Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 20 de Fevereiro de 1997. - Mainschiffahrts-Genossenschaft eG (MSG) contra Les Gravières Rhénanes SARL. - Convenção de Bruxelas - Acordo relativo ao lugar de execução da obrigação - Pacto atributivo de jurisdição. - Demande de décision préjudicielle: Bundesgerichtshof - Allemagne. - Processo C-106/95.
Colectânea da Jurisprudência 1997 página I-00911
Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória
1 Convenção relativa à competência judiciária e à execução de decisões - Extensão de competência - Pacto atributivo de jurisdição - Condições de forma - Convenção concluída de forma admitida pelos usos do comércio internacional - Conceito - Contrato concluído verbalmente - Cláusula inserida numa carta de confirmação comercial e em facturas pagas - Inexistência de contestação - Validade da cláusula - Condições
(Convenção de 27 de Setembro de 1968, artigo 17._, na redacção que lhe foi dada pela convenção de adesão de 1978)
2 Convenção relativa à competência judiciária e à execução de decisões - Competências especiais - Tribunal do lugar de cumprimento da obrigação contratual - Acordo verbal das partes relativo a um lugar diferente do lugar de cumprimento efectivo, com o único objectivo de estabelecer um lugar de foro determinado - Inaplicabilidade do artigo 5._, primeiro parágrafo - Aplicabilidade das condições de forma exigidas para os pactos atributivos de jurisdição
(Convenção de 27 de Setembro de 1968, artigos 5._, primeiro parágrafo, e 17._)
3 O artigo 17._, primeiro parágrafo, segunda frase, alínea c), da Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial deve ser interpretado no sentido de que, no âmbito de um contrato celebrado verbalmente no comércio internacional, um pacto atributivo de jurisdição se considera validamente concluído, à luz dessa disposição, pela ausência de reacção da outra parte contratante a uma carta de confirmação do negócio que o seu co-contratante lhe enviou, ou pelo pagamento repetido e sem contestação de facturas, quando estes documentos contêm uma menção previamente impressa indicando o lugar do foro, se esse comportamento corresponder a um uso que rege o domínio do comércio internacional em que operam as partes em questão e se estas últimas conhecem esse uso ou devem conhecê-lo.
A esse propósito, existe um uso num sector de comércio internacional, quando, nomeadamente, um certo comportamento é geralmente seguido pelas partes contratantes que operam nesse sector de actividade na conclusão de contratos de um certo tipo. O conhecimento desse uso pelas partes contratantes considera-se provado, quando, nomeadamente, tinham anteriormente estabelecido relações comerciais entre si ou com outras partes que operam no sector de actividade comercial em questão ou quando, neste sector, um certo comportamento é geral e regularmente seguido na celebração de um certo tipo de contratos, de forma que pode ser considerado como uma prática consolidada.
4 A convenção deve ser interpretada no sentido de que um acordo verbal relativo ao lugar de execução, que não visa determinar o lugar onde o devedor deverá cumprir efectivamente a prestação que lhe incumbe, mas exclusivamente estabelecer um lugar de foro determinado, não se rege pelo artigo 5._, n._ 1, da convenção, mas sim pelo artigo 17._ desta última e só é válido se forem respeitadas as condições estabelecidas no mesmo artigo. Com efeito, se as partes são livres de chegar a acordo quanto a um lugar de cumprimento das obrigações contratuais diferente daquele que seria determinado nos termos da lei aplicável ao contrato, sem serem obrigadas a respeitar condições de forma especiais, não podem, apesar disso, à luz do sistema estabelecido pela convenção, fixar, com o único objectivo de determinar um foro competente, um lugar de execução que não mostra qualquer nexo efectivo com a realidade do contrato e no qual as obrigações que decorrem do contrato não podiam ser cumpridas nos termos do mesmo.
No processo C-106/95,
que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do Protocolo de 3 de Junho de 1971 relativo à interpretação pelo Tribunal de Justiça da Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, pelo Bundesgerichtshof, destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre
Mainschiffahrts-Genossenschaft eG (MSG)
e
Les Gravières Rhénanes SARL,
uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 5._, n._ 1, e 17._, primeiro parágrafo, segunda frase, terceira hipótese, da Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32; JO 1989, L 285, p. 24), na redacção que lhe foi dada pela Convenção de 9 de Outubro de 1978 relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte (JO L 304, p. 1 e - texto alterado - p. 77; JO 1989, L 285, p. 41),
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA
(Sexta Secção),
composto por: J. L. Murray, presidente da Quarta Secção, exercendo funções de presidente da Sexta Secção, C. N. Kakouris (relator), P. J. G. Kapteyn, G. Hirsch e H. Ragnemalm, juízes,
advogado-geral: G. Tesauro,
secretário: L. Hewlett, administradora,
vistas as observações escritas apresentadas:
- em representação da Mainschiffahrts-Genossenschaft eG (MSG), por Thor von Waldstein, advogado em Mannheim,
- em representação da Les Gravières Rhénanes SARL, por Fink von Waldstein, advogado em Mannheim,
- em representação do Governo alemão, por Joerg Pirrung, Ministerialrat no Ministério Federal da Justiça, na qualidade de agente,
- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Pieter van Nuffel, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, assistido por Hans-Juergen Rabe, advogado em Hamburgo,
visto o relatório para audiência,
ouvidas as alegações da Mainschiffahrts-Genossenschaft eG (MSG), por Thor von Waldstein, da SARL Les Gravières Rhénanes, representada por Fink von Waldstein, do Governo grego, representado por Vasileios Kontolaimos, consultor jurídico adjunto no Conselho Jurídico do Estado, na qualidade de agente, e da Comissão, representada por Hans-Juergen Rabe, na audiência de 4 de Julho de 1996,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 26 de Setembro de 1996,
profere o presente
Acórdão
1 Por despacho de 6 de Março de 1995, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 31 de Março seguinte, o Bundesgerichtshof submeteu, nos termos do Protocolo de 3 de Junho de 1971 relativo à interpretação pelo Tribunal de Justiça da Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32; JO 1989, L 285, p. 24), na redacção que lhe foi dada pela Convenção de 9 de Outubro de 1978 relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte (JO L 304, p. 1 e - texto alterado - p. 77; JO 1989, L 285, p. 41, a seguir «convenção»), duas questões relativas à interpretação dos artigos 5._, n._ 1, e 17._, primeiro parágrafo, segunda frase, terceira hipótese, dessa convenção.
2 Estas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio que opõe a cooperativa de transporte fluvial Mainschiffahrts-Genossenschaft eG (MSG) (a seguir «MSG»), com sede em Wuerzburg (Alemanha), à sociedade Gravières Rhénanes SARL (a seguir «Gravières Rhénanes»), com sede em França, quanto à reparação dos danos causados a um navio de navegação fluvial, de que a MSG é proprietária e que tinha alugado à Gravières Rhénanes por contrato de afretamento acordado verbalmente entre as partes.
3 Resulta dos autos do processo principal que este navio fez as ligações no Reno entre 1 de Junho de 1989 e 10 de Fevereiro de 1991, essencialmente para transportar carregamentos de gravilha. Com algumas excepções, os lugares de carga situavam-se em França, enquanto os lugares de descarga eram sempre em França. Segundo a MSG, os aparelhos de manutenção utilizados pela Gravières Rhénanes para descarga das mercadorias danificaram o seu navio. O litígio no processo principal refere-se a um montante de 197 284 DM, ou seja, precisamente a diferença entre o montante pago pela seguradora da Gravières Rhénanes e o montante reclamado pela MSG.
4 A MSG intentou uma acção no Schiffahrtsgericht Wuerzburg, considerando que o artigo 17._, primeiro parágrafo, segunda frase, terceira hipótese, da convenção lhe permitia recorrer a esta jurisdição, em virtude de a sua sede, ou seja, Wuerzburg, ter sido validamente designada pelas partes como lugar de execução e lugar do foro.
5 O artigo 17._, primeiro parágrafo, primeira e segunda frases, da convenção dispõe:
«Se as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada no território de um Estado contratante, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado contratante têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência exclusiva. Este pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado por escrito ou verbalmente com confirmação escrita, no comércio internacional, mediante forma reconhecida pelos usos nesse domínio, que as partes conheçam ou devam conhecer.»
6 Resulta do despacho de reenvio que, no termo das negociações contratuais, a MSG tinha enviado à Gravières Rhénanes uma carta de confirmação do negócio na qual estava inserida a seguinte observação previamente impressa:
«O lugar de execução e o do foro a que é atribuída competência exclusiva é Wuerzburg.»
Além disso, as facturas emitidas pela MSG mencionavam também, directamente e por referência às condições de solução dos litígios, este foro. A Gravières Rhénanes não contestou a carta de confirmação do negócio e pagou todas as facturas sem ter suscitado qualquer reserva. O Schiffahrtsgericht Wuerzburg declarou a acção admissível.
7 Interposto recurso pela Gravières Rhénanes para o Oberlandesgericht Nuernberg, este tribunal declarou a acção inadmissível, considerando que não tinha competência internacional neste caso. Desta decisão a MSG interpôs, por isso, um recurso para o Bundesgerichtshof.
8 Este último declarou que, antes de mais, a competência dos órgãos jurisdicionais franceses estava confirmada quer pela regra geral do artigo 2._, primeiro parágrafo, da convenção (lugar do domicílio da demandada), quer pelo artigo 5._, n._ 3 (lugar onde ocorreu o facto danoso), bem como pelo artigo 5._, n._ 1 (lugar em que deve ser cumprida a obrigação que serve de fundamento ao pedido). Com efeito, as obrigações contratuais emergentes do contrato de transporte deviam ser cumpridas em França e a MSG tinha a obrigação de apresentar o navio na sede da Gravières Rhénanes, que é em França. Segundo o Bundesgerichtshof, para afastar a competência dos órgãos jurisdicionais franceses a favor da competência internacional dos órgãos jurisdicionais alemães existiam, neste caso, duas possibilidades.
9 Em primeiro lugar, poderia considerar-se Wuerzburg como lugar de cumprimento, na acepção do artigo 5._, n._ 1, da convenção, pelo facto de esse lugar estar indicado como tal pela convenção verbal das partes. O Bundesgerichtshof observa que, neste caso concreto, essa convenção era «abstracta». O tribunal qualifica de abstracta uma convenção relativa ao lugar do cumprimento quando a mesma não tem por objectivo fixar o lugar onde o devedor deverá fornecer a prestação que lhe incumbe, mas simplesmente determinar um foro sem que sejam respeitadas as condições de forma constantes do artigo 17._ da convenção. A única finalidade dessa convenção é, por conseguinte, dissimular um pacto atributivo de jurisdição. Neste caso, as obrigações contratuais deviam, com efeito, ser de qualquer modo executadas em França, onde se encontrava, na totalidade dos casos, o lugar de descarga.
10 O Bundesgerichtshof, sublinhando embora que, face ao direito alemão aplicável, a convenção controvertida relativa ao lugar de execução foi validamente concluída, exprime todavia dúvidas quanto à validade dessas convenções «abstractas» à luz da convenção, na medida em que implicam um risco de abuso, isto é, um desvio às regras de forma do artigo 17._ desta última.
11 Em segundo lugar, no caso de ser considerado inválido um acordo «abstracto» relativo ao lugar de execução, o Bundesgerichtshof observa que a competência dos órgãos jurisdicionais alemães poderia, neste caso, resultar do artigo 17._, primeiro parágrafo, segunda frase, terceira hipótese, da convenção.
12 Nestas condições, o Bundesgerichtshof suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
«1) Deve ser aceite um acordo verbal sobre o lugar de cumprimento (artigo 5._ da Convenção de Bruxelas) caso não tenha por objectivo determinar o lugar onde o devedor deve cumprir a obrigação, mas apenas determinar, sem qualquer formalidade, o tribunal competente (o denominado acordo `abstracto' sobre o local de cumprimento)?
2) Caso o Tribunal de Justiça responda negativamente à primeira questão:
a) Um pacto atributivo de jurisdição em comércio internacional pode, de acordo com o primeiro parágrafo, terceira hipótese, do artigo 17._ da Convenção de Bruxelas, na redacção de 1978, ser celebrado através da não contestação, por uma das partes, de uma carta de confirmação do negócio com uma referência impressa à competência exclusiva do tribunal do domicílio do remetente, ou é sempre necessário um acordo prévio de vontades quanto ao conteúdo da carta de confirmação?
b) Para a existência de um pacto atributivo de jurisdição basta, nos termos do preceito indicado, que cada uma das facturas enviadas por uma das partes contenha uma referência à competência exclusiva do tribunal do domicílio do remetente e às condições de conhecimento que utiliza, que indicam o mesmo foro, tendo a contraparte pago as facturas sem objecções, ou é também necessário um acordo prévio de vontades a este respeito?»
Quanto à segunda questão
13 Através da segunda questão, que é conveniente analisar em primeiro lugar na medida em que respeita a uma competência exclusiva, o órgão jurisdicional nacional pergunta essencialmente se, no âmbito de um contrato concluído verbalmente, um pacto atributivo de jurisdição pode, no comércio internacional, ser considerado como concluído na forma exigida pelo artigo 17._, primeiro parágrafo, segunda frase, terceira hipótese, da convenção, pela simples inexistência de reacção da outra parte contratante a uma carta de confirmação do negócio que o seu co-contratante lhe enviou, ou pelo pagamento reiterado e sem contestação de facturas, quando estes documentos contêm uma declaração previamente impressa indicando o lugar do foro, ou se, de qualquer modo, é necessário um acordo prévio de vontades dos interessados, sendo inútil a mera confirmação escrita do acordo.
14 Convém observar a esse respeito que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, as disposições do artigo 17._ da convenção, em virtude de excluírem quer a competência determinada pelo princípio geral do foro do demandado consagrado no artigo 2._ quer as competências especiais dos artigos 5._ e 6._, são de interpretação estrita quanto às condições nela estabelecidas (v., neste sentido, os acórdãos de 14 de Dezembro de 1976, Estasis Salotti, 24/76, Colect., p. 717, n._ 7, e Segoura, 25/76, Colect., p. 731, n._ 6).
15 O Tribunal de Justiça decidiu, por outro lado, relativamente à redacção inicial do artigo 17._, que, ao subordinar a validade de uma cláusula atributiva de jurisdição à existência de uma «convenção» entre as partes, esta disposição impõe ao órgão jurisdicional a obrigação de averiguar, em primeiro lugar, se a cláusula que lhe atribui competência foi efectivamente objecto de consenso entre as partes, que deve manifestar-se de forma clara e precisa, e que as exigências de forma estabelecidas pelo artigo 17._ têm por função assegurar que o consentimento seja efectivamente provado (acórdãos Estasis Salotti e Segoura, já referidos, n.os 7 e 6, respectivamente).
16 Todavia, a fim de ter em conta os usos particulares e as exigências do comércio internacional, a convenção de adesão de 9 de Outubro de 1978, já referida, introduziu, no artigo 17._, primeiro parágrafo, segunda frase, da convenção, uma terceira hipótese, que prevê, no comércio internacional, a conclusão válida de um pacto atributivo de jurisdição numa forma admitida pelos usos que as partes conheçam ou devam conhecer neste domínio.
17 Esta flexibilidade introduzida no artigo 17._ da convenção de adesão de 1978 não significa, todavia, que não deva necessariamente existir um acordo de vontades entre as partes, relativamente a uma cláusula de prorrogação de competência, continuando a ser um dos objectivos desta disposição que o consenso dos interessados exista realmente. Com efeito, deve proteger-se a parte contratante mais fraca, evitando que cláusulas atributivas de jurisdição, introduzidas num contrato por uma única das partes, passem despercebidas.
18 Todavia, considerar que a flexibilidade assim introduzida respeita apenas às condições de forma do artigo 17._, pela simples supressão da necessidade de uma forma escrita do consenso, equivaleria a ignorar as exigências de não formalismo, de simplicidade e de rapidez no comércio internacional e a privar esta disposição de uma grande parte do seu efeito útil.
19 Assim, à luz da alteração introduzida no artigo 17._ pela convenção de adesão de 1978, o acordo de vontades das partes contratantes sobre uma cláusula atributiva de jurisdição presume-se provado quando existem a esse respeito usos comerciais no ramo do comércio internacional em causa, usos que essas mesmas partes conhecem ou devem conhecer.
20 Por conseguinte, deve considerar-se que a ausência de reacção e o silêncio de uma das partes contratantes relativamente a uma carta de confirmação, apresentada pela outra parte, na qual se encontra inserida a menção previamente impressa do lugar do foro, bem como a circunstância de uma das partes ter pago de forma reiterada e sem qualquer contestação facturas emitidas pela outra parte contendo uma menção semelhante, podem equivaler ao consenso sobre a controvertida cláusula atributiva de jurisdição, se esse comportamento corresponder a um uso que rege o domínio do comércio internacional em que operam as partes em questão e se estas últimas conhecem esse uso ou devem conhecê-lo.
21 Embora seja da competência de um órgão jurisdicional nacional apreciar se o contrato em questão releva do âmbito do comércio internacional e verificar a existência de um uso nesse ramo do comércio internacional em que as partes em causa operam, bem como o conhecimento efectivo presumido desse uso pelas partes, compete, todavia, ao Tribunal de Justiça fornecer-lhe os elementos objectivos e necessários para tal apreciação.
22 Antes de mais, deve considerar-se que um contrato celebrado num domínio como o da navegação no Reno, entre duas sociedades estabelecidas em Estados contratantes diferentes, releva do comércio internacional.
23 Deve observar-se em seguida que a existência de um uso não tem de ser determinada por referência à lei de um dos Estados contratantes. Por outro lado, deve ser verificada não em relação ao comércio internacional em geral, mas no ramo comercial em que as partes contratantes exercem a sua actividade. Existirá um uso no ramo comercial considerado, quando, designadamente, um certo comportamento é geral e regularmente seguido pelos operadores nesse ramo no momento da celebração de contratos de um certo tipo.
24 Finalmente, o conhecimento efectivo ou presumido desse uso pelas partes contratantes está provado, quando, designadamente, essas partes tinham anteriormente estabelecido relações comerciais entre si ou com outras partes que operam no sector em questão ou quando, neste sector, um certo comportamento é suficientemente conhecido, pelo facto de ser geral e regularmente seguido no momento de celebração de um certo tipo de contratos, para poder ser considerado como uma prática consolidada.
25 Deve, pois, responder-se à segunda questão que o artigo 17._, primeiro parágrafo, segunda frase, terceira hipótese, da convenção, na redacção que lhe foi dada pela convenção de adesão de 9 de Outubro de 1978, deve ser interpretado no sentido de que, no âmbito de um contrato celebrado verbalmente no comércio internacional, um pacto atributivo de jurisdição se considera validamente concluído, à luz dessa disposição, pela ausência de reacção da outra parte contratante a uma carta de confirmação do negócio que o seu co-contratante lhe enviou, ou pelo pagamento repetido e sem contestação de facturas, quando estes documentos contêm uma menção previamente impressa indicando o lugar do foro, se esse comportamento corresponder a um uso que rege o domínio do comércio internacional em que operam as partes em questão e se estas últimas conhecem esse uso ou devem conhecê-lo. Compete ao órgão jurisdicional nacional verificar a existência desse uso bem como o conhecimento dele pelas partes contratantes. Existe um uso num sector de comércio internacional, quando, nomeadamente, um certo comportamento é geralmente seguido pelas partes contratantes que operam nesse sector de actividade na conclusão de contratos de um certo tipo. O conhecimento desse uso pelas partes contratantes considera-se provado, quando, nomeadamente, tinham anteriormente estabelecido relações comerciais entre si ou com outras partes que operam no sector de actividade comercial em questão ou quando, neste sector, um certo comportamento é geral e regularmente seguido na celebração de um certo tipo de contratos, de forma que pode ser considerado como uma prática consolidada.
Quanto à primeira questão
26 A resposta à primeira questão impõe-se no caso de o tribunal nacional chegar à conclusão de que não existe, neste caso concreto, um uso no sector comercial considerado, que as partes conheçam ou devam conhecer e que, por consequência, não tenha sido validamente celebrado um pacto atributivo de jurisdição.
27 Através desta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta essencialmente se um acordo verbal relativo ao lugar de execução, que não visa determinar o lugar onde o devedor deverá cumprir efectivamente a prestação que lhe incumbe, mas exclusivamente estabelecer um lugar de foro determinado, é válido à luz do artigo 5._, n._ 1, da convenção.
28 O artigo 5._, n._ 1, da convenção prevê:
«O requerido com domicílio no território de um Estado contratante pode ser demandado num outro Estado contratante:
1) Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde a obrigação que serve de fundamento ao pedido foi ou deva ser cumprida.»
29 Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a competência derrogatória da regra geral de competência do foro do requerido foi introduzida por esta disposição, tendo em conta a existência, em certas hipóteses bem determinadas, de um nexo de conexão particularmente estreito entre um litígio e o órgão jurisdicional que pode ser chamado a decidi-lo, com vista à tramitação útil do processo (acórdão de 6 de Outubro de 1976, Tessili, 12/76, Colect., p. 585, n._ 13).
30 Por outro lado, o Tribunal de Justiça decidiu também que o lugar de cumprimento de uma obrigação contratual pode também ser fixado por via de convenção entre as partes e que, se a lei aplicável permitir às partes contratantes, em condições que determina, designarem o lugar de cumprimento de uma obrigação sem impor nenhuma outra condição de forma especial, a convenção relativa ao lugar de cumprimento da obrigação é suficiente para situar no mesmo lugar a competência jurisdicional na acepção do artigo 5._, n._ 1, da convenção (acórdão de 17 de Janeiro de 1980, Zelger, 56/79, Recueil, p. 89, n._ 5).
31 Deve, todavia, observar-se a esse respeito que, se as partes são livres de chegar a acordo quanto a um lugar de cumprimento das obrigações contratuais diferente daquele que seria determinado nos termos da lei aplicável ao contrato, sem serem obrigadas a respeitar condições de forma especiais, não podem, apesar disso, à luz do sistema estabelecido pela convenção, fixar, com o único objectivo de determinar um foro competente, um lugar de execução que não mostra qualquer nexo efectivo com a realidade do contrato e no qual as obrigações que decorrem do contrato não podiam ser cumpridas nos termos do mesmo.
32 Esta análise baseia-se, em primeiro lugar, na letra do artigo 5._, n._ 1, da convenção, que atribui competência ao tribunal do lugar onde a obrigação contratual que serve de fundamento ao pedido «foi ou deva ser cumprida». Esta disposição visa, por conseguinte, o lugar de cumprimento efectivo da obrigação como critério de competência, em virtude do seu nexo de conexão directa com o tribunal a que atribui a competência.
33 Em segundo lugar, deve considerar-se que, não apresentando a fixação do lugar de cumprimento qualquer relação efectiva com o objecto real do contrato, essa fixação é fictícia e tem como único objectivo a determinação de um lugar do foro. Ora, um pacto atributivo de jurisdição dessa natureza é regido pelo artigo 17._ da convenção e está, assim, sujeito a condições de forma precisas.
34 Assim, no caso de um pacto dessa natureza, não só não havia qualquer nexo de ligação directa entre o litígio e o tribunal designado para dele conhecer, mas haveria também um desvio ao artigo 17._ que, embora introduza uma competência exclusiva abstraindo de qualquer elemento objectivo de conexão entre a relação controvertida e o tribunal designado (acórdão Zelger, já referido, n._ 4), exige, precisamente por essa razão, que sejam respeitadas as condições de forma estritas aí mencionadas.
35 Deve pois responder-se à primeira questão que a convenção deve ser interpretada no sentido de que um acordo verbal relativo ao lugar de execução, que não visa determinar o lugar onde o devedor deverá cumprir efectivamente a prestação que lhe incumbe, mas exclusivamente estabelecer um lugar de foro determinado, não se rege pelo artigo 5._, n._ 1, da convenção, mas sim pelo artigo 17._ desta última e só é válido se forem respeitadas as condições estabelecidas no mesmo artigo.
Quanto às despesas
36 As despesas efectuadas pelos Governos alemão e grego, bem como pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA
(Sexta Secção),
pronunciando-se sobre as questões que lhe foram submetidas pelo Bundesgerichtshof, por despacho de 6 de Março de 1995, declara:
37 O artigo 17._, primeiro parágrafo, segunda frase, terceira hipótese, da Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, na redacção que lhe foi dada pela Convenção de 9 de Outubro de 1978 relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, deve ser interpretado no sentido de que, no âmbito de um contrato celebrado verbalmente no comércio internacional, um pacto atributivo de jurisdição se considera validamente concluído, à luz dessa disposição, pela ausência de reacção da outra parte contratante a uma carta de confirmação do negócio que o seu co-contratante lhe enviou, ou pelo pagamento repetido e sem contestação de facturas, quando estes documentos contêm uma menção previamente impressa indicando o lugar do foro, se esse comportamento corresponder a um uso que rege o domínio do comércio internacional em que operam as partes em questão e se estas últimas conhecem esse uso ou devem conhecê-lo. Compete ao órgão jurisdicional nacional verificar a existência desse uso bem como o conhecimento dele pelas partes contratantes. Existe um uso num sector do comércio internacional, quando, nomeadamente, um certo comportamento é geralmente seguido pelas partes contratantes que operam nesse sector de actividade na conclusão de contratos de um certo tipo. O conhecimento desse uso pelas partes contratantes considera-se provado, quando, nomeadamente, tinham anteriormente estabelecido relações comerciais entre si ou com outras partes que operam no sector comercial em questão ou quando, neste sector, um certo comportamento é geral e regularmente seguido na celebração de um certo tipo de contratos, de forma que pode ser considerado como uma prática consolidada.
38 A convenção de 27 de Setembro de 1968 deve ser interpretada no sentido de que um acordo verbal relativo ao lugar de execução, que não visa determinar o lugar onde o devedor deverá cumprir efectivamente a prestação que lhe incumbe, mas exclusivamente estabelecer um lugar de foro determinado, não se rege pelo artigo 5._, n._ 1, da convenção, mas sim pelo artigo 17._ desta última e só é válido se forem respeitadas as condições estabelecidas no mesmo artigo.