Conclusões do advogado-geral Jacobs apresentadas em 30 de Novembro de 2000. - BASF AG contra Bureau voor de Industriële Eigendom. - Pedido de decisão prejudicial: Arrondissementsrechtbank 's-Gravenhage - Países Baixos. - Regulamento (CE) n.º 1610/96 - Produtos fitofarmacêuticos - Certificado complementar de protecção. - Processo C-258/99.
Colectânea da Jurisprudência 2001 página I-03643
1. Tendo-se pronunciado, numa série de casos, sobre a validade e a interpretação do Regulamento (CEE) n.° 1768/92 do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativo à criação de um certificado complementar de protecção para os medicamentos , o Tribunal de Justiça é neste caso solicitado, pela primeira vez, a interpretar as disposições do Regulamento (CE) n.° 1610/96 do Conselho, de 23 de Julho de 1996, relativo à criação de um certificado complementar de protecção para produtos fitofarmacêuticos (a seguir «regulamento») .
2. A necessidade de interpretação surge numa situação em que um produtor obteve, com um intervalo de 20 anos, uma autorização de comercialização nos Países Baixos para duas versões de um herbicida por si manufacturado. Ambas as versões contêm a mesma substância activa, no entanto, como resultado de um processo de fabrico mais avançado, relativamente ao qual o produtor é titular de uma patente, a segunda contém uma maior proporção dessa substância activa e uma menor proporção de impurezas. O produtor pretende agora obter um certificado suplementar de protecção (a seguir «CCP») para a segunda versão do herbicida, mas a autoridade competente dos Países Baixos considera isso impossível, dado que a autorização de comercialização actualmente em vigor não é a primeira a ter sido concedida com respeito a este produto.
3. A questão depende, portanto, do significado do termo «produto» nas disposições pertinentes do regulamento.
As disposições legais relevantes
4. O desenvolvimento de novos produtos fitofarmacêuticos, tais como pesticidas, fungicidas, herbicidas, e reguladores do crescimento das plantas, requer uma pesquisa e investimentos consideráveis. Para encorajar tal pesquisa e investimento e para proteger os interesses dos que nela investem, as leis nacionais e a Convenção sobre a Patente Europeia têm, desde há muitos anos, providenciado a concessão de patentes de produtos fitofarmacêuticos (patentes de produto), dos seus processos de fabrico (patentes de processo), e dos seus variados usos (patentes de aplicação). O período de validade de tais patentes é geralmente de 20 anos a contar da data de apresentação do pedido de patente .
5. A venda de produtos fitofarmacêuticos está sujeita a autorização de comercialização. A Directiva 91/414/CEE estabelece regras processuais para concessão destas autorizações. O procedimento para obter tal autorização é estrito. O requerente deve normalmente preparar e efectuar um certo número de testes e de análises e podem ser necessários anos para levar a bom termo este procedimento . Devido a esta demora, o período durante o qual o titular da patente goza de protecção efectiva é consideravelmente reduzido e as oportunidades de recuperar o investimento feito na investigação diminuem em consequência .
6. O regulamento visa compensar parcialmente o titular da «patente de base», ou o seu sucessor a qualquer título , da demora inerente ao procedimento de autorização . Assim, segundo o seu artigo 2.° :
«Os produtos protegidos por uma patente no território de um Estado-Membro e sujeitos, enquanto produtos fitofarmacêuticos, antes da sua colocação no mercado, a um processo de autorização administrativa por força do artigo 4.° da Directiva 91/414/CEE, ou por força de uma disposição equivalente de direito nacional, caso se trate de um produto fitofarmacêutico cujo pedido de autorização tenha sido apresentado antes da transposição da Directiva 91/414/CEE nesse Estado-Membro, podem ser objecto de um certificado, nas condições e segundo as regras previstas no presente regulamento».
7. O regulamento estabelece um período adicional de protecção que se inicia no termo legal da patente de base. Segundo o artigo 13.° , n.° 1, do regulamento, a duração do CCP é igual ao «período decorrido entre a data da apresentação do pedido da patente de base e a data da primeira autorização de colocação no mercado na Comunidade, reduzido em cinco anos». Segundo o artigo 13.° , n.° 2, o prazo de validade do certificado não pode exceder cinco anos a contar da data a partir da qual produz efeitos.
8. O artigo 4.° do regulamento define o objecto da protecção conferida pelo CCP da seguinte maneira:
«Dentro dos limites da protecção assegurada pela patente de base, a protecção conferida pelo certificado abrange apenas o produto coberto pela autorização de colocação no mercado do produto fitofarmacêutico correspondente para qualquer utilização do produto, enquanto produto fitofarmacêutico, que tenha sido autorizada antes da caducidade do certificado.»
9. Os efeitos legais do CCP estão enunciados no artigo 5.° do regulamento. Durante o período coberto pelo CCP, o titular beneficia dos mesmos direitos e está adstrito às mesmas limitações e obrigações que decorriam da patente de base. Por conseguinte, ainda que o CCP seja descrito pela Comissão como um novo título de propriedade industrial, distinto das patentes, e não como uma prorrogação de patentes existentes , está estreitamente ligado com os sistemas nacionais ao abrigo dos quais a patente foi inicialmente concedida e protegida .
10. A competência para conceder CCP pertence aos serviços de propriedade industrial competentes dos Estados-Membros. Esses serviços actuam de acordo com as normas processuais e substantivas estabelecidas nos artigos 3.° , 6.° , 7.° , 8.° e 9.° do regulamento .
11. O presente caso diz respeito às condições substantivas para a concessão de um CCP. Estas condições encontram-se estabelecidas no artigo 3.° , n.° 1, do regulamento:
«1. O certificado é concedido se no Estado-Membro onde for apresentado o pedido previsto no artigo 7.° e à data de tal pedido:
a) O produto estiver protegido por uma patente de base em vigor;
b) O produto tiver obtido, enquanto produto fitofarmacêutico, uma autorização de colocação no mercado válida, em conformidade com o disposto no artigo 4.° da Directiva 91/414/CEE ou numa disposição equivalente de direito nacional;
c) O produto não tiver sido já objecto de um certificado;
d) A autorização referida na alínea b) for a primeira autorização de colocação do produto no mercado, enquanto produto fitofarmacêutico.»
12. O artigo 3.° do regulamento deve ser interpretado à luz das definições estabelecidas no artigo 1.° :
«1. Produtos fitofarmacêuticos: as substâncias activas e as preparações contendo uma ou mais substâncias activas que sejam apresentadas sob a forma em que são fornecidas ao utilizador e se destinem a:
[...]
d) Destruir os vegetais indesejáveis;
[...]
2. Substâncias: os elementos químicos e seus compostos tal como se apresentam no estado natural ou tal como são produzidos pela indústria, incluindo qualquer impureza inevitavelmente resultante do processo de fabrico.
3. Substâncias activas: as substâncias ou microrganismos, incluindo os vírus, que exerçam uma acção geral ou específica:
a) Sobre os organismos prejudiciais; ou
b) Sobre os vegetais, partes de vegetais ou produtos vegetais;
4. Preparações: as misturas ou soluções compostas de duas ou mais substâncias, das quais pelo menos uma é substância activa, destinadas a ser utilizadas como produtos fitofarmacêuticos;
[...]
8. Produto: a substância activa tal como definida no ponto 3 ou a composição de substâncias activas de um produto fitofarmacêutico;
9. Patente de base: a patente que protege um produto na acepção do ponto 8, enquanto tal, uma preparação tal como definida no ponto 4, um processo de obtenção de um produto ou uma aplicação de um produto e que tenha sido designado pelo seu titular para efeito do processo de obtenção de um certificado;
[...]»
Matéria de facto e questões prejudiciais
13. Os factos, tal como se encontram expostos no despacho de reenvio e nos documentos anexos, podem ser resumidos da seguinte maneira.
14. A demandante no processo principal, a BASF AG, produz vários produtos fitofarmacêuticos. O presente litígio diz respeito a dois herbicidas nos quais a substância activa é um composto químico conhecido sob o nome de «cloridazão» .
15. O cloridazão é um composto que aparece sob diferentes formas isómeras. Isto é, embora o cloridazão consista em moléculas com a mesma fórmula química, C10H8CIN3O, a estrutura física dessas moléculas varia. Existem dois isómeros no cloridazão produzido pela demandante: 4-amino-5-cloro-1-fenilpiridazin-6-ona («isómero 1») e 5-amino-4-cloro-1-fenilpiridazin-6-ona («isómero 2»). Estes isómeros têm diferentes propriedades químicas. Enquanto o isómero 1 é uma substância activa, o isómero 2 tem pouco ou nenhum efeito como produto fitofarmacêutico. O isómero 2 pode, portanto, ser considerado uma impureza inevitavelmente resultante do processo de fabrico do isómero 1.
16. A demandante tem vendido herbicidas com base no cloridazão nos Países Baixos e noutros Estados-Membros, desde há vários anos, e obteve várias autorizações de comercialização para esse efeito. Só duas dessas autorizações são aqui relevantes. Em primeiro lugar, a demandante obteve, em 27 de Fevereiro de 1967, uma autorização de comercialização nos Países Baixos para um produto chamado «Pyramin» (autorização 3594 N). Segundo o despacho de reenvio, o Pyramin contém um máximo de 80% do isómero activo 1 e um mínimo de 20% do isómero 2 de cloridazão. Segundo a demandante, o Pyramin contém em média 65% do isómero 1 e 35% do isómero 2. Em segundo lugar, a demandante obteve, em 19 de Janeiro de 1987, uma autorização de comercialização nos Países Baixos para um produto chamado «Pyramin DF» (autorização 9582 N). O Pyramin DF contém, segundo o despacho de reenvio, um mínimo de 90% do isómero activo 1 e um máximo de 10% do isómero 2 inactivo. Segundo a demandante, o Pyramin DF contém, na prática, mais de 95% do isómero 1 . Devido à maior concentração de substância activa no Pyramin DF, este produto é mais eficaz como produto fitofarmacêutico do que o Pyramin.
17. A maior concentração de substância activa no Pyramin DF resulta de um novo processo de fabrico do cloridazão que foi desenvolvido pela demandante. Em 23 de Junho de 1982, a demandante obteve uma patente europeia (EP 0 026 847) referente a esse processo e válida para 10 países nela designados, incluindo os Países Baixos. A demandante tinha obtido anteriormente, em 28 de Dezembro de 1961, uma patente (alemã) para o cloridazão. Esta patente de produto expirou antes do regulamento entrar em vigor, em 8 de Fevereiro de 1997.
18. Em 3 de Março de 1997, a demandante solicitou ao demandado - Bureau voor de Industriële Eigendom (Serviço de Propriedade Industrial) - um CCP para o produto cloridazão, salientando que a comercialização do cloridazão como produto fitofarmacêutico tinha sido aprovada pela autorização 9582 N, de 19 de Janeiro de 1987, e que a BASF AG era titular de uma patente em vigor referente ao processo de fabrico do cloridazão (EP 0 026 847).
19. O demandado rejeitou o pedido numa decisão de 26 de Setembro de 1997, com o fundamento de que as condições estabelecidas no artigo 3.° , n.° 1, alínea d), do regulamento não se encontravam preenchidas. Esta decisão baseava-se no seguinte raciocínio: O termo «produto» no artigo 3.° , n.° 1, alínea d), do regulamento deve, de acordo com o artigo 1.° , n.os 2, 3 e 8, ser entendido como referindo-se à substância activa no produto fitofarmacêutico. Uma vez que a substância activa nos produtos fitofarmacêuticos que obtiveram autorizações de comercialização em 19 de Janeiro de 1987 (autorização 9582 N) e em 27 de Fevereiro de 1967 (autorização 3594 N) é o isómero 1 do cloridazão, os dois produtos fitofarmacêuticos são «produtos» idênticos para efeitos do artigo 3.° , n.° 1, do regulamento. O facto da autorização concedida em 1987 se referir a um produto fitofarmacêutico com uma relação entre substância activa e impurezas diferente e melhor é, para este efeito, irrelevante. A autorização concedida em 19 de Janeiro de 1987 não pode, portanto, ser considerada como a primeira autorização de colocação no mercado na acepção do artigo 3.° , n.° 1, alínea d), do regulamento.
20. A demandante reclamou desta decisão, por carta datada de 7 de Novembro de 1997. Tendo ouvido a exposição oral da demandante, o demandado rejeitou os seus argumentos por uma decisão de 19 de Fevereiro de 1998. A demandante impugnou esta última decisão no Arrondissementsrechtbank's Gravenhage (tribunal de círculo da Haia), alegando que a recusa do demandado de lhe conceder um CCP se fundava numa interpretação incorrecta do regulamento. Segundo a demandante, o cloridazão mais concentrado, que é fabricado de acordo com o processo descrito na patente de 1982 e vendido sob o nome de Pyramin DF, é um «produto» diferente da forma menos concentrada de cloridazão anteriormente fabricada e vendida sob o nome de Pyramin. A autorização de comercialização concedida em 1987 deveria, portanto, ser considerada como a primeira autorização de colocação no mercado para efeitos do artigo 3.° , n.° 1, alínea d), do regulamento.
21. A demandante avançou três argumentos principais para defender esta tese. Primeiro, a referência a «produto» no artigo 3.° , n.° 1, deve ser entendida como referência à substância activa (ou substâncias activas) e impurezas tomadas como um todo. Existe, portanto, um produto diferente, quando muda a relação entre substância activa e impurezas. Segundo, a demandante salienta que, segundo a lei neerlandesa, era necessária uma autorização de comercialização separada para a forma mais concentrada de cloridazão (vendida como Pyramin DF). Isto mostra, por si só, que se trata de um novo produto. Terceiro, a demandante sustenta que as patentes de processo seriam inadequadamente protegidas e o propósito do regulamento iludido, se o CCP apenas pudesse ser concedido a produtos que contivessem uma substância activa nova ou diferente.
22. Tendo ouvido os argumentos das partes, o Arrondissementsrechtbank's Gravenhage submeteu as seguintes questões prejudiciais:
«1) a) Tendo em conta as definições constantes do artigo 1.° , n.os 2, 3 e 8, do Regulamento (CE) n.° 1610/96 (regulamento), deve entender-se por produto na acepção do artigo 3.° do regulamento: uma substância activa ou um composto de substâncias activas, como vem definida no artigo 1.° , n.° 3, tal como existe no estado natural ou é produzida pela indústria, incluindo qualquer impureza resultante inevitavelmente do processo de fabrico?
b) Existe um único e mesmo produto na acepção do regulamento quando um novo processo de fabrico permite obter um produto como produto fitofarmacêutico, que inclui uma quantidade menor das impurezas inevitavelmente presentes do que um produto fitofarmacêutico existente que contém a mesma substância activa?
c) Para efeitos da resposta à questão 1) b) é importante e, se assim for, em que medida, que seja obtida uma nova autorização para este novo produto fitofarmacêutico?
2) As condições enunciadas no artigo 3.° , alíneas a) e d), do regulamento estão preenchidas quando um produto fitofarmacêutico é fabricado segundo um processo registado, devido à aplicação do qual o produto contém uma quantidade menor de impurezas inevitavelmente presentes do que um produto fitofarmacêutico existente que contém a mesma substância activa, quando foi obtida uma nova autorização para esse novo produto fitofarmacêutico e a patente de processo foi designada como patente de base na acepção do artigo 3.° , n.° 1, initio e alínea a)?»
Observações
23. Foram apresentadas observações escritas pela BASF AG, pelo Bureau voor de Industriële Eigendom, pelos Governos da República Federal da Alemanha, do Reino dos Países Baixos e do Reino Unido e pela Comissão. Na audiência, a BASF AG, o Reino dos Países Baixos, o Reino Unido e a Comissão estiveram presentes.
24. A Comissão e os Governos do Reino dos Países Baixos e do Reino Unido apoiam a interpretação do regulamento defendida pelo demandado no processo principal. O Governo alemão sustenta, no essencial, que a interpretação defendida pela BASF AG é correcta.
Apreciação
25. Com estas questões, o tribunal de reenvio procura dilucidar, essencialmente, se os dois produtos fitofarmacêuticos, contendo a mesma substância activa e a mesma impureza, devem ser considerados «produtos» diferentes para efeitos do artigo 3.° , n.° 1, do regulamento, quando a única diferença entre ambos consiste em um deles conter uma percentagem mais elevada da substância activa que o outro, por ser produzido de acordo com um novo método descrito numa patente de processo detida pelo produtor.
26. A resposta a esta questão deve, em nossa opinião, ter presentes as seguintes considerações preliminares.
27. Em primeiro lugar, as regras contidas no regulamento são praticamente idênticas às contidas no Regulamento n.° 1768/92 relativo à criação de um certificado complementar de protecção para os medicamentos . Daí decorre que a jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de interpretação do termo «produto» para efeitos do Regulamento n.° 1768/92 pode ser utilizada como orientação no caso presente e, inversamente, que a decisão do Tribunal no caso presente pode afectar a interpretação do Regulamento n.° 1768/92 e, por conseguinte, o mercado dos medicamentos.
28. Em segundo lugar, o conceito de «produto» é central, tanto para as condições de concessão de CCP, como para a determinação do âmbito da protecção legal por este conferida aos seus titulares . Este conceito é definido no artigo 1.° , n.° 8, e deve, como sublinha o demandado, ser-lhe dada uma interpretação uniforme ao longo de todo o regulamento .
29. Em terceiro lugar, a definição de «patente de base» contida no artigo 1.° , n.° 9, do regulamento inclui patentes que protegem «um processo de obtenção de um produto». Os detentores de patentes de processo podem, assim, em princípio, beneficiar do regime do CCP em termos idênticos aos detentores de patentes de produto. A questão que se coloca neste processo consiste em saber que condições específicas devem, nos termos do artigo 3.° do regulamento, verificar-se para que as patentes de processo possam dele beneficiar.
30. Finalmente, os factos do caso em apreço têm de ser distinguidos da situação que se verifica quando o produtor de um produto fitofarmacêutico, composto por dois isómeros activos diversos do mesmo composto, adopta um novo método de fabrico que altera a relação entre esses dois isómeros. Nesse caso, haveria, tal como a Comissão e o demandado sustentam, um novo «produto», na acepção do artigo 3.° , n.° 1, do regulamento, visto que as substâncias activas do produto tal como definidas no artigo 1.° , n.° 3, se teriam alterado.
31. Tendo presentes estas considerações, responderemos às questões colocadas pelo tribunal de reenvio examinando a definição de «produto» contida no artigo 1.° do regulamento, o objectivo do regulamento e a relação entre o regulamento e o regime da autorização de comercialização.
A definição de «produto» no artigo 1.° do regulamento
32. O artigo 1.° , n.° 8, do regulamento define «produto» como:
«a substância activa tal como definida no ponto 3 ou a composição de substâncias activas de um produto fitofarmacêutico».
No artigo 1.° , n.° 3, as «substâncias activas» são definidas como:
«as substâncias [...] que exerçam uma acção geral ou específica:
[...]
b) sobre os vegetais, partes de vegetais ou produtos vegetais».
«Substâncias» são definidas no artigo 1.° , n.° 2, como:
«os elementos químicos e seus compostos tal como se apresentam no estado natural ou tal como são produzidos pela indústria, incluindo qualquer impureza inevitavelmente resultante do processo de fabrico».
33. A BASF AG sustenta que a definição de «substâncias» do artigo 1.° , n.° 2, deve ser incorporada na definição de «substâncias activas» do artigo 1.° , n.° 3, e por conseguinte na definição de «produto» do artigo 1.° , n.° 8. Na medida em que o artigo 1.° , n.° 2, define substâncias como compostos químicos incluindo impurezas resultantes do processo de fabrico, «produto» deve ser entendido como a substância activa e as impurezas contidas no produto fitofarmacêutico globalmente considerado. Dois produtos fitofarmacêuticos contendo diferentes níveis da mesma impureza são, por conseguinte, diferentes produtos para efeitos do presente regulamento.
34. Concordamos com o argumento expendido, mas apenas parcialmente.
35. Na nossa perspectiva, partindo de uma leitura sistemática do artigo 1.° , é claro que a noção de «substâncias activas» mencionada no artigo 1.° , n.° 8 - e definida no artigo 1.° , n.° 3 - deve ser interpretada à luz da definição de «substâncias» do artigo 1.° , n.° 2. Acresce que é claro que «substâncias» deve ser interpretado por forma a ter o mesmo significado no n.° 2 e no n.° 3 do artigo 1.° O legislador comunitário não pode ter pretendido conferir significado diverso ao mesmo termo em diferentes segmentos do mesmo artigo do regulamento.
36. Consideramos, assim, que «produto» deve ser entendido como a substância activa incluindo qualquer impureza inevitavelmente resultante do processo de fabrico.
37. O demandado e o Governo do Reino Unido contestam esta interpretação. Alegam, essencialmente, que o artigo 1.° , n.° 8, determina claramente que o produto é a substância activa tal como definida no artigo 1.° , n.° 3, e que a frase «substância activa» tem um significado natural que exclui impurezas. Seria assim irrelevante que a definição de «substâncias» do artigo 1.° , n.° 2, inclua impurezas. O demandado salienta ainda que o décimo quarto considerando do preâmbulo estabelece, na medida em que isso é relevante, que «a concessão de um certificado para um produto que integre uma substância activa não prejudica a concessão de outros certificados para os produtos derivados» .
38. Consideramos este argumento inconsistente.
39. O artigo 1.° , n.° 4, do regulamento define «preparações» como «as misturas ou soluções compostas de duas ou mais substâncias, das quais pelo menos uma é substância activa». Tal enunciado indica que deve ser estabelecida uma distinção entre impurezas e substâncias não activas (as quais podem, por sua vez, conter impurezas). Enquanto as impurezas ocorrem inevitavelmente como resultado da produção de uma substância activa, as substâncias não activas são substâncias que são acrescentadas pelo produtor para diluir ou de outra forma preparar a substância activa para venda ao consumidor final. O significado da expressão «substâncias activas» deve ser interpretado à luz desta distinção. De onde decorre que enquanto a palavra «activa» no artigo 1.° , n.os 3 e 8, exclui as substâncias não-activas da noção de «produto», não exclui as impurezas.
40. Na nossa opinião, é, portanto, incontestável que «produto», na acepção do artigo 1.° , n.° 8, é o componente activo incluindo alguma impureza inevitavelmente resultante do processo de fabrico.
41. Todavia, tal como bem salienta a Comissão - e contrariamente às asserções da BASF AG - disto não decorre que os produtos fitofarmacêuticos contendo diferentes níveis de impureza constituam diferentes «produtos» para efeitos do regulamento.
42. Em primeiro lugar, a BASF AG sublinha que o artigo 1.° , n.° 2, descreve substâncias como compostos químicos incluindo qualquer impureza resultante do processo de fabrico. Na nossa opinião, a palavra «incluindo» não é decisiva. É mais natural salientar a palavra «qualquer» e, nesse caso, o artigo 1.° , n.° 2, pareceria significar que as substâncias são compostos químicos, incluindo qualquer impureza, seja esta qual for. Este argumento é aplicável a todas as versões linguísticas do regulamento. Por exemplo, na versão francesa, as substâncias incluem «toute impureté résultant inévitablement du procédé de fabrication»; na versão alemã, substâncias inclui «einschliesslich jeglicher bei der Herstellung nicth zu vermiedenden Verunreinigung». Assim, embora seja verdade que as «substâncias» incluem impurezas resultantes do processo de fabrico, não decorre de tal premissa que duas substâncias contendo diferentes níveis de impureza constituam diferentes substâncias na acepção do artigo 1.° , n.° 2.
43. Em segundo lugar, a exposição de motivos anexa pela Comissão à sua proposta de regulamento dá-nos uma orientação relativamente à interpretação do conceito de «produto». Nos comentários ao artigo 3.° do regulamento, que foi adoptado pelo legislador comunitário sem quaisquer alterações à redacção proposta pela Comissão, afirma-se: «É frequente que um mesmo produto receba sucessivamente várias autorizações de colocação no mercado, nomeadamente de cada vez que ocorre uma alteração susceptível de afectar a sua dosagem, composição, utilização, e de cada vez que é desenvolvida uma nova utilização do produto. Neste caso, apenas é tomada em consideração para efeitos da proposta de regulamento [...] a primeira autorização de colocação no mercado do produto no Estado-Membro em que é apresentado o pedido [...]» . Do exposto decorre que «se uma mesma substância activa for utilizada sob diferentes formas (pó, líquido, etc.), apenas poderá ser emitido um único certificado [...] O certificado [...] protege a substância activa contida nas diferentes formas ou apresentações do produto [...]» e «embora uma mesma substância possa ser objecto [...] de várias patentes e várias autorizações [...], o certificado complementar de protecção apenas será concedido a essa substância com base numa única patente e aquando de uma única autorização [...], a saber, a primeira ocorrida no Estado-Membro em causa» .
44. Em terceiro lugar, o regulamento está, como já acima foi dito, intimamente ligado às regras nacionais e europeias em matéria de patentes . Os termos do regulamento devem, por isso, ser interpretados de acordo com essas regras. Segundo as alegações escritas e orais da Comissão, não existe - no campo das patentes de produtos químicos - um «produto» novo e susceptível de patente sempre que o nível de impureza se altera. Note-se igualmente que a Comissão afirmou, na proposta do Regulamento n.° 1768/92 relativo à criação de um certificado complementar de protecção para os medicamentos , que o termo «produto» não deve entender-se como significando um medicamento propriamente dito ou um medicamento em sentido amplo, mas antes no sentido mais restrito de produto utilizado na legislação sobre patentes que, quando aplicada ao campo químico e farmacêutico, significa a substância activa . Essa afirmação é relevante no caso presente, uma vez que o Regulamento n.° 1610/96 e o Regulamento n.° 1768/92 contêm virtualmente disposições idênticas às quais deve ser dada interpretação similar .
45. Por estes motivos, consideramos que a interpretação que a Comissão faz do regulamento no referente ao termo «produto» é correcta. O produto é a substância activa incluindo qualquer impureza inevitavelmente resultante do processo de fabrico. Dois produtos fitofarmacêuticos contendo a mesma substância activa em diferentes concentrações são, apesar disso, produtos idênticos para efeitos do regulamento.
O objectivo do regulamento
46. A BASF AG e o Governo alemão alegam que esta interpretação do artigo 1.° , n.° 8, é contrária ao objectivo do regulamento. O seu argumento pode ser sintetizado como segue.
47. A um produtor será normalmente exigido, nos termos da Directiva 91/414 ou das disposições da lei interna, que solicite uma nova autorização de comercialização quando a concentração de substância activa num produto fitofarmacêutico se alterar por força de um novo processo de fabrico patenteado. O procedimento de autorização limita o período efectivo de gozo da patente de processo, tal como limita tal período para as patentes de produto. Ao invés do que sucede com as patentes de produto, as patentes de processo dizem normalmente respeito a processos de preparação de substâncias activas conhecidas cuja comercialização como produtos fitofarmacêuticos já foi autorizada. Daqui decorre que, se o «produto» for definido como a substância activa incluindo impurezas - sendo irrelevante o nível destas - os detentores de patentes de processo raramente poderão beneficiar do sistema de CCP, visto que o requisito da primeira autorização de colocação no mercado estabelecido no artigo 1.° , n.° 3, alínea d), do regulamento não será preenchido. Este resultado é, de acordo com a BASF AG e o Governo alemão, contrário à letra do artigo 1.° , n.° 9, do regulamento e ao objectivo deste.
48. Este argumento não deve, na nossa perspectiva, ser aceite.
49. É certo que as patentes de processo são abrangidas pela definição de «patente de base» do artigo 1.° , n.° 9, do regulamento e que os detentores de patentes de processo podem por isso beneficiar do regime CCP. Todavia, para que possam beneficiar de tal regime, as condições substantivas estabelecidas no artigo 3.° do regulamento devem ser preenchidas. O facto de essas condições - combinadas com a definição de «produto» constante do artigo 1.° , n.° 8 - poderem, na prática, excluir muitas patentes de processo do regime CCP não é contrário à letra do artigo 1.° , n.° 9. E isto porque, tal como salienta a Comissão, aos detentores de patentes de processo podem ainda ser concedidos CCP quando a substância activa em causa não tiver sido objecto de anterior autorização de comercialização. Isto pode suceder em situações em que o proprietário de uma patente de produto decida não levar a cabo o dispendioso processo de pedido de autorização de comercialização porque o produto em causa não pode ser produzido e vendido com lucro com base no processo de fabrico à data conhecido.
50. No que respeita à finalidade do regulamento, o preâmbulo contém as seguintes declarações nos terceiro a sétimo considerandos:
«(3) Considerando que os produtos fitofarmacêuticos, nomeadamente os resultantes de uma investigação longa e onerosa, poderão continuar a ser desenvolvidos na Comunidade e na Europa se beneficiarem de uma regulamentação favorável que preveja uma protecção suficiente para incentivar tal investigação;
(4) Considerando que a competitividade do sector dos produtos fitofarmacêuticos, pelas suas próprias características, requer a mesma protecção da inovação que a concedida aos medicamentos por força do Regulamento (CEE) n.° 1768/92 do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativo à criação de um certificado complementar de protecção para os medicamentos;
(5) Considerando que, actualmente, o período que decorre entre a apresentação de um pedido de patente para um novo produto fitofarmacêutico e a autorização de colocação no mercado do referido produto fitofarmacêutico reduz a protecção efectiva conferida pela patente a um período insuficiente para amortizar os investimentos efectuados na investigação e para gerar os recursos necessários à prossecução de uma investigação eficaz;
(6) Considerando que destas circunstâncias resulta uma protecção insuficiente que penaliza a investigação no domínio fitofarmacêutico e a competitividade deste sector;
(7) Considerando que um dos verdadeiros objectivos do certificado complementar é o de situar a indústria europeia nas mesmas condições de competitividade que as indústrias norte-americana e japonesa.»
51. Estes considerandos devem ser lidos em conjugação com o décimo segundo considerando que reconhece que «todos os interesses em causa num sector tão complexo e sensível como o fitofarmacêutico devem ser tomados em consideração» e com a exposição de motivos da Comissão que afirma que o regulamento «tem por finalidade alcançar um justo equilíbrio entre o necessário para atingir os [seus] objectivos e o que pode ser razoavelmente aceite pela sociedade» .
52. Resulta claramente de todas estas indicações que embora o principal objectivo do regulamento seja estender a protecção das patentes no campo dos produtos fitofarmacêuticos e evitar distorções da concorrência resultantes de leis internas em matéria de propriedade industrial díspares, tal objectivo deve ser ponderado em função de interesses políticos, sociais e económicos concorrentes.
53. Pode salientar-se neste contexto que o detentor de uma patente válida tem o monopólio da venda dos bens por ela abrangidos. E se é certo que a existência de tal monopólio pode aumentar as probabilidades de recuperação pelo detentor do que gastou em investigação e desenvolvimento, também pode inibir a livre circulação de mercadorias e aumentar os preços dos produtos fitofarmacêuticos em detrimento dos agricultores que utilizam tais produtos e dos consumidores de produtos agrícolas . As regras relativas ao âmbito, duração e condições substantivas de concessão de CCP representam um delicado equilíbrio entre esses interesses em conflito.
54. Um dos elementos chave desse equilíbrio é a regra estabelecida no artigo 13.° , n.° 2, que limita a duração do CCP a cinco anos, e a regra da primeira autorização constante do artigo 3.° , n.° 1, alínea d), que visa evitar tentativas de esquivar essa limitação de cinco anos . Tal como sublinham a Comissão e o Governo do Reino Unido, a eficácia da regra dos cinco anos seria posta em causa, se a mesma substância activa pudesse - em diferentes formas, apresentações ou concentrações - ser objecto de mais do que um CCP .
55. Consideramos, desta forma, que a definição ampla de «produto» advogada pela BASF AG e pelo Governo alemão perturbaria o equilíbrio em que o regulamento se baseia e estenderia a protecção da patente para além do que foi a intenção do legislador comunitário.
56. Esta perspectiva é ainda sustentada pelo facto de a Comissão ter calculado, na sua exposição de motivos, quantos produtos poderiam ser objecto de CCP . Concluiu que 37 produtos no mercado europeu satisfaziam as condições pertinentes. Este número seria presumivelmente maior se a Comissão tivesse adoptado a concepção de que o regulamento seria aplicável a um produto que, devido a um novo processo de fabrico, contivesse uma concentração mais elevada de uma substância activa à qual tivesse sido anteriormente concedida autorização de comercialização enquanto produto fitofarmacêutico. Parece assim que o número de patentes de processo válidas relativas a produtos fitofarmacêuticos existentes é considerável, e que a maioria dos processos de patente resulta de alterações no nível e natureza das impurezas.
57. Por conseguinte, tendo em atenção a letra e o objectivo do regulamento, concluímos, em primeiro lugar, que «produto» na acepção dos artigos 1.° e 3.° deve ser entendido como a substância activa incluindo qualquer impureza inevitavelmente resultante do processo de fabrico e, em segundo lugar, que dois produtos fitofarmacêuticos contendo diferentes proporções de substância activa e impureza são produtos idênticos para efeitos do regulamento.
A relação entre o regulamento e as regras de autorização de comercialização
58. Na questão 1) c), o tribunal de reenvio pergunta, no essencial, se o facto de, segundo a lei neerlandesa, uma nova autorização de comercialização dever ser obtida para um produto fitofarmacêutico que, devido a um novo processo de fabrico, é mais concentrado do que outro produto já existente, tem alguma relevância na interpretação do termo «produto» no regulamento.
59. A resposta a esta questão deriva do que foi dito supra. O facto de uma versão mais concentrada de um produto fitofarmacêutico requerer uma autorização de comercialização não significa, em si, que se trate de um novo «produto» para efeitos do regulamento. Pode ainda acrescentar-se que as condições de concessão de CCP não podem depender de requisitos de direito interno. Tal facto poria em causa a interpretação uniforme do regulamento e, por conseguinte, seria contrário ao objectivo - enunciado no nono considerando do regulamento - de criar «uma solução uniforme a nível comunitário».
Conclusão
60. À luz das anteriores observações, somos de opinião que o Tribunal de Justiça deve responder às questões colocadas pelo Arrondissementsrechtbank's-Gravenhague como segue:
«1) a) O termo produto no artigo 3.° do Regulamento (CE) n.° 1610/96 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Julho de 1996, relativo à criação de um certificado complementar de protecção para os produtos fitofarmacêuticos, deve ser entendido como a substância activa ou composição de substâncias activas tal como se apresentam no estado natural ou são produzidas pela indústria. As impurezas que ocorram como consequência inevitável do processo de fabrico fazem parte do produto.
b) Quando, através de um novo processo de fabrico, seja obtido um produto fitofarmacêutico contendo uma quantidade menor de impurezas inevitavelmente presentes do que um produto fitofarmacêutico já existente com a mesma substância activa, ambos os produtos são um só e mesmo produto para efeitos do Regulamento n.° 1610/96.
c) A questão de saber se deve ser obtida uma nova autorização para um novo produto fitofarmacêutico não tem relevância para a resposta à questão 1) b).
2) As condições estabelecidas no artigo 3.° , n.° 1, alíneas a) e d), do Regulamento n.° 1610/96 não estão preenchidas se um produto fitofarmacêutico for produzido através de um processo patenteado, em resultado do qual esse produto contenha uma quantidade menor de impurezas inevitáveis do que outro produto fitofarmacêutico já existente com a mesma substância activa, uma nova autorização tiver sido obtida para o novo produto fitofarmacêutico e a patente abrangendo o processo de fabrico em questão tiver sido designada como a patente de base na acepção do artigo 3.° , n.° 1, alínea a).»