61998J0377

Acórdão do Tribunal de 9 de Outubro de 2001. - Reino dos Países Baixos contra Parlamento Europeu e Conselho da União Europeia. - Anulação da Directiva 98/44/CE - Protecção jurídica das invenções biotecnológicas - Base jurídica - Artigo 100.º-A do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 95.º CE), artigo 235.º do Tratado CE (actual artigo 308.º CE) ou artigos 130.º e 130.º-F do Tratado CE (actuais artigos 157.º CE e 163.º CE) - Subsidariedade - Segurança jurídica - Obrigações de direito internacional dos Estados-Membros - Direitos fundamentais - Dignidade da pessoa humana - Princípio da colegialidade para os projectos legislativos da Comissão. - Processo C-377/98.

Colectânea da Jurisprudência 2001 página I-07079


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


1. Aproximação das legislações - Protecção jurídica das invenções biotecnológicas - Directiva 98/44 - Base jurídica - Artigo 100.° -A do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 95.° CE)

[Tratado CE, artigo 100.° -A (que passou, após alteração, a artigo 95.° CE) e artigos 130.° e 130.° -F (actuais artigos 157.° CE e 163.° CE); Directiva 98/44 do Parlamento Europeu e do Conselho]

2. Aproximação das legislações - Protecção jurídica das invenções biotecnológicas - Directiva 98/44 - Invenções cuja exploração comercial seja contrária à ordem pública ou aos bons costumes - Exclusão da patenteabilidade - Margem de actuação deixada aos Estados-Membros na aplicação deste critério de exclusão - Carácter não discricionário

(Directiva 98/44 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 6.° )

3. Aproximação das legislações - Protecção jurídica das invenções biotecnológicas - Directiva 98/44 - Patenteabilidade das variedades vegetais - Admissibilidade - Condições

(Directiva 98/44 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.° )

4. Aproximação das legislações - Protecção jurídica das invenções biotecnológicas - Directiva 98/44 - Protecção conferida pela patente - Alcance

(Directiva 98/44 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 8.° e 9.° )

5. Recurso de anulação - Fundamentos - Violação de obrigações internacionais - Possibilidade de invocar a Convenção do Rio de Janeiro, de 5 de Junho de 1992, sobre a Diversidade Biológica, para impugnar a legalidade de um acto comunitário - Condições

[Tratado CE, artigo 173.° (que passou, após alteração, a artigo 230.° CE)]

6. Direito comunitário - Princípios - Direitos fundamentais - Observância garantida pelo juiz comunitário - Protecção jurídica das invenções biotecnológicas - Directiva 98/44 - Patenteabilidade das invenções associando um elemento isolado do corpo humano a um processo técnico permitindo isolá-lo ou produzi-lo com vista a uma aplicação industrial - Direito à dignidade humana - Violação - Inexistência

(Directiva 98/44 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 5.° , n.° 1, 3.° e 6.° )

7. Actos das instituições - Fundamentação - Obrigação - Alcance

[Tratado CE, artigo 190.° (actual artigo 253.° CE)]

Sumário


1. É em função do objecto principal de um acto que deve ser determinada a base jurídica sobre a qual o acto adoptado se deve fundamentar. Embora, a este respeito, se constate que a Directiva 98/44 relativa à protecção jurídica das invenções biotecnológicas prossegue objectivos de apoio à investigação e ao desenvolvimento no domínio da engenharia genética na Comunidade Europeia, a forma como contribui para esta finalidade consiste em eliminar os obstáculos de ordem jurídica que constituem, no mercado interno, as diferenças legislativas e jurisprudenciais entre os Estados-Membros susceptíveis de dificultar ou desequilibrar as actividades de investigação e desenvolvimento neste domínio. A aproximação das legislações dos Estados-Membros não constitui, portanto, um objectivo incidental ou auxiliar da directiva, mas corresponde à sua própria essência. O facto de que esta prossiga igualmente um objectivo previsto nos artigo 130.° e 130.° -F do Tratado (actuais artigos 157.° CE e 163.° CE) não é suficiente, nestas condições, para transformar o recurso ao artigo 100.° -A do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 95.° CE) inapropriado para base jurídica da directiva.

( cf. n.os 27-28 )

2. O artigo 6.° da Directiva 98/44 relativa à protecção jurídica das invenções biotecnológicas, que exclui da patenteabilidade as invenções cuja exploração comercial seja contrária à ordem pública ou aos bons costumes, deixa às autoridades administrativas e aos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros uma grande margem de actuação na aplicação deste critério de exclusão. Esta margem de actuação não é todavia discricionária, na medida em que a directiva enquadra estes conceitos, por um lado, precisando que não basta a simples interdição por uma disposição legal ou regulamentar para transformar a exploração comercial de uma invenção em contrária à ordem pública ou aos bons costumes e, por outro lado, ao citar quatro exemplos de processos e utilizações que não são patenteáveis.

( cf. n.os 37, 39 )

3. Resulta nomeadamente do artigo 4.° da Directiva 98/44 relativa à protecção jurídica das invenções biotecnológicas, segundo o qual uma patente não pode ser concedida a uma variedade vegetal mas que o pode ser para uma invenção cuja exequibilidade técnica não seja limitada a uma determinada variedade vegetal, que uma modificação genética de uma variedade vegetal determinada não é patenteável, mas que uma modificação com um alcance mais amplo, que abranja, por exemplo, uma espécie, pode ser.

( cf. n.os 43-45 )

4. Os artigos 8.° e 9.° da Directiva 98/44 relativa à protecção jurídica das invenções biotecnológicas, segundo os quais a protecção conferida pela patente abrange qualquer matéria biológica obtida por reprodução ou multiplicação a partir da matéria biológica com a informação patenteada, não se referem ao princípio da patenteabilidade, mas sim ao âmbito de tal protecção. Esta pode, portanto, abranger uma variedade vegetal, mesmo que esta não seja patenteável.

( cf. n.° 46 )

5. Em princípio, a legalidade de um acto comunitário não depende da sua conformidade com uma convenção internacional na qual a Comunidade não é parte, tal como a Convenção de Munique, de 5 de Outubro de 1973, sobre as Patentes Europeias. A sua legalidade também não pode ser apreciada à luz de instrumentos de direito internacional que, como o Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio e os Acordos sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio (TRIPs) e sobre os Obstáculos Técnicos ao Comércio que dele fazem parte, tendo em atenção a sua natureza e a sua economia, não figuram, em princípio, entre as normas tomadas em conta pelo Tribunal de Justiça para fiscalizar a legalidade dos actos das instituições comunitárias.

Mas esta exclusão não é todavia aplicável à Convenção do Rio de Janeiro, de 5 de Junho de 1992, sobre a Diversidade Biológica que, diferentemente do Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio, não se baseia, em sentido estrito, no princípio da reciprocidade e das vantagens mútuas. Mesmo pressupondo, a este respeito, que esta convenção contém disposições desprovidas de efeito directo, no sentido de que não criam direitos que os particulares possam invocar directamente em justiça, esta circunstância não constitui um obstáculo ao controlo jurisdicional das obrigações que vinculam a Comunidade enquanto parte no referido acordo.

( cf. n.os 52-54 )

6. Compete ao Tribunal de Justiça, na sua fiscalização da conformidade dos actos das instituições com os princípios gerais do direito comunitário, assegurar o respeito do direito fundamental à dignidade da pessoa humana e à integridade da pessoa. Em relação à matéria viva de origem humana, a Directiva 98/44 relativa à protecção jurídica das invenções biotecnológicas enquadra o direito das patentes de forma suficientemente rigorosa para que o corpo humano permaneça indisponível e inalienável e para que a dignidade do ser humano seja salvaguardada.

Por um lado, com efeito, o artigo 5.° , n.° 1, da directiva proíbe que o corpo humano, nos vários estádios da sua constituição e do seu desenvolvimento, possa constituir invenção patenteável.

Por outro lado, os elementos do corpo humano não podem ser eles próprios patenteáveis e a sua descoberta não pode ser objecto de protecção. Só podem ser objecto de um pedido de patente as invenções que associem um elemento natural a um processo técnico que o permita isolar ou produzir com vista a uma aplicação industrial. Assim, um elemento do corpo humano pode fazer parte de um produto susceptível de obter a protecção de uma patente, mas não pode, no seu ambiente natural, ser objecto de qualquer apropriação. Esta distinção aplica-se no caso de trabalhos sobre a sequência ou a sequência parcial de genes humanos. O resultado destes trabalhos não pode levar à atribuição de uma patente a não ser que o pedido seja acompanhado, por um lado, de uma descrição do método original da sequência que permitiu a invenção e, por outro lado, de uma exposição da aplicação industrial que constitui a finalidade dos trabalhos, como está previsto no artigo 5.° , n.° 3, da directiva. Na ausência da referida aplicação, estaremos não na presença de uma invenção, mas perante a descoberta de uma sequência de ADN que seria, assim, não patenteável. Nestes termos, a protecção assegurada pela directiva refere-se unicamente ao resultado de um trabalho inventivo, científico e técnico, e não abrange os dados biológicos existentes no estado natural no ser humano, a não ser na medida necessária à realização e à exploração de uma aplicação industrial particular.

Além disso, a invocação do direito à integridade da pessoa humana, que compreende, no domínio da medicina e da biologia, o consentimento livre e esclarecido do dador e do receptor, é inoperante em relação a uma directiva que visa unicamente a atribuição de patentes e cujo campo de aplicação, consequentemente, não abrange as operações anteriores ou posteriores a esta atribuição, quer se trate da investigação ou da utilização dos produtos patenteados.

( cf. n.os 70-75, 77-79 )

7. A obrigação de fundamentação das directivas prevista no artigo 190.° do Tratado (actual artigo 253.° CE) não visa impor que as referências às propostas e pareceres, nele mencionados, consistam numa recapitulação das circunstâncias de facto que permitam averiguar se cada uma das instituições intervenientes no processo legislativo respeitou as regras de processo.

Além disso, só no caso de existir uma dúvida séria sobre a regularidade do procedimento prévio à sua intervenção, é que uma instituição deveria justificadamente proceder a averiguações.

( cf. n.os 86-87 )

Partes


No processo C-377/98,

Reino dos Países Baixos, representado por M. A. Fierstra e I. van der Steen, na qualidade de agentes,

recorrente,

apoiado por

República Italiana, representada por U. Leanza, na qualidade de agente, assistido por P. G. Ferri, avvocato dello Stato, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

e por

Reino da Noruega, representado por H. W. Longva, na qualidade de agente,

intervenientes,

contra

Parlamento Europeu, representado por J. Schoo e E. Vandenbosch, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

e

Conselho da União Europeia, representado por R. Gosalbo Bono, G. Houttuin e A. Lo Monaco, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorridos,

apoiados por

Comissão das Comunidades Europeias, representada por K. Banks e P. van Nuffel, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

interveniente,

que tem por objecto a anulação da Directiva 98/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Julho de 1998, relativa à protecção jurídica das invenções biotecnológicas (JO L 213, p. 13),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente, C. Gulmann, A. La Pergola, M. Wathelet e V. Skouris, presidentes de secção, D. A. O. Edward, J.-P. Puissochet (relator), P. Jann, L. Sevón, F. Macken, N. Colneric, S. von Bahr e J. N. Cunha Rodrigues, juízes,

advogado-geral: F. G. Jacobs,

secretário: H. A. Rühl, administrador principal,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações das partes na audiência de 13 de Fevereiro de 2001, na qual o Reino dos Países Baixos foi representado por J. van Bakel, na qualidade de agente, a República Italiana por D. Del Gaizo, avvocato dello Stato, o Reino da Noruega por H. Seland, na qualidade de agente, o Parlamento Europeu por J. Schoo e E. Vandenbosch, o Conselho por G. Houttuin e A. Lo Monaco e a Comissão por K. Banks e P. van Nuffel,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 14 de Junho de 2001,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 19 de Outubro de 1998, o Reino dos Países Baixos pediu, nos termos do artigo 173.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 230.° CE), a anulação da Directiva 98/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Julho de 1998, relativa à protecção jurídica das invenções biotecnológicas (JO L 213, p 13, a seguir «directiva»).

2 Adoptada com base no artigo 100.° -A do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 95.° CE), a directiva tem por objecto impor aos Estados-Membros a protecção, respeitando as suas obrigações internacionais, das invenções biotecnológicas, através do direito nacional de patentes.

3 A este respeito, a directiva refere, designadamente, quais os vegetais, os animais e os elementos do corpo humano que podem ou não ser objecto da concessão de uma patente.

4 O recorrente refere a título preliminar que actua a pedido do Parlamento dos Países Baixos, tendo em conta a oposição que se manifestou em relação às manipulações genéticas relativas a animais e plantas e à concessão de patentes sobre produtos resultantes de processos biotecnológicos susceptíveis de permitir estas manipulações.

5 Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 28 de Abril de 1999, foi admitida a intervenção da Comissão da Comunidades Europeias em apoio das conclusões do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia. Pelos despachos do presidente do Tribunal de Justiça de 3 de Maio de 1999, foram admitidas as intervenções da República Italiana e do Reino da Noruega em apoio das conclusões do Reino dos Países Baixos.

Quanto à admissibilidade da intervenção do Reino da Noruega

6 O Parlamento e o Conselho invocam que as alegações escritas entregues em 19 de Março de 1999 pelo Reino da Noruega se limitam à chamar a atenção do Tribunal de Justiça para determinados problemas que pode colocar a aplicação da directiva no âmbito do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (a seguir «acordo EEE»), sem se pronunciar sobre as conclusões do pedido e sem pedir a anulação da directiva. Não tem, portanto, a natureza de uma intervenção em apoio das conclusões do Reino dos Países Baixos e são, assim, inadmissíveis.

7 A este respeito, o artigo 37.° do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça dispõe que as conclusões do pedido de intervenção devem limitar-se a sustentar as conclusões de uma das partes.

8 O objecto das alegações escritas entregues pelo Governo norueguês é o de, tal como é referido nas conclusões, assinalar que «[v]árias das questões apresentadas pelo Governo neerlandês no seu recurso de anulação da Directiva 98/44 levantam a questão de saber se a directiva se enquadra ou não no âmbito do acordo EEE», pelo que requer ao Tribunal de Justiça que «tome em devida consideração os argumentos apresentados» pelo Governo norueguês a este respeito.

9 Mesmo que, literalmente, o objecto assim descrito pareça diferente do que em princípio poderia constituir o objecto de um pedido de intervenção, não há qualquer dúvida que a intenção do Governo norueguês não é a de apresentar conclusões diferentes das apresentadas pelo recorrente nem pedir ao Tribunal de Justiça que decida questões distintas, mas sim a de contribuir, carreando para o processo esclarecimentos complementares, para o sucesso da acção do Governo neerlandês.

10 Esta análise é confirmada pela circunstância de que todos os fundamentos contidos nas alegações escritas do Governo norueguês constituem a reprodução, e sob certos aspectos o desenvolvimento, de considerações feitas no pedido do Reino dos Países Baixos.

11 Cabe, assim, decidir que, considerado globalmente e dentro do seu contexto, o pedido entregue pelo Reino da Noruega é uma intervenção admissível como apoio das conclusões do recorrente.

Quanto aos fundamentos do pedido

12 O recorrente invoca seis fundamentos, que têm por base a escolha incorrecta do artigo 100.° -A do Tratado como base jurídica da directiva, a violação do princípio da subsidariedade, a violação do princípio da segurança jurídica, a violação de obrigações de direito internacional, a violação do direito fundamental do respeito pela dignidade da pessoa humana e a violação de formalidades essenciais relativamente à adopção da proposta de directiva.

Quanto ao primeiro fundamento

13 O recorrente sustenta que a directiva não se insere no âmbito das medidas relativas à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros que tenham por objecto o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno e foi erradamente adoptada tendo como base jurídica o artigo 100.° -A do Tratado.

14 Com efeito, em primeiro lugar, as divergências entre as leis e práticas dos Estados-Membros e o risco da sua acentuação a que se referem os considerandos 5 e 6 da directiva, precisando que são susceptíveis de criar entraves ao comércio, não existem ou referem-se a aspectos secundários que não justificam uma medida de harmonização.

15 A este respeito, importa recordar que o recurso ao artigo 100.° -A do Tratado como base jurídica é possível a fim de evitar o aparecimento de obstáculos futuros às trocas comerciais resultantes da evolução heterogénea das legislações nacionais na medida em que o aparecimento de tais obstáculos seja verossímil e a medida em causa se destine à sua prevenção (acórdãos de 13 de Julho de 1995, Espanha/Conselho, C-350/92, Colect., p. I-1985, n.° 35, e de 5 de Outubro de 2000, Alemanha/Parlamento e Conselho, C-376/98, Colect., p. I-8419, n.° 86).

16 Ora, por um lado, os exemplos apresentados pelo Parlamento e pelo Conselho são suficientes para demonstrar que, mesmo que as disposições legislativas nacionais anteriores à directiva se tenham normalmente baseado na Convenção sobre as Patentes Europeias, assinada em Munique em 5 de Outubro de 1973 (a seguir «CPE»), as interpretações divergentes que ao abrigo destas disposições podem ser adoptadas relativamente à patenteabilidade das invenções biotecnológicas são susceptíveis criar diferenças de aplicação e de jurisprudência nefastas ao bom funcionamento do mercado interno.

17 Além disso, ao risco de uma evolução divergente acresce o facto de que, relativamente a certos aspectos particulares como a patenteabilidade das variedades vegetais ou de partes do corpo humano, diferenças perceptíveis e com consequências consideráveis já tinham sido constatadas no momento em que a directiva foi adoptada.

18 Por outro lado, ao obrigar os Estados-Membros a proteger as invenções biotecnológicas através do seu direito nacional de patentes, a directiva tem efectivamente por objecto evitar que a unicidade do mercado interno seja prejudicada, o que poderia acontecer caso os Estados-Membros decidissem unilateralmente atribuir ou recusar a referida protecção.

19 O recorrente invoca, contudo, em segundo lugar, que, se a aplicação pelos Estados-Membros das disposições pertinentes do direito internacional deixam margem para incertezas jurídicas, estas devem ser resolvidas não por uma medida comunitária de harmonização, mas por uma renegociação dos instrumentos jurídicos internacionais como a CPE, com vista a atingir uma clarificação das suas regras.

20 Este argumento não tem qualquer fundamento. Com efeito, o objecto de uma medida de harmonização é reduzir os obstáculos ao funcionamento do mercado interno que se traduzem em situações diferentes de Estado-Membro para Estado-Membro, independentemente da sua origem. Se as divergências resultam de interpretações não concordantes, ou que poderão vir a sê-lo, de conceitos previstos em instrumentos jurídicos internacionais nos quais os Estados-Membros são partes, nada proíbe, em princípio, que se recorra à adopção de uma directiva como meio de assegurar uma interpretação comum aos Estados-Membros relativamente aos conceitos em causa.

21 Além disso, no caso em apreço, não parece que uma tal forma de actuação seja incompatível com o respeito pelos Estados-Membros dos seus compromissos no âmbito da CPE ou inadequada para a realização do objectivo de uniformização das condições de patenteabilidade das invenções biotecnológicas.

22 Nada, por conseguinte, proíbe o legislador comunitário de recorrer à via da harmonização pela directiva em prejuízo de outra abordagem, mais indirecta e aleatória, que se traduziria em tentar obter uma alteração do texto da CPE.

23 Em terceiro lugar, de acordo com o recorrente, a directiva ultrapassa o âmbito do que normalmente deve ser o alcance de uma medida de harmonização de legislações dos Estados-Membros tendo em conta que, na realidade, cria um título de propriedade novo, distinto sobre vários aspectos dos títulos referentes ao direito das patentes. Em particular, além de respeitar a produtos até aqui excluídos da patenteabilidade em alguns Estados-Membros, designadamente no Reino dos Países Baixos, a directiva distingue-se do direito de patentes existente na medida em que abrange, nos termos dos seus artigos 8.° e 9.° , não só matérias biológicas determinadas, mas também qualquer outra matéria biológica obtida a partir daquelas por reprodução ou multiplicação, e na medida em que o direito do titular é limitado, face aos agricultores, nos termos do seu artigo 11.°

24 Tal como o Tribunal de Justiça refere no n.° 59 do seu parecer 1/94, de 15 de Novembro de 1994 (Colect., p. I-5267), a Comunidade tem, em matéria de propriedade intelectual, uma competência de harmonização das legislações nacionais nos termos dos artigos 100.° do Tratado CE (actual artigo 94.° CE) e 100.° -A do Tratado e pode basear-se no artigo 235.° do Tratado CE (actual artigo 308.° CE) para criar títulos novos que venham sobrepor-se aos títulos nacionais, como fez com o Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 29 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária ((JO L 11, p. 1).

25 Ora, as patentes a conceder nos termos da directiva são patentes nacionais, concedidas de acordo com os procedimentos aplicáveis nos Estados-Membros e que baseiam a sua protecção no direito nacional. Uma vez que a directiva não tem por objecto nem por efeito a criação de uma patente comunitária, não estabelece um título novo que implicaria o recurso à base jurídica do artigo 235.° do Tratado. Esta constatação não é afectada pelo facto de as invenções em causa não serem até ao momento patenteáveis em certos Estados-Membros - o que precisamente justificaria a harmonização - nem pela circunstância de que a directiva introduz certas precisões e prevê certas derrogações ao direito aplicável em matéria de patentes no que respeita ao alcance da protecção assegurada.

26 Por último, em quarto lugar, o Governo italiano considera, nas suas alegações em apoio do recorrente, que a directiva deveria ter sido adoptada sobre a base jurídica dos artigos 130.° e 130.° -F do Tratado CE (actuais artigos 157.° CE e 163.° CE) e não sobre o artigo 100.° -A do Tratado, uma vez que aquela tem por objectivo, como demonstram os três primeiros considerandos, apoiar o desenvolvimento industrial da Comunidade e a investigação científica no domínio da engenharia genética.

27 É em função do objecto principal de um acto que deve ser determinada a base jurídica sobre a qual o acto adoptado se deve fundamentar (v. acórdão de 17 de Março de 1993, Comissão/Conselho, C-155/91, Colect., p. I-939, n.os 19 a 21). Embora, a este respeito, se constate que a directiva prossegue objectivos de apoio à investigação e ao desenvolvimento no domínio da engenharia genética na Comunidade Europeia, a forma como contribui para esta finalidade consiste em eliminar os obstáculos de ordem jurídica que constituem, no mercado interno, as diferenças legislativas e jurisprudenciais entre os Estados-Membros susceptíveis de dificultar ou desequilibrar as actividades de investigação e desenvolvimento neste domínio.

28 A aproximação das legislações dos Estados-Membros não constitui, portanto, um objectivo incidental ou auxiliar da directiva, mas corresponde à sua própria essência. O facto de que esta prossiga igualmente um objectivo previsto nos artigo 130.° e 130.° -F do Tratado não é suficiente, nestas condições, para transformar o recurso ao artigo 100.° -A inapropriado para base jurídica da directiva (v., por analogia, acórdão de 29 de Maio de 1990, Grécia/Conselho, C-62/88, Colect., p. I-1527, n.os 18 a 20).

29 Resulta do que precede que a directiva foi correctamente adoptada com base no artigo 100.° -A do Tratado e que o primeiro fundamento deve, assim, ser indeferido.

Quanto ao segundo fundamento

30 O recorrente alega que a directiva infringe o princípio da subsidariedade enunciado no artigo 3.° -B do Tratado CE (actual artigo 5.° CE) e, subsidiariamente, que não contém fundamentação suficiente para provar que esta exigência foi tida em conta.

31 Importa recordar que, nos termos do artigo 3.° -B, segundo parágrafo, do Tratado, a Comunidade intervém apenas, nos domínios que não sejam das suas atribuições exclusivas, se e na medida em que os objectivos da acção visada não possam ser suficientemente realizados pelos Estados-Membros e possam pois, devido à dimensão ou aos efeitos da acção prevista, ser melhor alcançados ao nível comunitário.

32 O objectivo visado pela directiva, que consiste na necessidade de assegurar o bom funcionamento do mercado interno, prevenindo, ou mesmo eliminando, as divergências entre as leis e práticas dos diferentes Estados-Membros no domínio da protecção das invenções biotecnológicas, não poderia ser atingido por uma acção desenvolvida pelos Estados-Membros. Tendo o âmbito desta protecção efeitos imediatos no comércio e, consequentemente, sobre o comércio intercomunitário, fica patente que o objectivo em questão pode, devido à dimensão ou aos efeitos da acção prevista, ser melhor alcançado ao nível comunitário.

33 A justificação do cumprimento do princípio da subsidariedade é dada implícita mas necessariamente pelos considerandos 5, 6 e 7 da directiva que constatam que, na ausência de uma intervenção comunitária, a evolução das legislações e práticas nacionais podem criar obstáculos ao bom funcionamento do mercado interno. A directiva parece, assim, suficientemente fundamentada sobre este aspecto.

34 O segundo fundamento deve, portanto, ser rejeitado.

Quanto ao terceiro fundamento

35 Segundo o recorrente, a directiva, em vez de contribuir para clarificar as incertezas jurídicas assinaladas nos seus considerandos, agrava-as, violando assim o princípio da segurança jurídica. Com efeito, por um lado, deixa às entidades nacionais competências discricionárias para a implementação de conceitos formulados em termos gerais e equívocos, como os de ordem pública e bons costumes previstos no artigo 6.° Por outro lado, coexistem na directiva disposições pouco claras e que têm entre elas relações ambíguas, em particular no que diz respeito à patenteabilidade das variedades vegetais, de que se ocupa o artigo 4.° , n.os 1 e 2, nos artigos 8.° e 9.° , bem como nos considerandos 31 e 32.

36 Convém apreciar separadamente cada um destes argumentos precisos desenvolvidos pelo recorrente em apoio do seu fundamento de violação do princípio da segurança jurídica.

37 Apreciando, em primeiro lugar, o artigo 6.° da directiva, que exclui da patenteabilidade as invenções cuja exploração comercial seja contrária à ordem pública ou aos bons costumes, constata-se que esta disposição deixa às autoridades administrativas e aos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros uma grande margem de actuação na aplicação deste critério de exclusão.

38 Contudo, esta margem de actuação é necessária para ter em conta as dificuldades particulares que pode suscitar a exploração de certas patentes no contexto social e cultural de cada Estado-Membro, contexto que as autoridades nacionais, legislativas, administrativas e jurisdicionais, estarão em melhor posição para conhecer que as autoridades comunitárias. Tal cláusula, permitindo a não concessão de uma patente em caso de ameaça da ordem pública ou dos bons costumes, é aliás clássica no direito das patentes e está prevista, designadamente, nos instrumentos internacionais pertinentes, tais como a CPE.

39 Além disso, a margem de actuação deixada aos Estados-Membros não é discricionária, na medida em que a directiva enquadra estes conceitos, por um lado, precisando que não basta a simples interdição por uma disposição legal ou regulamentar para transformar a exploração comercial de uma invenção em contrária à ordem pública ou aos bons costumes e, por outro lado, ao citar quatro exemplos de processos e utilizações que não são patenteáveis. Assim, o legislador comunitário fornece uma orientação para a utilização das noções em causa que de outra forma não existiria no direito geral das patentes.

40 Por último, uma directiva não pode ser considerada contrária ao princípio da segurança jurídica pelo facto de remeter, no que se refere às condições da sua aplicação, para conceitos conhecidos do direito dos Estados-Membros precisando, como no presente caso, o âmbito e os limites e quando tem em conta, ao fazê-lo, a especificidade da matéria em causa.

41 O artigo 6.° da directiva não é, portanto, de forma a agravar a situação jurídica de insegurança que este acto pretende combater.

42 Apreciando, em segundo lugar, a patenteabilidade das variedades vegetais, o exame das disposições invocadas no pedido não permite concluir pela sua incoerência.

43 Com efeito, tal como foi exposto pelo Parlamento e pelo Conselho, o artigo 4.° da directiva dispõe que uma patente não pode ser concedida a uma variedade vegetal mas que o pode ser para uma invenção cuja exequibilidade técnica não seja limitada a uma determinada variedade vegetal.

44 Esta distinção é explicitada nos considerandos 29 a 32, dos quais resulta que as variedades vegetais enquanto tais estão abrangidas pela legislação em matéria de protecção de obtenções vegetais, mas que a protecção das obtenções só se aplica às variedades que são caracterizadas pela totalidade do seu genoma. Para um conjunto vegetal de uma classe taxinómica superior à da variedade, caracterizada por um gene determinado e não pela totalidade do seu genoma, não há risco de conflito entre a legislação sobre as obtenções e a legislação sobre as patentes. Assim, invenções que incorporam um só gene e que dizem respeito a um conjunto mais amplo que uma só variedade vegetal podem ser patenteadas.

45 Do exposto resulta que uma modificação genética de uma variedade vegetal determinada não é patenteável, mas que uma modificação com um alcance mais amplo, que abranja, por exemplo, uma espécie, pode ser.

46 No que respeita aos artigos 8.° e 9.° da directiva, estes não se referem ao princípio da patenteabilidade, mas ao âmbito da protecção conferida por uma patente. Nos termos desta disposições, a protecção abrange qualquer matéria biológica obtida por reprodução ou multiplicação a partir da matéria biológica com a informação patenteada. A protecção conferida por uma patente pode, portanto, abranger uma variedade vegetal, mesmo que esta não seja patenteável.

47 Por último, o artigo 12.° da directiva visa regulamentar, através de um sistema de licenças obrigatórias, os casos em que uma patente atribuída a uma invenção biotecnológica possa infringir um direito de obtenção vegetal anterior ou o caso inverso.

48 Assim, os dois argumentos invocados pelo recorrente para demonstrar a insegurança jurídica que resultaria da directiva não são de forma a justificar a anulação desta.

49 O terceiro fundamento é, portanto, rejeitado.

Quanto ao quarto fundamento

50 O recorrente alega que as obrigações criadas pela directiva para os Estados-Membros são incompatíveis com as que resultam dos seus compromissos internacionais, ao mesmo tempo que, por força do seu artigo 1.° , n.° 2, a directiva não prejudica as obrigações que decorrem das convenções internacionais. A directiva viola, em concreto, o Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio (a seguir «acordo TRIPs», como é designado em inglês), que constitui o anexo 1C do Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio (a seguir «acordo OMC»), aprovado em nome da Comunidade, em relação às matérias da sua competência, pela Decisão 94/800/CE do Conselho, de 22 de Dezembro de 1994 (JO L 336, p. 1), o Acordo sobre os Obstáculos Técnicos ao Comércio (a seguir «acordo OTC»), que constitui o anexo 1A do acordo OMC, a CPE e a Convenção sobre a Diversidade Biológica, assinada no Rio de Janeiro em 5 de Junho de 1992 (a seguir «CDB»), aprovada em nome da Comunidade Europeia pela Decisão 93/626/CEE do Conselho, de 25 de Outubro de 1993 (JO L 309, p. 1).

51 A título principal, o Parlamento e o Conselho argumentam que a CBE não criou obrigações para a Comunidade, que não é parte nesta convenção. Em relação aos outros três instrumentos jurídicos internacionais invocados, o Conselho alega que a legalidade de um acto comunitário não pode ser posta em causa por violação de acordos internacionais nos quais a Comunidade é parte, a não ser no caso de estes acordos terem efeito directo. Ora, este não é o caso na situação em apreço.

52 Assim, em princípio, a legalidade de um acto comunitário não depende da sua conformidade com uma convenção internacional na qual a Comunidade não é parte, tal como é o caso da CPE. A sua legalidade também não poderia ser apreciada à luz de instrumentos de direito internacional que, como o acordo OMC e os acordos TRIPs e OTC que dele fazem parte, tendo em atenção a sua natureza e a sua economia, não figuram, em princípio, entre as normas tomadas em conta pelo Tribunal de Justiça para fiscalizar a legalidade dos actos das instituições comunitárias (acórdão de 23 de Novembro de 1999, Portugal/Conselho, C-149/96, Colect., p. I-8395, n.° 47).

53 Mas esta exclusão não é aplicável à CDB que, diferentemente do acordo OMC, não se baseia, em sentido estrito, no princípio da reciprocidade e das vantagens mútuas (v. acórdão Portugal/Conselho, já referido, n.os 42 a 46).

54 A supor, como sustenta o Conselho, que a CDB contém disposições desprovidas de efeito directo, no sentido de que não criam direitos que os particulares possam invocar directamente em justiça, esta circunstância não constitui um obstáculo ao controlo jurisdicional das obrigações que vinculam a Comunidade enquanto parte no referido acordo (v. acórdão de 16 de Junho de 1998, Racke, C-162/96, Colect., p. I-3655, n.os 45, 47 e 51).

55 Além disso, em qualquer circunstância, o fundamento do pedido deve ser entendido não no sentido de que se refere a uma violação directa pela Comunidade dos seus compromissos internacionais, mas no sentido de que a directiva impõe aos Estados-Membros o não cumprimento das suas obrigações de direito internacional, ao mesmo tempo que se supõe que a directiva, de acordo com os seus próprios termos, não prejudica estas obrigações.

56 Pelo menos por esta razão, o fundamento é admissível.

57 Quanto ao mérito, o recorrente argumenta, em primeiro lugar, que o artigo 27.° , n.° 3, alínea b), do acordo TRIPs permite aos Estados contratantes a possibilidade de não concederem patentes a plantas e animais, com excepção dos microrganismos, enquanto a directiva priva os Estados-Membros desta possibilidade.

58 Basta, a este respeito, constatar que, se a directiva priva, com efeito, os Estados-Membros da opção que o acordo TRIPs oferece às partes contratantes neste acordo em relação à patenteabilidade dos vegetais e dos animais, a escolha prevista no artigo 4.° da directiva é em si mesma compatível com o acordo que, além disso, não proíbe que determinados Estados contratantes adoptem uma posição comum com vista à sua aplicação. Proceder em comum a uma escolha oferecida por um acto internacional no qual os Estados-Membros são parte constitui uma operação que se encontra abrangida pela aproximação das legislações prevista no artigo 100.° -A do Tratado.

59 Em segundo lugar, a directiva contém regulamentos técnicos na acepção do acordo OTC que deveriam ter sido notificados ao secretariado da Organização Mundial do Comércio.

60 É, em qualquer caso, indiscutível que a directiva não contém qualquer regulamento técnico na acepção do acordo OTC, noção definida no anexo I ao acordo OTC como sendo o documento que identifica as características de um produto ou de processos e métodos de produção relacionados com essas características. Assim, não é sequer necessário apreciar em que medida a protecção jurídica das invenções biotecnológicas poderia entrar no campo de aplicação do acordo OTC.

61 O recorrente alega, em terceiro lugar, que o artigo 6.° , n.° 1, da directiva, que exclui da patenteabilidade as invenções «cuja exploração comercial seja contrária à ordem pública ou aos bons costumes», é incompatível com o artigo 53.° da CPE, que exclui da patenteabilidade as invenções «cuja publicação ou execução seja contrária à ordem pública ou aos bons costumes». A diferença de terminologia utilizada afecta, violando assim o artigo 1.° , n.° 2, da directiva, as obrigações que a CPE impõe aos Estados-Membros.

62 Contudo, o recorrente não indica de que forma a redacção ligeiramente diferente utilizada pela directiva neste aspecto, e inspirada no disposto no artigo 27.° , n.° 3, do acordo TRIPs, obrigaria os Estados-Membros, para cumprirem a suas obrigações nos termos da directiva, a violarem as suas obrigações nos termos da CPE. Na falta de exemplos concretos em sentido contrário, é razoável pensar-se que uma invenção seria contrária à ordem pública ou aos bons costumes, independentemente de se tomar por referência a sua publicação, a sua execução ou a sua exploração comercial.

63 Em quarto e último lugar, o recorrente e, ainda com mais ênfase, o Governo norueguês, que intervém em seu apoio, alegam que o próprio objecto da directiva, que consiste em tornar patenteáveis as invenções biotecnológicas em todos os Estados-Membros, é contrário à partilha justa e equitativa dos benefícios que advêm da utilização dos recursos genéticos, que é um dos objectivos da CDB.

64 Contudo, os riscos invocados pelo recorrente e por este interveniente são-no em termos hipotéticos e não resultam directamente das disposições da directiva, mas, quando muito, da utilização que desta poderia ser feita.

65 Com efeito, não se pode ter por estabelecido, na falta da demonstração que se verifica no caso em apreço, que o simples facto de proteger com uma patente as invenções biotecnológicas teria por consequência, como é sustentado, privar um país em desenvolvimento da capacidade de controlar os seus recursos biológicos e de ter acesso aos seus conhecimentos tradicionais, ou que teria por consequência favorecer a monocultura ou desencorajar os esforços nacionais e internacionais de conservação da biodiversidade.

66 Além disso, se o artigo 1.° da CDB tem por objectivo a partilha justa e equitativa dos benefícios que advêm da utilização dos recursos genéticos, designadamente através do acesso adequado a esses recursos e da transferência apropriada das tecnologias relevantes, esclarece que isto será alcançado tendo em conta todos os direitos sobre esses recursos e tecnologias. Nenhuma disposição da CDB prevê como condições para a atribuição de uma patente a invenções biotecnológicas que sejam tidos em conta os interesse dos países dos quais os recursos genéticos são originários ou a existência de medidas de transferência tecnológicas.

67 No que respeita ao obstáculo que a directiva poderia constituir, no âmbito da cooperação internacional necessária para a prossecução dos objectivos da CDB, importa recordar que, nos termos do artigo 1.° , n.° 2, da directiva, os Estados-Membros devem aplicar esta em conformidade com os compromissos que assumiram no que respeita, designadamente, à diversidade biológica.

68 Resulta do exposto que o quarto fundamento deve ser rejeitado.

Quanto ao quinto fundamento

69 De acordo com o recorrente, a patenteabilidade de elementos isolados do corpo humano prevista no artigo 5.° , n.° 2, da directiva, equivale a uma instrumentalização da matéria humana viva, que atenta contra a dignidade da pessoa humana. Além disso, a ausência da verificação do consentimento do dador ou do receptor de produtos obtidos por meios biológicos ameaça o direito das pessoas de disporem da sua pessoa.

70 Compete ao Tribunal de Justiça, na sua fiscalização da conformidade dos actos das instituições com os princípios gerais do direito comunitário, assegurar o respeito do direito fundamental à dignidade da pessoa humana e à integridade da pessoa.

71 No que respeita à dignidade da pessoa humana, é em princípio assegurada pelo artigo 5.° , n.° 1, da directiva, que proíbe que o corpo humano, nos vários estádios da sua constituição e do seu desenvolvimento, possa constituir invenção patenteável.

72 No que toca aos elementos do corpo humano, não podem ser eles próprios patenteáveis e a sua descoberta não pode ser objecto de protecção. Só podem ser objecto de um pedido de patente as invenções que associem um elemento natural a um processo técnico que o permita isolar ou produzir com vista a uma aplicação industrial.

73 Assim, como é referido nos considerandos 20 e 21 da directiva, um elemento isolado do corpo humano pode fazer parte de um produto susceptível de obter a protecção de uma patente, mas não pode, no seu ambiente natural, ser objecto de qualquer apropriação.

74 Esta distinção aplica-se no caso de trabalhos sobre a sequência ou a sequência parcial de genes humanos. O resultado destes trabalhos não pode levar à atribuição de uma patente a não ser que o pedido seja acompanhado, por um lado, de uma descrição do método original da sequência que permitiu a invenção e, por outro lado, de uma exposição da aplicação industrial que constitui a finalidade dos trabalhos, como está previsto no artigo 5.° , n.° 3 da directiva. Na ausência da referida aplicação, estaremos não na presença de uma invenção, mas perante a descoberta de uma sequência de ADN que seria, assim, não patenteável.

75 Nestes termos, a protecção assegurada pela directiva refere-se unicamente ao resultado de um trabalho inventivo, científico e técnico, e não abrange os dados biológicos existentes no estado natural no ser humano, a não ser na medida necessária à realização e à exploração de uma aplicação industrial particular.

76 Uma garantia adicional é prevista pelo artigo 6.° da directiva que considera como contrários à ordem pública ou aos bons costumes, e nesta medida excluídas da patenteabilidade, os processos de clonagem de seres humanos, os processos de modificação da identidade genética germinal do ser humano e as utilizações de embriões humanos para fins industriais ou comerciais. O considerando 38 da directiva precisa que esta lista não é exaustiva e que todos os processos cuja aplicação atente contra a dignidade do ser humano devem também ser excluídos da patenteabilidade.

77 Resulta destas disposições que, em relação à matéria viva de origem humana, a directiva enquadra o direito das patentes de forma suficientemente rigorosa para que o corpo humano permaneça indisponível e inalienável e para que a dignidade do ser humano seja salvaguardada.

78 A segunda parte do fundamento põe em causa o direito à integridade da pessoa humana, na medida em que este compreende, no domínio da medicina e da biologia, o consentimento livre e esclarecido do dador e do receptor.

79 Importa, contudo, constatar que a invocação de um direito fundamental é inoperante em relação a uma directiva que visa unicamente a atribuição de patentes e cujo campo de aplicação, consequentemente, não abrange as operações anteriores ou posteriores a esta atribuição, quer se trate da investigação ou da utilização dos produtos patenteados.

80 A atribuição de uma patente não prejudica as limitações ou interdições legais que se aplicam à investigação ou à exploração dos produtos patenteados, tal como é referido no considerando 14 da directiva. O objecto da directiva não é o de se substituir às disposições restritivas que garantem, para além do campo de aplicação da directiva, o respeito de certas normas éticas entre as quais se inclui o direito das pessoas a disporem delas própria mediante um consentimento livre e esclarecido.

81 O quinto fundamento deve, portanto, ser rejeitado.

Quanto ao sexto fundamento

82 O recorrente sustenta, por último, que a directiva está ferida de violação de formalidades substanciais na medida em que não contém qualquer referência que permita concluir que a proposta da Comissão tenha sido adoptada por uma decisão colegial e com base num texto apresentado nas línguas oficiais.

83 O Conselho considera que este fundamento é inadmissível na medida em que o recorrente não precisa se se refere à proposta inicial ou à proposta modificada da Comissão e na medida em que não apresenta qualquer elemento que suporte este fundamento.

84 Importa, contudo, tendo em conta que a directiva visa, no seu preâmbulo, «a proposta da Comissão» remetendo em nota de rodapé para a edição de 8 de Outubro de 1996 e de 11 de Outubro de 1997 do Jornal Oficial das Comunidades Europeias, considerar que o fundamento se refere quer à proposta de Directiva 96/C 296/03 apresentada pela Comissão em 25 de Janeiro de 1996 (JO 1996, C 296, p. 4) quer à proposta modificada de Directiva 97/C 311/05 apresentada pela Comissão em 29 de Agosto de 1997 (JO 1997, C 311, p. 12). Por outro lado, este fundamento é suficientemente preciso para permitir ao Tribunal de Justiça compreender o seu alcance.

85 Tendo a Comissão apresentado, na sua intervenção, indicações que permitem considerar que o princípio da colegialidade e o regime linguístico aplicável às suas deliberações tinha sido respeitado, o recorrente esclareceu que o seu fundamento não tinha por base a violação do princípio da colegialidade em si mesmo, mas a ausência de justificação, no texto da directiva, quanto ao respeito deste princípio.

86 A este respeito, a obrigação de fundamentação das directivas prevista no artigo 190.° do Tratado CE (actual artigo 253.° CE) não visa impor que as referências às propostas e pareceres, nele mencionados, consistam numa recapitulação das circunstâncias de facto que permitam averiguar se cada uma das instituições intervenientes no processo legislativo respeitou as regras de processo.

87 Além disso, só no caso de existir uma dúvida séria sobre a regularidade do procedimento prévio à sua intervenção, é que uma instituição deveria justificadamente proceder a averiguações. Ora, não está demonstrado, nem sequer foi mesmo alegado, que o Parlamento e o Conselho teriam, no caso em apreço, tido razões válidas para pensar que a deliberação da Comissão sobre a proposta era irregular.

88 O sexto fundamento bem como o pedido no seu todo devem, portanto, ser rejeitados.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

89 Por força do disposto no artigo 69.° , n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida deve ser condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Parlamento e o Conselho requerido a condenação do Reino dos Países Baixos e tendo este sido vencido em relação aos seus fundamentos, há que condená-lo nas despesas.

90 Por força do disposto no artigo 69.° , n.° 4, primeiro e segundo parágrafos, do mesmo regulamento, a República Italiana, o Reino da Noruega e a Comissão, que intervieram no litígio, suportam as respectivas despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

decide:

1) É negado provimento ao recurso.

2) O Reino dos Países Baixos é condenado nas despesas.

3) A República Italiana, o Reino da Noruega e a Comissão das Comunidades Europeias suportam as respectivas despesas.