61997A0046

Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Primeira Secção Alargada) de 10 de Maio de 2000. - SIC - Sociedade Independente de Comunicação SA contra Comissão das Comunidades Europeias. - Financiamento das televisões públicas - Queixa - Auxílios de Estado - Não abertura do procedimento do n.º 2 do artigo 93.º do Tratado CE (actual artigo 88.º, n.º 2, CE) - Recurso de anulação. - Processo T-46/97.

Colectânea da Jurisprudência 2000 página II-02125


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


1 Recurso de anulação - Actos susceptíveis de recurso - Acto impugnável pelo autor duma queixa contra um auxílio de Estado - Carta da Comissão que comunica ao queixoso a recusa da Comissão de iniciar o procedimento previsto no artigo 93._, n._ 2, do Tratado (actual artigo 88._, n._ 2, CE) - Exclusão

[Tratado CE, artigos 92._ e 173._ (que passaram, após alteração, a artigos 87._ CE e 230._ CE) e artigo 93._, n._ 2 (actual artigo 88._, n._ 2, CE)]

2 Auxílios concedidos pelos Estados - Projectos de auxílios - Exame pela Comissão - Fase preliminar e fase contraditória - Compatibilidade de um auxílio com o mercado comum - Dificuldades de apreciação - Obrigação da Comissão de dar início ao processo contraditório

[Tratado CE, artigo 92._, n._ 1 (que passou, após alteração, a artigo 87._, n._ 1, CE) e artigo 93._, n.os 2 e 3 (actual artigo 88._, n.os 2 e 3, CE)]

3 Auxílios concedidos pelos Estados - Conceito - Medidas tendentes a compensar o custo das missões de serviço público assumidas por uma empresa - Inclusão

[Tratado CE, artigo 90._, n._ 2 (actual artigo 86._, n._ 2, CE) e artigo 92._, n._ 1 (que passou, após alteração, a artigo 87._, n._ 1, CE)]

4 Auxílios concedidos pelos Estados - Projectos de auxílios - Exame pela Comissão - Fase preliminar e fase contraditória - Compatibilidade de um auxílio com o mercado comum - Dificuldades de apreciação - Obrigação da Comissão de dar início ao processo contraditório - Pedido de informações complementares - Incidência

[Tratado CE, artigo 92._, n._ 1 (que passou, após alteração, a artigo 87._, n._ 1, CE) e artigo 93._, n.os 2 e 3 (actual artigo 88._, n.os 2 e 3, CE)]

5 Auxílios concedidos pelos Estados - Projectos de auxílios - Exame pela Comissão - Fase preliminar e fase contraditória - Compatibilidade de um auxílio com o mercado comum - Dificuldades de apreciação - Obrigação da Comissão de dar início ao processo contraditório - Exame preliminar de medidas estatais não notificadas dentro de prazos que excedem significativamente as exigências normais de um primeiro exame

[Tratado CE, artigo 92._, n._ 1 (que passou, após alteração, a artigo 87._, n._ 1, CE) e artigo 93._, n.os 2 e 3 (actual artigo 88._, n.os 2 e 3, CE)]

Sumário


1 As decisões adoptadas pela Comissão no domínio dos auxílios de Estado têm sempre por destinatários os Estados-Membros em causa. Isto vale igualmente quando essas decisões dizem respeito a medidas estatais denunciadas nas queixas como sendo auxílios de Estado contrários ao Tratado e daí resultar que a Comissão recuse iniciar o procedimento previsto no artigo 93._, n._ 2, do Tratado (actual artigo 88._, n._ 2, CE), porque entende ou que as medidas denunciadas não constituem auxílios de Estado na acepção do artigo 92._ do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 87._ CE), ou que elas são compatíveis com o mercado comum. Se a Comissão adopta tais decisões e, em conformidade com o seu dever de boa administração, informa disso os queixosos, é a decisão dirigida ao Estado-Membro que deve, tal sendo o caso, ser objecto de recurso de anulação por parte do queixoso e não a carta de informação dirigida a este. (cf. n._ 45)

2 O procedimento do artigo 93._, n._ 2, do Tratado (actual artigo 88._, n._ 2, CE) reveste carácter indispensável sempre que a Comissão depare com dificuldades sérias para apreciar se um auxílio é compatível com o mercado comum. A Comissão só se pode portanto limitar à fase preliminar do n._ 3 do artigo 93._ do Tratado para tomar uma decisão favorável a um auxílio se estiver em condições de adquirir a convicção, no termo de um primeiro exame, de que esse auxílio é compatível com o mercado comum. Pelo contrário, se esse primeiro exame a tiver levado à convicção oposta ou não tiver permitido ultrapassar todas as dificuldades suscitadas pela apreciação da compatibilidade desse auxílio com o mercado comum, a Comissão tem o dever de obter todos os pareceres necessários e dar início, para o efeito, ao procedimento do n._ 2 do artigo 93._ do Tratado.

Do mesmo modo, a Comissão é obrigada a instaurar o procedimento previsto pelo artigo 93._, n._ 2, do Tratado se um primeiro exame não lhe tiver permitido ultrapassar todas as dificuldades suscitadas pela questão de saber se a medida estatal submetida ao seu controlo constitui um auxílio na acepção do artigo 92._, n._ 1, do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 87._, n._ 1, CE), pelo menos quando não pôde obter a convicção de que a medida em apreço, ainda que qualificada como auxílio de Estado, é, em qualquer dos casos, compatível com o mercado comum. (cf. n.os 71-72)

3 O artigo 92._, n._ 1, do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 87._, n._ 1, CE) não faz a distinção segundo as causas ou os objectivos das intervenções estatais, mas define-as em função dos seus efeitos. O conceito de auxílio é, assim, um conceito objectivo e função da mera questão de saber se uma medida estatal confere ou não um benefício a uma ou a certas empresas. Decorre em especial que o facto de as autoridades públicas concederem uma vantagem financeira a uma empresa para compensar o custo das obrigações de serviço público pretensamente assumidas por essa empresa é irrelevante para efeitos de qualificação de tal medida de auxílio na acepção do n._ 1 do artigo 92._ do Tratado, não prejudicando que tal elemento seja tomado em consideração no âmbito do exame da compatibilidade do auxílio em causa com o mercado comum, nos termos do n._ 2 do artigo 90._ do Tratado (actual artigo 86._, n._ 2, CE). (cf. n.os 83-84)

4 O mero facto de terem existido discussões entre a Comissão e o Estado-Membro interessado durante a fase preliminar de exame e de, nesse âmbito, terem sido pedidas informações complementares pela Comissão sobre as medidas sujeitas ao seu controlo não pode, por si só, ser considerado como prova de que aquela instituição se confrontava com dificuldades sérias de apreciação que exigiam que fosse instaurado o procedimento previsto no artigo 93._, n._ 2, do Tratado (actual artigo 88._, n._ 2, CE). Contudo, também não se pode excluir que o teor das discussões entre a Comissão e o Estado-Membro interessado durante essa fase preliminar do procedimento possa, em determinadas circunstâncias, ser susceptível de revelar a existência de tais dificuldades. (cf. n._ 89)

5 O decurso de um prazo que exceda significativamente o tempo que normalmente implica um primeiro exame operado no âmbito das disposições do n._ 3 do artigo 93._ do Tratado (actual artigo 88._, n._ 3, CE) pode, conjuntamente com outros elementos, conduzir à conclusão de que a Comissão encontrou sérias dificuldades de apreciação que exigem a instauração do procedimento previsto no n._ 2 do artigo 93._ do Tratado.

É certo que, num caso em que, não tendo as medidas estatais controvertidas sido notificadas pelo Estado-Membro em causa, a Comissão não estava obrigada a proceder ao exame preliminar de tais medidas no prazo de dois meses visado pela jurisprudência, não deixa de ser verdade que, quando terceiros interessados lhe tenham submetido denúncias, a instituição é obrigada, no quadro da fase preliminar prevista por esta disposição, a proceder a um exame diligente e imparcial dessas denúncias, no interesse de uma correcta aplicação das regras fundamentais do Tratado relativas aos auxílios estatais. Daqui resulta, designadamente, que a Comissão não pode prolongar indefinidamente o exame preliminar de medidas estatais que foram objecto de uma denúncia nos termos do artigo 92._, n._ 1, do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 87._, n._ 1, CE), quando aceitou iniciar esse exame.

Prazos superiores a 39 meses sobre a data de entrega da primeira queixa da recorrente, e cerca de 33 meses após a recorrente ter completado a sua queixa excedem significativamente o tempo normalmente necessário para um primeiro exame, tendo este por único objectivo permitir que a Comissão forme uma primeira opinião sobre a qualificação das medidas submetidas à sua apreciação e sobre a respectiva compatibilidade com o mercado comum. (cf. n.os 102-107)

Partes


No processo T-46/97,

SIC - Sociedade Independente de Comunicação, SA, com sede em Estrada da Outorela (Portugal), representada por C. Botelho Moniz e P. Moura Pinheiro, advogados no foro de Lisboa, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado A. May, 31, Grand-rue,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por G. Rozet, consultor jurídico, e A. M. Alves Vieira, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de C. Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrida,

apoiada por

RTP - Radiotelevisão Portuguesa, SA, com sede em Lisboa (Portugal), representados por Manuel Tinoco de Faria e I. Jalles, advogados no foro de Lisboa, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório dos advogados Beghin e Feider, 56-58, rue Charles Martel,

por

República Portuguesa, representada por L. Fernandes, director do Serviço Jurídico da Direcção-Geral dos Assuntos Comunitários do Ministério dos Negócios Estrangeiros, M. L. Duarte, consultora jurídica, e T. Ribeiro, directora do Departamento de Assessorias e Assuntos Internacionais do Instituto da Comunicação Social, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo na sede da Embaixada de Portugal, 33, Allée Scheffer,

e por

Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, representado por R. Magrill, na qualidade de agente, com domicílio escolhido na sede da Embaixada do Reino Unido, 14, boulevard Roosevelt,

intervenientes,

que tem por objecto a anulação, por um lado, da decisão da Comissão de 7 de Novembro de 1996 relativa a um processo de aplicação do artigo 93._ do Tratado CE (actual artigo 88._ CE) em matéria de financiamento das televisões públicas, comunicada ao recorrente em 6 de Janeiro de 1997, e, por outro, da decisão pretensamente constante do ofício da Comissão de 20 de Dezembro de 1996 relativo à queixa da recorrente contra a RTP - Radiotelevisão Portuguesa, SA,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS

(Primeira Secção Alargada),

composto por: B. Vesterdorf, presidente, V. Tiili, A. Potocki, A. W. H. Meij e M. Vilaras, juízes,

secretário: G. Herzig, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 30 de Novembro de 1999,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


Factos na origem do processo

1 A RTP - Radiotelevisão Portuguesa, SA, outrora empresa pública, é desde 1992, data da cessação do monopólio do Estado português no sector do audiovisual, uma sociedade anónima de capitais públicos. Concessionária do serviço público da televisão portuguesa, a RTP explora os canais 1 e 2, bem como o canal lusófono RTP Internacional. Enquanto o financiamento dos canais privados de televisão portuguesa é exclusivamente alimentado pelas receitas provenientes da publicidade, a RTP dispõe não apenas das referidas receitas, mas também de financiamentos públicos anualmente concedidos em contrapartida das suas obrigações de serviço público, cujo montante representou, de 1992 a 1995, entre 15% e 18% do conjunto das suas receitas anuais.

2 A SIC - Sociedade Independente de Comunicação, SA, é uma sociedade de direito português, de natureza comercial, que tem por objecto o exercício de actividades no âmbito da televisão, que explora, desde Outubro de 1992, um dos principais canais privados de televisão em Portugal.

Queixas e procedimento administrativo na Comissão

3 Em 30 de Julho de 1993, a SIC apresentou à Comissão uma queixa (a seguir «primeira queixa»), dirigida contra as formas de financiamento dos canais explorados pela RTP, com o objectivo de obter a declaração, por um lado, da incompatibilidade com o mercado comum, na acepção do artigo 92._ do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 87._ CE), de um conjunto de medidas adoptadas pela República Portuguesa em benefício da RTP, e, por outro, da violação do n._ 3 do artigo 93._ do Tratado CE (actual artigo 88._, n._ 3, CE), em virtude da não notificação prévia dos auxílios denunciados. Nessa primeira queixa, a SIC estimou em, respectivamente, 6 200 milhões PTE e 7 100 milhões de PTE o montante das dotações financeiras transferidas pelo Estado para a RTP em 1992 e 1993, a título de indemnização compensatória das obrigações de serviço público a esta impostas. Para além de tais dotações, a SIC denunciou as isenções fiscais de que a RTP beneficiava em matéria de encargos de registo, bem como o sistema de auxílios ao investimento previsto no contrato de concessão. Em consequência, a SIC requereu à Comissão que desse início ao procedimento formal previsto no n._ 2 do artigo 93._ do Tratado e que intimasse a República Portuguesa a suspender o pagamento de tais auxílios não notificados até adopção de uma decisão final.

4 Na sequência da apresentação da primeira queixa, teve lugar uma reunião, em 3 de Novembro de 1993, entre os serviços da Comissão e os representantes da SIC, durante a qual foi pedido à recorrente que apresentasse dados suplementares sobre o mercado em causa.

5 Por ofício de 12 de Fevereiro de 1994, a recorrente entregou os dados solicitados. Além disso, completou a sua queixa denunciando à Comissão, por um lado, a autorização dada pelo Governo português de faseamento de uma dívida da RTP à Segurança Social no montante de 2 biliões de PTE, acompanhada de uma isenção de pagamento de juros, e, por outro, a retoma pelo Estado, a preço excessivo, da rede de teledifusão de que a RTP era proprietária, bem como as facilidades de pagamento a esta concedidas pela empresa pública encarregada da gestão da referida rede. Considerando que tais medidas constituíam auxílios de Estado incompatíveis com o mercado comum, a recorrente requereu também, a seu respeito, a instauração do procedimento previsto no n._ 2 do artigo 93._ do Tratado.

6 Pouco tempo antes, em Dezembro de 1993, a Comissão encomendou a um gabinete externo de consultores um estudo sobre o financiamento das empresas de televisão públicas em toda a Comunidade, informando a recorrente de que tal estudo seria um elemento decisivo na instrução da sua queixa.

7 Em 15 de Março de 1994, a recorrente forneceu novos dados à Comissão relativos às taxas de audiência das diversas cadeias de televisão em Portugal, informando-a, em 14 de Abril de 1994, do pagamento pelo Governo português à RTP de nova indemnização compensatória, relativa a 1994, no valor de 7 145 milhões de PTE.

8 Por ofício de 4 de Agosto de 1995, a recorrente, nos termos do artigo 175._ do Tratado CE (actual artigo 232._ CE), interpelou a Comissão para que tomasse posição sobre a queixa e, em especial, sobre o pedido de abertura do procedimento do artigo 93._, n._ 2.

9 Em 16 de Outubro de 1995, a Comissão informou a recorrente de que, na sequência da apresentação da versão preliminar do estudo encomendado em Dezembro de 1993, solicitara informações complementares às autoridades portuguesas, por forma a poder analisar o caso à luz do artigo 92._ do Tratado.

10 Em 1 de Novembro de 1995, a Comissão recebeu a versão final do estudo em causa, de que enviou um exemplar às autoridades portuguesas para apresentarem observações.

11 Por ofício de 14 de Dezembro de 1995, as autoridades portuguesas forneceram os esclarecimentos solicitados pela Comissão no que se refere às medidas de auxílios denunciadas nas queixas.

12 Por requerimento entregue na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 19 de Dezembro de 1995, a recorrente interpôs recurso por omissão nos termos do artigo 175._ do Tratado, registado sob o número T-231/95.

13 Por ofício de 31 de Janeiro de 1996, a Comissão informou as autoridades portuguesas de que, face às respostas por estas dadas, «permaneciam... algumas questões por esclarecer». A este respeito, a Comissão solicitou-lhes que fornecessem os dados contabilísticos relativos às dotações pagas a título de obrigações de serviço público da RTP em 1992 e 1993, bem como ao custo de exploração da RTP Internacional entre 1992 e 1995. A Comissão sublinhou, em seguida, que, «após um exame inicial, as isenções fiscais e atrasos consentidos quanto aos pagamentos relativos à rede de teledifusão TDP parec[iam] constituir auxílios de Estado abrangidos pelo âmbito de aplicação do n._ 1 do artigo 92._ do Tratado.» Solicitou, em consequência, às autoridades portuguesas que lhe indicassem se, em sua opinião, tais auxílios se fundavam numa das derrogações previstas no artigo 92._ do Tratado.

14 Por ofício de 20 de Março de 1996, as autoridades portuguesas responderam ao pedido da Comissão.

15 Em 16 de Abril de 1996, a Comissão formulou novo pedido de informações às mesmas autoridades, relativamente às isenções fiscais e às facilidades de pagamento concedidas à RTP, a que foi dada resposta por ofício de 21 de Junho de 1996.

16 Em 22 de Outubro de 1996, a recorrente apresentou nova queixa (a seguir «segunda queixa»), visando, antes de mais, obter a declaração de que as dotações financeiras concedidas pelo Estado português à RTP, no período de 1994-1996, eram incompatíveis com o mercado comum por fundamentos idênticos aos referidos na primeira queixa. A recorrente também nela denunciou o pagamento, em 1994, de novos auxílios à RTP, não notificados pelo Estado português, decorrentes de um aumento de capital e da concessão de uma garantia por este dada no âmbito da emissão pela RTP de um empréstimo obrigacionista. Em consequência, a SIC solicitou à Comissão que desse início ao procedimento formal previsto no n._ 2 do artigo 93._, e intimasse a República Portuguesa a cessar o pagamento de tais auxílios até adopção de uma decisão final.

17 Por ofício de 20 de Dezembro de 1996 (a seguir «ofício de 20 de Dezembro de 1996»), a Comissão informou a recorrente de que, na sequência da segunda queixa contra a RTP, solicitara informações às autoridades portuguesas quanto ao aumento de capital e ao empréstimo obrigacionista efectuados pela RTP em 1994, bem como sobre a elaboração de um plano de reestruturação para o período de 1996-2000 e a celebração de um protocolo com o Ministério da Cultura visando o apoio à actividade cinematográfica. No segundo parágrafo do ofício, a Comissão acrescentou: «No que se refere aos financiamentos relativos às indemnizações compensatórias recebidas pela... RTP durante o período de 1994-1996, entendemos que não constituem auxílios de Estado abrangidos pelo n._ 1 do artigo 92._ do Tratado pelos fundamentos expostos na decisão [de 7 de Novembro de 1996], de que vos enviaremos cópia logo que as autoridades portuguesas nos informem de quais os elementos confidenciais que não devem ser comunicados a terceiros.»

18 Em 6 de Janeiro de 1997, a recorrente recebeu cópia da decisão da Comissão de 7 de Novembro de 1996 dirigida à República Portuguesa, relativa ao financiamento dos canais públicos de televisão (a seguir «decisão»).

Decisão

19 A decisão incide sobre seis categorias de medidas adoptadas pelo Estado português em benefício da RTP.

20 A primeira categoria de medidas examinadas diz respeito às dotações financeiras pagas à RTP, de 1992 a 1995, a título de indemnizações compensatórias. De acordo com a decisão, os respectivos montantes, compreendidos entre 6 200 milhões de PTE em 1992 (cerca de 32,5 milhões de ecus) e 7 125 milhões de PTE em 1995 (cerca de 36,2 milhões de ecus), representam entre 15% e 18% das receitas anuais da RTP e destinam-se a financiar os encargos resultantes da execução das obrigações de serviço público que as televisões privadas não assumem. A natureza das referidas obrigações e os montantes das indemnizações compensatórias recebidas pela RTP, expressas em milhões de PTE, são as seguintes:

1992 / 1993 /1994 /1995

1. Obrigação de difusão de dois programas cobrindo todo o território continental (os canais privados não cobrem todo o território) (cláusula 4.2 do caderno de encargos)

406,7 / 1312/ 500 / 1032,81

2. Défice de exploração das regiões autónomas (cláusula 4.3 do caderno de encargos)

3454 / 3486 / 1804 /1992,166

3. Défice de exploração do arquivo audiovisual (cláusula 7 do caderno de encargos)

509 / 241,5 / 517 / 283,66

4. Custo de exploração da RTP Internacional (cláusula 6 do caderno de encargos)

882,3 / 1517 / 2623 /2729,116

5. Custo do funcionamento da estrutura ligada à cooperação com os PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa) (cláusula 8 do caderno de encargos)

186,9 / 128,3 /172 / 195,273

6. Emissões religiosas (cedência do direito de antena) (cláusula 5.1 f) do caderno de encargos)

482 / 350 / 579 / 327,9

7. Delegações e correspondentes (cláusula 5.1 n) do caderno de encargos)

797,8 / 658,6 / 800 / 504,27

8. Fundação São Carlos (teatro público) (cláusula 12.1.8 do caderno de encargos)

... / 50 / 55 / 60

21 Relativamente a 1993, a Comissão procede à análise comparativa dos valores fornecidos pela recorrente e pela RTP quanto à avaliação do custo de tais obrigações. Refere, a este respeito, que «a metodologia de cálculo utilizada pelo autor da denúncia carece de rigor [sendo que] a análise e os montantes fornecidos pelas autoridades portuguesas são muito mais fiáveis, especialmente quando comparados com as indemnizações recebidas nos anos de 1994 e 1995, período em que a contabilidade analítica era obrigatória». Relativamente aos anos de 1994 e 1995, a Comissão sublinha que a inexistência de compensações excedentárias é garantida pela aplicação das regras da referida contabilidade ao cálculo das despesas inerentes às obrigações de serviço público e pelo controlo efectuado pela Inspecção-Geral de Finanças.

22 A Comissão deduz destes dados que «a vantagem financeira resultante [dessas] transferências não ultrapassou o estritamente necessário para assegurar as obrigações de serviço público impostas no caderno de encargos».

23 Quanto ao ano de 1992, salienta que, «tendo em conta o montante dos financiamentos em causa... muito inferior aos dos anos seguintes, e a sua repartição, pode excluir-se a existência de um eventual excesso de compensação», apesar da inexistência de dados contabilísticos fornecidos pela RTP.

24 No que se refere às indemnizações compensatórias, a Comissão conclui que «não tem qualquer dúvida de base sobre a transparência do sistema de financiamento das despesas inerentes às obrigações de serviço público, que assegurou devidamente em 1994 e 1995 a adequação dos financiamentos públicos ao custo real das obrigações de serviço público e a ausência de elementos de auxílio nas medidas em causa», sendo esta conclusão válida, por idênticas razões, para os anos de 1992 e 1993.

25 No que se refere, em segundo lugar, às isenções fiscais denunciadas, a Comissão entende que a RTP apenas foi, com efeito, isenta do pagamento de impostos e encargos de registo relativamente ao registo da sociedade em 1992, num montante da ordem de 33 milhões de PTE. De acordo com a decisão, esta isenção não constitui um auxílio estatal em virtude da sua conformidade com a economia do sistema fiscal, nos termos do qual o registo de um acto não é necessário quando a respectiva natureza autêntica resulta da própria lei. Quando do aumento de capital em 1995, a RTP pagou, pelo contrário, todos os impostos e encargos de registo aplicáveis, nessa situação, às pessoas colectivas de direito privado.

26 Em terceiro lugar, no que se refere à dívida da RTP à Segurança Social, no montante total de 2 189 milhões de PTE relativamente ao período de 1983-1989, a Comissão sublinha ter, em primeiro lugar, sido celebrado um acordo extrajudicial entre a RTP e a Segurança Social, em virtude de divergências de interpretação quanto à base de tributação e para evitar uma acção judicial, antes de, por fim, um decreto conjunto do Ministério das Finanças e do Ministério da Segurança Social, de 3 de Maio de 1993, estabelecer o faseamento da dívida e a não cobrança das multas e juros correlativos. A Comissão conclui que o referido acordo, contendo a renúncia aos juros de mora, avaliados em 1 206 milhões de PTE, e a aceitação do pagamento escalonado da dívida de montante muito inferior aos 2 mil milhões de PTE calculados pela recorrente, revela da parte do organismo de Segurança Social um comportamento próximo do de um operador privado que procure cobrar as somas devidas.

27 Em quarto lugar, relativamente à aquisição em 1994 pelo Estado português, por 5 400 milhões de PTE, da rede de difusão de que a RTP era proprietária, a Comissão entende que esse preço não dissimula qualquer auxílio estatal, na medida em que foi calculado com base em peritagens efectuadas, designadamente, por uma entidade privada independente. Além disso, a taxa anualmente paga pela RTP pela utilização da rede, ou seja, 2 000 milhões de PTE, dá ao proprietário actual uma rentabilidade financeira muito elevada dos capitais investidos.

28 Em quinto lugar, relativamente aos atrasos de pagamento da referida taxa tolerados pela Portugal Telecom, novo proprietário da rede de difusão, a respeito exclusivamente da RTP e não da SIC, não são, de acordo com a decisão, susceptíveis de revelar a existência de um auxílio. Com efeito, não tendo a Portugal Telecom renunciado à recuperação dos juros de mora vencidos, avaliados em cerca de 398 milhões de PTE em Março de 1996, a RTP não ficou eximida das consequências financeiras dos seu comportamento.

29 Em sexto lugar, relativamente aos auxílios ao investimento a que se refere o artigo 14._ do contrato de concessão, nos termos do qual o Estado pode participar nos investimentos realizados pela RTP, a Comissão constata que, de acordo com as informações prestadas pelas autoridades portuguesas, nenhum pagamento foi, até ao presente, efectuado a esse título.

Acontecimentos posteriores à decisão

30 Seguidamente à adopção da decisão, a recorrente desistiu do recurso por omissão que interpusera no processo T-231/95, que, em consequência, foi objecto de cancelamento por despacho do Tribunal de Primeira Instância de 4 de Julho de 1997.

31 Por ofício de 21 de Abril de 1997, a Comissão informou a recorrente de que, face às informações prestadas pelas autoridades portuguesas, entendia que as medidas denunciadas na segunda queixa relativas ao aumento de capital da RTP e ao empréstimo obrigacionista de 1994, bem como o protocolo de apoio à actividade cinematográfica e o plano de reestruturação 1996-2000, não tinham dado lugar ao pagamento de qualquer auxílio estatal. A Comissão referiu que, na ausência de novos elementos, se propunha, assim, não prosseguir a instrução dessa queixa.

Tramitação processual

32 Por petição entregue na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 3 de Março do 1997, a recorrente interpôs o presente recurso.

33 Por requerimentos entregues na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância respectivamente em 28 de Julho, 5 de Agosto e 18 de Agosto de 1997, a RTP, a República Portuguesa e o Reino Unido pediram para intervir em apoio da posição recorrida, tendo sido dado provimento a esses pedidos por despacho do presidente da Segunda Secção Alargada de 13 de Novembro de 1997. Só o Reino Unido não apresentou alegações nem esteve representado na audiência.

34 Por decisão do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Setembro de 1998, o juiz-relator foi afecto à Primeira Secção Alargada do Tribunal, à qual foi em consequência atribuído o processo.

35 Com base no relatório do juiz-relator, o Tribunal de Primeira Instância (Primeira Secção Alargada) decidiu dar início à fase oral do processo. No âmbito das medidas de organização processual, as partes no processo principal e os intervenientes foram convidados a responder a questões durante a audiência. A Comissão e a recorrente foram igualmente convidadas a apresentar determinados documentos antes de 13 de Novembro de 1999, o que fizeram no prazo concedido. Contudo, em 29 de Novembro de 1999, a recorrente entregou ainda na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância cópia de um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 16 de Junho de 1999. Tendo este documento sido apresentado fora de prazo, não deve ser tomado em consideração para efeitos do presente acórdão, de acordo com as observações da Comissão e da RTP.

Pedidos das partes

36 A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

- anular a decisão;

- anular a decisão contida no ofício da Comissão de 20 de Dezembro de 1996;

- ordenar à Comissão que junte ao processo os documentos administrativos que constituem o fundamento das decisões impugnadas;

- condenar a recorrida nas despesas.

37 Nas suas observações sobre as alegações de intervenção, a recorrente conclui ademais pedindo que o Tribunal se digne:

- rejeitar por inadmissível os fundamentos invocados pelos intervenientes com base no n._ 2 do artigo 90._ do Tratado (actual artigo 86._, n._ 2, CE);

- condenar os intervenientes no pagamento das despesas resultantes da intervenção.

38 A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

- rejeitar o recurso por improcedente;

- condenar a recorrente nas despesas.

39 A RTP conclui pedindo que o Tribunal se digne:

- rejeitar o recurso por improcedente;

- condenar a recorrente nas despesas.

40 A República Portuguesa conclui pedindo que o Tribunal se digne:

- rejeitar o recurso por inadmissível;

- condenar a recorrente nas despesas.

Quanto ao pedido de anulação do ofício de 20 de Dezembro de 1996

Quanto à admissibilidade

Argumentos das partes

41 A Comissão, apoiada pela República Portuguesa e pela RTP, considera que só a decisão constitui um acto impugnável. Pelo contrário, o ofício de 20 de Dezembro de 1996 é uma mera nota informativa e não susceptível de recurso.

42 Na réplica, a recorrente admite que o primeiro parágrafo do ofício de 20 de Dezembro de 1996, relativo, designadamente, ao aumento de capital e ao empréstimo obrigacionista da RTP, não contém qualquer posição definitiva da Comissão, posição essa que lhe foi comunicada pela carta da Comissão de 21 de Abril de 1997, depois de interposto o presente recurso.

43 Pelo contrário, o segundo parágrafo do ofício contém um acto susceptível de recurso, visto que exprime uma posição definitiva da Comissão sobre a qualificação jurídica das indemnizações compensatórias pagas entre 1994 e 1996. Trata-se, com efeito, de uma decisão de indeferimento da segunda queixa, fundamentada por mero reenvio para a fundamentação contida na decisão.

Apreciação do Tribunal

44 Segundo jurisprudência constante, só constituem actos ou decisões susceptíveis de ser objecto de recurso de anulação, na acepção do artigo 173._ do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 230._ CE), as medidas que produzem efeitos jurídicos obrigatórios susceptíveis de afectar os interesses da recorrente, modificando de forma caracterizada a sua situação jurídica (despacho do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Setembro de 1999, UPS Europe/Comissão, T-182/98, Colect., p. II-0000, n._ 39, e jurisprudência aí citada).

45 Além disso, há que recordar que as decisões adoptadas pela Comissão no domínio dos auxílios de Estado têm sempre por destinatários os Estados-Membros. Isto vale igualmente quando essas decisões dizem respeito a medidas estatais denunciadas nas queixas como sendo auxílios de Estado contrários ao Tratado e daí resultar que a Comissão recuse iniciar o procedimento previsto no artigo 93._, n._ 2, do Tratado porque entende ou que as medidas denunciadas não constituem auxílios de Estado na acepção do artigo 92._ do Tratado, ou que elas são compatíveis com o mercado comum. Se a Comissão adopta tais decisões e, em conformidade com o seu dever de boa administração, informa disso os queixosos, é a decisão dirigida ao Estado-Membro que deve, tal sendo o caso, ser objecto de recurso de anulação por parte do queixoso e não a carta de informação dirigida a este (acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink's France, C-367/95 P, Colect., p. I-1719, n._ 45, e despacho UPS Europe/Comissão, já referido, n._ 37).

46 No caso vertente, como a recorrente admite, o primeiro parágrafo do ofício de 20 de Dezembro de 1997, relativo a determinadas medidas denunciadas na segunda queixa (v. supra n._ 17), não contém qualquer tomada de posição da Comissão. Limita-se, com efeito, a informar a SIC de que foram remetidos às autoridades portuguesas pedidos de informação. Além disso, só pelo ofício de 21 de Abril de 1997 comunicou a Comissão à recorrente a sua decisão de pôr fim ao exame de tais medidas. Em consequência, o ofício de 20 de Dezembro de 1996 é, deste ponto de vista, desprovido de efeitos jurídicos.

47 Quanto ao segundo parágrafo deste último ofício, relativo às dotações financeiras pagas à RTP a título de indemnizações compensatórias relativas ao período de 1994-1996, saliente-se que limita-se a informar a recorrente da posição adoptada pela Comissão, na decisão, relativamente à qualificação de tais medidas à luz do artigo 92._ do Tratado.

48 Cabe, é certo, salientar que, na decisão, a Comissão apenas tomou posição quanto às dotações financeiras pagas à RTP de 1992 a 1995, sem proceder ao exame da concedida relativamente ao ano de 1996. Contudo, no caso vertente, tal facto não é susceptível de conduzir a interpretar o ofício de 20 de Dezembro de 1996 como contendo uma decisão relativamente a esta última dotação. Com efeito, interrogada sobre este ponto na audiência, a Comissão referiu que não procedera à análise da dotação financeira recebida pela RTP em 1996 e que este aspecto da segunda queixa estava ainda pendente nos seus serviços.

49 O ofício de 20 de Dezembro de 1996, sendo pois meramente informativo, não reveste as características de um acto produtor de efeitos jurídicos vinculativos para a recorrente. Em consequência, o recurso deve ser rejeitado por inadmissível na medida em que tem por objecto o ofício de 20 de Dezembro de 1996.

Quanto ao pedido de anulação da decisão

Quanto ao objecto do pedido

50 Observe-se, a título liminar, que, em resposta a uma questão do Tribunal na audiência, a recorrente precisou que o presente recurso não visa a anulação da decisão na medida em que esta diz respeito, por um lado, ao preço pago pelo Estado português pela compra da rede de teledifusão de que a RTP era proprietária e, por outro, ao sistema de auxílios ao investimento a que se refere o artigo 14._ do contrato de concessão, o que foi registado pelo secretário.

51 O pedido de anulação da decisão deve, pois, ser entendido como referindo-se apenas à anulação parcial da Decisão, na medida em que esta diz respeito às medidas tomadas em benefício da RTP que consistem na concessão de dotações financeiras pagas a título de indemnizações compensatórias de 1992 a 1995, isenções fiscais, facilidades de pagamento da taxa relativa à utilização da rede de teledifusão e o faseamento da dívida à Segurança Social, acompanhado de isenção dos juros de mora.

Quanto ao mérito

52 Em apoio do pedido de anulação, a recorrente invoca três fundamentos, baseando-se o primeiro em violação das normas processuais, o segundo na violação da obrigação de fundamentação e o terceiro na violação do artigo 92._ do Tratado.

Quanto ao primeiro fundamento baseado em violação das normas processuais

53 Nos articulados da recorrente, este fundamento declinava-se inicialmente em duas partes, a saber, por um lado, violação do princípio da audição prévia dos queixosos na fase preliminar de exame e, por outro, violação do n._ 2 do artigo 93._ do Tratado. Contudo, na audiência, em resposta a uma questão do Tribunal relativa à pertinência da primeira parte do fundamento depois do acórdão Comissão/Sytraval e Brink's France, já referido, a recorrente desistiu dessa parte, o que foi registado pelo secretário. O presente fundamento deve, pois, ser entendido no sentido de que se baseia em violação do n._ 2 do artigo 93._ do Tratado.

- Argumentos das partes

54 A recorrente sustenta que a Comissão estava obrigada a instaurar o procedimento formal previsto no n._ 2 do artigo 93._ do Tratado, tendo em conta as dúvidas que existiam, ou que esta devia ter, quanto à natureza das medidas denunciadas à luz do n._ 1 do artigo 92._ do Tratado.

55 Em primeiro lugar, teria ficado provado que a Comissão tinha sérias dúvidas quanto às isenções fiscais e facilidades de pagamento autorizadas à RTP visto que, depois de dois anos e meio de instrução e de já ter obtido respostas por parte das autoridades portuguesas, considerava ainda, no ofício de 31 de Janeiro de 1996 a estas dirigido, que tais medidas «parec[iam] constituir auxílios estatais», pedindo-lhes, em consequência, que justificassem a respectiva compatibilidade com o mercado comum nos termos n._ 3 do artigo 92._ do Tratado.

56 Em segundo lugar, no que se refere às indemnizações compensatórias denunciadas, a Comissão devia ter tanto mais dúvidas quanto à sua qualificação à luz do n._ 1 do artigo 92._ do Tratado que, numa decisão de 1994, ela própria considerara que indemnizações similares concedidas pelo Governo português à companhia aérea nacional constituíam auxílios de Estado [Decisão 94/666/CE da Comissão, de 6 de Julho de 1994, relativa à compensação do défice incorrido pela TAP nas rotas para as regiões autónomas dos Açores e da Madeira (JO L 260, p. 27)]. Além disso, decorre do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Fevereiro de 1997, FFSA e o./Comissão (T-106/95, Colect., p. II-229), que, mesmo quando exista a concessão de uma vantagem destinada a compensar os encargos decorrentes do cumprimento de missões de interesse geral, tal facto não altera a qualificação jurídica da medida em causa como auxílio de Estado, sem prejuízo do n._ 2 do artigo 90._ do Tratado, cuja aplicação não foi contudo considerada pela Comissão na decisão.

57 Em terceiro lugar, relativamente ao faseamento da dívida da RTP à Segurança Social e à não cobrança dos juros de mora vencidos, a recorrente argumenta que, se a Comissão lhe tivesse dado a possibilidade de comentar as explicações fornecidas pelo Governo português, ela teria podido constatar que se tratava, na realidade, de um perdão de dívida excepcional, concedido por decreto, de que só a RTP foi beneficiária. O argumento de que esse perdão de dívida era do foro das duas empresas é erróneo, uma vez que o problema na origem do litígio diz respeito à interpretação da legislação portuguesa relativa ao objecto das cotizações e que afecta todos os contribuintes.

58 Por último, o facto de terem decorrido mais de três anos antes de a Comissão conseguir formar uma opinião preliminar é, em qualquer caso, revelador da necessidade de instauração do procedimento previsto no n._ 2 do artigo 93._ do Tratado. A impossibilidade de a Comissão adquirir uma convicção com base num mero exame preliminar devia tê-la, com efeito, conduzido a iniciar uma análise aprofundada através da instauração do procedimento, como o exige a jurisprudência (v., designadamente, acórdão do Tribunal de 20 de Março de 1984, Alemanha/Comissão, 84/82, Recueil, p. 1451, n._ 13). A este respeito, a recorrente argumenta que, embora seja seguramente admissível que o prazo de dois meses exigido pela jurisprudência para o exame preliminar dos auxílios devidamente notificados (v., designadamente, acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Dezembro de 1973, Lorenz, 120/73, Colect., p. 553), não é necessariamente aplicável a medidas não notificadas já em aplicação, não é menos certo que, neste caso, a Comissão está igualmente obrigada a instaurar o procedimento «sem atraso injustificado» (conclusões do advogado-geral Sir Gordon Slynn relativas ao acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Novembro de 1987, RSV/Comissão, 223/85, Colect., pp. 4617, p. 4646). A não notificação de tais medidas exige também que a Comissão actue rapidamente para não beneficiar os Estados faltosos.

59 A recorrente sublinha que a instauração do procedimento teria tido significativas consequências no caso vertente. Por um lado, teria permitido que a Comissão utilizasse todos os instrumentos de investigação necessários, a fim de decidir com pleno conhecimento de causa. Por outro lado, ter-lhe-ia conferido a possibilidade, enquanto queixosa, de apresentar observações para ter a garantia de que os seus interesses seriam tomados em consideração. Por último, na medida em que a Comissão tem uma competência exclusiva para se pronunciar sobre a compatibilidade de auxílios com o mercado comum, está obrigada a tomar posição sobre todos os elementos constantes da queixa.

60 Ao argumento da Comissão de que a recorrente podia submeter a questão aos órgãos jurisdicionais nacionais, esta responde que a instauração de tais processos é sem relação com o necessário respeito pela Comissão das normas processuais instituídas pelo artigo 93._ do Tratado. Sublinha, contudo, ter por várias vezes instaurado processos no Supremo Tribunal Administrativo. Apesar de, numa primeira fase, este ter anulado a decisão ministerial que fixou o montante da indemnização compensatória atribuída à RTP em 1993, por falta de fundamentação quanto aos elementos de cálculo tomados em consideração pelo Estado (acórdão de 13 de Fevereiro de 1996), o Pleno daquele mesmo Tribunal considerou em seguida, por acórdão de 23 de Junho de 1998, que tal acto não era susceptível de recurso. O Supremo Tribunal Administrativo não pôde, pois, pronunciar-se sobre a qualificação jurídica das medidas denunciadas à luz dos artigos 92._ e 93._ do Tratado. Outros processos, relativos às indemnizações compensatórias subsequentes e à renúncia aos créditos da Segurança Social, estão também pendentes nos órgãos jurisdicionais portugueses.

61 A Comissão argumenta não estar obrigada a dar início ao procedimento previsto no n._ 2 do artigo 93._ do Tratado quando confrontada com a dificuldade de definir a natureza jurídica das medidas em causa. Nos termos do n._ 3 do artigo 93._ Tratado, o início do procedimento obriga então o Estado-Membro a suspender a concessão do auxílio, obrigação esta que, ademais, tem efeito directo tanto para os auxílios notificados como para os auxílios não notificados (acórdão Lorenz, já referido). A suspensão das pretensas medidas de auxílios é susceptível de ter graves repercussões económicas se se vier a concluir pela compatibilidade de tais medidas, ou mesmo pela inexistência de auxílios de Estado.

62 Para a Comissão, a recorrente, caso pretendesse que as autoridades portuguesas deixassem de conceder os auxílios denunciados, devia ter recorrido aos tribunais portugueses, enquanto aguardava que a Comissão terminasse os procedimentos de análise. A este respeito, sublinha que os tribunais nacionais são competentes, mesmo que a questão seja submetida em paralelo à Comissão, para examinar a validade dos actos dos Estados-Membros que impliquem a execução de auxílios cuja legalidade é impugnada, a fim de salvaguardar os direitos dos interessados (acórdãos do Tribunal de Justiça de 21 de Novembro de 1991, Fédération nationale du commerce extérieur des produits alimentaires e Syndicat national des négociants et transformateurs de saumon, C-354/90, Colect., p. I-5523, e de 11 de Julho de 1996, SFEI e o., C-39/94, Colect., p. I-3547). No caso vertente, a recorrente mencionou aliás na sua queixa que demandara os tribunais nacionais para impugnar os presumidos auxílios à RTP e que se dirigira aos poderes públicos e ao conselho da concorrência.

63 Seja como for, a Comissão entende não estar obrigada a iniciar o procedimento no caso vertente.

64 No que se refere, antes de mais, ao ofício remetido às autoridades portuguesas em 31 de Janeiro de 1996, conduz a excluir a existência de uma dúvida quanto à natureza de auxílio de Estado das isenções fiscais e dos atrasos consentidos para os pagamentos pela utilização da rede TDP. Os esclarecimentos complementares solicitados visaram apenas permitir que a Comissão fizesse um juízo quanto à existência ou não de um auxílio de Estado. Na falta de todos os elementos necessários para uma justa apreciação da situação, a Comissão considera que não podia iniciar o procedimento de forma irreflectida.

65 No que se refere à qualificação do faseamento da dívida concedido pela Segurança Social, a Comissão sublinha que fora celebrado com a RTP um acordo extrajudicial, seguidamente confirmado por decreto, para evitar um processo judicial sobre a interpretação das normas nacionais relativas à tributação de determinados complementos de salários, cuja constitucionalidade era contestável.

66 Em seguida, é errada a argumentação da recorrente de que o início do procedimento teria permitido que a Comissão definisse a sua posição sem precipitação e que os interesses da queixosa fossem melhor tidos em consideração. A Comissão recorda não ter competência exclusiva para apreciar da existência dos auxílios, pelo que a recorrente não se encontrava desprovida de protecção jurisdicional pelo mero facto de não ter sido dado início ao procedimento, visto poder recorrer aos tribunais nacionais. Além disso, a decisão é susceptível de recurso.

67 Por último, o facto de o período de análise preliminar ser longo não implica, de per se, a abertura do procedimento previsto no n._ 2 do artigo 93._ do Tratado. No caso vertente, a Comissão não ficou inactiva, e teria sido irreflectido iniciar o procedimento sem dispor de todos os elementos relativos à problemática geral do sector audiovisual na Europa e dos esclarecimentos fornecidos pelas autoridades nacionais.

68 A República Portuguesa entende que apenas existe obrigação de iniciar o procedimento previsto no n._ 2 do artigo 93._ do Tratado quando a Comissão tenha dúvidas quanto à compatibilidade de um auxílio, mas não quando esteja em causa uma mera qualificação das medidas à luz do artigo 92._ do Tratado. Ora, o facto de esse juízo de qualificação poder envolver, como no caso presente, uma apreciação complexa, continuada e demorada dos factos pela Comissão não justifica, só por si, que se deva necessariamente concluir pela existência de auxílio de Estado. A este respeito, compete à Comissão decidir se dispõe de elementos suficientes para recusar a qualificação de uma medida como auxílio de Estado e, para esse efeito, utilizar o tempo e meios que considere necessários.

69 A RTP subscreve a argumentação da Comissão, pretendendo, em especial, que o sector televisivo está fora do âmbito de aplicação das normas de concorrência, pelo que as indemnizações litigiosas escapam às disposições do artigo 92._ do Tratado e ao controlo da Comissão.

- Apreciação do Tribunal

70 No âmbito do artigo 93._ do Tratado, é preciso distinguir, por um lado, entre a fase preliminar de exame dos auxílios instituída pelo n._ 3 do artigo 93._ do Tratado, que tem apenas por objectivo permitir à Comissão formar uma primeira opinião tanto sobre a natureza de auxílio de Estado da medida em causa como sobre a compatibilidade parcial ou total do auxílio em causa com o mercado comum, e, por outro, a fase formal de exame visada no n._ 2. É apenas no âmbito desta fase de exame, que se destina a permitir à Comissão ter uma informação completa sobre todos os dados do caso, que o Tratado prevê a obrigação, para a Comissão, de dar aos interessados a oportunidade de apresentarem as suas observações (v., designadamente, os acórdãos do Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 1993, Cook/Comissão, C-198/91, Colect., p. I-2487, n._ 22, e de 15 de Junho de 1993, Matra/Comissão, C-225/91, Colect., p. I-3203, n._ 16).

71 Segundo jurisprudência assente, o procedimento do n._ 2 do artigo 93._ reveste carácter indispensável sempre que a Comissão depare com dificuldades sérias para apreciar se um auxílio é compatível com o mercado comum. A Comissão só se pode portanto limitar à fase preliminar do n._ 3 do artigo 93._ do Tratado para tomar uma decisão favorável a um auxílio se estiver em condições de adquirir a convicção, no termo de um primeiro exame, de que esse auxílio é compatível com o mercado comum. Pelo contrário, se esse primeiro exame a tiver levado à convicção oposta ou não tiver permitido ultrapassar todas as dificuldades suscitadas pela apreciação da compatibilidade desse auxílio com o mercado comum, a Comissão tem o dever de obter todos os pareceres necessários e dar início, para o efeito, ao procedimento do n._ 2 do artigo 93._ do Tratado (acórdão Comissão/Sytraval e Brink's France, já referido, n._ 39, e jurisprudência aí citada).

72 Decorre igualmente da mesma jurisprudência que a Comissão é obrigada a instaurar o procedimento previsto pelo artigo 93._, n._ 2, do Tratado se um primeiro exame não lhe tiver permitido ultrapassar todas as dificuldades suscitadas pela questão de saber se a medida estatal submetida ao seu controlo constitui um auxílio na acepção do artigo 92._, n._ 1, do Tratado, pelo menos quando não pôde obter a convicção de que a medida em apreço, ainda que qualificada como auxílio de Estado, é, em qualquer dos casos, compatível com o mercado comum (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Setembro de 1998, BP Chemicals/Comissão, T-11/95, Colect., p. II-3235, n._ 166).

73 No caso vertente, é pacífico que a Comissão adoptou a decisão sem instaurar o processo previsto no n._ 2 do artigo 93._ do Tratado, considerando que as seis categorias de medidas submetidas à sua apreciação não constituíam auxílios na acepção do n._ 1 do artigo 92._ do Tratado. Cabe também constatar que a Comissão não examinou se tais medidas, caso qualificadas como auxílios, eram compatíveis com o mercado comum quer nos termos dos n.os 2 ou 3 do artigo 92._ do Tratado, quer nos termos do n._ 2 do artigo 90._ do Tratado.

74 Cabe em consequência verificar se, enquanto incidem sobre as quatro categorias de medidas a que respeita o presente recurso, as apreciações em que a Comissão se fundou para adoptar uma decisão favorável a tais medidas, no termo da fase de exame preliminar, apresentavam dificuldades susceptíveis de justificar a instauração do procedimento a que se refere o n._ 2 do artigo 93._ do Tratado.

75 No que se refere, em primeiro lugar, às dotações financeiras pagas pelo Estado português à RTP a título de indemnizações compensatórias, a Comissão entende, na decisão, que não constituem auxílios na acepção do n._ 1 do artigo 92._ do Tratado por não se destinarem a compensar o custo efectivo do cumprimento das obrigações de serviço público assumidas pela referida empresa. Recorde-se, em especial, que, no que se refere às indemnizações pagas de 1993 a 1995, a Comissão considerou que «a vantagem financeira resultante [dessas] transferências não ultrapassou o estritamente necessário para assegurar as obrigações de serviço público impostas no caderno de encargos» (v. supra n._ 22). Relativamente ao ano de 1992, a Comissão fundou-se também na inexistência de «excesso de compensação», deduzida da modicidade do montante da indemnização paga nesse ano à RTP, para concluir que esta não constituía um auxílio (v. supra n._ 23).

76 Nos termos do artigo 92._, n._ 1, do Tratado, «salvo disposição em contrário do presente Tratado, são incompatíveis com o mercado comum, na medida em que afectem as trocas comerciais entre os Estados-Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções.»

77 Segundo jurisprudência assente, esta disposição tem por objectivo evitar que as trocas comerciais entre os Estados-Membros sejam afectadas por vantagens consentidas pelas autoridades públicas que, sob diversas formas, falseiem ou ameacem falsear a concorrência ao favorecer certas empresas ou certas produções (acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Março de 1994, Banco Exterior de España, C-387/92, Colect., p. I-877, n._ 12, e SFEI e o., já referido, n._ 58).

78 Para apreciar se uma medida estatal constitui um auxílio, deve determinar-se se a empresa beneficiária recebe uma vantagem económica que não teria obtido em condições normais de mercado (acórdãos do Tribunal de Justiça SFEI e o., já referido, n._ 60, de 29 de Abril de 1999, Espanha/Comissão, C-342/96, Colect., p. I-2459, n._ 41, e de 29 de Junho de 1999, DM Transport, C-256/97, na Colect., p. II-0000, n._ 22).

79 No caso vertente, como a própria Comissão constatou na decisão, as dotações financeiras pagas anualmente à RTP, a título compensatório, têm por efeito conceder a essa empresa uma «vantagem financeira».

80 Decorre, além disso, da decisão que o montante das dotações pagas à RTP entre 1992 e 1995 representou entre 15% e 18% dos seus recursos anuais (v. supra n._ 20), dispondo a RTP também de receitas publicitárias tal como as outras cadeias de televisão com que está em concorrência directa no mercado da publicidade.

81 Assim, na medida em que a Comissão constatou, na decisão, que a RTP beneficia de uma «vantagem financeira» decorrente do pagamento das dotações financeiras em causa, que parecem susceptíveis de falsear a concorrência com os demais operadores de televisão, o bem fundado da sua apreciação de que tais medidas não constituíam auxílios era, no mínimo, susceptível de suscitar dificuldades sérias.

82 O facto de, nos termos da decisão, a concessão de tais dotações apenas ter por objectivo compensar o encargo suplementar resultante das missões de serviço público assumidas pela RTP não as faz escapar à qualificação de auxílios na acepção d artigo 92._ do Tratado.

83 Com efeito, o artigo 92._, n._ 1, não faz a distinção segundo as causas ou os objectivos das intervenções estatais, mas define-as em função dos seus efeitos (acórdãos do Tribunal de Justiça de 29 de Fevereiro de 1996, Bélgica/Comissão, C-56/93, Colect., p. I-723, n._ 79, e de 26 de Setembro de 1996, França/Comissão, C-241/94, Colect., p. I-4551, n._ 20). O conceito de auxílio é, assim, um conceito objectivo e função da mera questão de saber se uma medida estatal confere ou não um benefício a uma ou a certas empresas (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Janeiro de 1998, Ladbroke Racing/Comissão, T-67/94, Colect., p. II-1, n._ 52).

84 Decorre em especial da jurisprudência que o facto de as autoridades públicas concederem uma vantagem financeira a uma empresa para compensar o custo das obrigações de serviço público pretensamente assumidas por essa empresa é irrelevante para efeitos de qualificação de tal medida de auxílio na acepção do n._ 1 do artigo 92._ do Tratado, não prejudicando que tal elemento seja tomado em consideração no âmbito do exame da compatibilidade do auxílio em causa com o mercado comum, nos termos do n._ 2 do artigo 90._ do Tratado (v. acórdão FFSA e o./Comissão, já referido, n.os 178 e 199, confirmado pelo despacho do Tribunal de Justiça de 25 de Março de 1998, C-174/97 P, Colect., p. I-1303, n._ 33). A este respeito, constate-se que, no caso vertente, diversamente do processo que deu origem ao acórdão FFSA e o./Comissão, já referido, a Comissão não aplicou, na sua decisão, a derrogação instituída no n._ 2 do artigo 90._ do Tratado, nem, por maioria de razão, as condições específicas previstas nesta disposição, o que aliás também não pretende.

85 Resulta destes elementos que a apreciação em que a Comissão se baseou para considerar que as dotações financeiras pagas à RTP a título de indemnizações compensatórias não constituem auxílios se revestia de sérias dificuldades o que, não estando provada a compatibilidade de tais dotações com o mercado comum, exigia a instauração do procedimento previsto no n._ 2 do artigo 93._ do Tratado.

86 No que se refere, em segundo lugar, às isenções fiscais e facilidades de pagamento de que a RTP beneficiou, a Comissão considerou, na decisão, que estas duas categorias de medidas também não constituíam auxílios na acepção do n._ 1 do artigo 92._ do Tratado (v. supra n.os 25 e 28).

87 Cabe contudo constatar que, por ofício remetido às autoridades portuguesas em 31 de Janeiro de 1986, a Comissão lhes comunicou que «após um exame inicial, tais [medidas] parec[iam] constituir auxílios estatais abrangidos pelo âmbito de aplicação do n._ 1 do artigo 92._ do Tratado», perguntando-lhes, em consequência, se as consideravam compatíveis com o mercado comum (v. supra n._ 13).

88 Cabe pois verificar que se, tal como a recorrente argumenta, as apreciações desta forma feitas pela Comissão sobre as medidas em causa e os pedidos apresentados às autoridades públicas portuguesas, durante a fase preliminar de exame, são susceptíveis de revelar a existência de sérias dificuldades, por forma a exigir a instauração do procedimento previsto no n._ 2 do artigo 93._ do Tratado.

89 Decorre da jurisprudência que o mero facto de terem existido discussões entre a Comissão e o Estado-Membro interessado durante a fase preliminar de exame e de, nesse âmbito, terem sido pedidas informações complementares pela Comissão sobre as medidas sujeitas ao seu controlo não pode, por si só, ser considerado como prova de que aquela instituição se confrontava com dificuldades sérias de apreciação (v. acórdão Matra/Comissão, já referido, n._ 38). Contudo, também não se pode excluir que o teor das discussões entre a Comissão e o Estado-Membro interessado durante essa fase do procedimento possa, em determinadas circunstâncias, ser susceptível de revelar a existência de tais dificuldades (v. acórdão Alemanha/Comissão, já referido, n._ 14).

90 No caso vertente, é forçoso reconhecer, antes de mais, que o ofício da Comissão de 31 de Janeiro de 1996 surgiu na sequência de um primeiro pedido de informações quanto às medidas em causa, a que as autoridades portuguesas haviam respondido por ofício de 14 de Dezembro de 1995. É também pacífico que este novo pedido de informações ocorreu mais de 30 meses após a recorrente ter denunciado, na queixa entregue em 30 de Julho de 1993, a existência de isenções fiscais em benefício da RTP, e cerca de 24 meses após a Comissão ter sido informada das facilidades de pagamento permitidas à RTP pelo organismo público encarregado da gestão da rede de teledifusão. Além disso, como a Comissão sublinhou no ofício de 31 de Dezembro de 1996, este novo pedido de informações ocorreu «após um exame inicial» de tais medidas. À luz destes elementos, deve considerar-se que, na data em que o referido ofício foi remetido às autoridades portuguesas, a Comissão procedera já a um «primeiro exame» das medidas denunciadas, na acepção da jurisprudência.

91 Recorde-se, a este respeito, que a Comissão só se pode limitar à fase preliminar do artigo 93._, n._ 3 do Tratado e tomar uma decisão favorável a uma medida estatal não notificada se estiver em condições de adquirir a convicção, no termo de um primeiro exame, de que essa medida não pode ser qualificada de auxílio na acepção do artigo 92._, n._ 1, ou de que, embora constituindo um auxílio, é compatível com o mercado comum (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Setembro de 1998, Gestevisión Telecinco/Comissão, T-95/96, Colect., p. II-3407, n._ 52, e jurisprudência aí citada).

92 Ora, decorre do ofício da Comissão remetido às autoridades portuguesas em 31 de Janeiro de 1996 que, no termo do primeiro exame a que procedera, aquela considerava que as isenções fiscais e facilidades de pagamento de que a RTP beneficiava constituíam auxílios na acepção do n._ 1 do artigo 92._ do Tratado e que, longe de se encontrar em condições de encerrar o procedimento através de uma decisão favorável a tais medidas, mantinha sérias dúvidas quanto à respectiva compatibilidade com o mercado comum.

93 Esta constatação é ademais confirmada pelo subsequente ofício de 16 de Abril de 1996, produzido pela Comissão na sequência de uma questão escrita do Tribunal, que aquela instituição dirigira às autoridades portuguesas após ter obtido resposta ao seu pedido.

94 No que se refere, por um lado, às isenções fiscais, a Comissão voltava a sublinhar: «[Tal medida] constitui um auxílio de Estado na acepção do n._ 1 do artigo 92._ do Tratado e... em consequência, as autoridades portuguesas deverão referir se consideram que tal auxílio se pode justificar com base nas derrogações do artigo 92._»

95 No que se refere, por outro lado, às facilidades de pagamento de que a RTP beneficiou relativamente à utilização da rede de teledifusão, a Comissão pediu que lhe fossem referidas as razões pelas quais as tarifas aplicadas à RTP divergiam das impostas à SIC, bem como o montante dos juros de mora devidos pela RTP, referindo que «a rede TDP é propriedade pública e que qualquer tratamento de favor por este concedido, sem ser aplicado às empresas privadas que operem de acordo com as regras do mercado, pode constituir um auxílio de Estado». A este respeito, importa com efeito sublinhar que, de acordo com a jurisprudência, os juros e as compensações pela mora que uma empresa pode ser levada a pagar a um organismo público, em contrapartida de amplas facilidades de pagamento não podem fazer desaparecer inteiramente a vantagem de que beneficia a referida empresa. Tais facilidades de pagamento, concedidas de forma discricionária à empresa, constituem um auxílio de Estado se, tendo em conta a importância da vantagem económica assim concedida, a empresa não tivesse manifestamente podido obter facilidades comparáveis de um credor privado que se encontrasse na mesma situação que o credor público em causa (acórdão DM Transport, já referido, n.os 21 e 30).

96 Nestas circunstâncias, deve entender-se que, no termo do primeiro exame a que procedeu, a Comissão estava efectivamente confrontada com sérias dificuldades de apreciação não apenas para qualificar as medidas em causa à luz do conceito de auxílio, mas também para determinar a respectiva compatibilidade com o mercado comum, pelo que estava obrigada a instaurar o procedimento previsto no n._ 2 do artigo 93._ do Tratado.

97 Em terceiro lugar, decorre da decisão que, em 1993, a RTP beneficiou, por um lado, do faseamento de uma dívida para com a Segurança Social, resultante do não pagamento das cotizações devidas sobre os complementos de salário relativos ao período de 1983-1989, cujo montante se elevava a 2 189 milhões de PTE, e, por outro, da isenção dos correspondentes juros e compensações pela mora. A Comissão concluiu que não se tratava de um auxílio por a medida denunciada resultar de um acordo entre a RTP e a Segurança Social, com vista a evitar uma acção judicial quanto à legalidade das cotizações em causa. Para a Comissão, a Segurança Social tinha, com efeito, adoptado um comportamento próximo do de um operador privado confrontado com idênticas circunstâncias.

98 De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o comportamento de um organismo público competente para cobrar as contribuições de Segurança Social que tolera que as referidas contribuições sejam pagas com atraso confere à empresa que daí beneficia uma vantagem comercial apreciável, aliviando, a seu respeito, o encargo resultante da aplicação normal do regime da Segurança Social (acórdão DM Transport, já referido, n._ 19). Os juros normalmente aplicáveis a esse tipo de créditos são os que são destinados a reparar o prejuízo sofrido pelo credor em virtude da mora no cumprimento pelo devedor da sua obrigação de se liberar da sua dívida, isto é, os juros de mora (acórdão Espanha/Comissão, já referido, n._ 48).

99 Resulta, é certo, da mesma jurisprudência que, quando forem celebrados acordos entre uma empresa e um organismo público encarregado da cobrança das cotizações de Segurança Social que impliquem a concessão de facilidades de pagamento, o comportamento deste organismo, que se reputa agir como credor público, deve ser comparado ao do hipotético credor privado que se encontre em idêntica situação relativamente ao respectivo devedor e procure recuperar as somas que lhe são devidas (acórdãos DM Transport, já referido, n._ 25, e Espanha/Comissão, já referido, n._ 46). Assim, não é de excluir que uma transacção, acordada entre um organismo de Segurança Social e o seu devedor para evitar qualquer incerteza quanto ao prosseguimento judicial do contencioso, configure o comportamento de um credor privado que procure recuperar as somas que lhe são devidas.

100 Todavia, no caso vertente, decorre da própria decisão que, como invocou a recorrente na queixa sem ser contestada pela Comissão, foi «através de despacho conjunto dos secretários de Estado das Finanças e da Segurança Social [que] foi instituído o escalonamento da dívida e a não cobrança das multas e juros correspondentes», e não por acordo entre a Segurança Social e a RTP. Também não foi contestado, como igualmente a recorrente sublinha na sua queixa, que a medida regulamentar denunciada, derrogatória da legislação de Segurança Social, não foi tornada aplicável às outras sociedades interessadas.

101 Daqui decorre que, em circunstâncias como as do caso vertente, em que a Comissão entendeu basear-se exclusivamente no comportamento do organismo português de Segurança Social para autorizar as vantagens concedidas à RTP, ela devia ter disposto de elementos mais completos quanto à verdadeira natureza da medida denunciada a fim de fazer face às objecções suscitadas pela recorrente nas sua queixa. Competia-lhe, nestas condições, instaurar o procedimento previsto no n._ 2 do artigo 93._ do Tratado, para verificar, após recolher todos os pareceres necessários, o bem fundado da sua apreciação que, na ausência de precisões complementares, era susceptível de suscitar sérias dificuldades.

102 Por último, sublinhe-se que, de acordo com a jurisprudência, o decurso de um prazo que exceda significativamente o tempo que normalmente implica um primeiro exame operado no âmbito das disposições do n._ 3 do artigo 93._ do Tratado pode, conjuntamente com outros elementos, conduzir à conclusão de que a Comissão encontrou sérias dificuldades de apreciação que exigem a instauração do procedimento previsto no n._ 2 do artigo 93._ do Tratado (acórdão Alemanha/Comissão, já referido, n.os 15 e 17).

103 É certo que, num caso como o vertente, não tendo as medidas estatais controvertidas sido notificadas pelo Estado-Membro em causa, a Comissão não estava obrigada a proceder ao exame preliminar de tais medidas no prazo de dois meses visado no acórdão Lorenz, já referido (acórdão Gestevisión Telecinco/Comissão, já referido, n._ 79).

104 Esta solução funda-se na necessidade de atender ao interesse legítimo do Estado-Membro em causa em que seja rapidamente estabelecida a legalidade das medidas que foram objecto de notificação à Comissão. Tal elemento não existe quando o Estado-Membro deu execução a tais medidas sem as ter previamente notificado à Comissão. Se este Estado-Membro tinha dúvidas quanto à natureza de auxílios estatais das medidas projectadas, era-lhe lícito salvaguardar os seus interesses, notificando o seu projecto à Comissão, o que teria obrigado esta última a tomar posição no prazo de dois meses (acórdão SFEI e o., já referido, n._ 48, e acórdão Gestevisión Telecinco/Comissão, já referido, n._ 78).

105 De qualquer forma, quando terceiros interessados tenham submetido à Comissão denúncias relativas a medidas estatais que não foram objecto de notificação nos termos do artigo 93._, n._ 3, a instituição é obrigada, no quadro da fase preliminar prevista por esta disposição, a proceder a um exame diligente e imparcial dessas denúncias, no interesse de uma correcta aplicação das regras fundamentais do Tratado relativas aos auxílios estatais (acórdãos Gestevisión Telecinco/Comissão, já referido, n._ 53, e Comissão/Sytraval e Brink's France, já referido, n._ 62). Daqui resulta, designadamente, que a Comissão também não pode prolongar indefinidamente o exame preliminar de medidas estatais que foram objecto de uma denúncia nos termos do artigo 92._, n._ 1, do Tratado, quando aceitou iniciar esse exame (acórdão Gestevisión Telecinco/Comissão, já referido, n._ 74).

106 Observe-se, no caso vertente, que a decisão, de 7 de Novembro de 1996, foi adoptada no termo de uma fase preliminar de exame iniciada em 30 de Julho de 1993, data de entrega da primeira queixa da recorrente, ou seja, há mais de 39 meses, e, em qualquer caso, cerca de 33 meses após a recorrente ter completado a sua queixa, em 12 de Fevereiro de 1994.

107 À luz da jurisprudência, tais prazos excedem significativamente o tempo normalmente necessário para um primeiro exame (acórdãos Alemanha/Comissão, já referido, n._ 15, Gestevisión Telecinco/Comissão, já referido, n.os 80 e 81, e conclusões do advogado-geral C. O. Lenz relativas ao acórdão Comissão/Sytraval e Brink's France, já referido, Colect., p. I-1723, n._ 92), tendo este por único objectivo permitir que a Comissão forme uma primeira opinião sobre a qualificação das medidas submetidas à sua apreciação e sobre a respectiva compatibilidade com o mercado comum.

108 À luz do conjunto destes elementos, deve entender-se que a Comissão não se encontrava em condições, no termo do primeiro exame, de ultrapassar todas as dificuldades suscitadas pela questão de saber se as medidas controvertidas submetidas à sua apreciação constituíam auxílios de Estado na acepção do n._ 1 do artigo 92._ do Tratado. Não tendo sido estabelecida na decisão a compatibilidade de tais medidas com o mercado comum, competia à Comissão instaurar o procedimento previsto no n._ 2 do artigo 93._ do Tratado para verificar, após recolher todos os pareceres necessários, o bem fundado da sua apreciação.

109 Por não ter sido precedida de tal procedimento, e sem que seja necessário decidir quanto aos outros fundamentos e pedidos da recorrente, a decisão deve ser anulada na medida em que tem por objecto as medidas adoptadas pelo Estado português em benefício da RTP consistindo em dotações financeiras pagas a título de indemnizações compensatórias, isenções fiscais, facilidades de pagamento pela utilização da rede de teledifusão e escalonamento de uma dívida proveniente do não pagamento de cotizações de Segurança Social, acompanhado da não cobrança dos juros de mora.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

110 Nos termos do artigo 87._, n._ 2, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Nos termos do artigo 87._, n._ 3 do mesmo regulamento, o Tribunal pode determinar que as despesas sejam repartidas se as partes forem vencidas num ou vários fundamentos.

111 No caso vertente, a Comissão foi vencida no pedido de não provimento do recurso de anulação da decisão, sendo que a recorrente foi vencida no pedido de anulação da decisão pretensamente contida no ofício de 20 de Dezembro de 1996. Na medida em que o essencial da argumentação das partes visava, contudo, a legalidade da decisão, será feita justa apreciação das circunstâncias do processo decidindo que a Comissão suportará, além das suas próprias despesas, dois terços das despesas da recorrente, com exclusão das ocasionadas pelas intervenções da República Portuguesa e da RTP.

112 Nos termos do artigo 87._, n._ 4, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, os Estados-Membros e as instituições que intervenham no processo devem suportar as respectivas despesas. Nos termos do terceiro parágrafo do n._ 4 do artigo 87._ do mesmo regulamento, o Tribunal pode determinar que um interveniente, que não seja um dos Estados partes no acordo sobre o Espaço Económico Europeu, os Estados-Membros, as instituições e o Órgão de Fiscalização da Associação Europeia de Comércio Livre, suporte as respectivas despesas.

113 A República Portuguesa e a RTP, intervenientes em apoio da Comissão, suportarão as respectivas despesas e, solidariamente, dois terços das despesas em que a recorrente incorreu em consequência das suas intervenções.

114 O Reino Unido, que não apresentou articulados, suportará as suas próprias despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

(Primeira Secção Alargada)

decide:

1) O recurso é rejeitado por inadmissível na medida em que tem por objecto o ofício da Comissão de 20 de Dezembro de 1996.

2) A decisão é anulada na medida em que tem por objecto as medidas adoptadas pelo Estado português em benefício da RTP - Radiotelevisão Portuguesa, SA, consistindo em dotações financeiras pagas a título de indemnizações compensatórias, isenções fiscais, facilidades de pagamento pela utilização da rede de teledifusão e escalonamento de uma dívida proveniente do não pagamento de cotizações de Segurança Social, acompanhado da não cobrança dos juros de mora.

3) A Comissão suportará as suas próprias despesas bem como dois terços das despesas da recorrente, com exclusão das ocasionadas pelas intervenções da RTP - Radiotelevisão Portuguesa, SA, e da República Portuguesa.

4) A República Portuguesa e a RTP - Radiotelevisão Portuguesa, SA, suportarão as respectivas despesas e, solidariamente, dois terços das despesas em que a recorrente incorreu em consequência das suas intervenções.

5) O Reino Unido suportará as suas próprias despesas.