Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 18 de Novembro de 1999. - Comissão das Comunidades Europeias contra Conselho da União Europeia. - Regulamento (CE) n.º 515/97 - Base jurídica - Artigo 235.º do Tratado CE (actual artigo 308.º CE) ou artigo 100.º-A do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 95.º CE). - Processo C-209/97.
Colectânea da Jurisprudência 1999 página I-08067
Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória
Recursos próprios das Comunidades Europeias - Protecção dos interesses financeiros da Comunidade - Luta contra a fraude - Regulamento n._ 515/97 relativo à assistência mútua entre as autoridades administrativas dos Estados-Membros e à colaboração entre estas e a Comissão, tendo em vista assegurar a correcta aplicação das regulamentações aduaneira e agrícola - Base jurídica - Artigo 235._ do Tratado (actual artigo 308._ CE)
[Tratado CE, artigos 100._-A e 209._-A (que passaram, após alteração, a artigos 95._ CE e 280._ CE) e artigo 235._ (actual artigo 308._ CE); Regulamento n._ 515/97 do Conselho]
O Regulamento n._ 515/97 relativo à assistência mútua entre as autoridades administrativas dos Estados-Membros e à colaboração entre estas e a Comissão, tendo em vista assegurar a correcta aplicação das regulamentações aduaneira e agrícola, foi validamente adoptado com base no artigo 235._ do Tratado (actual artigo 308._ CE), não sendo o artigo 100._-A do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 95._ CE) aplicável no caso em apreço.
Com efeito, este acto institui, nos domínios visados, uma regulamentação que, no seu conjunto, tem por finalidade e conteúdo precisos a luta contra as fraudes, de forma que visa a protecção dos interesses financeiros da Comunidade. Esta protecção não resulta da criação da união aduaneira, mas constitui um objectivo autónomo que, no âmbito do sistema do Tratado, encontrou o seu lugar no título II (Disposições financeiras) da parte V, relativa às instituições da Comunidade, e não na parte III, relativa às políticas da Comunidade, de que relevam a união aduaneira e a agricultura. Dado que o artigo 209._-A do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 280._ CE), na sua versão aplicável na altura da adopção do regulamento já referido, indicava a finalidade a atingir, sem conferir, todavia, à Comissão a competência para criar um sistema tal como o que está em causa, o recurso ao artigo 235._ do Tratado era justificado.
Além disso, se é certo que o referido regulamento prevê a criação de um sistema de informação automatizado, denominado «sistema de informação aduaneiro», o simples facto de a criação de um tal sistema não poder ter lugar sem que princípios harmonizados a nível comunitário em matéria de protecção dos dados pessoais estejam em vigor a nível nacional não basta para fundamentar a aplicabilidade do artigo 100._-A do Tratado, dado que tal aproximação das legislações nacionais é apenas um efeito acessório dessa regulamentação.
No processo C-209/97,
Comissão das Comunidades Europeias, representada por M. Nolin e P. van Nuffel, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de C. Gómez de la Cruz, membro do mesmo serviço, Centre Wagner, Kirchberg,
recorrente,
apoiada por
Parlamento Europeu, representado por J. Schoo, chefe de divisão no Serviço Jurídico, e J.-L. Rufas Quintana, administrador principal no mesmo serviço, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no Secretariado-Geral do Parlamento Europeu, Kirchberg,
interveniente,
contra
Conselho da União Europeia, representado por B. Hoff-Nielsen, chefe de divisão no Serviço Jurídico, M. C. Giorgi, consultor jurídico, e F. Anton, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de A. Morbilli, director-geral da Direcção dos Assuntos Jurídicos do Banco Europeu de Investimento, 100, boulevard Konrad Adenauer,
recorrido,
apoiado por
República Francesa, representada por M. Perrin de Brichambaut, director dos Assuntos Jurídicos no Ministério dos Negócios Estrangeiros, e F. Pascal, adido da Administração Central no mesmo ministério, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada de França, 8 B, boulevard Joseph II,
interveniente,
que tem por objecto a anulação do Regulamento (CE) n._ 515/97 do Conselho, de 13 de Março de 1997, relativo à assistência mútua entre as autoridades administrativas dos Estados-Membros e à colaboração entre estas e a Comissão, tendo em vista assegurar a correcta aplicação das regulamentações aduaneira e agrícola (JO L 82, p. 1),
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA
(Sexta Secção),
composto por: P. J. G. Kapteyn, exercendo funções de presidente da Sexta Secção, G. Hirsch (relator) e H. Ragnemalm, juízes,
advogado-geral: A. Saggio,
secretário: R. Grass,
visto o relatório do juiz-relator,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 11 de Março de 1999,
profere o presente
Acórdão
1 Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 2 de Junho de 1997, a Comissão das Comunidades Europeias solicitou, nos termos do artigo 173._ do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 230._ CE), a anulação do Regulamento (CE) n._ 515/97 do Conselho, de 13 de Março de 1997, relativo à assistência mútua entre as autoridades administrativas dos Estados-Membros e à colaboração entre estas e a Comissão, tendo em vista assegurar a correcta aplicação das regulamentações aduaneira e agrícola (JO L 82, p. 1, a seguir «regulamento impugnado»).
2 O regulamento impugnado revoga, no seu artigo 52._, o Regulamento (CEE) n._ 1468/81 do Conselho, de 19 de Maio de 1981 (JO L 144, p. 1; EE 02 F8 p. 250), que tinha por base os artigos 43._ do Tratado CEE (que passou, após alteração, a artigo 37._ CE) e 235._ do Tratado CEE (actual artigo 308._ CE).
3 O Regulamento n._ 1468/81 tinha ele mesmo sido alterado pelo Regulamento (CEE) n._ 945/87 do Conselho, de 30 de Março de 1987 (JO L 90, p. 3), que tinha igualmente por base jurídica os artigos 43._ e 235._ do Tratado.
4 Resulta dos terceiro e quarto considerandos do regulamento impugnado que, se bem que o legislador comunitário considerasse que o sistema estabelecido pelo Regulamento n._ 1468/81 se tinha revelado eficaz, não julgou, porém, necessário, tendo em conta a experiência adquirida, substituí-lo integralmente.
5 Nesta perspectiva, a Comissão submeteu ao Conselho, em 23 de Dezembro de 1992, uma proposta de regulamento que tinha por base jurídica os artigos 43._, 100._-A do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 95._ CE) e 113._ do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 133._ CE). No decurso das negociações no Conselho, a Comissão renunciou ao artigo 113._ do Tratado, sendo suprimida a disposição da proposta que justificava o recurso a esse artigo. Quanto ao artigo 100._-A do Tratado, o Conselho decidiu por unanimidade, após ter consultado o Parlamento Europeu, suprimi-lo e substituí-lo pelo artigo 235._ do Tratado, em conformidade com o procedimento previsto pelo artigo 189._-A, n._ 1, do Tratado CE (actual artigo 250._, n._ 1, CE). O Conselho aceitou, portanto, como base jurídica do regulamento impugnado os artigos 43._ e 235._ do Tratado.
6 Por força do seu artigo 1._, o regulamento impugnado determina as condições em que as autoridades administrativas encarregadas nos Estados-Membros da execução das regulamentações aduaneira e agrícola colaboram entre si, bem como com a Comissão, tendo em vista assegurar o cumprimento dessas regulamentações no âmbito de um sistema comunitário.
7 Para esse efeito, o regulamento impugnado estabelece, nos títulos I e II, normas relativas à assistência mediante pedido (artigos 4._ a 12._) e à assistência espontânea (artigos 13._ a 16._). Os títulos III e IV são consagrados, respectivamente, às relações entre as autoridades competentes dos Estados-Membros e a Comissão (artigos 17._ e 18._) e às relações com os países terceiros (artigos 19._ a 22._).
8 O título V (artigos 23._ a 41._) decompõe-se em oito capítulos. O capítulo 1 prevê a criação de um sistema de informação automatizado, denominado «Sistema de informação aduaneiro» (a seguir «SIA»), que responde às necessidades das autoridades administrativas encarregadas da aplicação das regulamentações aduaneira e agrícola, bem como às da Comissão (artigo 23._, n._ 1). Em conformidade com o disposto no artigo 23._, n._ 2, do regulamento impugnado, o SIA tem por objectivo «prestar assistência na prevenção, averiguação e repressão das operações contrárias às regulamentações aduaneira ou agrícola, reforçando, através de uma divulgação mais rápida das informações, a eficácia dos processos de cooperação e de controlo das autoridades competentes». Segundo o n._ 3 desse artigo, as autoridades aduaneiras dos Estados-Membros podem utilizar as infra-estruturas materiais do SIA no âmbito da cooperação aduaneira referida no ponto 8 do artigo K.1 do Tratado da União Europeia (os artigos K a K.9 do Tratado da União Europeia foram substituídos pelos artigos 29._ UE a 42._ UE). Finalmente, o n._ 6 dispõe que os Estados-Membros e a Comissão participarão no SIA, na qualidade de «parceiros do SIA».
9 Os capítulos 2 a 8 do título V do regulamento impugnado contêm regras relativas à organização e ao funcionamento do SIA. Assim, segundo o artigo 24._, o SIA é composto por uma base de dados central, acessível a partir de terminais instalados em cada Estado-Membro e na Comissão, e conterá exclusivamente os dados, incluindo os dados pessoais, necessários ao cumprimento do seu objectivo, previsto no n._ 2 do artigo 23._ Em conformidade com o disposto no artigo 29._, n._ 1, o acesso directo aos dados do SIA fica reservado exclusivamente às autoridades nacionais designadas por cada Estado-Membro e aos serviços designados pela Comissão.
10 O capítulo 5 do título V é especificamente consagrado à protecção dos dados pessoais. Segundo o artigo 34._, n._ 1, do regulamento impugnado, os parceiros do SIA que pretendam receber do SIA ou nele introduzir dados pessoais, adoptarão, o mais tardar na data de aplicação desse regulamento, legislação nacional ou regras internas aplicáveis à Comissão, que garantam a protecção dos direitos e liberdades das pessoas no que diz respeito ao tratamento dos dados pessoais.
11 Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 1997, o Governo francês foi admitido a intervir em apoio dos pedidos do Conselho. Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 1 de Dezembro de 1997, o Parlamento foi admitido a intervir em apoio dos pedidos da Comissão.
12 Em apoio do seu recurso, a Comissão invoca um único fundamento, o do carácter inadequado da base jurídica adoptada. Em sua opinião, o Conselho deveria ter baseado o regulamento impugnado nos artigos 43._ e 100._-A do Tratado, e não nos artigos 43._ e 235._
13 A título preliminar, deve recordar-se que, segundo jurisprudência constante, no quadro do sistema de competências da Comunidade, a escolha da base jurídica de um acto deve assentar em elementos objectivos susceptíveis de fiscalização jurisdicional. Entre esses elementos figuram, designadamente, a finalidade e o conteúdo do acto (v., nomeadamente, acórdãos de 11 de Junho de 1991, Comissão/Conselho, dito «dióxido de titânio», C-300/89, Colect., p. I-2867, n._ 10, e de 25 de Fevereiro de 1999, Parlamento/Conselho, C-164/97 e C-165/97, Colect., p. I-1139, n._ 12).
14 Quanto à finalidade do regulamento impugnado, a Comissão sustenta que este tem em vista o bom funcionamento da união aduaneira e, portanto, o do mercado interno, o que justificaria o recurso ao artigo 100._-A do Tratado. Por outro lado, a protecção dos interesses financeiros da Comunidade na acepção do artigo 209._-A do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 280._ CE), portanto, a luta contra a fraude, não seria um objectivo autónomo, mas resultaria da criação da união aduaneira.
15 O Parlamento alega que o regulamento impugnado vai além da simples protecção dos interesses financeiros da Comunidade. Com efeito, em numerosos aspectos, a fundamentação diria respeito à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros que têm por objectivo o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno na acepção do artigo 100._-A do Tratado.
16 No que toca ao conteúdo do regulamento impugnado, a Comissão sustenta que ele compreende, por um lado, a melhoria da assistência mútua entre os Estados-Membros e a Comissão com vista a assegurar a correcta aplicação das regulamentações aduaneira e agrícola e, por outro, a criação, no âmbito do SIA, de uma base de dados central acessível aos Estados-Membros e aos serviços competentes da Comissão. Em sua opinião, a base jurídica para a colaboração reforçada releva do artigo 100._-A do Tratado, exigindo esta uma verdadeira aproximação das legislações nacionais. Quanto à criação do SIA, a Comissão sustenta que, se bem que o SIA não tenha, em si mesmo, vocação para aproximar as legislações nacionais, é, no entanto, claro que não poderia funcionar sem harmonização destas.
17 A título subsidiário, a Comissão entende que, se bem que o recurso ao artigo 235._ do Tratado deva ser julgado necessário, tendo em conta a criação do SIA, as disposições relativas à assistência mútua mediante pedido ou espontânea deveriam, porém, ter por base o artigo 100._-A. Por isso, colocar-se-ia a questão de uma eventual dupla base jurídica. Em conformidade com o acórdão «Dióxido de titânio», só o artigo 100._-A seria, em tal caso, aplicável.
18 Segundo o Parlamento, o facto de um regulamento que institui um instrumento (base de dados) colocado ao serviço da assistência mútua, que se inscreve no quadro do mercado interno, servir igualmente para combater a fraude que lesa os interesses financeiros da Comunidade não poderá alterar a base jurídica, que é o artigo 100._-A do Tratado.
19 Em contrapartida, o Conselho afirma que, diferentemente do regulamento impugnado, o Regulamento n._ 1468/81 tinha por finalidade o bom funcionamento da união aduaneira e da Política Agrícola Comum, que exigia uma colaboração estreita entre as Administrações nacionais. O regulamento impugnado, pelo contrário, tem por objectivo a luta contra a fraude no quadro da união aduaneira e da Política Agrícola Comum, que exige uma colaboração entre essas mesmas Administrações. Sublinha que a protecção dos interesses financeiros da Comunidade, introduzida pelo artigo 209._-A do Tratado, não resulta da criação da união aduaneira, mas constitui um objectivo autónomo.
20 Quanto ao conteúdo do regulamento impugnado, o Conselho considera que este último corresponde ao objectivo de protecção dos interesses financeiros da Comunidade desde que o regulamento crie regras que organizem um sistema de luta contra a fraude que seja igualmente respeitador das liberdades públicas, estando as duas vertentes indissociavelmente ligadas. No que toca à luta contra a fraude, o novo sistema é de natureza administrativa, constitui uma entidade comunitária e tem por objectivo reforçar o carácter operacional da cooperação aduaneira entre Estados-Membros. Ultrapassando este sistema a simples cooperação aduaneira, o recurso ao artigo 235._ do Tratado impunha-se, dado que a competência conferida à Comunidade pelo artigo 209._-A não é, na sua redacção em vigor no momento da adopção do regulamento impugnado, suficiente para servir de base a tal acto.
21 O Governo francês afirma que o regulamento impugnado não tem por finalidade a aproximação de disposições nacionais, mas a luta contra a fraude no âmbito da união aduaneira e da Política Agrícola Comum. Em sua opinião, ainda que a criação do SIA implique a introdução de certas regras específicas em matéria de protecção de dados, tal não significa, no entanto, que o objectivo do regulamento impugnado consiste em harmonizar a protecção dos dados na Comunidade.
22 Para determinar a finalidade do regulamento impugnado, deve, no caso em apreço, ter-se em conta a evolução das disposições desde a adopção do Regulamento n._ 1468/81 até ao regulamento impugnado.
23 A este respeito, há que salientar, antes de mais, que o objectivo do Regulamento n._ 1468/81 era o bom funcionamento da união aduaneira e da Política Agrícola Comum. Para atingir esse objectivo, esse regulamento definiu regras relativas à assistência mútua administrativa, nomeadamente, para prevenir e reprimir as infracções às regulamentações aduaneira e agrícola bem como para averiguar quaisquer actuações que fossem ou parecessem contrárias a essas regulamentações.
24 A alteração do Regulamento n._ 1468/81 pelo Regulamento n._ 945/87 foi baseada, em seguida, na consideração de que a importância da luta contra as fraudes com ramificações em vários Estados-Membros justificava o reforço das possibilidades de acção da Comissão e dos Estados-Membros nesse domínio (segundo considerando do Regulamento n._ 945/87).
25 Finalmente, o regulamento impugnado indica, no seu primeiro considerando, «que a luta contra a fraude no contexto da união aduaneira e da Política Agrícola Comum exige uma colaboração estreita entre as autoridades administrativas encarregadas em cada Estado-Membro da execução das disposições adoptadas nestes dois domínios; que exige igualmente uma colaboração adequada entre estas autoridades nacionais e a Comissão, encarregada de zelar pela aplicação do Tratado, bem como pelas disposições adoptadas por força dele; que uma colaboração eficaz neste domínio é susceptível de reforçar nomeadamente a protecção dos interesses financeiros da Comunidade».
26 De acordo com o segundo considerando do regulamento impugnado, «convém, por consequência, definir as regras segundo as quais as autoridades administrativas dos Estados-Membros devem prestar-se mutuamente assistência e colaborar com a Comissão tendo em vista assegurar a correcta aplicação das regulamentações aduaneira e agrícola e a protecção jurídica dos interesses financeiros da Comunidade, nomeadamente através da prevenção e da averiguação das infracções a essas regulamentações, bem como da averiguação de todas as operações que são ou parecem ser contrárias a essas regulamentações».
27 Uma comparação dos Regulamentos n.os 1468/81, 945/87 e do regulamento impugnado deixa transparecer que, se bem que o título tenha ficado praticamente inalterado, a finalidade da regulamentação evoluiu progressivamente. Com efeito, se a colaboração, de início, tinha, nomeadamente, por finalidade o funcionamento das regulamentações aduaneira e agrícola, a colaboração reforçada estabelecida, em último lugar, pelo regulamento impugnado tem em vista prioritariamente a luta contra a fraude e visa, assim, a protecção dos interesses financeiros da Comunidade.
28 Neste contexto, importa salientar que, no âmbito do Tratado, as disposições pertinentes evoluíram também. Com efeito, nos termos do artigo 209._-A do Tratado, inserido pelo Tratado da União Europeia, os Estados-Membros, para combater as fraudes lesivas dos interesses financeiros da Comunidade, tomarão medidas análogas às que tomam para combater as fraudes lesivas dos seus próprios interesses financeiros.
29 Contrariamente à afirmação da Comissão, a protecção dos interesses financeiros da Comunidade não resulta da criação da união aduaneira, mas constitui um objectivo autónomo que, no âmbito do sistema do Tratado, encontrou o seu lugar no título II (Disposições financeiras) da parte V, relativa às instituições da Comunidade, e não na parte III, relativa às políticas da Comunidade, de que relevam a união aduaneira e a agricultura.
30 Desde a entrada em vigor do artigo 209._-A do Tratado, o objectivo da protecção financeira da Comunidade foi concretizado por regulamentos tais como o Regulamento (CE, Euratom) n._ 2988/95 do Conselho, de 18 de Dezembro de 1995, relativo à protecção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias (JO L 312, p. 1), ou por regulamentos que procuram estabelecer regras específicas que se aplicam apenas aos sectores determinados.
31 Tal é o caso do regulamento impugnado, tendo o Conselho entendido que, no âmbito da união aduaneira e da Política Agrícola Comum, a protecção dos interesses financeiros exigia a adopção de regras específicas aliadas à regulamentação geralmente aplicável.
32 Quanto ao conteúdo do acto, este prevê um sistema de colaboração tanto entre as autoridades administrativas dos Estados-Membros como entre estas e a Comissão, sistema no quadro do qual essas Administrações se prestam mutuamente assistência, comunicando, segundo as modalidades fixadas pelo regulamento impugnado, informações relativamente a operações contrárias ou que pareçam contrárias à aplicação das regulamentações aduaneira ou agrícola, ou efectuando inquéritos administrativos adequados (títulos I a III do regulamento impugnado). Uma infra-estrutura específica, isto é, o SIA, cujos elementos essenciais são descritos nos n.os 8 a 10 do presente acórdão, permite, por outro lado, um intercâmbio rápido e sistemático das informações comunicadas à Comissão.
33 Resulta dessa regulamentação que, no seu conjunto, ela tem por finalidade e conteúdo precisos a luta contra as fraudes no âmbito da união aduaneira e da Política Agrícola Comum, de forma que visa a protecção dos interesses financeiros da Comunidade. Dado que o artigo 209._-A do Tratado, na sua versão aplicável na altura da adopção do regulamento impugnado, indicava a finalidade a atingir, sem conferir, todavia, à Comunidade a competência para criar um sistema tal como o que está em causa, o recurso ao artigo 235._ do Tratado era justificado.$
34 Deve especificar-se a este respeito que, contrariamente ao que pretendem a Comissão e o Parlamento, o artigo 100._-A do Tratado não é aplicável no caso em apreço.
35 Nos termos de jurisprudência constante, o recurso ao artigo 100._-A não se justifica quando o acto a adoptar só acessoriamente tem por efeito harmonizar as condições do mercado na Comunidade (v., nomeadamente, acórdãos de 4 de Outubro de 1991, Parlamento/Conselho, C-70/88, Colect., p. I-4529, n._ 17, e de 17 de Março de 1993, Comissão/Conselho, C-155/91, Colect., p. I-939, n._ 19).
36 Se é verdade que, segundo o décimo quinto considerando do regulamento impugnado, a fim de poderem participar no SIA, os Estados-Membros e a Comissão deverão elaborar legislação relativa aos direitos e às liberdades das pessoas no que diz respeito ao tratamento dos dados pessoais e são obrigados, enquanto as medidas nacionais de transposição da Directiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995, relativa à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados (JO L 281, p. 31), não forem aplicadas, a assegurar um nível de protecção que se inspire nos princípios consagrados nessa directiva, é também manifesto, tal como o Governo francês o especificou e a Comissão o reconheceu, que o SIA não tem, por si mesmo, vocação para proceder à aproximação das legislações nacionais.
37 Com efeito, o simples facto de a criação do SIA não poder ter lugar sem que princípios harmonizados a nível comunitário em matéria de protecção dos dados pessoais estejam em vigor a nível nacional e de os Estados-Membros e a Comissão deverem assegurar um nível de protecção que se inspire nos princípios contidos na Directiva 95/46 não basta para fundamentar a aplicabilidade do artigo 100._-A do Tratado, dado que tal aproximação das legislações nacionais é apenas um efeito acessório dessa regulamentação.
38 Deve, portanto, concluir-se que, constituindo o artigo 235._ do Tratado o fundamento correcto para a adopção do regulamento impugnado, há que negar provimento ao recurso.
Quanto às despesas
39 Por força do disposto no n._ 2 do artigo 69._ do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas. Tendo a Comissão sido vencida, há que condená-la nas despesas. Nos termos do n._ 4 do artigo 69._ do mesmo regulamento, o Parlamento e a República Francesa devem suportar as suas próprias despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA
(Sexta Secção)
decide:
40 É negado provimento ao recurso.
41 A Comissão das Comunidades Europeias é condenada nas despesas do processo. O Parlamento Europeu e a República Francesa suportarão as suas próprias despesas.