proceder a qualquer apreciação individual e discricionária das necessidades pessoais, aos beneficiários com base numa situação legalmente definida e, por outro lado, se se relacionar com um dos riscos enumerados expressamente no artigo 4.° , n.° 1, do Regulamento n.° 1408/71 (v., quanto a este ponto, acórdãos de 27 de Março de 1985, Hoeckx, 249/83, Recueil, p. 973, n.os 12 a 14, e Hughes, já referido, n.° 15).

29 Está assente que o adiantamento sobre a pensão de alimentos previsto na UVG preenche a primeira das duas condições mencionadas no número precedente. Assim, importa determinar se o adiantamento sobre a pensão de alimentos preenche a segunda destas condições, isto é, se perante os seus elementos constitutivos, nomeadamente as suas finalidades e condições de concessão, é abrangida pelo ramo da segurança social respeitante às prestações familiares na acepção do artigo 4.° , n.° 1, alínea h), do Regulamento n.° 1408/71.

30 O Governo austríaco e a Comissão respondem a esta questão pela negativa, invocando diversos argumentos.

31 Em primeiro lugar, segundo o Governo austríaco, dado que é o filho menor - e não o progenitor que o tem à sua guarda - quem é titular do direito aos alimentos de que o seu outro progenitor é devedor, o referido direito não é um direito da pessoa que se estabeleceu no estrangeiro exercendo o seu direito à livre circulação.

32 Em segundo lugar, tanto o Governo austríaco como a Comissão sustentam que os adiantamentos sobre a pensão de alimentos nos termos da UVG assentam num direito do filho relativamente ao seu progenitor devedor que é de natureza alimentar e abrangido pelo direito da família. A circunstância de o Estado federal austríaco, substituindo-se ao devedor da obrigação de sustento que não cumpriu, pagar a pensão de alimentos e ficar sub-rogado no direito do filho credor desta pensão em nada altera o conteúdo do referido direito. Este mecanismo visa simplesmente facilitar o processo de execução da obrigação de sustento a fim de garantir ao filho o pagamento da totalidade da pensão de alimentos e, assim, tem uma finalidade que não é a de compensar os encargos de família.

33 Mais particularmente, segundo a Comissão, os adiantamentos sobre a pensão de alimentos nos termos da UVG não são concedidos de maneira definitiva, uma vez que o devedor de alimentos deve reembolsá-los, eventualmente por via de cobrança coerciva. Baseando-se no acórdão de 15 de Dezembro de 1976, Mouthaan (39/76, Colect., p. 767 n.os 18 e segs.), a Comissão mantém que uma prestação que se substitui a uma obrigação de direito civil que não entra no âmbito de aplicação do artigo 4.° , n.° 1, alínea h), do Regulamento n.° 1408/71.

Apreciação do Tribunal

34 No que diz respeito à identidade do beneficiário do direito, a distinção entre direitos próprios e direitos derivados não se aplica em princípio às prestações familiares (v. acórdão Hoever e Zachow, já referido, n.° 103). Assim, pouco importa que o beneficiário da prestação seja o próprio filho desde que o progenitor que o tem à sua guarda esteja abrangido, na qualidade de trabalhador não assalariado, pelo âmbito de aplicação pessoal do Regulamento n.° 1408/71.

35 Daqui resulta que, na qualidade de membros da família de um trabalhador (no processo principal a mãe) e a este título abrangidos pelo âmbito de aplicação pessoal do Regulamento n.° 1408/71, tal como este está definido no artigo 2.° , n.° 1, deste último, os filhos que se encontram numa situação como a dos requerentes no processo principal devem, no domínio das prestações familiares, ser considerados, para efeitos do artigo 3.° , n.° 1, do mesmo regulamento, pessoas às quais são aplicáveis as disposições do referido regulamento.

36 Por conseguinte, a argumentação do Governo austríaco segundo o qual a UVG institui um direito originário, concedido ao próprio filho e não a um trabalhador que exerceu o seu direito à livre circulação, não merece acolhimento.

37 No que se refere à natureza jurídica de uma prestação como a que está em causa no processo principal, a qualificação que lhe é dada no direito interno não é determinante para apreciar se a mesma entra ou não no âmbito de aplicação material do Regulamento n.° 1408/71 (v. acórdãos já referidos Hughes, n.° 14 e Hoever e Zachow, n.° 17). Daqui resulta que o facto de uma prestação ser abrangida pelo direito nacional da família não é decisivo para a avaliação dos seus elementos constitutivos.

38 Para a análise dos elementos constitutivos da prestação, há que recordar que, nos termos do artigo 1.° , alínea u), i), do Regulamento n.° 1408/71, «a expressão prestações familiares designa quaisquer prestações em espécie ou pecuniárias destinadas a compensar os encargos familiares». Neste contexto, o Tribunal de Justiça decidiu que as prestações familiares são destinadas a auxiliar socialmente os trabalhadores que têm encargos de família fazendo participar a colectividade nesses encargos (v. acórdão de 4 de Julho de 1985, Kromhout, 104/84, Recueil, p. 2205, n.° 14).

39 Foi assim que o Tribunal de Justiça considerou que um subsídio de educação que tem em vista permitir a um dos progenitores consagrar-se à educação de uma criança e, mais precisamente, retribuir a educação dispensada à criança, compensar outras despesas de guarda e educação e, eventualmente, atenuar as desvantagens financeiras resultantes da renúncia a rendimentos de uma actividade a tempo inteiro tinha por objectivo compensar os encargos familiares, na acepção do artigo 1.° , alínea u), i), do Regulamento n.° 1408/71 (v. acórdão Hoever e Zachow, já referido, n.os 23 e 25).

40 Neste contexto, importa sublinhar que a compensação desses encargos familiares é compatível com as finalidades previstas no primeiro considerando do Regulamento n.° 1408/71, ou seja, a melhoria do nível de vida e das condições de emprego das pessoas que exerceram o seu direito à livre circulação.

41 Daqui resulta que a expressão «compensar os encargos familiares», que figura no artigo 1.° , alínea u), i), do Regulamento n.° 1408/71, deve ser interpretada no sentido de que tem em vista, nomeadamente, uma contribuição pública para o orçamento familiar, destinada a atenuar os encargos decorrentes do sustento («Unterhalt») dos filhos.

42 Quanto às finalidades e às condições de concessão do adiantamento em causa no processo principal, os motivos invocados pelo legislador austríaco quando da adopção da UVG eram cuidar da juventude através de «um passo decisivo para assegurar o sustento dos filhos menores» quando, como no processo principal, as mães se encontram sós com os seus filhos e, além do pesado encargo de os educar, lhes é ainda imposta a difícil tarefa de obter do pai que este contribua para o seu sustento. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a atenuação de tal situação constitui a razão pela qual «o Estado deve substituir-se aos devedores de obrigações de alimentos que não cumpriram, pagar adiantamentos sobre as pensões e exercer o direito de regresso contra os devedores da obrigação de sustento». O próprio título da UVG reflecte directamente as suas finalidades relativas ao sustento dos filhos.

43 Além disso, o adiantamento em causa no processo principal confere ao orçamento familiar uma vantagem imediata, em termos de tesouraria, que conduz à melhoria do nível de vida familiar. Na ausência de tal adiantamento, cabe ao progenitor que tem a guarda dos filhos recorrer aos seus rendimentos pessoais para compensar o prejuízo resultante do não pagamento da pensão pelo outro progenitor faltoso, assim como para pagar as custas do processo de execução coerciva contra este último, o que poderia além disso ter uma incidência negativa na vida familiar.

44 A contribuição resultante do adiantamento em causa no processo principal não deve, portanto, ser considerada de natureza provisória. Do ponto de vista do beneficiário, é de forma definitiva que lhe é atribuída uma pensão de alimentos sem que seja tomado em conta o risco de não cobrança ao progenitor faltoso.

45 O adiantamento sobre a pensão de alimentos em causa no processo principal não tem em vista apenas acelerar o processo de execução da obrigação de sustento, mas visa igualmente atenuar o encargo financeiro suportado pelo progenitor a quem foi confiada a guarda dos filhos. Ora, o artigo 4.° do Regulamento n.° 1408/71 não exclui que uma prestação possa preencher uma dupla função (v. acórdão Hughes, já referido, n.° 19).

46 Além disso, como o Tribunal de Justiça já decidiu, o modo de financiamento de uma prestação é irrelevante para a sua qualificação enquanto prestação de segurança social (v., quanto a este ponto, acórdão Hughes, já referido, n.° 21). Pouco importa o mecanismo jurídico a que o Estado-Membro recorre para concretizar a prestação. Por conseguinte, é indiferente que, como no processo principal, a contribuição pública tome a forma de adiantamento sobre a pensão de alimentos pagos por um fundo público em substituição do devedor que não cumpriu.

47 Resulta do conjunto das considerações que antecedem que um adiantamento sobre a pensão de alimentos como o que está em causa no processo principal constitui uma prestação familiar.

48 Esta conclusão não é infirmada pelos n.os 18 e seguintes do acórdão Mouthaan, já referido. Nesse processo, a prestação em causa dizia respeito ao pagamento pela instituição social competente dos salários em atraso devidos a um trabalhador pela entidade patronal em situação de insolvência. No n.° 20 do referido acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que, uma vez que os salários em atraso em causa correspondiam às prestações efectuadas pelo trabalhador durante a sua relação de trabalho, não entravam no âmbito de prestações de desemprego, previstas no artigo 4.° , n.° 1, alínea g), do Regulamento n.° 1408/71. Com efeito, era indiferente para a constituição do direito à referida prestação que o trabalhador estivesse ou não desempregado.

49 Assim, deve responder-se à primeira questão que uma prestação como o adiantamento sobre a pensão de alimentos previsto na UVG constitui uma prestação familiar na acepção do artigo 4.° , n.° 1, alínea h), do Regulamento n.° 1408/71. Em consequência, as pessoas que residem no território de um Estado-Membro às quais são aplicáveis as disposições deste regulamento são admitidas ao benefício de tal prestação prevista na legislação deste Estado-Membro nas mesmas condições que os cidadãos nacionais, em conformidade com o artigo 3.° do referido regulamento.

Quanto à segunda questão

50 Tendo a primeira questão recebido resposta afirmativa, não há que responder à segunda questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

51 As despesas efectuadas pelos Governos austríaco e sueco, assim como pela Comissão, que apresentaram observações no Tribunal de Justiça, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes da causa principal, a natureza de um incidente suscitado no órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir sobre as despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

pronunciando-se sobre as questões que lhe foram submetidas pelo Oberster Gerichtshof, por despacho de 23 de Fevereiro de 1999, declara:

Uma prestação como o adiantamento sobre a pensão de alimentos previsto na österreichische Bundesgesetz über die Gewährung von Vorschüssen auf den Unterhalt von Kindern (Unterhaltsvorschußgesetz) (lei federal austríaca relativa à concessão de adiantamentos para o sustento de filhos) constitui uma prestação familiar na acepção do artigo 4.° , n.° 1, alínea h), do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na versão alterada e actualizada pelo Regulamento (CE) n.° 118/97 do Conselho, de 2 de Dezembro de 1996. Em consequência, as pessoas que residem no território de um Estado-Membro às quais são aplicáveis as disposições deste regulamento são admitidas ao benefício de tal prestação prevista na legislação deste Estado-Membro nas mesmas condições que os cidadãos nacionais, em conformidade com o artigo 3.° do referido regulamento.