61997A0298

Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Quarta Secção Alargada) de 15 de Junho de 2000. - Alzetta Mauro e outros contra Comissão das Comunidades Europeias. - Transporte rodoviário de mercadorias - Auxílios de Estado - Recurso de anulação - Afectação das trocas comerciais entre Estados-Membros e distorção da concorrência Requisitos de derrogação à proibição prevista no artigo 92.º, n.º 1, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 87.º, n.º 1 CE) - Novos auxílios e auxílios existentes - Princípio de protecção da confiança legítima - Princípio da proporcionalidade - Fundamentação. - Processos apensos T-298/97, T-312/97, T-313/97, T-315/97, T-600/97 a 607/97, T-1/98, T-3/98 a T-6/98 e T-23/98.

Colectânea da Jurisprudência 2000 página II-02319


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


1 Processo - Admissibilidade - Pedido de suspensão da execução da decisão impugnada - Pedido apresentado no mesmo requerimento que o recurso principal - Admissibilidade

(Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, artigo 104._, n._ 3)

2 Recurso de anulação - Competência do juiz comunitário - Pedidos destinados a dirigir intimações às instituições comunitárias ou aos Estados-Membros, a obter a condenação dos Estados-Membros ou a substituição das referidas instituições pelo juiz comunitário - Inadmissibilidade

[Tratado CE, artigo 173._ (que passou, após alteração, a artigo 230._ CE) e artigo 176._ (actual artigo 233._ CE)]

3 Auxílios concedidos pelos Estados - Afectação das trocas comerciais entre Estados-Membros - Atentado à concorrência - Critérios de apreciação - Afectação real das trocas comerciais e distorção efectiva da concorrência - Alcance

[Tratado CE, artigo 92._, n._ 1 (que passou, após alteração, a artigo 87._, n._ 1, CE), e artigo 93._, n.os 1, 2 e 3 (actual artigo 88._, n.os 1, 2 e 3, CE)]

4 Auxílios concedidos pelos Estados - Afectação das trocas comerciais entre Estados-Membros - Atentado à concorrência - Critérios de apreciação - Modicidade do auxílio - Alcance

[Tratado CE, artigo 92._ (que passou, após alteração, a artigo 87._ CE)]

5 Auxílios concedidos pelos Estados - Afectação das trocas comerciais entre Estados-Membros - Atentado à concorrência - Critérios de apreciação - Tomada em consideração dos encargos fiscais que incidem sobre os auxílios - Exclusão

[Tratado CE, artigo 92._ (que passou, após alteração, a artigo 87._ CE)]

6 Auxílios concedidos pelos Estados - Afectação das trocas comerciais entre Estados-Membros - Atentado à concorrência - Critérios de apreciação - Empresa beneficiária do auxílio que não participa, ela própria, nas exportações

[Tratado CE, artigo 92._ (que passou, após alteração, a artigo 87._ CE)]

7 Auxílios concedidos pelos Estados - Auxílios existentes e novos auxílios - Auxílios instituídos antes da liberalização de um mercado inicialmente fechado à concorrência - Qualificação dos auxílios existentes

[Tratado CE, artigo 92._, n._ 1 (que passou, após alteração, a artigo 87._, n._ 1, CE), e artigo 93._, n._ 3 (actual artigo 88._, n._ 3, CE)]

8 Auxílios concedidos pelos Estados - Auxílios existentes - Decisão da Comissão que declara a incompatibilidade de um auxílio com o mercado comum - Limitação dos efeitos no tempo

[Tratado CE, artigo 93._, n.os 1 e 2 (actual artigo 88._, n.os 1 e 2, CE)]

9 Direito comunitário - Interpretação - Actos das instituições - Fundamentação - Tomada em consideração

10 Auxílios concedidos pelos Estados - Recuperação de um auxílio ilegal - Violação do princípio da proporcionalidade - Inexistência - Modalidades de restituição

[Tratado CE, artigo 93._, n._ 2, primeiro parágrafo (actual artigo 88._, n._ 2, primeiro parágrafo, CE)]

11 Auxílios concedidos pelos Estados - Recuperação de um auxílio ilegal - Auxílio concedido em violação das regras processuais do artigo 93._ do Tratado (actual artigo 88._ CE) - Confiança legítima - Circunstâncias excepcionais - Inexistência

[Tratado CE, artigo 93._ (actual artigo 88._ CE)]

12 Actos das instituições - Fundamentação - Obrigação - Alcance - Tomada em consideração do contexto e do conjunto das regras jurídicas

[Tratado CE, artigo 190._ (actual artigo 253._ CE)]

Sumário


1 Nos termos do artigo 104._, n._ 3, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, qualquer pedido de suspensão de execução de um acto de uma instituição deve ser apresentado por requerimento separado. Daqui decorre que um pedido de suspensão apresentado no mesmo requerimento do recurso principal é inadmissível. (cf. n.os 37-38)

2 No âmbito da competência de anulação que lhe é conferida pelo artigo 173._ do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 230._ CE), não incumbe ao juiz comunitário dirigir injunções às instituições comunitárias ou aos Estados-Membros, condenar, a qualquer título, qualquer dos Estados-Membros ou substituir-se às instituições comunitárias. Incumbe à instituição em causa, por força do artigo 176._ do Tratado CE (actual artigo 233._ CE), tomar as medidas que comporta a execução de um acórdão proferido no âmbito de um recurso de anulação, exercendo, sob fiscalização do juiz comunitário, o poder de apreciação de que dispõe para este efeito, respeitando tanto o dispositivo e a fundamentação do acórdão que se encontra vinculada a executar como as disposições do direito comunitário. (cf. n._ 42)

3 A interpretação do artigo 92._, n._ 1, do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 87._, n._ 1, CE), segundo a qual apenas os auxílios que exercem uma incidência efectiva nas trocas comerciais entre Estados-Membros e que falseiam a concorrência seriam objecto desta disposição, é incompatível com o sistema de fiscalização dos auxílios de Estado instituído pelos artigos 92._ e seguintes do Tratado. No âmbito da sua apreciação de novos auxílios que, por força do artigo 93._, n._ 3, do Tratado (actual artigo 88._, n._ 3, CE), lhe devem ser notificados antes de serem postos em prática, a Comissão é, com efeito, chamada a justificar se estes auxílios são susceptíveis de afectar as trocas comerciais entre Estados-Membros e falsear a concorrência.

Uma afectação real das trocas comerciais entre os Estados-Membros e uma distorção efectiva da concorrência não devem também ser determinadas no âmbito do controlo permanente dos auxílios existentes, previsto no artigo 93._, n.os 1 e 2, do Tratado, quando a Comissão deva verificar, em particular, em caso de alteração da situação concorrencial, se os auxílios existentes são ainda compatíveis com o Tratado e, conforme o caso, decidir a eliminação ex nunc dos auxílios que se revelarem incompatíveis.

Por último, na hipótese em que o novo auxílio tenha sido concedido sem ser previamente notificado, a Comissão não está obrigada, nessa medida, a provar a existência de uma incidência real deste auxílio nas trocas comerciais e na concorrência. Com efeito, essa exigência favoreceria os Estados-Membros que concedem auxílios sem observar o dever de notificação, em detrimento daqueles que notificam os auxílios na fase do projecto. (cf. n.os 76-79)

4 A dimensão diminuta das empresas beneficiárias e o montante relativamente fraco dos auxílios concedidos não são susceptíveis de evitar a incidência na concorrência e nas trocas comerciais quando a estrutura do mercado se caracteriza, como no sector dos transportes rodoviários de mercadorias, pela presença de um grande número de empresas de pequena dimensão. Neste contexto, os efeitos de um auxílio, ainda que relativamente fraco, na concorrência e nas trocas comerciais podem não ser negligenciáveis, não podendo esse auxílio ser considerado como tendo fraca importância. (cf. n._ 86)

5 A Comissão não se encontra habilitada, no sistema de controlo dos auxílios de Estado instituído pelo Tratado, para tomar em consideração os encargos fiscais que incidam sobre o montante dos auxílios financeiros concedidos para efeitos de apreciação da sua compatibilidade com o Tratado. Com efeito, esses encargos não se prendem especificamente com o próprio auxílio, mas são cobrados a jusante e incidem sobre os auxílios em causa à semelhança de qualquer outra receita. Não podem, por conseguinte, constituir um elemento relevante para efeitos de avaliação da incidência específica do auxílio nas trocas comerciais e na concorrência e, em particular, da avaliação da vantagem obtida pelos beneficiários desse auxílio em relação às empresas concorrentes que dela não beneficiaram e cujas receitas se encontram igualmente sujeitas a tributação. Ademais, a Comissão não dispõe, regra geral, de dados necessários para a apreciação da incidência dos encargos fiscais na vantagem obtida pela empresa beneficiária. Esta apreciação apenas tem lugar, em princípio, na fase de devolução do auxílio de acordo com as modalidades do direito nacional e é exclusivamente da competência das autoridades do Estado-Membro em causa. (cf. n._ 89)

6 Um auxílio pode ser susceptível de afectar as trocas comerciais entre os Estados-Membros e de falsear a concorrência, ainda que a empresa beneficiária, que se encontra em concorrência com produtores de outros Estados-Membros, não participe, ela própria, nas exportações. Esta situação pode igualmente dar-se quando não exista sobrecapacidade no sector em causa. Com efeito, quando um Estado-Membro concede um auxílio a uma empresa, a produção interna pode ser mantida ou aumentada, daí resultando que as hipóteses de as empresas estabelecidas noutros Estados-Membros exportarem os seus produtos para o mercado deste Estado-Membro sejam diminuídas. (cf. n._ 91)

7 Constituem auxílios existentes os auxílios instituídos antes da entrada em vigor do Tratado ou da adesão do Estado-Membro em causa às Comunidades Europeias e aqueles que puderam ser regularmente postos em execução nas condições previstas pelo artigo 93._, n._ 3, do Tratado (actual artigo 88._, n._ 3, CE).

Do mesmo modo, um regime de auxílios instituído num mercado inicialmente fechado à concorrência deve ser considerado, a partir do momento da liberalização deste mercado, um regime de auxílios existente, na medida em que não se encontra abrangido, no momento da sua instituição, pelo campo de aplicação do artigo 92._, n._ 1, do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 87._, n._ 1, CE), o qual é apenas aplicável aos sectores abertos à concorrência, tendo em conta as condições referidas neste texto, relativas à afectação das trocas comerciais entre os Estados-Membros e às repercussões na concorrência. (cf. n.os 142-143)

8 Auxílios existentes na acepção do artigo 93._, n.os 1 e 2, do Tratado (actual artigo 88._, n.os 1 e 2, CE) apenas podem ser objecto, eventualmente, de uma decisão de incompatibilidade que produz efeitos para o futuro. Com efeito, por força destas disposições e em obediência ao princípio da segurança jurídica, a Comissão, no âmbito do seu controlo permanente dos auxílios existentes, apenas se encontra habilitada a impor a supressão ou a alteração desses auxílios no prazo que determine. Estes podem, portanto, ser regularmente executados enquanto a Comissão não declarar a sua incompatibilidade. (cf. n.os 147-148)

9 O dispositivo de um acto é indissociável da sua fundamentação, de modo que deve ser interpretado, se necessário, tendo em conta os motivos que levaram à sua adopção. (cf. n._ 163)

10 Na medida em que a supressão de um auxílio ilegal mediante recuperação do montante pago, acrescido de juros, é a consequência lógica da verificação da sua incompatibilidade com o mercado comum e visa apenas o restabelecimento da situação anterior, esta obrigação não pode, em princípio, apresentar um carácter desproporcionado relativamente aos objectivos referidos pelos artigos 92._ do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 87._ CE), 93._ e 94._ do Tratado (actuais artigos 88._ CE e 89._ CE). A este respeito, incumbe ao Estado-Membro em causa, quando da devolução do auxílio, determinar as modalidades da restituição de modo a restabelecer a situação concorrencial anterior, sem com isso prejudicar a eficácia do direito comunitário. (cf. n._ 169)

11 Apenas circunstâncias excepcionais podem legitimamente fundamentar a confiança dos beneficiários no carácter regular de um auxílio. Além disso, o reconhecimento desta confiança legítima pressupõe, em princípio, que este auxílio tenha sido concedido respeitando o processo previsto no artigo 93._ do Tratado (actual artigo 88._ CE). Com efeito, um operador económico diligente deve, normalmente, estar em posição de verificar se este processo foi respeitado. (cf. n._ 171)

12 A questão de saber se a fundamentação de um acto satisfaz as exigências do artigo 190._ do Tratado CE (actual artigo 253._ CE) deve ser apreciada não somente tendo em conta o seu teor mas também o seu contexto e o conjunto das regras jurídicas que regem a matéria em causa. (cf. n._ 175)

Partes


Nos processos apensos T-298/97, T-312/97, T-313/97, T-315/97, T-600/97 a T-607/97, T-1/98, T-3/98 a T-6/98 e T-23/98,

Mauro Alzetta, residente em Montereale Valcellina (Itália), e outros 31 recorrentes, conforme lista em anexo, representados por A. Pili, advogado no foro de Pordenone, e por A. Barone e G. Pezzano, advogados no foro de Roma, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório de L. Schiltz, 2, rue du Fort Rheinsheim,

Masotti Srl, com sede em Feletto Umberto (Itália), e outros 30 recorrentes, conforme lista em anexo, representados por R. Petiziol e A. Pergolese, advogados no foro de Udine, via Ginnasio Vecchio, 6, Udine (Itália),

Anna Maria Baldo, residente em Cervignano del Friuli (Itália), e outros 53 recorrentes, conforme lista em anexo,

Amadeo Musso, residente em Rivignano (Itália),

representados por V. Cinque e L. Candriella, advogados no foro de Udine, via Morpurgo, 34, Udine,

Sutes SpA, com sede em Udine (Itália), e outros 33 recorrentes, conforme lista em anexo,

Fabris Carlo & C. Snc, com sede em Pavia di Udine (Itália),

Franco D'Odorico, residente em Capoformido (Itália),

Fiorindo Birri, residente em Manzano (Itália),

Maria Cecilia Framalicco, residente em Ampezzo (Itália),

Autotrasporti di Viola Claudio & CSNC, com sede em Cerpeneto-Pozzuolo del Friuli (Itália),

representados por C. Mussato, advogado no foro de Udine, via Dante, 4, Udine

e

Pietro Stagno, residente em Trieste (Itália),

Fabrizio Cernecca, residente em Trieste,

Trasporti e Spedizioni Internazionali Cossutta Snc, com sede em Trieste,

Giuseppe Camaur, residente em Cormons (Itália),

Cointra Transport and Trade Co. Srl, com sede em Ronchi dei Legionari (Itália),

Autotrasporti Silvano Zottich, com sede em Trieste,

Zootrans Snc, com sede em Passagio di Betona (Itália),

Pauletic Antonio Succ. di Pauletic Igor, residente em Trieste,

representados por M. Clarich e A. Giadrossi, advogados no foro de Trieste, via XXX octobre, 17, Trieste

recorrentes,

apoiados pela

República Italiana, representada pelo professor U. Leanza, chefe do Serviço do Contencioso Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, assistido por O. Fiumara e, durante a audiência, por G. Aiello, avvocati dello Stato, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada de Itália, 5, rue Marie-Adélaïde,

interveniente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por P. F. Nemitz e P. Stancanelli, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, assistidos por M. Moretto, advogado no foro de Veneza, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de C. Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrida,

que têm por objecto um pedido de anulação da Decisão 98/182/CE da Comissão, de 30 de Julho de 1997, relativa aos auxílios concedidos pela Região Friuli-Venezia Giulia (Itália) às empresas de transporte rodoviário de mercadorias de região (JO 1998, L 66, p. 18),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS

(Quarta Secção Alargada),

composto por: R. M. Moura Ramos, presidente, R. García-Valdecasas, V. Tiili, P. Lindh e P. Mengozzi, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 15 de Setembro de 1999,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


Quadro jurídico e factos na origem do litígio

1 Os recorrentes são empresas de transporte rodoviário de mercadorias por conta de outrem estabelecidas na Região Friuli-Venezia Giulia (Itália), que beneficiaram de auxílios de Estado no âmbito de um regime de auxílios regionais não notificado à Comissão. É constante que são, na maior parte, pequenas empresas que exercem apenas uma actividade de transporte local ou regional com um único veículo. Na Decisão 98/182/CE, de 30 de Julho de 1997, relativa aos auxílios concedidos pela Região Friuli-Venezia Giulia (Itália) às empresas de transporte rodoviário de mercadorias da região (JO 1998, L 66, p. 18, a seguir «decisão impugnada»), a Comissão declarou uma parte destes auxílios incompatível com o mercado comum e ordenou a devolução do seu montante acrescido de juros.

Quadro jurídico

2 As disposições gerais relativas aos auxílios de Estado prescritas nos artigos 92._ do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 87._ CE) e 93._ e 94._ do Tratado CE (actuais artigos 88._ CE e 89._ CE) aplicam-se no domínio dos transportes, sem prejuízo da aplicação das disposições especiais do artigo 77._ do Tratado CE (actual artigo 73._ CE) e declaram compatíveis com o Tratado os auxílios que vão ao encontro das necessidades de coordenação dos transportes ou correspondam ao reembolso de certas prestações inerentes à noção de serviço público.

3 O Regulamento (CEE) n._ 1107/70 do Conselho, de 4 de Junho de 1970, relativo aos auxílios concedidos no domínio dos transportes ferroviários, rodoviários e por via navegável (JO L 130, p. 1), alterado em último lugar pelo Regulamento (CE) n._ 543/97 do Conselho, de 17 de Março de 1997 (JO L 84, p. 6), que tem a sua base legal no artigo 75._ do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 71._ CE) e os artigos 77._ e 94._ do Tratado, confirma, no seu artigo 2._, que os artigos 92._ a 94._ do Tratado são aplicáveis no domínio em causa e estabelece, além disso, algumas regras particulares relativas aos referidos auxílios, desde que estes sejam específicos à actividade deste sector. Precisa, assim, os casos e as condições em que os Estados-Membros têm a faculdade de tomar medidas de coordenação ou de impor prestações inerentes à noção de serviço público que incluam a concessão de auxílios de Estado ao abrigo do artigo 77._ do Tratado.

4 Em matéria de coordenação de transportes, o artigo 3._, n._ 1, alínea d), do Regulamento n._ 1107/70 autoriza, até à entrada em vigor de regulamentação comunitária sobre o acesso ao mercado dos transportes, os auxílios concedidos a título excepcional e temporário a fim de eliminar, no âmbito de um plano de saneamento, uma sobrecapacidade que acarrete graves dificuldades estruturais e de contribuir, assim, para uma melhor resposta às necessidades do mercado dos transportes.

5 No âmbito da implementação de uma política comum de transportes, o mercado dos transportes internacionais rodoviários de mercadorias foi parcialmente liberalizado, na Comunidade, pela criação, em 1969, de um regime de contingentamento pelo Regulamento (CEE) n._ 1018/68 do Conselho, de 19 de Julho de 1968, relativo à constituição de um contingente comunitário para os transportes rodoviários de mercadorias efectuados entre Estados-Membros (JO L 175, p. 13). Em 1991 e 1992, por exemplo, o contingente comunitário ascendeu, respectivamente, a 47 094 e 65 936 autorizações, repartidas entre os vários Estados-Membros de acordo com determinado critério. À República Italiana foram atribuídas 5 550 autorizações, em 1991, e 7 770, em 1992. As autorizações comunitárias autorizam os seus titulares a efectuar transportes entre Estados-Membros por um período de um ano. Este regime foi mantido em vigor até 1 de Janeiro de 1993, data da completa liberalização desta actividade pelo Regulamento (CEE) n._ 881/92 do Conselho, de 26 de Março de 1992, relativo ao acesso ao mercado dos transportes rodoviários de mercadorias na Comunidade efectuados a partir do ou com destino ao território de um Estado-Membro, ou que atravessem o território de um ou vários Estados-Membros (JO L 95, p. 1).

6 No que respeita aos transportes de mercadorias num Estado-Membro, o Regulamento (CEE) n._ 4059/89 do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, que fixa as condições de admissão de transportadores não residentes aos transportes nacionais rodoviários de mercadorias num Estado-Membro (JO L 390, p. 3), subordinou, a partir de 1 de Julho de 1990, a cabotagem, ou seja, o transporte de mercadorias no interior de um Estado-Membro por um transportador estabelecido noutro Estado-Membro, a um regime transitório sob a forma de um contingente comunitário sujeito a abertura progressiva. O contingente inicial total era de 15 000 autorizações de cabotagem por um período de dois meses, repartidos entre os Estados-Membros de acordo com determinado critério. Neste contexto, foram atribuídas à República Italiana 1 760 autorizações. O Regulamento (CEE) n._ 3118/93 do Conselho, de 25 de Outubro de 1993, que fixa as condições de admissão de transportadores não residentes aos transportes nacionais rodoviários de mercadorias num Estado-Membro (JO L 279, p. 1), estabeleceu a manutenção deste regime transitório, na forma de um contingente comunitário total inicial de 30 000 autorizações (das quais 3 520 para a República Italiana), com um aumento de 30% por ano, até à implementação definitiva da liberalização completa das actividades de cabotagem a partir de 1 de Julho de 1998.

Auxílios em causa

7 A legge regionale n._ 28 da Região Friuli-Venezia Giulia de 18 de Maio de 1981, relativa às intervenções para a promoção e o desenvolvimento dos transportes na Região Friuli-Venezia Giulia e ao transporte rodoviário de mercadorias por conta de outrem (a seguir «Lei n._ 28/1981») prevê, nos seus artigos 4._, 7._ e 8._, algumas medidas de auxílios a favor de empresas de transporte por conta de outrem estabelecidas no território da região.

8 O regime criado por esta lei foi substituído pela legge regionale n._ 4, de 7 de Janeiro de 1985, relativa a intervenções para a promoção e desenvolvimento dos transportes da Região Friuli-Venezia Giulia e ao transporte rodoviário de mercadorias por conta de outrem (anexo 113 à petição no processo T-313/97, a seguir «Lei n._ 4/1985»). A Lei n._ 4/1985 instituiu, nos seus artigos 4._ a 6._, um regime de auxílios regionais, no essencial, idêntico ao posto em prática pela Lei n._ 28/1981.

9 Estas leis prevêm três medidas a favor de empresas de transporte rodoviário por conta de outrem estabelecidas no território da Região Friuli-Venezia Giulia:

a) o financiamento anual, durante um período máximo de dez anos, até o limite de 60% (para as empresas individuais) e de 70% (para as cooperativas e os grupos de sociedades) da taxa de referência fixada por Decreto Ministerial, dos juros dos empréstimos contratados, tendo em vista (artigos 4._ das Leis n.os 28/1981 e 4/1985):

- a realização de infraestruturas da empresa (construção, compra, aumento, conclusão e modernização dos locais necessários à actividade da empresa, incluindo os destinados ao depósito, ao armazenamento e à manipulação de mercadorias);

- a compra, o desenvolvimento e a renovação dos equipamentos fixos e móveis, bem como dos meios de transporte internos e rodoviários;

b) o financiamento do custo das operações de locação financeira de duração de três ou cinco anos, relativas a veículos, reboques e semi-reboques de primeira mão e as suas carroçarias intermutáveis, adaptadas à actividade de transporte rodoviário de mercadorias, bem como às instalações, às máquinas e equipamentos para a utilização, a manutenção e a reparação de veículos e para a conservação das mercadorias, até ao limite de 25% (para as empresas individuais) e de 30% (para as cooperativas e os grupos de sociedades) do preço de compra dos bens. Este auxílio, previsto nos artigos 7._ da Lei n._ 28/1981 e 4._ da Lei n._ 4/1985, foi reduzido, para todos os beneficiários, a 20% e depois a 15% do preço de compra, por leis regionais posteriores;

c) o financiamento anual, a favor de grupos e de outras formas associativas, até ao limite de 50%, dos investimentos destinados à construção ou à compra de instalações e de equipamentos necessários à prossecução do objecto do grupo ou da associação, ou destinados a contribuir para a gestão e o desenvolvimento dos serviços comuns de garagem, de manutenção e de reparação de veículos, e de instalações de equipamentos conexos (artigo 8._ da Lei n._ 28/1981 e artigo 6._ da Lei n._ 4/1985).

10 Segundo as informações transmitidas à Comissão, em 18 de Novembro de 1996, pelas autoridades italianas, o montante dos créditos previstos para os auxílios referidos no artigo 4._ da Lei n._ 4/1985, para o período compreendido entre 1985 e 1995, ascenderia a 13 000 milhões de ITL (6,7 milhões de euros) e os pedidos deferidos teriam sido 155. Em média, o nível dos auxílios pagos ter-se-ia compreendido entre 13% e 26% dos custos dos juros dos empréstimos. O montante previsto para o período compreendido entre 1981 e 1985 teria atingido 930 milhões de ITL (0,4 milhões de euros) e 14 pedidos teriam sido deferidos durante este período (ponto II da decisão impugnada).

11 De acordo com as mesmas fontes, os créditos previstos para os auxílios referidos no artigo 5._ da Lei n._ 4/1985 teriam atingido 23 300 milhões de ITL (11,8 milhões de euros) durante o período compreendido entre 1985 e 1995, e 1 691 pedidos teriam sido deferidos relativamente a um financiamento médio da ordem de 19% durante este período. Em 1993, 83 pedidos foram deferidos e o nível do auxílio teria sido de 10%. De 1981 a 1985, foram deferidos 305 pedidos e pagos 5 790 milhões de ITL (2,9 milhões de euros) de auxílios (ponto II da decisão impugnada).

12 Segundo as informações comunicadas à Comissão pelo Governo italiano na sequência da abertura do procedimento administrativo, os auxílios concedidos ao abrigo do artigo 6._ da Lei n._ 4/1985 destinavam-se a investimentos no sector do transporte combinado (ponto II, sétimo parágrafo, da decisão impugnada). Resulta da decisão impugnada (ponto VIII, sétimo parágrafo) que estes auxílios representaram 10% a 15% do montante total dos auxílios disponibilizados.

13 A disponibilização dos auxílios referidos foi suspensa a partir de 1 de Janeiro de 1996. Por outro lado, na sequência da adopção da decisão impugnada, a Região Friuli-Venezia Giulia revelou o regime de auxílios previsto pela Lei n._ 4/1985 e tomou as medidas necessárias para a recuperação dos auxílios pagos (v. cartas da Região notificando esta decisão aos recorrentes, escalonadas do mês de Setembro ao mês de Dezembro de 1997, em anexo às petições).

Procedimento administrativo e conteúdo da decisão impugnada

14 Tendo tomado conhecimento da existência da Lei n._ 4/1985 no decurso da análise de um outro processo de auxílio de Estado previstos numa lei regional posterior, a Comissão convidou, por carta de 29 de Setembro de 1995, as autoridades italianas a transmitirem todos os textos legislativos, documentos, informações e dados necessários a fim de apreciar a compatibilidade do regime de auxílios instituído pela Lei n._ 4/1985 com o mercado comum. Nesta carta, a instituição salientou que, na falta de resposta ou em caso de resposta suficiente, adoptaria uma decisão definitiva com base nas informações que possuia. Nesta altura, lembrou igualmente que os Estados-Membros se encontram vinculados a comunicar previamente os projectos com o objectivo de instituir ou de alterar auxílios, e que não podem levar a cabo medidas projectadas antes que o processo previsto tenha merecido uma decisão final.

15 Após troca de correspondência com as autoridades italianas, o texto da lei n._ 4/1985 foi transmitido à Comissão durante uma reunião de 18 de Julho de 1996, tendo-lhe sido fornecidas informações suplementares, em 18 de Novembro de 1996. Numa reunião com os serviços competentes desta instituição, em 13 de Fevereiro de 1997, as autoridades italianas reafirmaram, designadamente, que os transportadores rodoviários da Região Friuli-Venezia Giulia se encontravam numa situação concorrencial desfavorável em relação aos transportadores da Áustria, da Croácia e da Eslovénia.

16 Por carta de 14 de Fevereiro de 1997, a Comissão informou o Governo italiano da sua decisão de dar início ao processo previsto no artigo 93._, n._ 2, do Tratado, relativamente ao regime de auxílios a favor das empresas de transporte rodoviários de mercadorias por conta de outrem, instituídos pelas Leis n.os 4/1985 e 28/1981 (JO 1997, C 98, p. 16). Convidou as autoridades italianas e os terceiros interessados a apresentar as suas observações e a fornecer todos os documentos, informações e dados necessários para a apreciação da compatibilidade dos auxílios em causa com o mercado comum. A Comissão recebeu as observações do Governo italiano em 3 de Abril de 1997 (relatório complementar da Região Friuli-Venezia Giulia, junta à carta da representação permanente da República Italiana de 27 de Março de 1997, a seguir «relatório complementar»). Os recorrentes não apresentaram observações.

17 Em 30 de Julho de 1997, a Comissão deu por terminado o processo, adoptando a decisão impugnada. O dispositivo desta decisão tem a seguinte redacção:

«Artigo 1._

As subvenções concedidas ao abrigo das Leis n.os 28/1981 e 4/1985 da Região Friuli-Venezia Giulia (a seguir referidas como `subvenções') às empresas que efectuam exclusivamente transporte local, regional ou nacional, até 1 de Julho de 1990 não constituem auxílios de Estado para efeitos do n._ 1 do artigo 92._ do Tratado.

Artigo 2._

As subvenções não abrangidas pelo artigo 1._ da presente decisão constituem auxílios estatais para efeitos do n._ 1 do artigo 92._ do Tratado e são ilegais pois foram aplicadas em violação do n._ 3 do artigo 93._

Artigo 3._

As subvenções destinadas ao financiamento de elementos especificamente adaptados ao transporte combinado e utilizados exclusivamente em transporte combinado constituem auxílios para efeitos do n._ 1 do artigo 92._ do Tratado, mas são compatíveis com o mercado comum por força do n._ 1, alínea e), do artigo 3._ do Regulamento (CEE) n._ 1107/70.

Artigo 4._

As subvenções concedidas desde 1 de Julho de 1990 às empresas que efectuam transporte local, regional ou nacional e às empresas que efectuam transporte internacional são incompatíveis com o mercado comum por não cumprirem nenhuma das condições exigidas pelas derrogações previstas nos n.os 2 e 3 do artigo 92._ do Tratado e no Regulamento (CEE) n._ 1107/70.

Artigo 5._

A Itália suprimirá e recuperará o auxílio referido no artigo 4._ O auxílio será reembolsado em conformidade com o direito italiano e será acrescido dos juros de mora, que serão calculados aplicando a taxa de referência utilizada para a avaliação dos regimes de auxílios regionais e correrão a partir do dia em que o auxílio foi pago até à data do reembolso efectivo.

...»

18 Nos fundamentos da decisão impugnada, a Comissão procede a uma distinção, por um lado, entre o mercado do transporte rodoviário de mercadorias a nível nacional, regional e local, e, por outro, o do transporte rodoviário internacional de mercadorias (ponto VII, terceiro a décimo primeiro parágrafos, da decisão impugnada).

19 O primeiro destes mercados foi fechado à concorrência até à entrada em vigor do Regulamento n._ 4059/89, que introduziu os contingentes de cabotagem em 1 de Julho de 1990, pelo que a Comissão deduziu que os auxílios concedidos antes desta data às empresas de transporte que operavam exclusivamente a nível nacional, regional ou local não podiam afectar as trocas intracomunitárias e não constituíam, portanto, auxílios de Estado na acepção do artigo 92._, n._ 1, do Tratado. Em contrapartida, os auxílios concedidos após esta data seriam auxílios de Estado na acepção desta disposição, na medida em que eram susceptíveis de afectar as trocas comerciais entre os Estados-Membros.

20 A Comissão verifica que o mercado do transporte internacional, foi aberto à concorrência intracomunitária a partir de 1969, data de entrada em vigor do Regulamento n._ 1018/68. Daqui deduz que «o auxílio previsto pelas Leis n.os 4/1985 e 28/1981 reforça a posição financeira e as possibilidades de acção das empresas de transporte rodoviário de mercadorias por conta de outrem da Região Friuli-Venezia Giulia em relação às suas concorrentes... desde 1969 para as [empresas] que efectuam transporte internacional, no âmbito das trocas comerciais intracomunitárias, de tal modo que essas trocas podem ver-se afectadas» (ponto VII, último parágrafo, da decisão impugnada).

21 Analisando em seguida se estes auxílios, qualificados de auxílios de Estado, são susceptíveis de beneficiar de uma derrogação, a Comissão considera que os auxílios ao financiamento de material destinado ao transporte combinado podem beneficiar da isenção prevista no artigo 3._, n._ 1, alínea e), do Regulamento n._ 1107/70, relativo aos auxílios com o objectivo de facilitar o desenvolvimento dos transportes combinados. Os outros auxílios em causa (a seguir os «auxílios em causa» ou os «auxílios controvertidos») não podem beneficiar da derrogação prevista no artigo 3._, n._ 1, alínea d), do Regulamento n._ 1107/70, dado a inexistência de uma situação de sobrecapacidade e de um plano de saneamento do sector. Do mesmo modo, as derrogações referidas no artigo 92._, n._ 3, alíneas a) e c), do Tratado, a favor dos auxílios destinados a favorecer o desenvolvimento económico de algumas regiões, não são aplicadas, por um lado, em virtude da falta de plano de desenvolvimento regional que abranga todos os sectores da economia da região e, por outro, devido ao facto de todo o território da Região Friuli-Venezia Giulia não fazer parte das regiões que podem beneficiar de isenções. As derrogações previstas no artigo 92._, n._ 3, alínea c), do Tratado a favor de auxílios sectoriais não se aplicam aos auxílios em causa, uma vez que estes não são acompanhados de qualquer acção de interesse comum, tal como um plano de reestruturação do sector. Além disso, os auxílios às operações de locação financeira relativas à compra de novos veículos constituiriam auxílios ao funcionamento (ponto VIII, décimo terceiro parágrafo, da decisão impugnada).

22 A Comissão concluiu que «o auxílio concedido ao abrigo das Leis n._ 28/1981 e n._ 4/1985 às empresas de transporte rodoviário de mercadorias da Região Friuli-Venezia Giulia que efectuam transportes nacionais desde 1 de Julho de 1990, bem como as que efectuam transportes internacionais, não é compatível com o mercado comum nos termos do artigo 92._ do Tratado» (ponto VIII, último parágrafo, da decisão impugnada).

Tramitação processual

23 Por petições que deram entrada na Secretaria do Tribunal em 2 de Dezembro de 1997 (processo T-298/97), em 11 de Dezembro de 1997 (processos T-312/97 e T-313/97), em 16 de Dezembro de 1997 (processo T-315/97), em 19 de Dezembro de 1997 (processos T-600/97 a T-607/97), em 2 de Janeiro de 1998 (processo T-1/98), em 5 de Janeiro de 1998 (processos T-3/98 a T-6/98) e em 26 de Janeiro de 1998 (processo T-23/98), os recorrentes interpuseram os presentes recursos requerendo a anulação total ou parcial da decisão impugnada.

24 Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 28 de Outubro de 1997, a República Italiana interpôs um recurso requerendo, a título principal, a anulação da decisão impugnada e, a título subsidiário, a anulação desta decisão na parte em que impõe, no seu artigo 5._, a devolução dos auxílios concedidos a partir de 1 de Julho de 1990 (processo C-372/97). Por despacho de 24 de Novembro de 1998, o Tribunal de Justiça decidiu suspender a instância até à prolação do acórdão do Tribunal de Primeira Instância, nos termos do artigo 47._, terceiro parágrafo, do Estatuto CE do Tribunal de Justiça.

25 Por outro lado, a Região Friuli-Venezia Giulia interpôs também um recurso de anulação da decisão impugnada, por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal em 10 de Novembro de 1997 (processo T-288/97). A questão prévia de inadmissibilidade apresentada pela Comissão a propósito deste recurso foi julgada improcedente pelo acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Junho de 1999, Regione autonoma Friuli-Venezia Giulia/Comissão (T-288/97, Colect., p. II-1871). O processo corre os seus termos.

26 Por despacho de 16 de Junho de 1998, o presidente da Primeira Secção Alargada ordenou, a pedido da Comissão e após audição das outras partes, a apensação, para efeitos da fase escrita, da audiência e do acórdão, dos processos T-298/97, T-312/97, T-313/97, T-315/97, T-600/97 a T-607/97, T-1/98, T-3/98 a T-6/98 e T-23/98.

27 Por acto que deu entrada na Secretaria do Tribunal em 28 de Maio de 1998, a República Italiana requereu a sua intervenção no processo em apoio das conclusões dos recorrentes. O presidente da Quarta Secção Alargada admitiu esta intervenção por despacho de 29 de Setembro de 1998. A República Italiana apresentou o seu requerimento de intervenção em 24 de Novembro de 1998. Os recorrentes nos processos T-315/97, T-1/98 e T-3/98 a T-6/98 apresentaram as suas observações escritas a propósito deste requerimento em 5 de Março de 1999. A Comissão apresentou as suas observações escritas sobre este requerimento na sua réplica.

28 Com base no relatório do juiz relator, o Tribunal (Quarta Secção Alargada) decidiu dar início à audiência e, no âmbito de medidas de organização do processo, solicitou às partes que respondessem por escrito a algumas questões. Os recorrentes nos processos T-315/97, T-1/98 e T-3/98 a T-6/98 e a Comissão responderam a estas questões em 13 de Agosto de 1999; o Governo italiano em 1 de Setembro seguinte.

29 Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões do Tribunal na audiência que decorreu em 15 de Setembro de 1999.

Conclusões das partes

30 No processo T-298/97, os recorrentes concluem pedindo ao Tribunal que se digne:

- a título preliminar, ordenar a suspensão da decisão impugnada;

- a título principal, anular a decisão impugnada;

- subsidiariamente, anular o artigo 5._ desta decisão que impõe a recuperação dos auxílios pagos a partir de 1 de Julho de 1990, acrescidos de juros;

- condenar a Comissão nas despesas.

31 No processo T-312/97, os recorrentes concluem pedindo ao Tribunal que se digne:

- a título principal, anular parcialmente a decisão impugnada nos seus artigos 2._, 4._ e 5._;

- subsidiariamente, anular esta decisão na parte em que impõe a recuperação dos auxílios pagos a partir de 1 de Julho de 1990 acrescido de juros;

- subsidiariamente, ainda, anular a decisão impugnada na parte em que impõe a recuperação dos auxílios acrescidos de juros na parte em que diz respeito aos recorrentes;

- subsidiariamente, em terceiro lugar, anular essa decisão na parte em que o montante dos auxílios a recuperar deva, no que respeita aos recorrentes, ser acrescido do montante de juros vencidos à data do pedido de reembolso e, em qualquer caso, na parte dos juros prescritos;

- condenar a Comissão nas despesas.

32 Nos processos T-315/97, T-1/98, T-3/98 a T-6/98, os recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

- a título principal, anular parcialmente a decisão impugnada, na parte em que afecta os interesses legítimos e os direitos dos recorrentes;

- subsidiariamente, anular esta decisão na parte em que impõe a recuperação dos auxílios pagos a partir de 1 de Julho de 1990, acrescidos de juros;

- subsidiariamente, ainda, anular a decisão impugnada na parte em que impõe o acréscimo dos juros ao montante dos auxílios a recuperar;

- subsidiariamente, em terceiro lugar, decidir que as quantias que devem ser recuperadas sejam imputadas ao Estado Italiano, único responsável pela irregularidade;

- condenar a Comissão nas despesas.

33 Nos processos T-313/97 e T-23/98, os recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

- a título principal, anular integralmente a decisão impugnada;

- a título subsidiário, anular esta decisão na parte em que impõe a recuperação dos subsídios pagos a partir de 1 de Julho de 1990, acrescidos dos correspondentes juros;

- a título subsidiário, ainda, anular esta decisão, limitando a obrigação de restituição à diferença entre o auxílio bruto pago e o benefício efectivamente obtido, calculado pela subtracção ao subsídio bruto dos encargos fiscais cobrados, excluindo, em qualquer caso, a obrigação de restituição de juros ou, pelo menos, recalculando-os - uma vez que não foi provada a má fé dos beneficiários - tendo em conta não a data do pagamento do auxílio mas [em conformidade com as disposições do artigo 2033._ do códice civile (Código Civil italiano) a partir da data da entrada do processo] a data da entrada do processo;

- condenar a recorrida nas despesas.

34 Nos processos T-600/97 a T-607/97, os recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

- anular a decisão impugnada;

- a título subsidiário, anular esta decisão na parte em que impõe a recuperação dos auxílios pagos a partir de 1 de Julho de 1990, acrescido de juros;

- a título subsidiário, ainda, anular a decisão impugnada na parte em que impõe o acréscimo de juros ao montante dos auxílios a recuperar.

35 Nos processos apensos, o Governo italiano, interveniente em apoio das conclusões dos recorrentes, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

- a título principal, anular integralmente a decisão impugnada;

- a título subsidiário, anular esta decisão na parte em que impõe a recuperação dos auxílios concedidos, acrescidos de juros;

- condenar a Comissão nas despesas.

36 A recorrida conclui pedindo que o Tribunal se digne:

- julgar, na íntegra, os recursos improcedentes;

- condenar os recorrentes nas despesas.

Quanto ao pedido de suspensão da decisão impugnada

37 Nos termos do artigo 104._, n._ 3, do Regulamento de Processo do Tribunal, qualquer pedido de suspensão de execução de um acto de uma instituição deve ser apresentado por requerimento separado.

38 Daqui decorre que um pedido de suspensão apresentado no mesmo requerimento do recurso principal é inadmissível (acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Janeiro de 1965, Officine elettromeccaniche Merlini/Alta Autoridade, 108/63, Colect., pp. 1, 12, e despacho do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Junho de 1995, Kik/Conselho e Comissão, T-107/94, Colect., p. II-1717, n._ 38).

39 No caso concreto, o pedido de suspensão da decisão impugnada, formulado no requerimento do presente recurso de anulação no processo T-298/97, deve, por isso, ser declarado inadmissível.

Quanto à incompetência do Tribunal no que respeita aos pedidos de imputação ao Estado Italiano das quantias que devem ser recuperadas e de limitação do montante deste reembolso

40 Nos processos T-315/97, T-1/98 e T-3/98 a T-6/98, os recorrentes pedem, a título subsidiário, que o Tribunal impute o reembolso dos auxílios pagos ao Estado-Membro em causa, na medida em que é o único responsável pela eventual irregularidade resultante da falta de alteração do regime de auxílios em causa.

41 Nos processos T-313/97 e T-23/98, requerem, subsidiariamente, a limitação, pelo Tribunal, do montante do auxílio a restituir, subtraindo ao montante bruto do auxílio o montante dos encargos fiscais cobrados. Requerem igualmente que o Tribunal exclua a obrigação de pagamento de juros ou, subsidiariamente, de apenas considerar o seu cômputo a partir da data do pedido de restituição, em aplicação do artigo 2033._ do codice civile.

42 Ora, no âmbito da competência de anulação que lhe é conferida pelo artigo 173._ do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 230._ CE), não incumbe ao juiz comunitário dirigir injunções às instituições comunitárias ou aos Estados-Membros, condenar, a qualquer título, qualquer dos Estados-Membros ou substituir-se às instituições comunitárias. Incumbe à instituição em causa, por força do artigo 176._ do Tratado CE (actual artigo 233._ CE), tomar as medidas que comporta a execução de um acórdão proferido no âmbito de um recurso de anulação, exercendo, sob fiscalização do juiz comunitário, o poder de apreciação de que dispõe para este efeito, respeitando tanto o dispositivo e a fundamentação do acórdão que se encontra vinculada a executar como as disposições do direito comunitário (v., designadamente, despacho do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Novembro de 1993, Koelman/Comissão, T-56/92, Colect., p. II-1267, n._ 18, e os acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Novembro de 1995, France-aviation/Comissão, T-346/94, Colect., p. II-2841, n._ 42, e de 16 de Setembro de 1998, IECC/Comissão, T-133/95 e T-204/95, Colect., p. II-3645, n._ 52).

43 No caso concreto, a condenação do Estado-Membro em causa a reembolsar os auxílios que foram irregularmente pagos aos recorrentes pela Região Friuli-Venezia Giulia não é da competência do Tribunal.

44 Por outro lado, o Tribunal não pode substituir-se ao Estado-Membro em causa para determinar as modalidades de recuperação dos auxílios considerando, no caso em apreço, as obrigações fiscais nacionais, a fim de repor a situação anterior (v., infra, n._ 89). Do mesmo modo, não lhe compete substituir-se à Comissão no que respeita à decisão relativa à recuperação dos auxílios acrescidos de juros.

45 Os pedidos acima referidos devem, por isso, ser declarados inadmissíveis.

Quanto aos pedidos de anulação

Quanto ao alcance da intervenção do Governo italiano

46 Na sua tréplica, a Comissão observa, preliminarmente, que as conclusões apresentadas pelos recorrentes, nos vários processos apensos, e pela República Italiana não são coincidentes. Alguns recorrentes requerem, a título principal, a anulação dos artigos 2._, 4._ e 5._ da decisão impugnada. Outros, tal como o Governo italiano, concluem pedindo a anulação desta decisão na sua íntegra.

47 Assim, a Comissão pede que o Governo italiano seja convidado a precisar quais os recorrentes em apoio dos quais pretende intervir.

48 A este respeito, basta verificar que, tendo sido ouvidas as partes, a intervenção do Governo italiano em apoio das conclusões do conjunto dos recorrentes nos presentes processos foi admitida por despacho do presidente da Quarta Secção Alargada de 29 de Setembro de 1998.

49 Nestes termos, não é necessário precisar o alcance da intervenção do Governo italiano e o pedido da requerida deve, por isso, ser julgado improcedente.

Quanto ao mérito dos pedidos de anulação

50 Em apoio dos seus pedidos de anulação, os recorrentes invocam, substancialmente, vários fundamentos que necessitam ser agrupados e analisados do seguinte modo: em primeiro lugar, a violação do artigo 92._, n._ 1, do Tratado e o vício de falta de fundamentação, em segundo, a violação do artigo 92._, n._ 3, do Tratado e do artigo 3._, n._ 1, alínea d), do Regulamento n._ 1107/97, e o vício de falta de fundamentação, em terceiro lugar, a qualificação incorrecta dos auxílios controvertidos como novos auxílios e, em quarto, a violação dos princípios de protecção da confiança legítima e de proporcionalidade, bem como a falta de fundamentação no que respeita à recuperação dos auxílios.

Quanto à violação do artigo 92._, n._ 1, do Tratado e ao vício de falta de fundamentação

- Argumentos das partes

51 Os recorrentes alegam que a decisão impugnada enferma de erro de direito, de erro manifesto de apreciação e de fundamentação insuficiente, no que respeita à aplicação do artigo 92._, n._ 1, do Tratado.

52 A Comissão ter-se-ia limitado a invocar a mera possibilidade de as trocas comerciais entre Estados-Membros terem sido afectadas e não teria demonstrado a existência de uma ameaça real e concreta de distorções da concorrência. Sob estes vários aspectos, a decisão impugnada careceria de fundamentação suficiente.

53 No processo T-312/97, os recorrentes são de opinião que o mero facto de um auxílio ser susceptível de afectar as trocas comerciais e/ou de falsear a concorrência não é suficiente para que este auxílio seja incompatível com o mercado comum. O artigo 92._, n._ 1, do Tratado apenas se aplica se o auxílio em causa afectar as trocas comerciais entre os Estados-Membros (acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de Fevereiro de 1977, Benedetti, 52/76, Recueil, p. 163; Colect., p. 67, n._ 2 do dispositivo) e reforçar a posição de uma empresa em relação a outras empresas concorrentes nas trocas intracomunitárias (acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Setembro de 1994, Espanha/Comissão, C-278/92 a C-280/92, Colect., p. I-4103, n._ 40).

54 O conjunto dos recorrentes alegam que, no caso concreto, os auxílios controvertidos não são susceptíveis de afectar as trocas comerciais entre Estados-Membros e de alterar a concorrência, por três razões. Em primeiro lugar, o seu montante seria demasiado diminuto. Em segundo, as empresas beneficiárias operariam habitualmente dentro dos limites do território regional e, em terceiro, estes auxílios preencheriam uma função «compensatória» no âmbito de uma situação de desvantagem concorrencial objectiva.

55 Em primeiro lugar, o montante total muito modesto dos auxílios em causa provaria que estes não podem ter incidência nas trocas comerciais e na concorrência. Estes auxílios deveriam logicamente ser assimilados aos auxílios qualificados «de minimis», isentos da obrigação de notificação, referidos no ponto 3.2 do enquadramento comunitário dos auxílios a pequenas e médias empresas adoptado pela Comissão em 20 de Maio de 1992 (JO 1992, C 213, p. 2), alterado posteriormente, quanto a este aspecto, pela comunicação de 6 de Março de 1996 relativa aos auxílios de minimis (JO 1996, C 68, p. 9) e substituído pelo enquadramento comunitário dos auxílios de Estado às pequenas e média empresas de 23 de Julho de 1996 (JO 1996, C 213, p. 4). Este enquadramento comunitário de 20 de Maio de 1992 (ponto 1.6) excluiria, com efeito, do seu âmbito de aplicação os auxílios concedidos no sector dos transportes, com o fundamento de que se encontram submetidos a regras especiais.

56 Os recorrentes no processo T-312/97 salientam que a jurisprudência invocada pela Comissão, segundo a qual a diminuta importância dos auxílios concedidos a empresas de pequena dimensão não exclui, a priori, que sejam afectadas as trocas comerciais, estabelece na realidade uma presunção de compatibilidade desses auxílios com o direito comunitário, sem prejuízo da prova em contrário (acórdãos do Tribunal de Justiça de 21 de Março de 1990, Bélgica/Comissão, designado «Tubemeuse», C-142/87, Colect., p. I-959, n._ 43, e de 28 de Abril de 1993, Itália/Comissão, C-364/90, Colect., p. I-2097, n._ 24). No caso concreto, a Comissão teria invertido o ónus da prova.

57 Os recorrentes no processo T-313/97 e T-23/98 lembram que o montante total dos auxílios pagos a mais de 300 empresas, entre 1 de Julho de 1990 e 31 de Dezembro de 1995, apenas atingiu 17 mil milhões de ITL, ao qual é necessário subtrair o montante dos auxílios a favor do transporte combinado que a Comissão declarou compatíveis com o Tratado. Seria, além disso, necessário deduzir desta quantia a totalidade dos encargos fiscais incidentes sobre os auxílios concedidos, os quais representariam cerca de 70% do seu montante.

58 Os recorrentes no processo T-298/97 invocam a dimensão negligenciável dos auxílios e o número pouco elevado de beneficiários. A Comissão não teria tido em conta estes elementos e, nomeadamente, o facto de 80% dos beneficiários dos auxílios concedidos depois de 1981 serem empresas muito pequenas que exercem, com um único veículo, uma actividade de transporte local ou regional. Teria referido, na decisão impugnada, que 2 202 pedidos foram atendidos, de 1981 a 1995, sem verificar o número de auxílios concedidos durante o período em causa, ou seja de 1990 a 1995. Além disso, estendeu o alcance da sua apreciação, de modo geral e indistinto, a dados globais relativos ao período 1985/1995, o que constituiria um erro de raciocínio que viciaria as apreciações formuladas na decisão impugnada. Em particular, quanto aos auxílios previstos pelo artigo 5._ da Lei n._ 4/1985 relativamente às operações de locação financeira, os pedidos aceites entre os meses de Julho de 1990 e de Dezembro de 1995 representariam certamente menos da metade do número total de 1 691 pedidos aceites indicados pela Comissão relativamente ao período 1985/1995, tendo em conta a forte diminuição destes pedidos no decurso dos anos deste período.

59 Em segundo lugar, a quase totalidade dos beneficiários dos auxílios em causa exerceria as suas actividades dentro dos limites do território regional. Neste contexto, a Comissão não teria feito prova da existência de um risco de incidência dos auxílios nas trocas comerciais e na concorrência. Não teria provado, nomeadamente, que algumas empresas comunitárias titulares de uma autorização de cabotagem teriam sofrido prejuízos causados pelos auxílios controvertidos. Ter-se-iam limitado a verificar que, após 1 de Julho de 1990, as empresas da Região Friuli-Venezia Giulia são, em princípio, concorrenciais com qualquer outro transportador italiano ou comunitário que efectue cabotagem em Itália, sem sequer demonstrar que os transportes comunitários tinham tido efectivamente acesso ao mercado italiano, o que teria pressuposto, pelo menos, o não esgotamento do contingente comunitário. Ora, uma vez que foi esgotado este contingente, encontra-se excluída, por isso, qualquer concorrência.

60 A Comissão deveria ter produzido a mesma prova relativamente às empresas que operam no mercado do transporte internacional até ao fim do regime de contingentamento, em 31 de Dezembro de 1992, tendo particularmente em conta o facto de os transportadores rodoviários da Região Friuli-Venezia Giulia apenas deterem uma parte marginal deste mercado, pelo que a incidência neste dos auxílios em causa teria sido insignificante. Com efeito, estes transportadores apenas efectuariam esporadicamente transportes internacionais, devido aos limites de trânsito impostos pela República da Áustria («ecopontos», veículos ecológicos e não ruidosos, peso máximo após 1994) e a prática contratual no sector industrial da região em causa (vendas à saída da fábrica competindo ao comprador estrangeiro o encargo de proceder ao transporte; escolha de um transportador estrangeiro, mesmo no caso de venda no destino).

61 Além disso, no processo T-312/97, os recorrentes salientam que, contrariamente ao que alega a Comissão, a circunstância de a maioria das empresas beneficiárias dos auxílios em causa exercerem exclusivamente a sua actividade a nível local é absolutamente relevante. Com efeito, os meios de transporte geralmente utilizados no transporte internacional apresentam características diferentes de os empregues no transporte interno. Ademais, seria necessária uma autorização específica para os transportes internacionais.

62 De acordo com os recorrentes no processo T-298/97, o esgotamento do contingente comunitário revela que o mercado não foi afectado pelos auxílios em causa. Por outro lado, a Comissão não justificou se este contingente afectou ou não a concorrência, pelo que não pode determinar qual a importância das trocas comerciais e da concorrência no mercado em causa nem determinar que os auxílios em causa tiveram neste qualquer incidência.

63 A este respeito, o conjunto dos recorrentes salientou na audiência que, segundo o relatório da Comissão sobre a execução do Regulamento n._ 3118/93, de 4 de Fevereiro de 1998 [COM (1998) 47 final], mencionado por esta instituição nas suas respostas escritas às questões do Tribunal, a liberalização do mercado de cabotagem apenas teve um impacto extremamente limitado nas trocas comerciais. Em 1995, a cabotagem teria representado, em média, menos de 0,3% dos fluxos de tráfego a nível nacional. Os transportadores italianos teriam detido 4% do mercado de cabotagem na Comunidade e a Região Friuli-Venezia Giulia teria representado 4% do mercado italiano.

64 Em terceiro lugar, de acordo com o conjunto dos recorrentes, os auxílios em causa não foram susceptíveis de afectar as trocas comerciais entre Estados-Membros e de falsear a concorrência, na medida em que, pelo contrário, permitiram um alinhamento financeiro da situação concorrencial dos transportes rodoviários da Região Friuli-Venezia Giulia com a dos seus concorrentes. Com efeito, os primeiros encontrariam-se desfavorecidos em relação aos transportadores rodoviários estabelecidos noutros Estados-Membros devido a taxas de desconto mais elevadas e, relativamente aos estabelecidos noutras regiões de Itália, devido a uma situação geográfica que os expõe à concorrência de transportadores rodoviários austríacos, croatas e eslovenos, os quais beneficiariam, nomeadamente, de auxílios de Estado e de uma fiscalidade menos pesada.

65 No processo T-298/97, os recorrentes salientam, a este respeito, que os auxílios compensatórios são apenas proibidos quando visam favorecer as empresas comunitárias em relação às estabelecidas noutros Estados-Membros, e não quando são objectivamente justificadas por razões económicas, tais como a necessidade de lutar contra a concorrência exercida pelas importações de países terceiros favorecidos por uma situação privilegiada (acórdãos do Tribunal de Justiça de 2 de Fevereiro de 1988, Van der Kooy e o./Comissão, 67/85, 68/85 e 70/85, Colect., p. 219, e de 29 de Fevereiro de 1996, Bélgica/Comissão, C-56/93, Colect., p. I-723). No caso concreto, os auxílios em causa teriam respondido à necessidade de evitar a erosão da parte muito modesta do mercado de transporte internacional detida pelos transportadores rodoviários da Região Friuli-Venezia Giulia a favor dos operadores austríacos, croatas e eslovenos que beneficiam de uma situação privilegiada a qual não poderia ser eliminada por via de acordos bilaterais.

66 No que toca às taxas de desconto, os recorrentes nos processos T-313/97 e T-23/98 salientam que apenas a Espanha tinha taxas superiores às praticadas em Itália. As taxas aplicadas no Reino Unido apenas teriam ultrapassado as taxas aplicadas em Itália em 1990 e no decurso dos dois primeiros meses de 1991. A depreciação da lira italiana, a partir de 1992, não teria sido susceptível de contrabalançar a diferença entre as taxas de desconto oficiais. Para além disso, contrariamente às taxas de desconto, as divisas flutuariam rapidamente.

67 Nos processos T-312/97, T-315/97, T-1/98 e T-3/98 a T-6/98, os recorrentes alegam que, contrariamente às alegações da Comissão, a distorção da concorrência resultante da situação privilegiada dos transportadores austríacos, eslovenos e croatas não se repercute de igual modo em todos os transportadores comunitários. Teria uma incidência maior em Itália e, mais especificamente, na Região Friuli-Venezia Giulia, devido à sua situação geográfica, a qual obrigaria os transportadores rodoviários aí estabelecidos a efectuar investimentos consideráveis para se conformarem à regulamentação austríaca, impedindo-os, assim, de ser competitivos. A parte de mercado das empresas italianas do sector dos transportes comunitários encontrar-se-ia, por isso, em constante diminuição.

68 Além disso, a Comissão não teria provado que os auxílios em causa eram de natureza a afectar as trocas intracomunitárias, uma vez que não especificou os elementos em que se baseou. Ora, uma decisão que não contenha indicações relativas à situação do mercado considerado, à parte da empresa beneficiária do auxílio neste mercado, aos cursos de trocas de produtos em causa entre os Estados-Membros e às exportações da empresa, não dá satisfação à exigência de fundamentação (acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Março de 1985, Países Baixos e Leeuwarder Papierwarenfabriek/Comissão, 296/82 e 318/82, Recueil, p. 809, n._ 24).

69 A República Italiana, interveniente em apoio das conclusões dos recorrentes, considera que os auxílios em causa não afectam as trocas comerciais entre Estados-Membros e não são susceptíveis de falsear a concorrência. Faz sua a argumentação dos recorrentes relativa à importância mínima destes auxílios, tendo em conta a circunstância de que os beneficiários são, na maior parte dos casos, pequenas ou muito pequenas empresas que exercem a sua actividade exclusivamente a nível local, bem como a circunstância relativa à situação geográfica desfavorável da Região Friuli-Venezia Giulia e da necessidade de defender a diminuta parte de mercado do transporte internacional detida pelas empresas estabelecidas nesta região contra a concorrência das empresas de transporte rodoviário austríacas, croatas e eslovenas que beneficiam de auxílios de Estado e de privilégios que não puderam ser eliminados por via de acordos bilaterais. Além disso, quanto aos transportes internacionais, a Comissão não teve em conta o facto de que a parte de mercado detida pelos transportadores rodoviários da Região Friuli-Venezia Giulia era de tal modo marginal que os auxílios em causa apenas tiveram uma incidência insignificante.

70 A Comissão entende, por seu lado, que as condições de aplicação do artigo 92._, n._ 1, do Tratado se encontram verificadas no caso concreto. Em primeiro lugar, a importância relativamente fraca de um auxílio ou as dimensões relativamente diminutas da empresa beneficiária não excluem, a priori, que esse auxílio seja susceptível de afectar as trocas comerciais entre os Estados-Membros e de falsear a concorrência (acórdãos Tubemeuse, já referido, n._ 43, e Itália/Comissão, já referido, n._ 24).

71 No caso concreto, o mercado do transporte rodoviário de mercadorias caracteriza-se pela presença de várias empresas de pequena dimensão, pelo que uma intervenção, ainda que modesta, do Estado, a favor de algumas de entre elas, acarretaria repercussões consideráveis noutras empresas, afectando tanto as trocas intracomunitárias como a concorrência. Esta a razão pela qual este sector foi especificamente excluído do campo de aplicação da regra de minimis em matéria de auxílios de Estado. Além disso, dada a sua intensidade, a sua duração e a amplitude dos custos relevantes, os auxílios em causa teriam um nível considerado, normalmente, como susceptível de acarretar uma distorção da concorrência, mesmo em sectores menos sensíveis.

72 A Comissão afasta a tese defendida pelos recorrentes nos processos T-312/97, T-313/97 e T-23/98, segundo a qual teria que ter tido em conta a incidência dos encargos fiscais nos auxílios em causa. Esta argumentação, que não foi formulada no âmbito do procedimento administrativo, seria inadmissível no presente processo por força da regra de que os fundamentos invocados no âmbito do recurso devem ser concordantes com os invocados no decurso do procedimento administrativo. Em qualquer hipótese, a mesma não teria qualquer fundamento.

73 Em segundo lugar, a circunstância de a maior parte das empresas beneficiárias dos auxílios em causa operar exclusivamente a nível local, regional e nacional, não é susceptível de excluir uma eventual repercussão destes auxílios nas trocas comerciais e na concorrência. Essas empresas teriam tido acesso ao mercado de cabotagem, aberto à concorrência comunitária a partir de 1 de Julho de 1990. Além do mais, teriam tido acesso ao mercado dos transportes internacionais, dado que os meios utilizados a nível local podem, na maior parte dos casos, ser empregues neste tipo de transportes.

74 Acresce que, a capacidade das empresas de transporte da Região Friuli-Venezia Giulia pôde ser mantida ou aumentada em virtude da concessão dos auxílios em causa, o que teria reduzido as oportunidades das empresas estabelecidas noutros Estados-Membros de efectuar cabotagem em Itália. Estas teriam podido pedir e obter autorizações para realizar serviço de cabotagem em qualquer Estado-Membro e abster-se de executar este tipo de prestação no mercado italiano. Nestas circunstâncias, o esgotamento do contingente comunitário não é susceptível de excluir que os auxílios controvertidos falseiem a concorrência e prejudiquem as trocas comerciais entre Estados-Membros.

75 Em terceiro lugar, a Comissão refuta a argumentação de que os auxílios em causa não teriam reforçado a posição financeira das empresas beneficiárias, mas apenas compensado uma situação de desvantagem concorrencial. Os transportadores rodoviários da Região Friuli-Venezia Giulia não se encontrariam desfavorecidos em relação aos seus concorrentes em razão da sua implantação nesta região. No que toca às normas impostas pela República da Áustria, existiria, desde 1972, entre os países membros da Associação Europeia de Comércio Livre (AECL) e a Comunidade, acordos que contêm também disposições em matéria de transporte rodoviário. Por outro lado, o sistema de «ecopontos» não foi instituído unilateralmente por este Estado mas sim com base num acordo com a Comunidade, o qual prevê vantagens particulares para a República Italiana, tendo em conta a sua proximidade geográfica. As condições de concorrência no âmbito dos transportes efectuados em Itália por empresas croatas e eslovenas dependem de acordos bilaterais celebrados entre a República Italiana e as Repúblicas da Croácia e da Eslovénia, bem como de fiscalizações efectuadas para garantia da sua aplicação. Além disso, uma vez que as desvantagens invocadas pelos recorrentes afectam o conjunto dos transportadores da Comunidade, não podem justificar a concessão de auxílios de Estado a título de compensação.

- Apreciação do Tribunal

76 Importa rejeitar, liminarmente, a interpretação restritiva do artigo 92._, n._ 1, do Tratado, proposta pelos recorrentes no processo T-312/97, segundo a qual apenas os auxílios que exercem uma incidência efectiva nas trocas comerciais entre Estados-Membros e que falseiam a concorrência seriam objecto desta disposição.

77 Esta interpretação puramente literal é incompatível com o sistema de fiscalização dos auxílios de Estado instituído pelos artigos 92._ e seguintes do Tratado. No âmbito da sua apreciação de novos auxílios que, por força do artigo 93._, n._ 3, do Tratado, lhe devem ser notificados antes de serem postos em prática, a Comissão é, com efeito, chamada a justificar se estes auxílios são susceptíveis de afectar as trocas comerciais entre Estados-Membros e falsear a concorrência.

78 Uma afectação real das trocas comerciais entre os Estados-Membros e uma distorção efectiva da concorrência não devem também ser determinadas no âmbito do controlo permanente dos auxílios existentes, previsto no artigo 93._, n.os 1 e 2, do Tratado, quando a Comissão deva verificar, em particular, em caso de alteração da situação concorrencial, se os auxílios existentes são ainda compatíveis com o Tratado e, conforme o caso, decidir a eliminação ex nunc dos auxílios que se revelarem incompatíveis (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Março de 1994, Banco Exterior de España, C-387/92, Colect., p. I-877, n.os 15 e 20).

79 Por último, na hipótese em que o novo auxílio tenha sido concedido sem ser previamente notificado, a Comissão não está obrigada, nessa medida, a provar a existência de uma incidência real deste auxílio nas trocas comerciais e na concorrência. Com efeito, segundo uma jurisprudência bem estabelecida, essa exigência favoreceria os Estados-Membros que concedem auxílios sem observar o dever de notificação, em detrimento daqueles que notificam os auxílios na fase do projecto (acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 1990, França/Comissão, C-301/87, Colect., p. I-307, n.os 32 e 33, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Abril de 1998, Vlaams Gewest/Comissão, T-214/95, Colect., p. II-717, n._ 67).

80 A análise da jurisprudência confirma que constituem auxílios de Estado abrangidos pelo artigo 92._, n._ 1, do Tratado, aqueles que ameacem falsear a concorrência e sejam susceptíveis de ter uma incidência nas trocas comerciais entre Estados-Membros. No seu acórdão Tubemeuse, já referido (n.os 35 a 40), o Tribunal de Justiça admitiu, assim, que os auxílios concedidos à empresa SA des Usines à tubes de la Meuse-Tubemeuse, cujas exportações para fora da Comunidade representavam, à data da adopção da decisão impugnada, cerca de 90% do volume de negócios, preenchiam estas condições com o fundamento de que, no contexto do caso concreto, o objectivo desta empresa era o de se orientar para outros mercados e «uma reorientação das actividades de[sta] para o mercado interno comunitário era, portanto, razoavelmente previsível». No mesmo sentido, apesar de não haver trocas comerciais entre os Estados-Membros na altura do pagamento do subsídio, o Tribunal de Primeira Instância considerou, no seu acórdão de 6 de Julho de 1995, AITEC e o./Comissão (T-447/93 a T-449/93, Colect., p. II-1971, n.os 139 e 141), que a Comissão era obrigada, à data deste pagamento, a analisar «os efeitos previsíveis» do auxílio na concorrência e no comércio intracomunitário (v., igualmente, acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Setembro de 1980, Philip Morris/Comissão, 730/79, Recueil, p. 2671, n._ 12).

81 Além disso, em matéria de auxílios de Estado, as condições relativas, respectivamente, à incidência nas trocas comerciais entre Estados-Membros e à distorção da concorrência encontram-se, regra geral, indissociavelmente ligadas. Confirmando a solução consagrada por uma jurisprudência mais antiga (acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Julho de 1974, Itália/Comissão, 173/73, Colect., p. 357, n.os 25, 44 e 45), o Tribunal de Justiça declarou, no seu acórdão Philip Morris/Comissão, já referido (n._ 11), que, «quando um auxílio financeiro concedido por um Estado ou através de receitas de Estado reforça a posição de uma empresa relativamente a outras empresas concorrentes nas trocas comerciais intracomunitárias, estas últimas devem ser consideradas influenciadas pelo auxílio» (v., também, as conclusões do advogado-geral Capotorti neste processo, Recueil, pp. 2693, 2697; no mesmo sentido, v. acórdão Espanha/Comissão, já referido, n._ 40, e o acórdão Vlaams Gewest/Comissão, já referido, n._ 50).

82 No caso em apreço, a Comissão desenvolveu um raciocínio semelhante na decisão impugnada. Verificou, em primeiro lugar, que os auxílios em causa reduziam os custos normais das empresas de um sector particular, o transporte rodoviário de mercadorias por contra de outrem, numa região particular, a Região Friuli-Venezia Giulia, o que podia acarretar uma distorção da concorrência (ponto VI, último parágrafo, da decisão impugnada). Concluiu que, «reforçando a posição das empresas de um sector particular que participam nas trocas comerciais intracomunitárias, estas devem ser consideradas afectadas para efeitos do n._ 1 do artigo 92._ do Tratado» (ponto VII, último parágrafo, da decisão impugnada).

83 Importa, assim, analisar o mérito destas apreciações tendo em vista as circunstâncias do caso concreto e as várias críticas formuladas pelos recorrentes.

84 Em primeiro lugar, quanto ao montante pretensamente mínimo dos auxílios controvertidos e da dimensão relativamente diminuta das empresas beneficiárias, o Tribunal, chamado a pronunciar-se numa questão semelhante no processo que deu origem ao acórdão Vlaams Gewest/Comissão, já referido, considerou, neste acórdão (n._ 46), que «embora a vantagem [concedida a uma empresa, num sector caracterizado por uma intensa concorrência] seja reduzida, a concorrência é falseada de modo reduzido, mas é, apesar disso, falseada. Ora, a proibição referida no artigo 92._, n._ 1, do Tratado aplica-se a qualquer auxílio que falseie ou ameace falsear a concorrência, independentemente do montante, na medida em que afecta as trocas comerciais entre os Estados-Membros». Quanto a este último aspecto, precisou que «mesmo um auxílio de uma importância relativamente pequena é susceptível de afectar as trocas comerciais entre os Estados-Membros, quando, como no caso em apreço, o sector no qual opera a empresa que dele beneficia se caracteriza por uma forte concorrência» (n._ 49). Como foi recordado (v., supra, n._ 81), o Tribunal fundamentou esta decisão no facto de, quando um auxílio de Estado reforça a posição de uma empresa em relação a outras empresas concorrentes nas trocas intracomunitárias, estas últimas devem considerar-se influenciadas pelo auxílio (n.os 48 a 50 do acórdão; v., também, os acórdãos do Tribunal de Justiça de Tubemeuse, já referido, n._ 43; de 21 de Março de 1991, Itália/Comissão, C-303/88, Colect., p. I-1433, n._ 27, e Espanha/Comissão, já referido, n._ 42).

85 Além disso, contrariamente às alegações dos recorrentes no processo T-312/97, o acórdão de 28 de Abril de 1993, Itália/Comissão, já referido, não estabelece qualquer presunção de compatibilidade relativamente aos auxílios de Estado pagos a pequenas ou médias empresas. Precisa apenas o âmbito do poder de apreciação da Comissão relativamente a esses auxílios, indicando que «os interesses desta categoria de empresas permitem à Comissão uma maior flexibilidade na apreciação da compatibilidade dos auxílios com o Tratado» (n._ 24 do acórdão).

86 Sob este aspecto, a Comissão salienta correctamente que a dimensão diminuta das empresas beneficiárias e o montante relativamente fraco dos auxílios concedidos não são susceptíveis de evitar a incidência na concorrência e nas trocas comerciais quando a estrutura do mercado se caracteriza, como no sector dos transportes rodoviários de mercadorias, pela presença de um grande número de empresas de pequena dimensão. Neste contexto, os efeitos de um auxílio, ainda que relativamente fraco, na concorrência e nas trocas comerciais podem não ser negligenciáveis, não podendo esse auxílio ser considerado como tendo fraca importância. A este respeito, a comunicação de 6 de Março de 1996, relativa aos auxílios de minimis, já referida (quarto parágrafo), que «apresenta sobretudo interesse para as PME», exclui o sector dos transportes do seu domínio de aplicação.

87 Além disso, tendo em conta a estrutura do mercado descrita no número precedente e a multiplicidade das operações em causa, não se pode exigir que a Comissão, como alegam os recorrentes nos processos T-313/97 e T-23/98, tenha em conta o montante exacto dos auxílios pagos e o número preciso de beneficiários, uma vez que se encontra provado que, durante o período em causa, os transportadores da Região Friuli-Venezia Giulia beneficiaram de auxílios que eram susceptíveis de reforçar a sua posição concorrencial e de ter, assim, incidência na concorrência e nas trocas intracomunitárias.

88 Quanto à argumentação dos recorrentes, segundo a qual a Comissão deveria subtrair os encargos fiscais do montante dos auxílios concedidos, de modo a apreciar a incidência destes últimos na concorrência e nas trocas comerciais entre os Estados-Membros, importa, antes de mais, julgar improcedente a questão prévia de inadmissibilidade apresentada pela Comissão assenta no fundamento de que esta argumentação não pode ser invocada no decurso do procedimento administrativo. A possibilidade de invocar um fundamento no âmbito de um recurso de anulação, ao abrigo do artigo 173._, quarto parágrafo, do Tratado, não pode ser limitada pela aplicação de uma pretensa regra de concordância dos fundamentos invocados no procedimento administrativo e perante o juiz comunitário, na ausência de qualquer disposição explícita do Tratado (ou dos actos adoptados para sua execução) neste sentido (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 1996, AIUFFASS e AKT/Comissão, T-380/94, Colect., p. II-2169, n._ 64).

89 Quanto à questão de mérito, deve-se julgar a tese dos recorrentes improcedente. A Comissão não se encontra habilitada, no sistema de controlo dos auxílios de Estado instituído pelo Tratado, para tomar em consideração os encargos fiscais que incidam sobre o montante dos auxílios financeiros concedidos para efeitos de apreciação da sua compatibilidade com o Tratado. Com efeito, esses encargos não se prendem especificamente com o próprio auxílio, mas são cobrados a jusante e incidem sobre os auxílios em causa à semelhança de qualquer outra receita. Não podem, por conseguinte, constituir um elemento relevante para efeitos de avaliação da incidência específica do auxílio nas trocas comerciais e na concorrência e, em particular, da avaliação da vantagem obtida pelos beneficiários desse auxílio em relação às empresas concorrentes que dela não beneficiaram e cujas receitas se encontram igualmente sujeitas a tributação. Ademais, a Comissão não dispõe, regra geral, de dados necessários para a apreciação da incidência dos encargos fiscais na vantagem obtida pela empresa beneficiária. Esta apreciação apenas tem lugar, em princípio, na fase de devolução do auxílio de acordo com as modalidades do direito nacional e é exclusivamente da competência das autoridades do Estado-Membro em causa (acórdão do Tribunal de 8 de Junho de 1995, Siemens/Comissão, T-459/93, Colect., p. II-1675, n._ 83).

90 Resulta do conjunto das condições expostas que a acusação assenta na relativa modicidade dos auxílios em causa deve ser julgada improcedente.

91 Em segundo lugar, no que respeita ao argumento dos recorrentes de que a maioria das empresas beneficiárias dos auxílios em causa exercem exclusivamente a sua actividade a nível local, importa lembrar que, de acordo com uma jurisprudência assente, um auxílio pode ser susceptível de afectar as trocas comerciais entre os Estados-Membros e de falsear a concorrência, ainda que a empresa beneficiária, que se encontra em concorrência com produtores de outros Estados-Membros, não participe, ela própria, nas exportações. Esta situação pode igualmente dar-se quando não exista sobrecapacidade no sector em causa. Com efeito, quando um Estado-Membro concede um auxílio a uma empresa, a produção interna pode ser mantida ou aumentada, daí resultando que as hipóteses de as empresas estabelecidas noutros Estados-Membros exportarem os seus produtos para o mercado deste Estado-Membro sejam diminuídas (acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Julho de 1988, França/Comissão, 102/87, Colect., p. 4067, n._ 19; de 21 de Março de 1991, Itália/Comissão, já referido, n._ 27; Espanha/Comissão, já referido, n._ 40, e de 17 de Junho de 1999, Bélgica/Comissão, C-75/97, Colect., p. I-3671, n.os 47 a 49).

92 No caso concreto, contrariamente ao que alegam os recorrentes, os regimes de contingentamento em vigor, de 1969 a 1993, no mercado do transporte rodoviário internacional e, de 1990 a 1998, no da cabotagem permitiram a criação de uma situação de concorrência efectiva dentro dos limites dos contingentes fixados, susceptível de ser afectada pela concessão dos auxílios em causa. Com efeito, por via das disposições pertinentes dos Regulamentos n.os 1018/68, 4059/89 e 3118/93, as autorizações comunitárias, elaboradas em nome do transportador e utilizáveis para um único veículo, eram concedidas, no âmbito dos contingentes nacionais, por um período de um ano para o transporte internacional e de dois meses para a cabotagem. Durante estes períodos de validade, os titulares de uma autorização de transporte internacional ou de uma autorização de cabotagem encontravam-se habilitados a efectuar, com um veículo, sem limitações, transportes de mercadorias, respectivamente, entre os Estados-Membros da sua escolha ou no interior de qualquer Estado-Membro.

93 Nestas circunstâncias, foi correctamente que a Comissão não acolheu, na decisão impugnada (ponto VII), o argumento invocado pelo Governo italiano durante o procedimento administrativo, segundo o qual mais de 80% dos beneficiários são empresas muito pequenas, que efectuam exclusivamente transporte local, ao concluir que o carácter local da actividade não constitui um critério susceptível de excluir o facto de as trocas intracomunitárias serem afectadas, com a abertura parcial do mercado da cabotagem à concorrência a partir de 1 de Julho de 1990.

94 Do mesmo modo, no que toca ao transporte internacional, parcialmente aberto à concorrência comunitária a partir de 1969 e completamente liberalizado depois de 1 de Janeiro de 1993, a Comissão não acolheu, na decisão impugnada (ponto VII, parágrafos décimo e décimo primeiro), a objecção apresentada pelo Governo italiano, segundo a qual os transportadores da Região Friuli-Venezia Giulia apenas estariam muito diminutamente implicados neste tipo de transporte, pelo que a concorrência que exerciam nesta matéria seria pouco significativa. Após ter salientado que o carácter limitado da concorrência não pode excluir a aplicação do artigo 92._, n._ 1, do Tratado no sector dos transportes rodoviários, verificou correctamente que os auxílios em causa reforçam a posição financeira e, nestes termos, as possibilidades de acção dos transportadores rodoviários de mercadorias por conta de outrem da Região Friuli-Venezia Giulia em relação aos seus concorrentes e podem, por isso, ter uma incidência nas trocas comerciais entre Estados-Membros.

95 A este respeito a tese dos recorrentes, segundo a qual a Comissão deveria ter provado que algumas empresas comunitárias tinham sido prejudicadas devido à concessão dos auxílios controvertidos ou, pelo menos, que o contingente comunitário não tinha sido esgotado, não tem fundamento. Basta, com efeito, que a Comissão prove que os auxílios considerados são de natureza a afectar as trocas comerciais entre os Estados-Membros e que ameaçam falsear a concorrência, sem que seja necessário delimitar o mercado em causa e analisar a sua estrutura e as relações de concorrência que daí decorrem (acórdão Philip Morris/Comissão, já referido, n.os 9 a 12).

96 Ora, mesmo admitindo que o contingente comunitário tivesse sido esgotado, esta circunstância não permite que se conclua pela inexistência de incidência dos auxílios em causa no mercado e nas trocas intracomunitárias. Com efeito, tendo em conta a livre escolha reservada pelos regimes de contingentamento aos titulares das autorizações comunitárias, no que respeita, conforme o caso, aos Estados-Membros no interior dos quais podem efectuar cabotagem ou entre os quais podem realizar transportes internacionais, o esgotamento destes contingentes não fornece, em qualquer caso, qualquer indicação sobre a utilização que deles foi feita, nomeadamente, para a cabotagem em Itália e para os transportes internacionais a partir de ou com destino a Itália ou, mais exactamente, à Região Friuli-Venezia Giulia.

97 Daqui decorre que a actividade essencialmente local da maior parte dos beneficiários dos auxílios em causa e a existência de regimes de contingentamento não são susceptíveis de obstar à incidência destes auxílios nas trocas comerciais entre Estados-Membros e na concorrência.

98 Em terceiro lugar, importa analisar a argumentação dos recorrentes de que os auxílios em causa não cabem na previsão do artigo 92._, n._ 1, do Tratado, com o fundamento de que visam compensar a situação concorrencial pretensamente desfavorável das empresas beneficiárias.

99 Contrariamente à interpretação dos recorrentes, os acórdãos Van der Kooy e o./Comissão, já referido (n.os 28 a 30), e de 29 de Fevereiro de 1996, Bélgica/Comissão, já referido (n.os 10, 39 e 66), consagram a regra segundo a qual uma vantagem conferida a uma empresa para corrigir uma situação concorrencial desfavorável não constitui um auxílio de Estado na acepção do artigo 92._, n._ 1, do Tratado, quando seja justificada por critérios económicos e quando não introduz uma discriminação entre os operadores económicos estabelecidos nos vários Estados-Membros. Com efeito, o Tribunal de Justiça decidiu que uma tarifa preferencial consentida por uma sociedade controlada pelo Estado não constitui uma medida de auxílio na acepção do artigo 92._, n._ 1, do Tratado, quando, no contexto do mercado a que se aplica, seja objectivamente justificada por razões de carácter económico, tais como a necessidade de lutar contra a concorrência exercida nesse mercado por outras fontes de energia (acórdão Van der Kooy e o./comissão, já referido, n._ 30) ou pelas importações de países terceiros a fim de manter a importante clientela existente (acórdão Bélgica/Comissão, já referido, n._ 39). Por outras palavras, verificou, no primeiro caso, se a tarifa preferencial em causa fora fixada com base em critérios económicos, em obediência a uma jurisprudência assente segundo a qual, para qualificar uma medida de auxílio de Estado, é necessário averiguar se um operador privado teria realizado a operação nas mesmas condições (v., por exemplo, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Abril de 1998, Cityflyer Express/Comissão, T-16/96, Colect., p. II-757, n._ 51, e as conclusões do advogado-geral N. Fennelly no processo C-251/97, acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Outubro de 1999, França/Comissão, Colect., p. I-6639, n._ 19 das conclusões). No segundo caso, verificou se esta tarifa preferencial não conferia às empresas beneficiárias uma vantagem em relação aos seus concorrentes estabelecidos noutros Estados-Membros.

100 Além disso, segundo uma jurisprudência assente, a circunstância de um Estado-Membro procurar aproximar, através de medidas unilaterais, as condições de concorrência de um determinado sector económico das existentes noutros Estados-Membros, não retira a estas medidas a natureza de auxílios (acórdãos do Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 1969, Comissão/França, 6/69 e 11/69, Colect. 1969-1970, p. 205, n.os 20 e 21; de 2 de Julho de 1974, Itália/Comissão, já referido, n.os 36 a 39, e de 19 de Maio de 1999, Itália/Comissão, C-6/97, Colect., p. I-2981, n._ 21).

101 Daqui resulta que, no caso em apreço, os auxílios controvertidos não podem ser justificados pela existência de taxas de desconto mais elevadas em Itália nem tampouco pela concorrência exercida pelos operadores estabelecidos na Áustria, na Croácia ou na Eslovénia, invocada pelos recorrentes. Com efeito, na medida em que estes auxílios conferem uma vantagem aos seus beneficiários em relação a outros transportadores rodoviários estabelecidos noutras regiões da Itália ou noutros Estados-Membros, constituem auxílios de Estado na acepção do artigo 92._, n._ 1, do Tratado, e são susceptíveis, como já foi decidido, de afectar as trocas comerciais entre os Estados-Membros e de falsear a concorrência.

102 De qualquer modo, a argumentação dos recorrentes relativa à situação concorrencial não se encontra suficientemente apoiada, às objecções da Comissão, não tendo sido demonstrado que as taxas de desconto aplicáveis em Itália, bem como a situação dos transportadores rodoviários austríacos, croatas e eslovenos colocam os transportadores rodoviários na Região Friuli-Venezia Giulia numa situação concorrencial desfavorável.

103 Por último, a crítica assente na fundamentação insuficiente da decisão impugnada no que diz respeito à aplicação do artigo 92._, n._ 1, do Tratado deve também ser julgada improcedente.

104 Segundo uma jurisprudência constante, a fundamentação deve revelar, de modo claro e inequívoco, a argumentação da instituição, autora do acto, de modo a permitir ao juiz comunitário o exercício da sua fiscalização, e aos interessados o conhecimento das justificações da medida tomada para defesa dos seus direitos. Deve ser apreciada à luz do contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa. Ainda que a Comissão não esteja obrigada a responder, na fundamentação de uma decisão, a todas as questões de facto e de direito suscitadas pelos interessados no decurso do procedimento administrativo, deve tomar em consideração todas as circunstâncias e todos os elementos relevantes do caso em apreço (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Junho de 1998, British Airways e o./Comissão, T-371/94 e T-394/94, Colect., p. II-2405, n.os 89, 94 e 95).

105 No caso concreto, resulta do exposto que a Comissão indicou de maneira sucinta, mas clara, na decisão impugnada, as razões pelas quais os auxílios em causa são de natureza a afectar as trocas comerciais entre os Estados-Membros e a falsear a concorrência. Além disso, refutou as objecções que tinham sido formuladas pelo Governo italiano durante o procedimento administrativo.

106 Quanto ao conjunto destes fundamentos assentes em violação do artigo 92._, n._ 1, do Tratado e em argumentos de fundamentação insuficiente devem ser julgados improcedentes.

Quanto à alegada violação do artigo 92._, n._ 3, alíneas a) e c), do Tratado e do artigo 3._, n._ 1, alínea d) do Regulamento n._ 1107/70, bem como quanto à falta de fundamentação

- Argumentos das partes

107 O conjunto dos recorrentes alega que, ao verificar que os auxílios à locação financeira para compra de novos veículos e os outros auxílios em causa, não preenchem as condições exigidas para beneficiar das derrogações previstas pelo artigo 92._, n._ 3, alínea c), do Tratado e pelo artigo 3._, n._ 1, alínea d) do Regulamento n._ 1107/70, a Comissão infringiu estas disposições e não fundamentou juridicamente, de modo suficiente, a decisão impugnada a este respeito.

108 Nos processos T-298/97, T-312/97, T-313/97, T-315/97, T-1/98, T-3/98 a T-6/98 e T-23/98, os recorrentes alegam que os auxílios controvertidos foram previstos a título temporário para remediar as dificuldades estruturais devidas à sobre-exploração do material obsoleto e dos efectivos que acarretavam um risco de repercussões graves a nível da segurança. Estes auxílios não teriam, portanto, visado um aumento da capacidade global, mas uma restruturação do sector para melhoria da qualidade dos serviços. Ter-se-iam destinado a facilitar o desenvolvimento de algumas actividades e não teriam alterado as condições das trocas comerciais «de maneira que contrariem o interesse comum», na acepção do artigo 92._, n._ 3, alínea c), do Tratado. Além do mais, face à presença de graves dificuldades estruturais, estes auxílios teriam tido em vista contribuir para uma melhor resposta às necessidades do mercado dos transportes, na acepção do artigo 3._, n._ 1, alínea d), do Regulamento n._ 1107/70.

109 Segundo os recorrentes nos processos T-312/97, T-315/97, T-1/98 e T-3/98 a T-6/98, os auxílios em causa não acarretaram um aumento da capacidade de transporte, na medida em que as autorizações de cabotagem, contingentadas, apenas seriam válidas para um determinado veículo e não podiam ser cedidas.

110 De acordo com a totalidade dos recorrentes, a decisão impugnada não se encontra apoiada por qualquer elemento de prova no que toca à qualificação dos auxílios de locação financeira como auxílios ao funcionamento e à alegada incompatibilidade dos auxílios em causa com o interesse comum.

111 Nos processos T-315/97, T-1/98 e T-3/98 a T-6/98, os recorrentes salientam que os auxílios em causa constituiriam auxílios ao investimento destinados à realização de infraestruturas (construção, compra, aumento dos locais), ao aumento e à renovação dos equipamentos fixos e móveis e à renovação dos meios de transporte.

112 De acordo com os recorrentes no processo T-312/97, estes auxílios não constituem auxílios ao funcionamento, uma vez que não têm por objecto a melhoria da situação financeira das empresas beneficiárias, mas o alinhamento da situação concorrencial destas últimas face aos transportadores rodoviários estabelecidos, em particular, na Áustria, na Croácia e na Eslovénia.

113 Por outro lado, no processo T-298/97, os recorrentes observam que os auxílios em causa têm em vista a restruturação anteriormente programada do sector do transporte rodoviário de mercadorias por conta de outrem, facilitando a renovação do material. Estes auxílios justificam-se pelas exigências ligadas à segurança e à luta contra a poluição atmosférica e acústica.

114 Nos processos T-312/97, T-313/97, T-315/97, T-1/98, T-3/98 a T-6/98 e T-23/98, os recorrentes alegam que estes auxílios se incluíam no âmbito de um processo concreto de restruturação, necessário para efeitos de protecção da segurança e do ambiente. Este processo teria sido assumido pela Região Friuli-Venezia Giulia, que teria elaborado, em 1988, o primeiro plano regional integrado de transportes, definindo orientações de programas para as intervenções destinadas a modernizar e a racionalizar o conjunto do sistema de transportes.

115 Nos processos T-313/97 e T-23/98, os recorrentes indicam que, de acordo com o relatório complementar, que teria sido afastado pela Comissão no decurso do procedimento administrativo, estava em curso de elaboração um plano de restruturação destinado a permitir a adaptação do parque de material circulante das empresas em causa às normas de segurança e de protecção do ambiente previstas pela regulamentação dos Estados vizinhos.

116 Nos processos T-312/97, T-313/97 e T-23/98, os recorrentes consideram que a existência de um plano e/ou de um processo de restruturação não é exigido pela regulamentação comunitária para efeitos de aplicação de uma derrogação à proibição dos auxílios de Estado.

117 Ademais, nos processos T-600/97 a T-607/97, os recorrentes acusam a Comissão de não ter analisado de maneira aprofundada a aplicabilidade das derrogações previstas pelo artigo 92._, n._ 3, alíneas a) e c), do Tratado, a favor dos auxílios em causa. Invocando o objectivo n._ 2 (reconverter as regiões, regiões fronteiriças ou partes de regiões gravemente afectadas pelo declínio industrial) e o objectivo n._ 5b (na perspectiva da reforma da política agrícola comum, promover o desenvolvimento das zonas rurais) dos fundos estruturais, definidos pelo artigo 1._ do Regulamento (CEE) n._ 2052/88 do Conselho, de 24 de Junho de 1988, relativo às missões dos fundos com finalidade estrutural, à sua eficácia e à coordenação das suas intervenções, entre si, com as intervenções do Banco Europeu de Investimento e com as dos outros instrumentos financeiros existentes (JO L 185, p. 9), censuram a Comissão de não ter tido em conta o facto de «uma grande parte do território regional se encontrar repartido entre zonas de declínio industrial (objectivo n._ 2) e zonas desfavorecidas (objectivo n._ 5b)».

118 O Governo italiano considera que os auxílios em causa deviam beneficiar de uma derrogação ao abrigo do artigo 3._, n._ 1, alínea d), do Regulamento n._ 1107/70, e dos auxílios sectoriais referidos no artigo 92._, n._ 3, alínea c), do Tratado.

119 Por último, a totalidade dos recorrentes e o Governo italiano alegam que a Comissão não fundamentou a sua decisão impugnada, tendo-se apenas limitado a exprimir simples dúvidas quanto à compatibilidade dos auxílios às operações de locação financeira para aquisição de novos veículos (ponto VIII, sexto parágrafo).

120 A Comissão alega, em primeiro lugar, que as condições exigidas pelo artigo 3._, n._ 1, alínea d), do Regulamento n._ 1107/70, relativas à existência de uma sobrecapacidade causadora de graves dificuldades estruturais no sector dos transportes e à existência de um plano de saneamento, não se encontram verificadas no caso presente.

121 Em segundo lugar, na ausência de um plano de restruturação, não teria sido possível demonstrar que os auxílios controvertidos constituíam uma acção de interesse comum susceptível de compensar os seus efeitos de distorção sobre a concorrência e as trocas comerciais, como o exige o artigo 92._, n._ 3, alínea c), do Tratado. Além disso, os auxílios à locação financeira para aquisição de novo material circulante constituiriam auxílios ao funcionamento.

122 Nos processos T-600/97 a T-607/97, a Comissão salienta que, na decisão impugnada (ponto VIII), examinara a aplicabilidade, no caso concreto, das derrogações previstas pelo artigo 92._, n._ 3, alíneas a) e c), do Tratado, a favor dos auxílios em causa.

123 Em terceiro lugar, a decisão impugnada não enfermaria de qualquer insuficiência ou de falta de fundamentação. Todas as objecções apresentadas pelo Governo italiano durante o procedimento administrativo teriam de facto sido examinadas.

- Apreciação do Tribunal

124 Mesmo admitindo, como alegam os recorrentes, que os auxílios em causa se inserem no âmbito de um processo concreto de restruturação do sector em causa, caracterizado pela sobre-exploração de um material obsoleto, com o objectivo, nomeadamente, de melhorar a segurança, e que estes auxílios não tinham aumentado a capacidade global de transporte, o que não se encontra provado, aqueles não cumprem, porém, os critérios enunciados, respectivamente, no artigo 3._, n._ 1, alínea d), do Regulamento n._ 1107/70 e no artigo 92._, n._ 3, do Tratado, para poder beneficiar de uma derrogação.

125 Em primeiro lugar, o artigo 3._, n._ 1, alínea d), do Regulamento n._ 1107/70 apenas autoriza, sob certas condições, os auxílios concedidos para eliminar, no âmbito de um plano de saneamento, uma sobrecapacidade causadora de graves dificuldades estruturais.

126 Ora, no caso em apreço, não existe qualquer elemento nos autos que permita presumir a existência dessa sobrecapacidade. Resulta, pelo contrário, da decisão impugnada (ponto VIII, terceiro parágrafo) que, nas suas observações sobre a decisão de abertura do procedimento, as autoridades italianas salientaram que, na Região Friuli-Venezia Giulia, «não [existia] sobrecapacidade no sector mas pelo contrário, um subdimensionamento do parque de veículos em cerca de 20% em relação às necessidades reais, ou seja, uma exploração excessiva dos meios e do pessoal existente na região». Esta afirmação, que não foi contrariada pelo Governo italiano, é corroborada pelo argumento que este invoca em conjunto com os recorrentes, segundo o qual os auxílios controvertidos pretendiam remediar às dificuldades estruturais devidas a uma sub-exploração do material e do pessoal.

127 Ademais, há que reconhecer que os regimes de auxílios em causa de modo algum se referem à necessidade de não aumentar a capacidade do sector e não introduzem qualquer condição tendo em vista evitar esse aumento.

128 Em segundo lugar, no que se prende com as derrogações a favor dos auxílios sectoriais referidos no artigo 92._, n._ 3, alínea c), do Tratado, deve-se observar que, no caso concreto, os auxílios controvertidos não se inserem num dos enquadramentos comunitários que fixam, em função da finalidade prosseguida, as orientações que a Comissão se impõe na aplicação, nomeadamente, desta disposição (por exemplo, o enquadramento dos auxílios às pequenas e médias empresas, já referido, que exclui do seu campo de aplicação os auxílios concedidos no sector dos transportes). Embora os auxílios não se insiram num destes enquadramentos, são, não obstante, susceptíveis de beneficiar de uma derrogação, desde que visem facilitar o desenvolvimento de determinadas actividades sem com isso alterar as condições das trocas comerciais numa medida contrária ao interesse comum, como prescreve o artigo 92._, n._ 3, alínea c), do Tratado.

129 Esta disposição foi interpretada pelo juiz comunitário no sentido de que as apreciações económicas no âmbito da aplicação desta disposição devem ser efectuadas num contexto comunitário, o que significa que a Comissão tem a obrigação de analisar o impacto de um auxílio sobre a concorrência e no comércio intracomunitário. Compete à Comissão, nessa análise, ponderar os efeitos benéficos do auxílio e os seus efeitos negativos sobre as condições das trocas comerciais e sobre a manutenção de uma concorrência não falseada (acórdãos Philip Morris/Comissão, já referido, n.os 24 e 26, Espanha/Comissão, já referido, n._ 51, e British Airways e o./Comissão, já referido, n.os 282 e 283).

130 Ora, importa lembrar que o artigo 92._, n._ 3, do Tratado confere à Comissão um largo poder de apreciação tendo em vista a adopção de uma decisão sobre a derrogação ao princípio da incompatibilidade dos auxílios de Estado com o mercado comum, descrito no n._ 1 deste artigo. A análise a que está obrigada a Comissão implica a tomada em consideração e a apreciação de factos e de circunstâncias económicas complexos. O juiz comunitário, não pode substituir a sua apreciação de facto, nomeadamente no plano económico, ao do autor dessa decisão, devendo o controlo do Tribunal, a este respeito, limitar-se à verificação do cumprimento das regras de processo e de fundamentação, bem como da exactidão material dos factos, da ausência de erro manifesto de apreciação e de desvio de poder (v., por exemplo, acórdãos Philip Morris, já referido, n.os 17 e 24; Tubemeuse, já referido, n._ 56; de 21 de Março de 1991, Itália/Comissão, já referido, n._ 34, e o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Novembro de 1997, Ducros/Comissão, T-149/95, Colect., p. II-2031, n._ 63).

131 No caso em apreço, resulta do processo que, contrariamente às alegações das recorrentes, as autoridades italianas não forneceram, no decurso do procedimento administrativo, qualquer elemento preciso quanto, nomeadamente, a um plano concreto e detalhado de reestruturação do sector do transporte rodoviário de mercadorias por conta de outrem. Pelo contrário, indicaram que, no imediato, não era necessário qualquer plano de restruturação e limitaram-se a referir, eventuais medidas com vista à racionalização do sector, através, nomeadamente, de medidas destinadas a encorajar as fusões e de incentivos ao transporte combinado e intermodal, as quais deveriam ser adoptadas em breve pela administração regional (relatório complementar, ponto 2-4, segundo parágrafo).

132 Nestas circunstâncias, a Comissão pôde considerar, sem ultrapassar os limites do seu poder de apreciação, que os elementos à sua disposição não lhe permitiam demonstrar que os auxílios em causa eram acompanhados de uma acção de interesse comum, como, por exemplo, um plano de reestruturação.

133 Além disso, a Comissão verificou correctamente que alguns dos auxílios controvertidos, como os auxílios à locação financeira para aquisição do material circulante, com a finalidade de renovar o parque existente, que, de acordo com o relatório complementar, se caracterizava pela sua obsolescência, constituíam auxílios ao funcionamento, aos quais não é aplicável a derrogação prevista no artigo 92._, n._ 3, alínea c), do Tratado (acórdão Siemens/Comissão, já referido, n.os 77 e 78). Com efeito, uma vez que a substituição de veículos antigos representa um custo que todas as empresas de transporte rodoviário devem normalmente suportar para poder continuar a oferecer os seus serviços no mercado a condições competitivas, estes auxílios reforçaram artificialmente a situação financeira das empresas beneficiárias em detrimento das empresas concorrentes.

134 Em terceiro lugar, no que respeita às derrogações a favor dos auxílios destinados a favorecer o desenvolvimento económico de algumas regiões, referidos no artigo 92._, n._ 3, alíneas a) e c), do Tratado, basta verificar que os recorrentes se limitam a afirmar que uma parte do território da Região Friuli-Venezia Giulia é elegível para uma acção estrutural ao abrigos dos objectivos n.os 2 e 5b. Não apresentam qualquer argumento relativamente à fundamentação da decisão impugnada segundo a qual, mesmo admitindo que dois terços do território regional façam parte de zonas em declínio industrial e desfavorecidas, como alegou o Governo italiano no procedimento administrativo, os auxílios em causa não podem, contudo, beneficiar de uma derrogação a título de auxílios regionais porque, por um lado, não se inserem num plano de desenvolvimento regional e, por outro, a Região Friuli-Venezia Giulia não faz parte das regiões que podem beneficiar de uma derrogação em aplicação do artigo 92._, n._ 3, alíneas a) e c), do Tratado. Nestas circunstâncias, não se pode considerar que a decisão impugnada padeça de irregularidades a este respeito.

135 Face às razões expostas, os fundamentos assentes na violação do artigo 92._, n._ 3, alíneas a) e c), do Tratado e do artigo 3._, n._ 1, alínea d), do Regulamento n._ 1107/70, bem como em falta de fundamentação devem ser julgados improcedentes.

Quanto à qualificação pretensamente errada dos auxílios controvertidos como novos auxílios

- Argumentos das partes

136 Os recorrentes, apoiados pelo Governo italiano, alegam que os auxílios em causa devem ser qualificados de auxílios existentes, uma vez que foram previstos por leis anteriores à liberalização do sector em causa.

137 A Comissão argumenta, pelo contrário, que os auxílios em causa não podem ser qualificados de auxílios existentes, uma vez que foram instituídos após entrada em vigor do Tratado, e expõe que não foram objecto de análise ou de autorização, explícita ou implícita, que lhe tivesse cabido fazer. Constituiriam, portanto, novos auxílios referidos pelo artigo 92._, n._ 1, do Tratado, os auxílios destinados às empresas de transporte internacional após 1981 e os concedidos às empresas que exercem a sua actividade a nível local, regional ou nacional, após 1 de Julho de 1990.

138 Com efeito, a execução de leis que instituem subsídios estatais durante o período em que estes não constituem auxílios visados pelo artigo 92._, n._ 1, do Tratado, não permite que os mesmos sejam qualificados de auxílios existentes. A partir do momento em que tais subsídios, pagos em aplicação de leis posteriores à entrada em vigor do Tratado, caem sob o âmbito de aplicação do artigo 92._, n._ 1, do Tratado, estas apenas podem ser executadas depois de ter sido submetidas à análise da Comissão nos termos do artigo 93._, n._ 3, do Tratado. O Estado-Membro em causa é então obrigado a suspender a sua execução e a notificá-las à Comissão enquanto projecto.

139 No caso em apreço, as leis que prevêem os auxílios em causa deveriam ter sido notificadas à Comissão a título de disposições que instituem novos auxílios, no momento da sua adopção, respectivamente, em 1981 e em 1985, uma vez que o mercado de transporte rodoviário internacional se encontrava aberto à concorrência intracomunitária desde 1969, qualquer que seja a qualificação dos auxílios pagos às empresas.

140 Por outro lado, mesmo admitindo que, antes da liberalização do mercado de cabotagem, os auxílios concedidos às empresas locais de transporte rodoviário eram assimiláveis a auxílios de Estado «existentes», na acepção do artigo 93._, n._ 1, do Tratado, o que a Comissão contesta, aquelas deveriam, não obstante, ter sido objecto de uma notificação prévia, em aplicação do artigo 93._, n._ 3, do Tratado, a partir da altura da abertura deste mercado. Com efeito, a liberalização deste a partir de 1 de Julho de 1990 teria colocado as empresas beneficiárias em concorrência com as outras empresas comunitárias e teria alterado de maneira substancial os efeitos produzidos pelos auxílios controvertidos nas trocas intracomunitárias e na concorrência. Este facto, longe de poder ser considerado uma alteração negligenciável de um auxílio existente, deveria, pelo contrário, ser assimilado à criação ou à alteração de um auxílio.

- Apreciação do Tribunal

141 Há que decidir sobre a questão de saber se os auxílios concedidos no âmbito de um regime de auxílios instituído antes da abertura do mercado à concorrência devem ser considerados, a partir da data desta liberalização, novos auxílios ou auxílios existentes.

142 Segundo uma jurisprudência assente, constituem auxílios existentes os auxílios instituídos antes da entrada em vigor do Tratado ou da adesão do Estado-Membro em causa às Comunidades Europeias e aqueles que puderam ser regularmente postos em execução nas condições previstas pelo artigo 93._, n._ 3, do Tratado (acórdãos do Tribunal de Justiça, Banco Exterior de España, já referido, n._ 19, e de 17 de Junho de 1999, Piaggio, C-295/97, Colect., p. I-3735, n._ 48).

143 Do mesmo modo, um regime de auxílios instituído num mercado inicialmente fechado à concorrência deve ser considerado, a partir do momento da liberalização deste mercado, um regime de auxílios existente, na medida em que não se encontra abrangido, no momento da sua instituição, pelo campo de aplicação do artigo 92._, n._ 1, do Tratado, o qual é apenas aplicável aos sectores abertos à concorrência, tendo em conta as condições referidas neste texto, relativas à afectação das trocas comerciais entre os Estados-Membros e às repercussões na concorrência.

144 Com efeito, contrariamente às alegações da Comissão, esta liberalização, que não é imputável às autoridades competentes do Estado-Membro em causa, não pode ser considerada uma alteração substancial do regime de auxílios, sujeita à obrigação de notificação prévia do artigo 93._, n._ 3, do Tratado. Condiciona, em contrapartida, a aplicabilidade das disposições do Tratado relativas aos auxílios de Estado em determinados sectores particulares, como o dos transportes, inicialmente fechado à concorrência.

145 No caso em apreço, o sector do transporte rodoviário internacional de mercadorias foi aberto à concorrência pelo Regulamento n._ 1018//68 a partir de 1969, pelo que os regimes de auxílios em causa, instituído em 1981 e em 1985, se inserem a partir da sua criação no campo de aplicação do artigo 92._, n._ 1, do Tratado e devem, por isso, ser considerados regimes de novos auxílios sujeitos, a este título, à obrigação de notificação prevista pelo artigo 93._, n._ 3, do Tratado.

146 Em sentido inverso, na medida em que o mercado de cabotagem apenas foi liberalizado pelo Regulamento n._ 4059/89 a partir de 1 de Julho de 1990, os regimes de auxílios em causa não se inserem, relativamente à sua criação em 1981 e 1985, relativamente aos auxílios concedidos no sector do transporte local, regional ou nacional, no campo de aplicação do artigo 92._, n._ 1, do Tratado.

147 Daqui decorre que os auxílios pagos às empresas que efectuem exclusivamente este tipo de transporte devem ser qualificados de auxílios existentes e, eventualmente, apenas podem ser objecto de uma decisão de incompatibilidade que produz efeitos para o futuro.

148 Com efeito, por força das disposições do artigo 93._, n.os 1 e 2, do Tratado, e em obediência ao princípio da segurança jurídica, a Comissão, no âmbito do seu controlo permanente dos auxílios existentes, apenas se encontra habilitada a impor a supressão ou a alteração desses auxílios no prazo que determine. Estes podem, portanto, ser regularmente executados enquanto a Comissão não declarar a sua incompatibilidade (acórdãos do Tribunal de Justiça de 30 de Junho de 1992, Itália/Comissão, C-47/91, Colect., p. I-4145, n.os 23 e 25, e Banco Exterior de España, já referido, n._ 20).

149 O terceiro fundamento, assente na qualificação errada dos auxílios em causa como novos auxílios, deve, portanto, ser julgado procedente, na medida em que diz respeito aos auxílios concedidos às empresas que efectuem exclusivamente transporte local, regional ou nacional.

150 A decisão impugnada deve, por isso, ser anulada na parte em que declara ilegais, no seu artigo 2._, os auxílios pagos a partir de 1 de Julho de 1990 às empresas que efectuem exclusivamente transporte local, regional ou nacional, e ordena, no seu artigo 5._, a sua recuperação.

Quanto à alegada violação dos princípios da protecção da confiança legítima e da proporcionalidade, bem como a alegada falta de fundamentação, no que diz respeito à recuperação dos auxílios em causa acrescidos de juros

- Argumentos das partes

151 No que diz respeito à data a partir da qual a decisão impugnada impõe a obrigação de recuperação dos auxílios concedidos no sector do transporte internacional, os recorrentes no processo T-298/97, e o Governo italiano, afirmam, preliminarmente, que o artigo 4._, para qual reenvia o artigo 5._ da decisão impugnada, que prevê a recuperação dos auxílios incompatíveis com o Tratado, declara inequivocamente a incompatibilidade dos auxílios pagos a partir de 1 de Julho de 1990, e não deve, portanto, ser interpretado à luz dos fundamentos da decisão acima referida.

152 Por outro lado, a totalidade dos recorrentes, apoiados pelo Governo italiano que partilha a sua argumentação, alega que a decisão impugnada é contrária ao princípio da protecção da confiança legítima na medida em que impõe a recuperação dos auxílios concedidos a partir de 1 de Julho de 1990. Com efeito, as empresas beneficiárias teriam confiado na regularidade dos auxílios instituídos e pagos durante vários anos.

153 Os recorrentes no processo T-298/97 alegam que a confiança das empresas beneficiárias foi reforçada, no caso concreto, pelo facto de a liberalização do mercado de cabotagem ter ocorrido durante o período de aplicação das leis regionais controvertidas e que decorrera um lapso de tempo importante entre esta liberalização e a abertura do processo pela Comissão. Por outro lado, uma vez que é anterior à aprovação da Lei n._ 4/1985, a comunicação de 24 de Novembro de 1983 (JO 1983, C 318, p. 3) sobre a obrigação de notificação prevista pelo artigo 93._, n._ 3, do Tratado, referido pela Comissão, teria apenas uma importância negligenciável. Por último, a jurisprudência do Tribunal, segundo a qual um operador económico diligente deve estar em posição de garantir que o processo previsto pelo artigo 93._, n._ 3, do Tratado foi respeitado, não seria aplicável ao caso concreto, uma vez que a maior parte dos beneficiários eram pequenos empresários, aos quais não pode ser censurado não terem tido conhecimento preciso e completo das decisões das autoridades nacionais e comunitárias no que diz respeito aos auxílios em causa.

154 No processo T-312/97, os recorrentes observam que a regularidade dos auxílios concedidos no sector do transporte nacional, antes de 1 de Julho de 1990, criou uma confiança legítima na regularidade do conjunto dos auxílios em causa, incluindo no sector do transporte internacional. Com efeito, uma vez que os mesmos veículos são utilizáveis nos dois tipos de transporte, seria difícil distinguir os auxílios pagos para os veículos afectados ao transporte internacional.

155 De acordo com os recorrentes nos processos T-312/97, T-315/97, T-1/98 e T-3/98 a T-6/98, a jurisprudência em matéria de protecção da confiança legítima é contraditória. Por um lado, afirma o princípio segundo o qual uma regulamentação nacional que garante a protecção da confiança legítima e a segurança jurídica relativamente à devolução de auxílios ilegais não se encontra em contradição com o direito comunitário. Por outro, permite, não obstante, que a Comissão imponha a recuperação de estes auxílios.

156 Além disso, o conjunto dos recorrentes considera que a decisão impugnada, na parte em que determina a obrigação de recuperação dos auxílios controvertidos, viola o princípio da proporcionalidade. Estes auxílios teriam tido uma incidência insignificante na situação das empresas beneficiárias e, por isso, a Comissão não teria qualquer interesse no reestabelecimento da situação anterior. Ademais, o seu reembolso representaria, para as empresas beneficiárias, um importante encargo susceptível de acarretar o provável desaparecimento do mercado de um grande número delas e de provocar, assim, crises muito graves em matéria de emprego e no plano social, pelo que esta recuperação seria praticamente impossível. A devolução de auxílios teria apenas a consequência, em definitivo, de reestabelecer uma situação de grave desequilíbrio em detrimento dos transportadores rodoviários da Região Friuli-Venezia Giulia, penalizados pela sua situação geográfica particular. Por último, a decisão impugnada não estaria, neste aspecto, fundamentada.

157 A Comissão alega, em primeiro lugar, que o dispositivo da decisão impugnada é equívoco e deve ser interpretado à luz dos fundamentos em que se baseia. Resultaria claramente dessa interpretação que a obrigação de recuperação se estende aos auxílios pagos às empresas que exercem actividades de transporte internacional desde 1981.

158 Em segundo lugar, as empresas beneficiárias de uma auxílio não podem, salvo em circunstâncias excepcionais, invocar a sua confiança legítima na regularidade deste auxílio, a menos que este tenha sido concedido respeitando o processo previsto pelo artigo 93._, n._ 3, do Tratado.

159 No caso em apreço, a Comissão salienta que, na comunicação de 24 de Novembro de 1983, já referida, informou os eventuais beneficiários de auxílios de Estado da sua intenção de proceder à recuperação sistemática dos auxílios concedidos em violação da obrigação de notificação prévia.

160 Além disso, o argumento de que a regularidade dos subsídios concedidos no sector do transporte nacional até 1 de Julho de 1990 teria criado uma confiança legítima na regularidade de todos os auxílios pagos, em virtude da dificuldade de distinção entre os referidos subsídios e os concedidos no sector do transporte internacional, não teria qualquer fundamento. Com efeito, o mesmo poderia ser igualmente utilizado para provar, ao invés, que, devendo declarar-se incompatíveis, a partir de 1981, os auxílios concedidos às empresas que exercem uma actividade de transporte internacional, a dificuldade em os distinguir dos concedidos no sector do transporte internacional, deveria levar as empresas beneficiárias a considerar também estes últimos como contrários ao mercado comum. Concretamente, a recuperação dos auxílios pagos antes de 1 de Julho de 1990 apenas diz respeito aos auxílios concedidos às empresas que, com base numa licença específica, forneceram serviços de transporte internacional.

161 Em terceiro lugar, a Comissão alega que a recuperação dos auxílios de Estado ilegalmente concedidos e o pagamento de juros sobre as quantias pagas não são contrários ao princípio da proporcionalidade, na medida em que estas medidas visam apenas restabelecer a situação concorrencial pré-existente.

- Apreciação do Tribunal

162 Importa, antes de mais, interpretar o dispositivo da decisão impugnada, na parte que diz respeito ao alcance da obrigação de recuperar os auxílios ilegais pagos no sector do transporte internacional.

163 Segundo uma jurisprudência assente, o dispositivo de um acto é indissociável da sua fundamentação, de modo que deve ser interpretado, se necessário, tendo em conta os motivos que levaram à sua adopção (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Maio de 1997, TWD/Comissão, C-355/95 P, Colect., p. I-2549, n._ 21, e acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Outubro de 1997, SCK e FNK/Comissão, T-213/95 e T-18/96, Colect., p. II-1739, n._ 104, e de 11 de Março de 1999, Eurofer/Comissão, T-136/94, Colect., p. II-263, n._ 171).

164 No caso em apreço, ainda que o artigo 4._ do dispositivo seja formulado de maneira equívoca no que respeita à determinação dos auxílios às empresas que efectuam transporte internacional, declarados incompatíveis com o mercado comum, o mesmo deve ser interpretado, à luz dos fundamentos da decisão impugnada, no sentido de visar os auxílios concedidos às empresas que efectuam o transporte local, regional ou nacional a partir de 1 de Julho de 1990, bem como os concedidos às empresas que efectuam o transporte internacional (ponto VIII, último parágrafo).

165 Além disso, esta interpretação resulta da leitura do dispositivo que, considerado no seu conjunto não tem qualquer ambiguidade. Com efeito, o artigo 2._, em relação com o artigo 1._, declara ilegais, com fundamento de não terem sido notificados à Comissão, como exigido pelo artigo 93._, n._ 3, do Tratado, os auxílios concedidos, ao abrigo dos regimes de auxílios instituídos pelas Leis n.os 28/1981 e 4/1985, a empresas que efectuam transporte internacional e, a partir de 1 de Julho de 1990, a empresas que efectuam transporte local, regional ou nacional. O artigo 3._ declara a compatibilidade com o mercado comum de alguns destes auxílios (os auxílios ao transporte combinado), porque podem beneficiar de uma derrogação (no caso concreto, ao abrigo do Regulamento n._ 1107/70). O artigo 4._ determina, de entre os auxílios ilegais referidos no artigo 2._, aqueles que são incompatíveis com o mercado comum por não satisfazerem as condições para poder beneficiar de uma derrogação. Na economia do dispositivo, trata-se, portanto, de auxílios ilegais que não foram declarados compatíveis com o mercado comum, no artigo 3._, designadamente, no que toca ao sector do transporte nacional, os auxílios concedidos depois da instituição dos regimes de auxílios em causa.

166 Nestas circunstâncias, o artigo 5._ do dispositivo, que refere os auxílios declarados incompatíveis com o mercado comum pelo artigo 4._ do dispositivo, deve ser compreendido no sentido de impor a recuperação dos auxílios concedidos a partir de 1 de Julho de 1990 às empresas que efectuam transporte local, regional ou nacional, bem como dos concedidos às empresas que efectuam transporte internacional após a instituição dos regimes de auxílios em causa.

167 Importa, em seguida, lembrar que os auxílios concedidos a empresas que exercem uma actividade de transporte local, regional ou nacional não se encontram sujeitos a uma obrigação de restituição, porque constituem, tal como decidido (v., supra, n.os 146 a 150), auxílios existentes, os quais são apenas susceptíveis de ser objecto de uma declaração de incompatibilidade ex nunc.

168 Compete, por isso, ao Tribunal verificar se a decisão impugnada, na parte em que impõe a recuperação dos auxílios concedidos às empresas que exercem uma actividade de transporte internacional, acrescidos de juros, é compatível como os princípios da proporcionalidade e da protecção da confiança legítima, invocados pelos recorrentes, bem como verificar se a mesma se encontra suficientemente fundamentada.

169 No que diz respeito, antes de mais, à alegada violação do princípio da proporcionalidade, importa lembrar que, na medida em que a supressão de um auxílio ilegal mediante recuperação do montante pago, acrescido de juros, é a consequência lógica da verificação da sua incompatibilidade com o mercado comum e visa apenas o restabelecimento da situação anterior, esta obrigação não pode, em princípio, apresentar um carácter desproporcionado relativamente aos objectivos referidos pelos artigos 92._, 93._ e 94._ do Tratado (acórdãos do Tribunal de Justiça Tubemeuse, já referido, n._ 66; Espanha/Comissão, já referido, n._ 75; de 14 de Janeiro de 1997, Espanha/Comissão, C-169/95, Colect., p. I-135, n._ 47, e de 17 de Junho de 1999, Bélgica/Comissão, já referido, n._ 68, bem como acórdão Siemens/Comissão, já referido, n._ 96). A este respeito, incumbe ao Estado-Membro em causa, quando da devolução do auxílio, determinar as modalidades da restituição de modo a restabelecer a situação concorrencial anterior, sem com isso prejudicar a eficácia do direito comunitário.

170 No caso em apreço, os recorrentes não apresentam qualquer elemento concreto do qual se possa presumir que a obrigação de reembolso dos auxílios individuais das empresas que efectuam transporte internacional apresentem, considerando a incidência destes auxílios na concorrência, um carácter manifestamente desproporcionado em relação aos objectivos do Tratado.

171 Quanto à acusação assente na violação do princípio da protecção da confiança legítima, importa lembrar que apenas circunstâncias excepcionais podem legitimamente fundamentar a confiança dos beneficiários no carácter regular de um auxílio. Além disso, o reconhecimento desta confiança legítima pressupõe, em princípio, que este auxílio tenha sido concedido respeitando o processo previsto no artigo 93._ do Tratado. Com efeito, um operador económico diligente deve, normalmente, estar em posição de verificar se este processo foi respeitado (acórdãos do Tribunal de Justiça de 20 de Setembro de 1990, Comissão/Alemanha, C-5/89, Colect., p. I-3437, n._ 16, e de 14 de Janeiro de 1997, Espanha/Comissão, já referido, n._ 51; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Setembro de 1998, BFM e EFIM/Comissão, T-126/96 e T-127/96, Colect., p. II-3437, n._ 69).

172 No caso em apreço, concluiu-se que os regimes de auxílios em causa, que constituem, na medida em que prevêem a concessão de auxílios a empresas que efectuam transporte internacional, regimes de auxílios novos sujeitos à obrigação de notificação, (v., supra, n._ 145), não foram notificados. Ora, o mero facto de os recorrentes serem pequenas empresas não justifica que pudessem ter uma confiança legítima na regularidade dos auxílios controvertidos, sem que tivessem que verificar que o processo previsto pelo artigo 93._, n._ 3, do Tratado fora respeitado. Ademais, o facto de os auxílios concedidos a empresas que exercem uma actividade de transporte local, regional ou nacional serem auxílios existentes não pode justificar a confiança das empresas que efectuam transporte internacional na regularidade do processo seguido quanto aos auxílios que lhes foram concedidos. Com efeito, ao contrário do que sucedeu no sector da cabotagem, que apenas foi progressivamente aberto à concorrência a partir de 1 de Julho de 1990, o mercado do transporte internacional foi-o a partir de 1969. Daqui resulta que a obrigação de notificar os regimes de auxílios em causa instituídos em 1981 e 1985, na medida em que previam a concessão de auxílios neste sector, não pode, em princípio, escapar à atenção de um operador económico diligente.

173 Nestas circunstâncias, os recorrentes não invocam qualquer circunstância excepcional de natureza a justificar uma confiança legítima na regularidade dos auxílios pagos às empresas que efectuam transportes internacionais.

174 Não se encontra, portanto, provado que a obrigação de restituir estes auxílios viole o princípio de protecção da confiança legítima.

175 Por outro lado, a questão de saber se a fundamentação de um acto satisfaz as exigências do artigo 190._ do Tratado CE (actual artigo 253._ CE) deve ser apreciada não somente tendo em conta o seu teor mas também o seu contexto e o conjunto das regras jurídicas que regem a matéria em causa (v., por exemplo, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Outubro de 1996, Skibsværftsforeningen e o./Comissão, T-266/94, Colect;, p. II-1399, n._ 230).

176 No caso concreto, uma vez que a obrigação de recuperação do montante dos auxílios pagos, acrescidos de juros, é a consequência lógica da declaração de ilegalidade desses auxílios, a decisão impugnada encontra-se suficientemente fundamentada, na medida em que, após ter demonstrado que os auxílios em causa acarretam uma distorção da concorrência na Comunidade entre as empresas de transporte rodoviário de mercadorias por conta de outrem estabelecidas na Região Friuli-Venezia Giulia e as estabelecidas fora desta região (ponto VI, oitavo parágrafo), conclui que a recuperação destes auxílios é necessária para o reestabelecimento das «condições de concorrência equitativas» existente antes da concessão dos mesmos (ponto IX, segundo parágrafo).

177 Daqui resulta que os fundamentos assentes em violação dos princípios de protecção da confiança legítima e da proporcionalidade, bem como na falta de fundamentação quanto à recuperação dos auxílios em causa devem ser julgados improcedentes.

178 Daqui decorre que o presente recurso deve apenas ser julgado procedente na parte em que visa a anulação do artigo 2._ da decisão impugnada, na parte em que este artigo declara ilegais os auxílios concedidos a partir de 1 de Julho de 1990 às empresas que efectuam transporte local, regional ou nacional, e do artigo 5._ desta decisão, na parte em que impõe o reembolso destes auxílios.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

179 Nos termos do artigo 87._, n._ 3, do Regulamento de Processo, o Tribunal de Primeira Instância pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes ou que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas se cada parte obtiver vencimento parcial. Tendo os recorrentes obtido vencimento parcial nas suas conclusões, há que condená-los a suportarem as suas próprias despesas. A Comissão suportará as suas próprias despesas.

180 A República Italiana suportará as suas próprias despesas nos termos do artigo 87._, n._ 4, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

(Quarta Secção Alargada),

decide:

1) O artigo 2._ da Decisão 98/182/CE da Comissão, de 30 de Julho de 1997, relativo aos auxílios concedidos pela Região Friuli-Venezia Giulia (Itália) às empresas de transporte rodoviário de mercadorias da região é anulado na parte em que declara ilegais os auxílios concedidos a partir de 1 de Julho de 1990 às empresas que efectuam transporte local, regional ou nacional.

2) O artigo 5._ da Decisão 98/182 é anulado na parte em que obriga a República Italiana a recuperar estes auxílios.

3) Quanto ao demais, é negado provimento ao recurso.

4) Cada uma das partes suportará as suas próprias despesas.