61998J0380

Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 3 de Outubro de 2000. - The Queen contra H.M. Treasury, ex parte The University of Cambridge. - Pedido de decisão prejudicial: High Court of Justice (England & Wales), Queen's Bench Division (Divisional Court) - Reino Unido. - Contratos públicos - Processo de adjudicação de contratos públicos de serviços, de fornecimentos e de empreitadas de obras públicas - Entidade adjudicante - Organismo de direito público. - Processo C-380/98.

Colectânea da Jurisprudência 2000 página I-08035


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


1 Aproximação das legislações - Processos de adjudicação de contratos públicos de serviços, de fornecimentos e de empreitadas de obras públicas - Directivas 92/50, 93/36 e 93/37 - Entidades adjudicantes - Organismos de direito público - Financiamento pelo Estado - Conceito - Bolsas e subvenções de investigação, bolsas de estudo - Inclusão - Pagamentos efectuados em contrapartida da prestação de serviços - Exclusão - Actividade financiada maioritariamente pelo Estado - Definição - Percentagem de financiamento público - Apreciação

[Directivas do Conselho 92/50, artigo 1._, alínea b), segundo parágrafo, terceiro travessão, 93/36, artigo 1._, alínea b), segundo parágrafo, terceiro travessão, e 93/37, artigo 1._, alínea b), segundo parágrafo, terceiro travessão]

2 Aproximação das legislações - Processos de adjudicação de contratos públicos - Serviços, fornecimentos, empreitadas de obras públicas - Entidades adjudicantes - Organismos de direito público - Financiamento pelo Estado - Conceito - Percentagem de financiamento público - Período de referência - Determinação

[Directivas do Conselho 92/50, artigo 1._, alínea b), segundo parágrafo, terceiro travessão, 93/36, artigo 1._, alínea b), segundo parágrafo, terceiro travessão, e 93/37, artigo 1._, alínea b), segundo parágrafo, terceiro travessão]

Sumário


1 O artigo 1._, alínea b), das Directivas 92/50, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços, 93/36, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de fornecimentos, e 93/37, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de empreitadas de obras públicas, prevê, no seu primeiro parágrafo, que são nomeadamente consideradas «entidades adjudicantes» os organismos de direito público, e no seu segundo parágrafo, que se entende por «organismo de direito público» qualquer organismo criado para satisfazer especificamente necessidades de ordem geral sem carácter industrial ou comercial (primeiro travessão), com personalidade jurídica (segundo travessão) e cuja actividade seja financiada maioritariamente pelo Estado, pelas autarquias locais ou por outros organismos de direito público, cuja gestão está sujeita a controlo destes últimos, ou cujos órgãos de administração, direcção ou fiscalização sejam constituídos, em mais de metade, por membros designados pelo Estado, pelas autarquias locais ou por outros organismos de direito público (terceiro travessão).

No que respeita ao terceiro travessão, a expressão «financiada... por [uma ou várias entidades adjudicantes]» deve ser interpretada no sentido de que abrange as bolsas ou subvenções concedidas por uma ou várias entidades adjudicantes para promoção de trabalhos de investigação e as bolsas destinadas a estudantes pagas às universidades pelas autoridades regionais com o ensino a seu cargo e que abrangem os custos de escolaridade de estudantes individualmente designados. Não constituem, ao invés, financiamento público para efeito das referidas directivas os pagamentos efectuados por uma ou várias entidades adjudicantes quer no âmbito de um contrato de prestação de serviços que abranja trabalhos de investigação, quer como contrapartida da prestação de outros serviços, tais como perícias ou organização de conferências.

O termo «maioritariamente» constante do artigo 1._, alínea b), segundo parágrafo, terceiro travessão, já referido, deve interpretar-se no sentido de que se trata de «mais de metade».

Para se chegar a uma apreciação correcta da percentagem de financiamento público de um dado organismo, deverá ter-se em conta o conjunto das receitas de que beneficia, incluindo as resultantes de actividade comercial.

(cf. n.os 26, 33, 36 e disp. 1-3)

2 A qualificação de um organismo como uma universidade de «entidade adjudicante» na acepção do artigo 1._, alínea b), das Directivas 92/50, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços, 93/36, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de fornecimentos, e 93/37, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de empreitadas de obras públicas, deve fazer-se com base anual e o exercício orçamental em que o processo de concurso público for iniciado deverá considerar-se como o período mais adequado para o cálculo do modo de financiamento deste organismo, entendendo-se que aquele cálculo deve efectuar-se com base em números disponíveis no início do exercício orçamental, ainda que com carácter de previsão. Um organismo que, à data em que se procede à abertura de um concurso público, constitua uma «entidade adjudicante» no sentido das directivas já referidas continua, relativamente a esse concurso, sujeito às exigências destas directivas até ao encerramento do processo de concurso em causa.

(cf. n._ 44 e disp. 4)

Partes


No processo C-380/98,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE (actual artigo 234._ CE), pela High Court of Justice (England & Wales), Queen's Bench Division (Divisional Court) (Reino Unido), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

The Queen

e

H. M. Treasury,

ex parte: The University of Cambridge,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 1._ das Directivas 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços (JO L 209, p. 1), 93/36/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos públicos de fornecimento (JO L 199, p. 1), e 93/37/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas (JO L 199, p. 54),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Quinta Secção),

composto por: D. A. O. Edward, presidente de secção, P. J. G. Kapteyn (relator), A. La Pergola, P. Jann e H. Ragnemalm, juízes,

advogado-geral: S. Alber,

secretário: H. A. Rühl, administrador principal,

vistas as observações escritas apresentadas:

- em representação da The University of Cambridge, por D. Vaughan, QC, A. Robertson, barrister, e G. Godar, solicitor,

- em representação do Governo do Reino Unido, por M. Ewing, do Treasury Solicitor's Department, na qualidade de agente, assistida por K. Parker, QC,

- em representação do Governo neerlandês, por M. A. Fierstra, chefe do Departamento de Direito Europeu no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente,

- em representação do Governo austríaco, por W. Okresek, Sektionschef na Chancelaria, na qualidade de agente,

- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por R. B. Wainwright, consultor jurídico principal, e M. Shotter, funcionário nacional colocado à disposição do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações da The University of Cambridge, representada por D. Vaughan e A. Robertson, do Governo do Reino Unido, representado por G. Amodeo, do Treasury Solicitor's Department, na qualidade de agente, assistida por R. Williams, barrister, do Governo francês, representado por G. Taillandier, redactor na Direcção dos Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, do Governo austríaco, representado por M. Winkler, da Chancelaria, na qualidade de agente, e da Comissão, representada por R. Wainwright e M. Shotter, na audiência de 9 de Março de 2000,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 11 de Maio de 2000,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por despacho de 21 de Julho de 1998, entrado no Tribunal de Justiça em 26 de Outubro seguinte, a High Court of Justice (England & Wales), Queen's Bench Division (Divisional Court), apresentou, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE (actual artigo 234._ CE), quatro questões prejudiciais sobre a interpretação do artigo 1._ das Directivas 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços (JO L 209, p. 1), 93/36/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos públicos de fornecimento (JO L 199, p. 1), e 93/37/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas (JO L 199, p. 54).

2 Estas questões foram apresentadas em processo promovido pela Universidade de Cambridge (a seguir «universidade») na High Court of Justice devido à decisão do H. M. Treasury (Ministério das Finanças, a seguir «Treasury») de manter as universidades do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte na lista dos organismos de direito público notificada à Comissão e reproduzida no anexo I da Directiva 93/37, cujo texto altera.

A regulamentação comunitária

3 O artigo 1._ da Directiva 93/37 dispõe:

«Para efeitos da presente directiva:

...

b) são consideradas `entidades adjudicantes', o Estado, as autarquias locais e regionais, os organismos de direito público e as associações formadas por uma ou mais autarquias locais ou regionais ou um ou mais desses organismos de direito público.

Entende-se por `organismo de direito público' qualquer organismo:

- criado para satisfazer de um modo específico necessidades de interesse geral, sem carácter industrial ou comercial

e

- dotado de personalidade jurídica

e

- cuja actividade seja financiada maioritariamente pelo Estado, pelas autarquias locais ou regionais ou por outros organismos de direito público, cuja gestão esteja sujeita a um controlo por parte destes últimos ou cujos órgãos de administração, de direcção ou de fiscalização sejam compostos, em mais de metade, por membros designados pelo Estado, pelas autarquias locais ou regionais ou por outros organismos de direito público.

As listas dos organismos e das categorias de organismos de direito público que preenchem os critérios referidos no segundo parágrafo da presente alínea constam do anexo I. Essas listas são tão completas quanto possível e podem ser revistas de acordo com o processo previsto no artigo 35._ Para esse efeito, os Estados-Membros notificarão periodicamente a Comissão das alterações introduzidas nas suas listas;

...»

4 O artigo 1._, alínea b), das Directiva 92/50 e 93/36 está redigido em termos substancialmente idênticos aos do artigo 1._, alínea b), da Directiva 93/37.

5 Quanto ao Reino Unido, a lista de organismos e categorias de organismos de direito público referida no anexo I da Directiva 93/37 abrange as «universities and polytechnics, maintained schools and colleges» (universidades e escolas politécnicas, escolas e colégios subsidiados).

A legislação nacional

6 No Reino Unido, as Directivas 92/50, 93/36 e 93/37 foram transpostas para direito interno, respectivamente, pelos seguintes diplomas legais:

- Public Services Contracts Regulations 1993 (SI 1993, 3228)

- Public Supply Contracts Regulations 1995 (SI 1995, 201)

- Public Works Contracts Regulations 1991 (SI 1991, 2680).

7 Os mencionados diplomas legislativos não reproduzem o anexo I da Directiva 93/37. Cada um contém uma definição dos organismos de direito público assente na de direito comunitário.

O litígio no processo principal e as questões prejudiciais

8 Em 1995 e 1996, o «Committee of Vice-Chancellors and Principals of the Universities» (Conselho dos Reitores de Universidade do Reino Unido), defendendo que as Directivas 92/50, 93/36 e 93/37 não se aplicam, em geral, às universidades, afirmam que, por consequência, a menção «Universidades» contida no anexo I da Directiva 93/37, a que se refere o artigo 1._, alínea b), terceiro parágrafo, das mesmas directivas, devia ser suprimida.

9 Em 17 de Janeiro de 1997, o Treasury propôs à Comissão a substituição da indicação «Universidades e escolas politécnicas, escolas e colégios subsidiados» pela referência a «Escolas subsidiadas. Universidades e colégios financiados maioritariamente por outras entidades adjudicantes». Esta alteração permitiria simultaneamente relativizar a aplicabilidade às universidades das directivas acima referidas e ter em conta as evoluções mais recentes, a publicação do Further and Higher Education Act (lei sobre o ensino superior) de 1992, que tornou obsoleta a designação de «polytechnics» (escolas politécnicas).

10 No entanto, esta proposta ainda não foi adoptada pela Comissão nos termos do processo previsto no artigo 35._ da Directiva 93/37.

11 Não satisfeita com a alteração do anexo I da Directiva 93/37 proposta pelo Treasury, a Universidade solicitou, mediante pedido de controlo jurisdicional de 7 de Novembro de 1996, a autorização para impugnar a posição do Treasury no High Court of Justice.

12 Em 21 de Março de 1997, o litígio foi submetido à Queen's Bench Division da High Court of Justice, que concedeu à universidade autorização para pedir o controlo jurisdicional, por este implicar uma questão de fundo referente à interpretação das Directivas 92/50, 93/36 e 93/37 e, mais precisamente, quanto à exacta interpretação da expressão «financiada maioritariamente» por uma ou várias entidades adjudicantes.

13 Por despacho de 21 de Julho de 1998, a High Court of Justice (England & Wales), Queen's Bench Division (Divisional Court), decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1) Quando o artigo 1._ da Directiva 92/50/CEE do Conselho, da Directiva 93/37/CEE do Conselho e da Directiva 93/36/CEE do Conselho (a seguir `directivas') se refere a qualquer organismo `financiado maioritariamente pelo Estado, por autarquias locais ou regionais ou por outros organismos de direito público', que fundos devem incluir-se na expressão `financiados... por [uma ou mais autoridades adjudicantes]'? Em particular, relativamente a pagamentos efectuados a uma entidade como a Universidade de Cambridge, aquela expressão inclui:

a) prémios ou subsídios pagos por uma ou mais entidades adjudicantes e destinados a trabalhos de investigação;

b) pagamentos efectuados por uma ou mais entidades adjudicantes em contrapartida do fornecimento de serviços que incluem trabalhos de investigação;

c) pagamentos efectuados por uma ou mais entidades adjudicantes em contrapartida de outros serviços, tais como consultadoria ou organização de conferencias;

d) subsídios concedidos a estudantes e pagos pelas autoridades locais de educação às universidades para subsidiar as propinas dos beneficiários?

2) Que percentagem, ou outro significado, deve atribuir-se ao termo `maioritariamente' empregue no artigo 1._ das directivas?

3) No caso de o termo `maioritariamente' ser definido em termos percentuais, o cálculo abrange exclusivamente recursos financeiros destinados a objectivos académicos e afins ou deve também incluir recursos financeiros relativos a actividades comerciais?

4) Qual o período a considerar para efeitos do cálculo que permite determinar se uma universidade é uma `entidade adjudicante' relativamente a determinada contrato, e de que forma devem ser tomadas em conta alterações previsíveis ou futuras?»

Quanto à primeira questão

14 Como resulta do despacho de reenvio, no Reino Unido, os meios financeiros à disposição das universidades provêm de fontes diversas e são pagos com objectivos e por razões diferentes. Alguns montantes são atribuídos às universidades em função de avaliações periódicas da qualidade das investigações por elas efectuadas e/ou em função do número de estudantes que recebem; outros financiamentos provêm de dons, dotações ou fornecimento de alojamentos e da alimentação; outros ainda constituem a remuneração de prestações de serviços encomendadas por obras de beneficência, ministérios ou empresas industriais ou comerciais.

15 Há assim que analisar a verdadeira natureza de cada uma das formas de financiamento referidas na primeira questão para se determinar a importância que revestem para a universidade e, por isso, a influência que exercem na eventual qualificação deste organismo como «entidade adjudicante».

16 A título liminar, importa lembrar que, quanto ao objectivo das Directivas 92/50, 93/36 e 93/37, o Tribunal de Justiça decidiu que a coordenação a nível comunitário dos processos de adjudicação dos contratos públicos visa suprimir os entraves à livre circulação dos serviços e das mercadorias e, assim, proteger os interesses dos operadores económicos estabelecidos num Estado-Membro que desejem propor bens ou serviços às entidades adjudicantes estabelecidas noutro Estado-Membro (v., neste sentido, acórdão de 10 de Novembro de 1998, BFI Holding, C-360/96, Colect., p. I-6821, n._ 41).

17 Daqui resulta que o objectivo das directivas é excluir simultaneamente o risco de que seja dada preferência aos proponentes ou candidatos nacionais em toda e qualquer adjudicação de empreitada efectuada pelas entidades adjudicantes e a possibilidade de um organismo financiado ou controlado pelo Estado, as autarquias locais ou outros organismos de direito público se deixar guiar por considerações diferentes das económicas (v., neste sentido, acórdãos de 15 de Janeiro de 1998, Mannesmann Anlagenbau Austria e o., C-44/96, Colect., p. I-73, n._ 33, e BFI Holding, já referido, n.os 42 e 43).

18 Recorde-se que, nos termos do artigo 1._, alínea b), segundo parágrafo, das Directivas 92/50, 93/36 e 93/37, entende-se por «organismo de direito público» qualquer organismo criado para satisfazer especificamente necessidades de ordem geral sem carácter industrial ou comercial (primeiro travessão), com personalidade jurídica (segundo travessão) e cuja actividade seja financiada maioritariamente pelo Estado, pelas autarquias locais ou por outros organismos de direito público, cuja gestão está sujeita a controlo destes últimos, ou cujos órgãos de administração, direcção ou fiscalização sejam constituídos, em mais de metade, por membros designados pelo Estado, pelas autarquias locais ou por outros organismos de direito público (terceiro travessão).

19 No litígio do processo principal, não se contesta que a universidade preenche as duas condições previstas nos dois primeiros travessões do artigo 1._, alínea b), segundo parágrafo, das referidas directivas. Por isso, a inclusão da universidade na lista constante do anexo I da Directiva 93/37 depende no caso em apreço apenas da resposta a dar à questão de saber se a universidade é «maioritariamente financiada» por uma ou várias entidades adjudicantes, no sentido do terceiro travessão da referida disposição.

20 Quanto às condições alternativas constantes da alínea b), segundo parágrafo, terceiro travessão, do artigo 1._ das Directivas 92/50, 93/36 e 93/37, resulta do n._ 20 do acórdão Mannesmann Anlagenbau Austria e o., já referido, que cada uma delas reflecte a estreita dependência de um organismo em relação ao Estado, às autarquias locais ou a outros organismos de direito público. A mencionada disposição define assim as três formas sob que se apresenta um organismo de direito público como três variantes de uma «estreita dependência» de outra entidade adjudicante.

21 Se o modo de financiamento de um dado organismo pode ser revelador de dependência estreita desse organismo relativamente à outra entidade adjudicante, é forçoso todavia concluir que este critério não é absoluto. Nem todos os pagamentos efectuados por uma entidade adjudicante têm como efeito a criação ou o aprofundamento de um nexo específico de subordinação ou de dependência. Apenas as prestações de financiamento ou de apoio, mediante auxílio financeiro sem contraprestação específica, das actividades da entidade em causa poderão qualificar-se de «financiamento público».

22 Donde se conclui que prestações como as referidas na alínea a) da primeira questão, que consistem em bolsas ou subvenções concedidas para promoção dos trabalhos de investigação, devem considerar-se como financiamento por uma entidade adjudicante. Ainda que o beneficiário daquele financiamento não tenha de ser a universidade em si, mas uma pessoa que dela faz parte enquanto prestador de serviços. Trata-se, em tal caso, de financiamento que beneficia à instituição no seu conjunto no plano das suas actividades de investigação.

23 Na mesma óptica, as bolsas referidas na alínea d) da primeira questão poderão ser qualificadas como «financiamento público». Aqueles pagamentos constituem efectivamente uma medida social em benefício de determinados estudantes que, por si, não podem suportar os encargos de escolaridade por vezes muito elevados. Nenhuma contrapartida contratual está ligada àqueles pagamentos pelo que têm de considerar-se como um financiamento por uma entidade adjudicante no âmbito das suas actividades de ensino.

24 Bem diferente, ao invés, é a situação das fontes de financiamento constantes da primeira questão, alíneas b) e c), do despacho de reenvio. Os montantes pagos por uma ou várias entidades adjudicantes constituem neste caso a contrapartida de prestações contratuais da universidade, tais como a realização de determinadas investigações ou a organização de seminários e conferências. Pouco importa, a este respeito, que as actividades de carácter comercial se confundam, eventualmente, com as actividades de ensino e de investigação da universidade. Com efeito, a entidade adjudicante tem interesse económico na realização da prestação.

25 É verdade que uma tal relação contratual pode ter também como consequência uma dependência do organismo em causa em relação à entidade adjudicante; todavia, como o advogado-geral salientou no n._ 46 das suas conclusões, esta dependência tem natureza diversa da resultante de uma mera prestação de apoio. Com efeito, tal dependência deve, antes, assemelhar-se à existente nas relações comerciais normais nos contratos de natureza sinalagmática livremente negociados entre as partes. Por isso, as prestações constantes das alíneas b) e c) da primeira questão do despacho de reenvio não integram a noção de «financiamento público».

26 Atento o que antecede, deve responder-se à primeira questão que a expressão «financiada... por [uma ou várias entidades adjudicantes]», constante do artigo 1._, alínea b), segundo parágrafo, terceiro travessão, das Directivas 92/50, 93/36 e 93/37, deve ser interpretada no sentido de que abrange as bolsas ou subvenções concedidas por uma ou várias entidades adjudicantes para promoção de trabalhos de investigação e as bolsas destinadas a estudantes pagas às universidades pelas autoridades regionais com o ensino a seu cargo e que abrangem os custos de escolaridade de estudantes individualmente designados. Não constituem, ao invés, financiamento público para efeito das referidas directivas os pagamentos efectuados por uma ou várias entidades adjudicantes quer no âmbito de um contrato de prestação de serviços que abranja trabalhos de investigação, quer como contrapartida da prestação de outros serviços, tais como perícias ou organização de conferências.

Quanto à segunda questão

27 Na segunda questão, o tribunal de reenvio pergunta em substância qual o significado da expressão «maioritariamente financiada» constante da alínea b), segundo parágrafo, terceiro travessão, do artigo 1._ das Directivas 92/50, 93/36 e 93/37.

28 A este respeito, há que examinar se o termo «maioritariamente» corresponde a determinada percentagem ou se lhe deverá ser atribuído significado diferente.

29 Diferentemente dos governos que apresentaram observações nos termos do artigo 20._ do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça e da Comissão, que perfilham a interpretação quantitativa do termo «maioritariamente» segundo a qual trata-se de um financiamento público superior a 50%, a universidade sustenta que aquele termo deve ser interpretado qualitativamente. Considera que apenas devem ser tidas em conta prestações que dêem a quem as pague o controlo sobre a adjudicação dos contratos públicos. Todavia, para ser aceite uma interpretação quantitativa, esta suporia, em todo o caso, a preponderância dos meios financeiros em causa, o que, no entender da universidade, apenas se verificará se estes representarem três quartos do financiamento total.

30 Esta interpretação não pode ser aceite. Além de carecer de qualquer apoio no próprio texto das Directivas 92/50, 93/36 e 93/37, não tem em conta o significado usual do termo «maioritariamente» que, em linguagem corrente, significa sempre «mais de metade», não se exigindo a predominância ou preponderância de um grupo relativamente a outro.

31 Esta interpretação é ainda corroborada pelo teor do artigo 1._, n._ 2, da Directiva 93/38/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de celebração de contratos nos sectores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações (JO L 199, p. 84), que define o conceito de «empresa pública», nomeadamente, como aquela em que as entidades adjudicantes detêm directa ou indirectamente a maioria do capital social da empresa ou dispõem da maioria dos votos ligados às partes sociais por ela emitidas. Como salientou o advogado-geral no n._ 58 das conclusões, se uma empresa for susceptível de, atentas aquelas condições quantitativas, ser qualificada como «empresa pública» o mesmo deve, por maioria de razão, acontecer quando se trate de saber em que condições um financiamento público deve considerar-se «preponderante».

32 Além disso, a interpretação no sentido de que o termo «maioritariamente» significa «mais de metade» é ainda conforme com o previsto num dos outros casos constantes do artigo 1._, alínea b), segundo parágrafo, terceiro travessão, das Directivas 92/50, 93/36 e 93/37. Com efeito, nos termos destas disposições, deve considerar-se também «organismo de direito público» qualquer organismo cujo órgão de administração, de direcção ou de fiscalização seja composto, «em mais de metade», por membros designados pelo Estado, pelas autarquias locais ou regionais ou por outros organismos de direito público.

33 Atento o que antecede, deve responder-se à segunda questão que o termo «maioritariamente» constante do artigo 1._, alínea b), segundo parágrafo, terceiro travessão, das Directivas 92/50, 93/36 e 93/37 deve interpretar-se no sentido de que se trata de «mais de metade».

Quanto à terceira questão

34 Na terceira questão, estreitamente ligada às duas questões anteriores, o tribunal de reenvio pergunta substancialmente qual a composição da base de cálculo do financiamento «maioritário». Trata-se, em particular, de saber se todas as fontes de financiamento da universidade deverão ser tidas em conta na determinação do carácter «maioritário» de um financiamento público ou se apenas deverão ser consideradas fontes de financiamento de actividades universitárias e conexas.

35 A este respeito, basta verificar que, quando o artigo 1._, alínea b), segundo parágrafo, terceiro travessão, das Directivas 92/50, 93/36 e 93/37 refere um financiamento «maioritário» proveniente de fundos públicos, isto implica necessariamente que um organismo pode também ser financiado parcialmente de outra forma, sem portanto perder a sua qualidade de entidade adjudicante.

36 Há assim que responder à terceira questão que, para se chegar a uma apreciação correcta da percentagem de financiamento público de um dado organismo, deverá ter-se em conta o conjunto das receitas de que beneficia, incluindo as resultantes de uma actividade comercial.

Quanto à quarta questão

37 Na quarta questão, o tribunal de reenvio pergunta, para poder decidir se a universidade é «uma entidade adjudicante» para efeitos da adjudicação de determinado contrato público, por um lado, qual o período a ter em conta no cálculo do seu modo de financiamento e, por outro, de que modo deverão ter-se em conta as alterações que poderão surgir no decurso do processo em causa.

38 Deve salientar-se de imediato que, na ausência de disposição expressa a este propósito nas Directivas 92/50, 93/36 e 93/37, a resposta a dar às duas vertentes desta questão deve ter em conta imperativos da segurança jurídica, como foram recordados pelo Tribunal de Justiça no n._ 34 do acórdão Mannesmann Anlagenbau Austria e o., já referido. Se é efectivamente importante, para se determinar se uma entidade pode ser qualificada «entidade adjudicante» em relação a determinado concurso público, ter em conta a sua exacta situação financeira, há todavia que assegurar também determinado grau de previsibilidade no processo em causa, podendo o financiamento de uma entidade como a universidade variar de ano para ano.

39 Se as referidas directivas nada dizem quanto a saber qual o período a ter em conta para qualificação de um organismo como «entidade adjudicante», contêm no entanto certas disposições referentes à publicação de anúncios indicativos periódicos que poderão dar indicações úteis para a resposta a esta questão. Assim, o n._ 1 dos artigos 15._ da Directiva 92/50 e 9._, n._ 1, da Directiva 93/36 prevêem expressamente que os anúncios indicativos devem ser publicados pelas entidades adjudicantes «no mais curto prazo possível após o início do respectivo exercício orçamental», quando o montante total dos contratos «que tencionam celebrar durante os doze meses seguintes» seja igual ou superior a 750 000 ecus. Estas disposições implicam por isso que uma entidade adjudicante conserve o respectivo estatuto durante doze meses a contar do início de cada exercício orçamental.

40 A qualificação de um organismo como a universidade de «entidade adjudicante» deve por isso ser feita com base anual e o exercício orçamental em que é iniciado o processo de concurso público deve considerar-se o período mais adequado para o cálculo do modo de financiamento deste organismo.

41 Nestas condições, os imperativos da segurança jurídica e da transparência exigem que tanto a universidade abrangida como os terceiros interessados deverão saber, desde o início do exercício orçamental, se os contratos públicos que pretendem celebrar no decurso desse exercício estão abrangidos pelo âmbito de aplicação das Directivas 92/50, 93/36 e 93/37. Donde se segue que, para efeitos da qualificação de uma universidade como «entidade adjudicante», o cálculo do seu modo de financiamento deve efectuar-se com base em números disponíveis no início do exercício orçamental, ainda que a título de previsão.

42 Quanto à segunda vertente da quarta questão, o tribunal de reenvio pergunta em substância se e, sendo o caso, de que modo deverão ser tomadas em conta as alterações das condições de financiamento existentes à data do início do processo de concurso público, alterações que poderão surgir no decurso do processo em causa.

43 Como o Tribunal de Justiça referiu no n._ 34 do acórdão Mannesmann Anlagenbau Austria e o., já referido, o princípio da segurança jurídica exige que uma regra comunitária seja clara e a respectiva aplicação previsível para todos quantos são pela mesma abrangidos. Resulta tanto desta exigência como dos imperativos ligados à protecção dos interesses dos concorrentes que um organismo que, à data em que foi iniciado um processo de concurso público, constitua uma «entidade adjudicante» para efeito das Directivas 92/50, 93/36 e 93/37 continua, quanto ao concurso em causa, sujeito às exigências destas directivas até ao fim do respectivo processo.

44 Atentas as considerações que antecedem, deve responder-se à quarta questão que a qualificação de um organismo como a universidade de «entidade adjudicante» deve fazer-se com base anual e o exercício orçamental em que o concurso público for feito deverá considerar-se como o período mais adequado para o cálculo do modo de financiamento deste organismo, entendendo-se que aquele cálculo deve efectuar-se com base em números disponíveis no início do exercício orçamental, ainda que com carácter de previsão. Um organismo que, à data em que se procede à abertura de um concurso público, constitua uma «entidade adjudicante» no sentido das Directivas 92/50, 93/36 e 93/37 continua, relativamente a esse concurso, sujeito às exigências destas directivas até ao encerramento do processo de concurso em causa.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

45 As despesas efectuadas pelos Governos do Reino Unido, francês, neerlandês e austríaco e pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Quinta Secção),

pronunciando-se sobre as questões submetidas pela High Court of Justice (England & Wales), Queen's Bench Division (Divisional Court), por despacho de 21 de Julho de 1998, declara:

1) A expressão «financiada... por [uma ou várias entidades adjudicantes]», constante do artigo 1._, alínea b), segundo parágrafo, terceiro travessão, das Directivas 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Janeiro de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços, 93/36/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos públicos de fornecimento, e 93/37/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas, deve ser interpretada no sentido de que abrange as bolsas ou subvenções concedidas por uma ou várias entidades adjudicantes para promoção de trabalhos de investigação e as bolsas destinadas a estudantes pagas às universidades pelas autoridades regionais com o ensino a seu cargo e que abrangem os custos de escolaridade de estudantes individualmente designados. Não constituem, ao invés, financiamento público para efeito das referidas directivas os pagamentos efectuados por uma ou várias entidades adjudicantes quer no âmbito de um contrato de prestação de serviços que abranja trabalhos de investigação, quer como contrapartida da prestação de outros serviços, tais como perícias ou organização de conferências.

2) O termo «maioritariamente» constante do artigo 1._, alínea b), segundo parágrafo, terceiro travessão, das Directivas 92/50, 93/36 e 93/37 deve interpretar-se no sentido de que se trata de «mais de metade».

3) Para se chegar a uma apreciação correcta da percentagem de financiamento público de um dado organismo, deverá ter-se em conta o conjunto das receitas de que beneficia, incluindo as resultantes de uma actividade comercial.

4) A qualificação de um organismo como a Universidade de Cambridge de «entidade adjudicante» deve fazer-se com base anual e o exercício orçamental em que o processo de concurso público for iniciado deverá considerar-se como o período mais adequado para o cálculo do modo de financiamento deste organismo, entendendo-se que aquele cálculo deve efectuar-se com base em números disponíveis no início do exercício orçamental, ainda que com carácter de previsão. Um organismo que, à data em que se procede à abertura de um concurso público, constitua uma «entidade adjudicante» no sentido das Directivas 92/50, 93/36 e 93/37 continua, relativamente a esse concurso, sujeito às exigências destas directivas até ao encerramento do processo de concurso em causa.