61998J0107

Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 18 de Novembro de 1999. - Teckal Srl contra Comune di Viano e Azienda Gas-Acqua Consorziale (AGAC) di Reggio Emilia. - Pedido de decisão prejudicial: Tribunale amministrativo regionale per l'Emilia-Romagna - Itália. - Contratos públicos de serviços e de fornecimentos - Directivas 92/50/CEE e 93/36/CEE - Adjudicação por uma colectividade territorial a um agrupamento a que está associada de um contrato de fornecimento de produtos e de prestação de serviços determinados. - Processo C-107/98.

Colectânea da Jurisprudência 1999 página I-08121


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


1 Questões prejudiciais - Competência do Tribunal de Justiça - Identificação dos elementos de direito comunitário pertinentes - Competência dos tribunais nacionais - Aplicação das disposições interpretadas

[Tratado CE, artigo 177._ (actual artigo 234._ CE)]

2 Aproximação das legislações - Processos de celebração de contratos públicos de fornecimentos - Directiva 93/36 - Âmbito de aplicação - Contratos atribuídos por uma entidade adjudicante a uma entidade distinta e autónoma - Inclusão - Qualidade de entidade adjudicante da entidade beneficiária - Sem relevância

(Directivas do Conselho 92/50, artigo 6._, e 93/36)

Sumário


1 No âmbito do processo previsto no artigo 177._ do Tratado (actual artigo 234._ CE), compete ao Tribunal de Justiça, perante questões formuladas de maneira imprecisa, extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional e dos autos da causa principal os elementos de direito comunitário que necessitam de interpretação, tendo em conta o objecto do litígio. Com vista a fornecer uma resposta útil ao órgão jurisdicional que submeteu uma questão prejudicial, o Tribunal pode ser levado a tomar em consideração normas de direito comunitário às quais o juiz nacional não fez referência na sua questão. Em contrapartida, na repartição de funções estabelecida pelo artigo já referido, compete ao órgão jurisdicional nacional aplicar as normas de direito comunitário, tais como interpretadas pelo Tribunal, a um caso concreto. Com efeito, essa aplicação não pode ser efectuada sem uma apreciação dos factos da causa no seu conjunto.

2 A Directiva 93/36/CEE, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos públicos de fornecimento, é aplicável quando uma entidade adjudicante, como uma autarquia local ou regional, pretende celebrar por escrito, com uma entidade dela distinta no plano formal e dela autónoma no plano decisório, o que não é o caso em que, simultaneamente, a autarquia local exerce sobre a pessoa dela juridicamente distinta um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços e de essa pessoa realizar o essencial da sua actividade com a ou as autarquias que a compõem, um contrato a título oneroso que tenha por objecto o fornecimento de produtos, quer esta entidade seja ela própria uma entidade adjudicante quer não.

Com efeito, as únicas excepções permitidas à aplicação da Directiva 93/36 são aquelas que aí estão limitada e expressamente mencionadas. Ora, esta directiva não contém qualquer disposição comparável ao artigo 6._ da Directiva 92/50, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços, que exclui do seu âmbito de aplicação os contratos públicos atribuídos, em certas condições, a entidades adjudicantes.

Partes


No processo C-107/98,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE (actual artigo 234._ CE), pelo Tribunale amministrativo regionale per l'Emilia-Romagna (Itália), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Teckal Srl

e

Comune di Viano,

Azienda Gas-Acqua Consorziale (AGAC) di Reggio Emilia,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 6._ da Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços (JO L 209, p. 1),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Quinta Secção),

composto por: D. A. O. Edward, presidente de secção, L. Sevón, J.-P. Puissochet, P. Jann (relator) e M. Wathelet, juízes,

advogado-geral: G. Cosmas,

secretário: H. A. Rühl, administrador principal,

vistas as observações escritas apresentadas:

- em representação da Teckal Srl, por A. Soncini e F. Soncini, advogados no foro de Parma, e P. Adami, advogado no foro de Roma,

- em representação da Azienda Gas-Acqua Consorziale (AGAC) di Reggio Emilia, por E. G. Di Fava, advogado no foro da Reggio Emilia, e G. Cugurra, advogado no foro de Parma,

- em representação do Governo italiano, pelo professor U. Leanza, chefe do Serviço do Contencioso Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, assistido por P. G. Ferri, avvocato dello Stato,

- em representação do Governo belga, por J. Devadder, consultor-geral no Serviço Jurídico do Ministério dos Negócios Estrangeiros, do Comércio Externo e da Cooperação para o Desenvolvimento, na qualidade de agente,

- em representação do Governo austríaco, por W. Okresek, Sektionschef na Chancelaria, na qualidade de agente,

- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por P. Stancanelli, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações da Teckal Srl, representada por A. Soncini e P. Adami, da Azienda Gas-Acqua Consorziale (AGAC) di Reggio Emilia, representada por G. Cugurra, do Governo italiano, representado por P. G. Ferri, do Governo francês, representado por A. Bréville-Viéville, encarregada de missão na Direcção dos Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, e da Comissão, representada por P. Stancanelli, na audiência de 6 de Maio de 1999,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 1 de Julho de 1999,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por despacho de 10 de Março de 1998, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 14 de Abril seguinte, o Tribunale amministrativo regionale per l'Emilia-Romagna formulou, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE (actual artigo 234._ CE), uma questão prejudicial relativa à interpretação do artigo 6._ da Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos públicos de serviços (JO L 209, p. 1).

2 Esta questão foi submetida no quadro de um litígio que opõe a Teckal Srl (a seguir «Teckal») à comuna de Viano e à Azienda Gas-Acqua Consorziale (AGAC) di Reggio Emilia (a seguir «AGAC») a respeito da adjudicação, por esta comuna, da gestão do serviço de aquecimento de determinados edifícios comunais.

A regulamentação comunitária

3 O artigo 1._, alíneas a) e b), da Directiva 92/50 dispõe:

«Para efeitos do disposto na presente directiva:

a) os contratos públicos de serviços são contratos a título oneroso celebrados por escrito entre um prestador de serviços e uma entidade adjudicante...

b) são consideradas entidades adjudicantes o Estado, as autarquias locais ou regionais, os organismos de direito público, as associações formadas por uma ou mais autarquias ou organismos de direito público.

...»

4 O artigo 2._ da Directiva 92/50 precisa:

«Caso um contrato público abranja simultaneamente produtos na acepção da Directiva 77/62/CEE e serviços na acepção dos anexos I A e I B da presente directiva, integrar-se-á no âmbito da presente directiva se o valor dos serviços em questão exceder o dos produtos abrangidos pelo contrato.»

5 Nos termos do artigo 6._ da Directiva 92/50:

«A presente directiva não é aplicável à celebração de contratos públicos de serviços atribuídos a uma entidade que seja ela própria uma entidade adjudicante na acepção da alínea b) do artigo 1._, com base num direito exclusivo estabelecido por disposições legislativas, regulamentares ou administrativas publicadas, desde que essas disposições sejam compatíveis com o Tratado.»

6 A Directiva 93/36/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos públicos de fornecimento (JO L 199, p. 1), revogou a Directiva 77/62/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1976, relativa à coordenação dos processos de celebração dos contratos de fornecimento de direito público (JO 1977, L 13, p. 1; EE 17 F1 p. 29). As referências feitas à directiva revogada devem entender-se, por força do artigo 33._ da Directiva 93/36, como sendo feitas a esta última directiva.

7 O artigo 1._, alíneas a) e b), da Directiva 93/36 dispõe:

«Para efeitos da presente directiva:

a) `contratos públicos de fornecimento' são contratos a título oneroso, celebrados por escrito entre um fornecedor (pessoa singular ou colectiva), por um lado, e uma das entidades adjudicantes definidas na alínea b), por outro, que tenham por objecto a compra, a locação financeira, a locação ou a locação-venda, com ou sem opção de compra, de produtos. A entrega dos referidos produtos pode incluir, acessoriamente, operações de colocação e instalação;

b) são consideradas `entidades adjudicantes' o Estado, as autarquias locais e regionais, os organismos de direito público e as associações formadas por uma ou mais autarquias locais ou regionais ou um ou mais desses organismos de direito público.

...»

A regulamentação nacional

8 O artigo 22._, n._ 1, da Lei italiana n._ 142, de 8 de Junho de 1990, que organiza as autonomias locais (GURI n._ 135, de 12 de Junho de 1990, a seguir a «Lei n._ 142/90»), determina que as comunas provêem à gestão dos serviços públicos que têm por objecto a produção de bens e as actividades de fim social destinadas a promover o desenvolvimento económico e civil das comunidades locais.

9 Nos termos do artigo 22._, n._ 3, da Lei n._ 142/90, as comunas podem assegurar estes serviços em regime de régie, por concessão a terceiros, ou recorrendo a empresas especiais, a instituições sem fim lucrativo ou a sociedades por acções com capital maioritariamente público e local.

10 O artigo 23._ da Lei n._ 142/90, que define as empresas especiais e as instituições sem fim lucrativo, determina:

«1. A empresa especial é um estabelecimento `ente strumentale' da entidade local, dotado de personalidade jurídica, de autonomia empresarial e dos seus próprios estatutos, aprovados pelo conselho municipal ou provincial.

...

3. Os órgãos da empresa e da instituição são o conselho de administração, o presidente e o director, que assume a responsabilidade da gestão. As modalidades de nomeação e de demissão dos administradores são previstas nos estatutos da entidade local.

4. A empresa e a instituição cumprem, no exercício das suas actividades, critérios de eficácia, eficiência e rentabilidade e estão obrigadas a atingir o equilíbrio orçamental através do equilíbrio entre as despesas e as receitas, incluindo as transferências.

...

6. A administração local fornece a dotação em capital, define os objectivos e as orientações, aprova os actos constitutivos, exerce a sua fiscalização, verifica os resultados da gestão e cobre os eventuais custos sociais.

...»

11 Nos termos do artigo 25._ da Lei n._ 142/90, as comunas e as províncias podem, para efeitos da gestão associada de um ou mais serviços, constituir um agrupamento nos termos das disposições relativas às empresas especiais referidas no artigo 23._ Para este efeito, cada conselho municipal aprova por maioria absoluta uma convenção simultaneamente com os estatutos do agrupamento. A assembleia do agrupamento é composta por representantes das entidades associadas, que são os presidentes das câmaras, os presidentes das outras entidades ou os seus delegados. A assembleia elege o conselho de administração e aprova os actos constitutivos previstos pelos estatutos.

12 A AGAC é um agrupamento constituído por várias comunas - entre as quais a de Viano - para a gestão dos serviços da energia e do ambiente, na acepção do artigo 25._ da Lei n._ 142/90. Por força do artigo 1._ dos seus estatutos (a seguir os «estatutos»), é dotada de personalidade jurídica e de autonomia de gestão. O artigo 3._, n._ 1, dos estatutos determina que tem por objecto a administração directa e a gestão de determinados serviços públicos aí referidos, entre os quais «gás para usos privados e produção; aquecimento para usos privados e produção; actividades conexas e acessórias destas».

13 Segundo o artigo 3._, n.os 2 a 4, dos estatutos, a AGAC pode ampliar as suas actividades a outros serviços conexos ou acessórios, participar em sociedades públicas ou privadas ou em entidades tendo por objecto a gestão de actividades conexas e acessórias, com o fim de garantir serviços ou fornecimentos a pessoas privadas ou organismos públicos diferentes das comunas aderentes.

14 Nos termos dos artigos 12._ e 13._ dos estatutos, os actos de gestão mais importantes, entre os quais os balanços e os orçamentos, são aprovados pela assembleia da AGAC, composta por representantes das comunas. Os outros órgãos directivos são o conselho, o presidente do conselho e o director-geral. Estes não respondem pela sua gestão perante as comunas. As pessoas singulares que compõem estes órgãos não estão investidas de missões nas comunas aderentes.

15 Por força do artigo 25._ dos estatutos, a AGAC deve conseguir o equilíbrio orçamental e ter uma gestão rentável. Por aplicação do artigo 27._ dos estatutos, as comunas fazem contribuições de fundos ou bens à AGAC, que lhes paga juros anuais. O artigo 28._ dos estatutos determina que os eventuais lucros do exercício sejam repartidos entre as comunas aderentes, conservados pela AGAC para aumentar o fundo de reserva ou reinvestidos noutras actividades da AGAC. Nos termos do artigo 29._ dos estatutos, em caso de perdas, o saneamento da situação financeira pode nomeadamente ser garantido por novas contribuições de capital por parte das comunas aderentes.

16 O artigo 35._ dos estatutos prevê um processo de arbitragem para a resolução dos diferendos entre as comunas aderentes ou entre estas e a AGAC.

O litígio no processo principal

17 Pela sua Decisão n._ 18, de 24 de Maio de 1997 (a seguir «decisão»), o conselho municipal de Viano confiou à AGAC a gestão do serviço de aquecimento de determinados edifícios comunais. Esta deliberação não foi precedida de concurso.

18 A missão da AGAC consiste, mais em especial, em fazer funcionar e garantir a manutenção das instalações de aquecimento dos edifícios comunais em causa, incluindo as intervenções relativas às benfeitorias necessárias, bem como no fornecimento de combustíveis.

19 A remuneração da AGAC foi fixada em 122 milhões de ITL relativamente ao período de 1 de Junho de 1997 a 31 de Maio de 1998. No âmbito deste montante, o valor do fornecimento de combustíveis representa 86 milhões e o custo de funcionamento e de manutenção das instalações 36 milhões.

20 Segundo o artigo 2._ da decisão, a AGAC compromete-se a, no termo do período inicial de um ano, continuar a garantir o serviço por um período suplementar de três anos, a pedido da comuna de Viano, após adaptação das condições previstas na decisão. Está ainda prevista uma prorrogação posterior.

21 A Teckal é uma empresa privada que opera no domínio dos serviços de aquecimento. Fornece nomeadamente a privados e a organismos públicos o óleo que previamente adquiriu às empresas produtoras. Além disso, faz a manutenção das instalações de aquecimento que funcionam a óleo e a gás.

22 A Teckal interpôs recurso da decisão para o Tribunale amministrativo regionale per l'Emilia-Romagna, argumentando que a comuna de Viano devia ter recorrido aos processos de celebração de contratos públicos previstos pela regulamentação comunitária.

23 O órgão jurisdicional de reenvio, que tem dúvidas quanto a saber qual das Directivas 92/50 e 93/36 é aplicável, considera que, de qualquer modo, o limiar de aplicação de 200 000 ecus, fixados pelas duas directivas, foi excedido.

24 Dada a natureza mista da missão confiada à AGAC, consistente, por um lado, na prestação de diferentes serviços, e, por outro, no fornecimento de combustíveis, o órgão jurisdicional de reenvio considerou que não podia excluir a aplicabilidade do artigo 6._ da Directiva 92/50.

25 Nestas circunstâncias, o Tribunale amministrativo regionale suspendeu a instância e solicitou ao Tribunal de Justiça a interpretação do artigo 6._ da Directiva 92/50 «sob os aspectos indicados na fundamentação».

Quanto à admissibilidade

26 A AGAC e o Governo austríaco consideram que o pedido prejudicial é inadmissível. A AGAC argumenta, em primeiro lugar, que o montante do contrato em causa no processo principal é inferior ao limiar previsto pelas Directivas 92/50 e 93/36. Com efeito, por um lado, o preço do combustível deve ser deduzido do montante estimado do contrato, na medida em que a AGAC, sendo ela própria uma entidade adjudicante, se abastece em combustíveis por meio de concursos públicos. Por outro, não se trata de um contrato de duração indeterminada.

27 Em segundo lugar, a AGAC considera que o pedido prejudicial respeita, na realidade, à interpretação do direito nacional. O juiz de reenvio pede efectivamente ao Tribunal de Justiça que interprete determinadas disposições do direito nacional a fim de poder determinar se a derrogação prevista no artigo 6._ da Directiva 92/50 se aplica.

28 O Governo austríaco, por seu lado, sustenta que o pedido prejudicial é inadmissível em razão de não conter qualquer questão prejudicial. No domínio do direito dos contratos públicos, uma formulação precisa das questões é particularmente importante.

29 Em primeiro lugar, no que se refere a saber se o valor do contrato em causa no processo principal ultrapassa o limiar previsto pelas Directivas 92/50 e 93/36, deve recordar-se que, nos termos do artigo 177._ do Tratado, baseado numa nítida separação de funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, este apenas tem competência para se pronunciar sobre a interpretação ou a validade de um diploma comunitário, com base nos factos que lhe são indicados pelo órgão jurisdicional nacional (v., nomeadamente, o acórdão de 2 de Junho de 1994, AC-ATEL Electronics Vertriebs, C-30/93, Colect., p. I-2305, n._ 16).

30 Neste contexto, não compete ao Tribunal de Justiça mas ao órgão jurisdicional nacional estabelecer os factos que deram origem ao litígio e tirar deles as consequências para a decisão que tem de proferir (acórdão AC-ATEL Electronics Vertriebs, já referido, n._ 17).

31 Embora seja exacto que o método de cálculo do montante do contrato é definido nas disposições comunitárias, que são os artigos 7._ da Directiva 92/50 e 5._ da Directiva 93/36, sobre a interpretação das quais o juiz nacional pode, se o entender necessário, formular questões prejudiciais, compete a este, contudo, de acordo com a repartição de funções estabelecida pelo artigo 177._ do Tratado, aplicar as normas de direito comunitário a um caso concreto. Com efeito, essa aplicação não pode ser efectuada sem uma apreciação dos factos da causa no seu conjunto (v. o acórdão de 8 de Fevereiro de 1990, Shipping and Forwarding Enterprise Safe, C-320/88, Colect., p. I-285, n._ 11).

32 Daqui resulta que o Tribunal de Justiça não pode substituir a apreciação do órgão jurisdicional de reenvio pela sua própria, quanto ao cálculo do valor do contrato, para concluir pela inadmissibilidade do pedido prejudicial.

33 Deve seguidamente recordar-se que, no âmbito do artigo 177._ do Tratado, o Tribunal de Justiça não pode pronunciar-se nem sobre a interpretação de disposições legislativas ou regulamentares nacionais nem sobre a conformidade de tais disposições com o direito comunitário. Pode, no entanto, fornecer ao órgão jurisdicional nacional os elementos de interpretação do âmbito do direito comunitário que lhe permitirão resolver o problema jurídico submetido à sua apreciação (acórdão de 4 de Maio de 1993, Distribuidores Cinematográficos, C-17/92, Colect., p. I-2239, n._ 8).

34 Finalmente, segundo jurisprudência constante, compete ao Tribunal de Justiça, perante questões formuladas de maneira imprecisa, extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional nacional e dos autos da causa principal os elementos de direito comunitário que necessitam de interpretação, tendo em conta o objecto do litígio (acórdãos de 13 de Dezembro de 1984, Haug-Adrion, 251/83, Recueil, p. 4277, n._ 9, e de 26 de Setembro de 1996, Arcaro, C-168/95, Colect., p. I-4705, n._ 21).

35 À luz das indicações contidas no despacho de reenvio, há que considerar que o juiz nacional pergunta, em substância, se as disposições do direito comunitário em matéria de celebração de contratos públicos são aplicáveis quando uma autarquia local ou regional confia o fornecimento de produtos e a prestação de serviços a um agrupamento em que ela participa, em condições como as do processo principal.

36 O reenvio prejudicial deve, portanto, ser julgado admissível. Quanto ao mérito

37 Resulta do despacho de reenvio que a comuna de Viano confiou à AGAC, por um mesmo acto, tanto a prestação de determinados serviços como o fornecimento de determinados produtos. É também pacífico que o valor desses produtos é superior ao valor dos serviços.

38 Ora, resulta a contrario do artigo 2._ da Directiva 92/50 que, se um contrato público abranger simultaneamente produtos na acepção da Directiva 93/36 e serviços na acepção da Directiva 92/50, ele se integra no âmbito da Directiva 93/36 quando o valor dos produtos abrangidos pelo contrato é superior ao valor dos serviços.

39 Com vista a fornecer uma resposta útil ao órgão jurisdicional que submeteu a questão prejudicial, o Tribunal pode ser levado a tomar em consideração normas de direito comunitário às quais o juiz nacional não fez referência na sua questão (acórdãos de 20 de Março de 1986, Tissier, 35/85, Colect., p. 1207, n._ 9, e de 27 de Março de 1990, Bagli Pennacchiotti, C-315/88, Colect., p. I-1323, n._ 10).

40 Daqui resulta que, para dar uma interpretação do direito comunitário que seja útil ao juiz nacional, há que interpretar as disposições da Directiva 93/36 e não o artigo 6._ da Directiva 92/50.

41 Com vista a determinar se o facto de uma autarquia local ou regional confiar o fornecimento de produtos a um agrupamento em que ela participa deve dar lugar a um processo de concurso previsto pela Directiva 93/36, há que examinar se tal atribuição constitui um contrato público de fornecimento.

42 Se for esse o caso e se, afora o imposto sobre o valor acrescentado, o montante estimado do contrato for igual ou superior a 200 000 ecus, a Directiva 93/36 é aplicável. A este respeito, não é determinante que o fornecedor seja uma entidade adjudicante ou não.

43 Com efeito, há que recordar que as únicas excepções permitidas à aplicação da Directiva 93/36 são as que nela são expressa e taxativamente previstas (v., a propósito da Directiva 77/62, o acórdão de 17 de Novembro de 1993, Comissão/Espanha, C-71/92, Colect., p. I-5923, n._ 10).

44 Ora, a Directiva 93/36 não contém qualquer disposição comparável ao artigo 6._ da Directiva 92/50, que exclui do seu âmbito de aplicação os contratos públicos atribuídos, em certas condições, a entidades adjudicantes.

45 Há, de resto, que observar que esta constatação não afecta a obrigação de estas últimas entidades adjudicantes aplicarem, por sua vez, os processos de concurso previstos pela Directiva 93/36.

46 A comuna de Viano, enquanto autarquia local ou regional, é uma entidade adjudicante na acepção do artigo 1._, alínea b), da Directiva 93/36. Incumbe, portanto, ao juiz nacional verificar se a relação entre ela e a AGAC preenche igualmente as demais condições previstas pela Directiva 93/36 para constituir um contrato público de fornecimento.

47 Tal será o caso, nos termos do artigo 1._, alínea a), da Directiva 93/36, se se tratar de um contrato a título oneroso celebrado por escrito que tenha por objecto, nomeadamente, a compra de produtos.

48 É pacífico, no caso vertente, que a AGAC fornece produtos, no caso combustíveis, à comuna de Viano contra o pagamento de um preço.

49 No que se refere à existência de um contrato, o juiz nacional deve verificar se houve uma convenção entre duas pessoas distintas.

50 A este respeito, de acordo com o artigo 1._, alínea a), da Directiva 93/36, basta, em princípio, que o contrato tenha sido celebrado entre, por um lado, uma autarquia local ou regional e, por outro, uma pessoa dela juridicamente distinta. Só pode ser de outro modo na hipótese de, simultaneamente, a autarquia exercer sobre a pessoa em causa um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços e de essa pessoa realizar o essencial da sua actividade com a ou as autarquias que a compõem.

51 Deve, por consequência, responder-se à questão prejudicial que a Directiva 93/36 é aplicável quando uma entidade adjudicante, como uma autarquia local ou regional, pretende celebrar por escrito, com uma entidade dela distinta no plano formal e dela autónoma no plano decisório, um contrato a título oneroso que tenha por objecto o fornecimento de produtos, quer esta entidade seja ela própria uma entidade adjudicante quer não.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

52 As despesas efectuadas pelos Governos italiano, belga, francês e austríaco, bem como pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Quinta Secção),

pronunciando-se sobre a questão submetida pelo Tribunale amministrativo regionale per l'Emilia-Romagna, por despacho de 10 de Março de 1998, declara:

A Directiva 93/36/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos públicos de fornecimento, é aplicável quando uma entidade adjudicante, como uma autarquia local ou regional, pretende celebrar por escrito, com uma entidade dela distinta no plano formal e dela autónoma no plano decisório, um contrato a título oneroso que tenha por objecto o fornecimento de produtos, quer esta entidade seja ela própria uma entidade adjudicante quer não.