61994J0178

Acórdão do Tribunal de 8 de Outubro de 1996. - Erich Dillenkofer, Christian Erdmann, Hans-Jürgen Schulte, Anke Heuer, Werner, Ursula e Trosten Knor contra Bundesrepublik Deutschland. - Pedido de decisão prejudicial: Landgericht Bonn - Alemanha. - Directiva 90/314/CEE, relativa às viagens organizadas, férias organizadas e circuitos organizados - Não transposição - Responsabilidade e obrigação de indemnização do Estado-Membro. - Processos apensos C-178/94, C-179/94, C-188/94, C-189/94 e C-190/94.

Colectânea da Jurisprudência 1996 página I-04845


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


++++

1. Direito comunitário ° Direitos atribuídos aos particulares ° Violação, por um Estado-Membro, da obrigação de transposição de uma directiva ° Obrigação de reparar um prejuízo causado aos particulares ° Condições ° Violação suficientemente caracterizada ° Conceito ° Não transposição da directiva no prazo estabelecido

(Tratado CE, artigo 189. , terceiro parágrafo)

2. Aproximação das legislações ° Viagens organizadas, férias organizadas e circuitos organizados ° Directiva 90/314 ° Artigo 7. ° Protecção contra o risco de insolvência ou de falência do operador ° Atribuição, em benefício do viajante, de direitos cujo conteúdo possa ser suficientemente identificado

(Directiva 90/314 do Conselho, artigo 7. )

3. Aproximação das legislações ° Viagens organizadas, férias organizadas e circuitos organizados ° Directiva 90/314 ° Protecção contra o risco de insolvência ou de falência do operador ° Medidas necessárias para garantir a correcta transposição da directiva

(Directiva 90/314 do Conselho, artigos 7. e 9. )

Sumário


1. A inexistência de qualquer medida de transposição de uma directiva para a consecução do resultado nela prescrito no prazo para o efeito estabelecido constitui, por si só, uma violação caracterizada do direito comunitário, e, em consequência, cria, em favor dos particulares lesados, um direito a reparação se o resultado prescrito na directiva implicar a atribuição, em benefício dos particulares, de direitos cujo conteúdo possa ser identificado e se existir um nexo de causalidade entre a violação da obrigação que incumbe ao Estado e o prejuízo sofrido.

2. O resultado prescrito pelo artigo 7. da Directiva 90/314 relativa às viagens organizadas, férias organizadas e circuitos organizados, que estabelece que o operador e/ou a agência parte no contrato devem comprovar possuir meios de garantia suficientes, próprios para assegurar, em caso de insolvência ou de falência, o reembolso ao consumidor dos fundos que depositou e o seu repatriamento, implica a atribuição, ao viajante, de direitos cujo conteúdo pode ser suficientemente determinado.

3. Para dar cumprimento ao artigo 9. da Directiva 90/314 relativa às viagens organizadas, férias organizadas e circuitos organizados, que prevê a adopção pelos Estados-Membros das medidas necessárias para se conformarem com a directiva, o mais tardar, até 31 de Dezembro de 1992, os Estados-Membros deviam ter adoptado, no prazo estabelecido, todas as medidas necessárias para garantir aos particulares, a partir de 1 de Janeiro de 1993, uma efectiva protecção contra os riscos de insolvência e de falência dos operadores.

A este respeito, no caso de um Estado-membro autorizar o operador a exigir ao viajante o pagamento de um sinal de, no máximo, 10% do preço da viagem, sem que possa exceder determinado montante, o objectivo de protecção dos consumidores prosseguido pelo artigo 7. da directiva apenas é satisfeito desde que esteja também garantido o reembolso desse sinal em caso de insolvência ou de falência do operador.

O mesmo artigo 7. deve, além disso, ser interpretado no sentido de que, por um lado, faltam também as garantias cuja existência deve ser "comprovada" pelos operadores, mesmo que, no momento de pagar o preço da viagem, os viajantes tenham na sua posse documentos comprovativos, os quais, embora lhes confiram um direito directo contra o prestador efectivo dos serviços, não obrigam necessariamente este último, eventualmente também ele exposto ao risco de falência, a respeitá-los, e no sentido de que, por outro lado, um Estado-Membro não pode renunciar à transposição da directiva, invocando uma decisão do órgão jurisdicional nacional de última instância, nos termos da qual os compradores de viagens organizadas deixam de estar obrigados a pagar mais de 10% do preço da viagem antes de terem obtido tais documentos comprovativos.

Além disso, nem o objectivo da directiva nem as suas disposições específicas obrigam os Estados-Membros a adoptar medidas específicas, no âmbito do artigo 7. , para proteger os viajantes contra a sua própria negligência, e o juiz nacional pode sempre, em caso de não transposição da directiva no prazo estabelecido e para determinar o prejuízo indemnizável, verificar se a pessoa lesada foi razoavelmente diligente para evitar o prejuízo ou limitar o respectivo alcance. Contudo, o viajante que tenha pago a integralidade do preço da viagem não pode ser considerado negligente pelo simples facto de não se ter prevalecido, de acordo com a referida decisão nacional, da possibilidade de não entregar mais de 10% do preço total da viagem antes de ter obtido documentos comprovativos.

Partes


Nos processos apensos C-178/94, C-179/94, C-188/94, C-189/94 e C-190/94,

que têm por objecto pedidos dirigidos ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177. do Tratado CE, pelo Landgericht Bonn, destinados a obter, nos litígios pendentes neste órgão jurisdicional entre

Erich Dillenkofer,

Christian Erdmann,

Hans-Juergen Schulte,

Anke Heuer,

Werner, Ursula e Torsten Knor

e

Bundesrepublik Deutschland,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação da Directiva 90/314/CEE do Conselho, de 13 de Junho de 1990, relativa às viagens organizadas, férias organizadas e circuitos organizados (JO L 158, p. 59),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente, G. F. Mancini, J. C. Moitinho de Almeida, J. L. Murray e L. Sevón, presidentes de secção, C. N. Kakouris, P. J. G. Kapteyn, C. Gulmann (relator), D. A. O. Edward, J.-P. Puissochet, G. Hirsch, P. Jann e H. Ragnemalm, juízes,

advogado-geral: G. Tesauro,

secretário: R. Grass,

vistas as observações escritas apresentadas:

° em representação de Anke Heuer, por Gert Meier, advogado em Colónia,

° em representação da Bundesrepublik Deutschland, por Karlheinz Stoehr, Ministerialrat no Ministério Federal da Justiça, Alfred Dittrich, Regierungsdirektor no mesmo ministério, Ernst Roeder, Ministerialrat no Ministério Federal da Economia, na qualidade de agentes, e Dieter Sellner, advogado em Bona,

° em representação do Governo neerlandês, por Adriaan Bos, consultor jurídico no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente,

° em representação do Governo do Reino Unido, por John Collins, Assistant Treasury Solicitor, na qualidade de agente, Stephen Richards e Rhodri Thompson, barristers,

° em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Rolf Waegenbaur, consultor jurídico principal, na qualidade de agente, e Barbara Rapp, advogada no foro de Bruxelas,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações de Erich Dillenkofer, representado por Roland Gappa, advogado em Dahn, de Anke Heuer, representada por Gert Meier, de Werner, Ursula e Torsten Knor, representados por Karin Schumacher-d' Hondt, advogada em Bona, da Bundesrepublik Deutschland, representada por Ernst Roeder e Dieter Sellner, do Governo neerlandês, representado por Marc Fierstra, consultor jurídico adjunto no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, do Governo francês, representado por Catherine de Salins, subdirectora na Direcção dos Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, do Governo do Reino Unido, representado por Stephen Richards, e da Comissão, representada por Barbara Rapp, na audiência de 17 de Outubro de 1995,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 28 de Novembro de 1995,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por despachos de 6 de Junho de 1994, que deram entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 28 de Junho seguinte, no que se refere aos processos C-178/94 e C-179/94, e em 1 de Julho de 1994, no que se refere aos processos C-188/94, C-189/94 e C-190/94, o Landgericht Bonn submeteu ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177. do Tratado CE, doze questões prejudiciais relativas à interpretação da Directiva 90/314/CEE do Conselho, de 13 de Junho de 1990, relativa às viagens organizadas, férias organizadas e circuitos organizados (JO L 158, p. 59, a seguir "directiva").

2 Essas questões foram suscitadas no âmbito de acções de indemnização respectivamente intentadas por Erich Dillenkofer, Christian Erdmann, Hans-Juergen Schulte, Anke Heuer e por Werner, Ursula e Torsten Knor (a seguir "demandantes") contra a República Federal da Alemanha, em virtude dos prejuízos que sofreram em consequência da não transposição da directiva no prazo estabelecido.

3 Nos termos do artigo 1. , a directiva tem por objecto aproximar as disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros relativas às viagens organizadas, às férias organizadas e aos circuitos organizados, vendidos ou propostos para venda no território da Comunidade.

4 O artigo 2. contém um determinado número de definições. Nele se estabelece que

"... entende-se por:

1) Viagem organizada: a combinação prévia de pelo menos dois dos elementos seguintes, quando seja vendida ou proposta para venda a um preço com tudo incluído e quando essa prestação exceda vinte e quatro horas ou inclua uma dormida:

a) Transporte;

b) Alojamento;

c) Outros serviços turísticos não subsidiários do transporte ou do alojamento que representem uma parte significativa da viagem organizada.

...

2) Operador: a pessoa que organiza viagens organizadas de forma não ocasional e as vende ou propõe para venda, directamente ou por intermédio de uma agência.

3) Agência: a entidade que vende ou propõe para venda a viagem organizada elaborada pelo operador.

4) Consumidor: a pessoa que adquire ou se compromete a adquirir a viagem organizada (' o contratante principal' ) ou qualquer pessoa em nome da qual o contratante principal se compromete a adquirir a viagem organizada (' os outros beneficiários' ) ou qualquer pessoa a quem o contratante principal ou um dos outros beneficiários cede a viagem organizada (' o cessionário' ).

..."

5 O artigo 7. determina que "O operador e/ou a agência que sejam partes no contrato devem comprovar possuir meios de garantia suficientes para assegurar, em caso de insolvência ou de falência, o reembolso dos fundos depositados e o repatriamento do consumidor."

6 O artigo 8. precisa que os Estados-Membros podem adoptar ou manter, no domínio regulado pela directiva, disposições mais rigorosas para defesa do consumidor.

7 De acordo com o artigo 9. , os Estados-Membros porão em vigor as medidas necessárias para dar cumprimento à directiva, o mais tardar em 31 de Dezembro de 1992.

8 Em 24 de Junho de 1994, o legislador alemão adoptou a lei de aplicação da directiva do Conselho de 13 de Junho de 1990 relativa às viagens organizadas (BGBl. I, p. 1322). Essa lei aditou ao Buergerliches Gesetzbuch (Código Civil alemão, a seguir "BGB") um novo § 651 k, nos termos do qual:

"1. O operador é obrigado a garantir que o viajante será reembolsado

1) do preço pago, caso as prestações de viagem não sejam fornecidas por insolvência ou falência do operador, e

2) das despesas necessárias efectuadas pelo viajante com o seu repatriamento por insolvência ou falência do operador.

O operador apenas poderá dar cumprimento às obrigações previstas na primeira frase

1) subscrevendo um seguro junto de uma companhia autorizada a operar no âmbito de aplicação da presente lei, ou

2) obtendo uma promessa de pagamento por parte de um estabelecimento de crédito autorizado a operar no âmbito de aplicação da presente lei.

2. ...

3. Para dar cumprimento à obrigação referida no n. 1, o operador deverá obter em benefício do viajante um direito directo contra o segurador ou o estabelecimento de crédito e fornecer prova disso pela entrega de um certificado passado pela referida empresa (certificado de garantia).

4. Com excepção de um sinal de, no máximo, 10% do preço da viagem, sinal esse que, contudo, não pode ser superior a 500 DM, o operador apenas pode exigir ou aceitar do viajante, antes de concluída a viagem, pagamentos por conta do preço da viagem se lhe tiver entregue um certificado de garantia.

..."

9 Esta lei entrou em vigor em 1 de Julho de 1994. Aplica-se aos contratos celebrados depois dessa data e relativos a viagens a começar depois de 31 de Outubro de 1994.

10 Os demandantes são compradores de viagens organizadas, que, em consequência da falência, em 1993, dos dois operadores a quem tinham comprado as respectivas viagens, não partiram ou tiveram de regressar do local de férias à sua custa, sem que tenham conseguido obter o reembolso das somas que haviam pago a esses operadores ou das despesas em que incorreram para regressar.

11 No âmbito das acções de indemnização que intentaram contra a República Federal da Alemanha, argumentaram que, se o artigo 7. da directiva tivesse sido transposto para o direito alemão no prazo estabelecido, ou seja, antes de 31 de Dezembro de 1992, teriam ficado protegidos contra a falência dos operadores a quem tinham comprado as respectivas viagens organizadas.

12 Os demandantes invocam designadamente o acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de Novembro de 1991, Francovich e o. (C-6/90 e C-9/90, Colect., p. I-5357, n.os 39 e 40, a seguir "acórdão Francovich e o."), de acordo com o qual, quando um Estado-Membro ignora a obrigação que lhe incumbe por força do artigo 189. , terceiro parágrafo, do Tratado, de tomar todas as medidas necessárias para atingir o resultado prescrito por uma directiva, a plena eficácia dessa norma de direito comunitário impõe um direito a reparação na condição de o resultado prescrito pela directiva implicar a atribuição de direitos a favor dos particulares, cujo conteúdo possa ser identificado com base nas disposições da directiva, e de existir um nexo de causalidade entre a violação da obrigação que incumbe ao Estado e o prejuízo sofrido pelas pessoas lesadas. Na opinião dos demandantes, tais condições estão preenchidas no caso vertente. Solicitam, assim, o reembolso das somas pagas pelas viagens não efectuadas ou das despesas incorridas com o respectivo regresso.

13 O Governo alemão opõe-se a esses pedidos. Entende não estarem preenchidas, no caso vertente, as condições estabelecidas no acórdão Francovich e o. e que, em qualquer caso, a não transposição de uma directiva no prazo estabelecido apenas pode gerar a responsabilidade do Estado-Membro caso exista uma violação caracterizada, ou seja, manifesta e grave, do direito comunitário, susceptível de lhe ser imputada.

14 Considerando que o direito alemão não fornece qualquer base para dar provimento aos pedidos de indemnização, mas tendo dúvidas quanto às consequências do acórdão Francovich e o., o Landgericht Bonn decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

"1) A Directiva do Conselho de 13 de Junho de 1990, relativa às viagens organizadas, férias organizadas e circuitos organizados (90/314/CEE), tem por finalidade atribuir a cada viajante ou turista, através das normas nacionais de transposição, um direito individual à garantia dos montantes pagos e das despesas da viagem de regresso em caso de insolvência do organizador da viagem, das férias ou do circuito (v. o n. 40 do acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de Novembro de 1990, Francovich, C-6/90 e C-9/90, Colect., p. 5357)?

2) A directiva delimita suficientemente o conteúdo deste direito?

3) Que requisitos mínimos deverão os Estados-Membros satisfazer na adopção das 'medidas necessárias' , na acepção do artigo 9. da directiva?

4) Em particular, basta, para satisfazer as exigências do artigo 9. da directiva, que o legislador nacional tenha, antes de 31 de Dezembro de 1992, criado o quadro legal no âmbito do qual os operadores e/ou agências terão que comprovar possuir meios de garantia suficientes, na acepção do artigo 7. da directiva?

Ou seria necessária a aprovação das alterações legislativas necessárias ao funcionamento efectivo das garantias no mercado das viagens, férias e circuitos organizados a partir de 1 de Janeiro de 1993, de modo a entrar em vigor até 31 de Dezembro de 1992, tendo em consideração o espaço de tempo prévio necessário nos ramos das viagens, seguros e crédito?

5) É compatível com a eventual finalidade de protecção da directiva a autorização pelo Estado-Membro aos operadores de exigir o pagamento de um sinal correspondente a até 10% do preço da viagem ou 500 DM, antes ainda da entrega de documentos comprovativos?

6) Em que medida impõe a directiva aos Estados-Membros uma actuação (legislativa) que previna a negligência dos viajantes?

7) a) Tendo em consideração o acórdão 'Vorkasse' (pagamento antecipado) do Bundesgerichtshof, de 12 de Março de 1987 (BGHZ 100, p. 157; NJW 86, p. 1613), a República Federal da Alemanha podia ter prescindido totalmente da transposição do artigo 7. da directiva?

b) Não existe também 'garantia' , na acepção do artigo 7. da directiva, no caso de os viajantes passarem a dispor, com o pagamento do preço da viagem, de documentos que titulam o direito ao cumprimento do contrato, oponível aos respectivos sujeitos passivos (companhia aérea/agência hoteleira)?

8) a) A simples ultrapassagem do prazo referido no artigo 9. da directiva é elemento constitutivo suficiente do surgimento de direito a indemnização, na acepção do acórdão Francovich do Tribunal de Justiça, ou pode ser atendido o argumento do Estado-Membro de que o prazo de transposição se revelou demasiado curto?

b) Caso aquele argumento seja afastado:

O mesmo vale nos casos em que a simples alteração da lei (semelhante, por exemplo, ao subsídio atribuído aos trabalhadores em caso de falência) não basta para satisfazer a finalidade da directiva, sendo ainda necessária a cooperação de terceiros privados (organizadores de viagens, instituições de crédito e de garantia)?

9) A responsabilidade dos Estados-Membros por violação de direito comunitário pressupõe uma violação caracterizada, ou seja, manifesta e significativa, dos seus deveres?

10) A existência de uma condenação por incumprimento do Tratado, temporalmente anterior à verificação do dano, é pressuposto da responsabilidade?

11) É possível retirar do acórdão Francovich do Tribunal de Justiça a conclusão de que o direito a indemnização decorrente de violação de direito comunitário não depende de um comportamento faltoso em geral, ou pelo menos de omissão indevida de prática de acto legislativo?

12) Caso aquela conclusão seja inexacta:

O acórdão Vorkasse do Bundesgerichtshof pode constituir uma causa atendível de justificação ou exclusão da culpa da República Federal da Alemanha pela não transposição da directiva dentro do prazo previsto no artigo 9. , na acepção das respostas a dar pelo Tribunal de Justiça às quarta e sétima questões?"

Quanto às condições de existência da responsabilidade do Estado (oitava, nona, décima, décima primeira e décima segunda questões)

15 Será conveniente abordar, em primeiro lugar, as oitava, nona, décima, décima primeira e décima segunda questões, em que o órgão jurisdicional nacional se interroga sobre as condições de existência de responsabilidade do Estado para com os particulares, por não transposição de uma directiva no prazo estabelecido.

16 Nessas questões, o órgão jurisdicional nacional pergunta, no essencial, se a não transposição de uma directiva no prazo estabelecido é, por si só, suficiente para originar um direito a ser indemnizado em benefício dos particulares lesados, ou se será necessário atender a outras condições.

17 O órgão jurisdicional nacional interroga-se, mais especificamente, sobre a relevância a conceder à objecção formulada pelo Governo alemão, de que o prazo de transposição da directiva se revelou insuficiente (oitava questão). Pergunta, além disso, se a existência de responsabilidade do Estado-Membro pressupõe uma violação caracterizada, ou seja, manifesta e grave, dos seus deveres comunitários (nona questão), se o incumprimento deve ter sido declarado antes da verificação do dano (décima questão), se a responsabilidade pressupõe a existência de um comportamento culposo, por acção ou omissão, aquando da adopção pelo Estado-Membro dos actos normativos (décima primeira questão), e, por último, na hipótese de resposta afirmativa a esta última questão, se a culpa pode ser excluída em virtude de um acórdão como o do "pagamento antecipado" do Bundesgerichtshof, a que se refere a sétima questão prejudicial (décima segunda questão).

18 Os Governos alemão, neerlandês e do Reino Unido alegaram, designadamente, só poder existir responsabilidade de um Estado em consequência da transposição tardia de uma directiva, caso lhe possa ser imputada uma violação caracterizada, ou seja, manifesta e grave, do direito comunitário. De acordo com esses mesmos Governos, tal imputação depende das circunstâncias que conduziram ao não cumprimento do prazo.

19 Para responder a tais questões, há que, a título liminar, recordar a jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de direito a ser indemnizado pelos prejuízos sofridos pelos particulares em consequência de violações do direito comunitário imputáveis a um Estado-Membro.

20 O Tribunal de Justiça declarou que o princípio da responsabilidade do Estado pelos prejuízos causados aos particulares por violações do direito comunitário que lhe sejam imputáveis é inerente ao sistema do Tratado (acórdãos Francovich e o., n. 35; de 5 de Março de 1996, Brasserie du pêcheur e Factortame, C-46/93 e C-48/93, Colect., p. I-1029, n. 31; de 26 de Março de 1996, British Telecommunications, C-392/93, Colect., p. I-1631, n. 38; e de 23 de Maio de 1996, Hedley Lomas, C-5/94, Colect., p. I-2553, n. 24). Além disso, o Tribunal de Justiça considerou que as condições em que a responsabilidade do Estado institui um direito a reparação dependem da natureza da violação do direito comunitário que está na origem do prejuízo causado (acórdãos Francovich e o., n. 38, Brasserie du pêcheur e Factortame, n. 38, e Hedley Lomas, n. 24, já referidos).

21 Nos seus acórdãos Brasserie du pêcheur e Factortame (n.os 50 e 51), British Telecommunications (n.os 39 e 40) e Hedley Lomas (n.os 25 e 26), já referidos, o Tribunal de Justiça, atendendo às circunstâncias dos casos em análise, julgou que os particulares lesados têm direito a reparação desde que estejam reunidas três condições, a saber, que a regra de direito comunitário violada tenha por objecto conferir direitos, que a violação seja suficientemente caracterizada e que exista um nexo de causalidade directo entre essa violação e o prejuízo sofrido pelos particulares.

22 Além disso, decorre do acórdão Francovich e o., já referido, o qual, como os presentes processos, tinha por objecto uma situação de inexistência de medidas de transposição de uma directiva no prazo estabelecido, que a plena eficácia do artigo 189. , terceiro parágrafo, do Tratado impõe um direito a reparação quando o resultado prescrito pela directiva implique a atribuição de direitos a favor dos particulares, cujo conteúdo possa ser identificado com base nas disposições da directiva, e quando exista um nexo de causalidade entre a violação da obrigação que incumbe ao Estado e o prejuízo sofrido pelas pessoas lesadas.

23 No essencial, as condições estabelecidas nestes diferentes acórdãos são as mesmas, visto que a condição da existência de uma violação suficientemente caracterizada, embora, é certo, não seja mencionada no acórdão Francovich e o., já referido, era, contudo, inerente às circunstâncias do caso.

24 Ao afirmar que as condições em que a responsabilidade confere um direito a reparação dependem da natureza da violação do direito comunitário que está na origem do prejuízo sofrido, o Tribunal de Justiça considerou, com efeito, que a apreciação de tais condições era função de cada tipo de situação.

25 Na realidade, por um lado, existe uma violação suficientemente caracterizada quando uma instituição ou um Estado-Membro, no exercício do seu poder legislativo, viole, de forma manifesta e grave, os limites que se impõem ao exercício dos seus poderes (v. acórdãos de 25 de Maio de 1978, HNL e o./Conselho e Comissão, 83/76, 94/76, 4/77, 15/77 e 40/77, Recueil, p. 1209, n. 6, Colect., p. 421; Brasserie du pêcheur e Factortame, já referido, n. 55; e British Telecommunications, já referido, n. 42), e, por outro, na hipótese de o Estado-Membro em causa, no momento em que cometeu a infracção, não se confrontar com opções normativas e dispor de uma margem de apreciação consideravelmente reduzida, ou mesmo inexistente, a simples infracção ao direito comunitário pode bastar para provar a existência de uma violação suficientemente caracterizada (v. acórdão Hedley Lomas, já referido, n. 28).

26 Assim, um Estado-Membro que, como no processo Francovich e o., não adopte, em violação do artigo 189. , terceiro parágrafo, do Tratado, qualquer das medidas necessárias para atingir o resultado prescrito numa directiva, no prazo nela estabelecido, viola, de forma manifesta e grave, os limites impostos ao exercício das suas competências.

27 Em consequência, tal violação cria, em favor dos particulares, um direito a reparação se o resultado prescrito na directiva implicar a atribuição, em seu benefício, de direitos cujo conteúdo possa ser identificado com base nas disposições da directiva e se existir um nexo de causalidade entre a violação da obrigação que incumbe ao Estado e o prejuízo sofrido pelas pessoas lesadas, sem que seja necessário tomar em consideração outras condições.

28 Em especial, não se pode subordinar a reparação do prejuízo à exigência de uma declaração prévia, pelo Tribunal de Justiça, de um incumprimento ao direito comunitário imputável ao Estado (v. acórdão Brasserie du pêcheur, n.os 94 a 96), nem à existência de dolo ou negligência por parte do órgão estadual a quem o incumprimento é imputável (v. n.os 75 a 80 do mesmo acórdão).

29 Cabe, pois, responder às oitava, nona, décima, décima primeira e décima segunda questões que a inexistência de qualquer medida de transposição de uma directiva para a consecução do resultado nela prescrito no prazo para o efeito estabelecido constitui, por si só, uma violação caracterizada do direito comunitário, e, em consequência, cria, em favor dos particulares lesados, um direito a reparação se o resultado prescrito na directiva implicar a atribuição, em benefício dos particulares, de direitos cujo conteúdo possa ser identificado e se existir um nexo de causalidade entre a violação da obrigação que incumbe ao Estado e o prejuízo sofrido.

Quanto à atribuição aos particulares de direitos cujo conteúdo pode ser suficientemente identificado (primeira e segunda questões)

30 Nas duas primeiras questões, o órgão jurisdicional nacional pergunta se o resultado prescrito no artigo 7. da directiva implica a atribuição ao viajante de direitos que garantam o reembolso dos fundos que depositou e o seu repatriamento em caso de insolvência ou falência do operador e/ou da agência parte no contrato (a seguir "operador") e se o conteúdo desses direitos pode ser suficientemente identificado.

31 Para os demandantes e a Comissão, deve ser dada resposta afirmativa a estas duas questões. Com efeito, o artigo 7. reconhece, de forma clara e inequívoca, o direito de o viajante, enquanto consumidor, obter o reembolso dos fundos depositados e o seu repatriamento em caso de insolvência ou falência do operador.

32 Os Governos alemão, neerlandês e do Reino Unido contestam este ponto de vista.

33 Cabe examinar, antes de mais, se o resultado prescrito pelo artigo 7. da directiva implica a atribuição de direitos aos particulares.

34 Refira-se, a este respeito, o próprio texto do artigo 7. , do qual resulta que esta disposição prescreve como resultado da sua execução a obrigação de o operador possuir meios de garantia suficientes para assegurar, em caso de insolvência ou falência, o reembolso dos fundos depositados e o repatriamento do consumidor.

35 Tendo essas garantias por objectivo proteger os consumidores contra os riscos económicos decorrentes da insolvência ou da falência dos operadores, o legislador comunitário impôs-lhes a obrigação de comprovarem possuir tais meios de garantia para proteger os consumidores relativamente aos referidos riscos.

36 Daqui se conclui que o artigo 7. da directiva tem por objectivo proteger os consumidores, que beneficiam, assim, do direito de serem reembolsados ou repatriados em caso de insolvência ou de falência do operador a quem compraram a viagem. Com efeito, qualquer outra interpretação seria desprovida de sentido, na medida em que as garantias que os organizadores devem prestar nos termos do artigo 7. da directiva se destinam a possibilitar o reembolso dos fundos depositados pelo consumidor ou o seu repatriamento.

37 Tal resultado é, aliás, confirmado pelo penúltimo considerando da directiva, nos termos do qual seria benéfico, tanto para o consumidor como para os profissionais do sector das viagens organizadas, que os operadores fossem obrigados a apresentar garantias em caso de insolvência ou de falência.

38 A este respeito, os Governos alemão e do Reino Unido não podem objectar que a directiva, fundada no artigo 100. -A do Tratado, visa essencialmente garantir a livre prestação de serviços e, de forma mais geral, a livre concorrência.

39 Com efeito, importa observar, por um lado, que os considerandos da directiva referem, por diversas vezes, o objectivo de protecção dos consumidores, e, por outro, que o facto de a directiva se destinar a garantir outros objectivos não é susceptível de excluir que as suas disposições visem também proteger os consumidores. Com efeito, de acordo com o terceiro parágrafo do artigo 100. -A do Tratado, a Comissão, nas suas propostas previstas no mesmo artigo, designadamente, em matéria de protecção dos consumidores, basear-se-á num nível de protecção elevado.

40 Cabe igualmente rejeitar o argumento dos Governos alemão e do Reino Unido, segundo o qual decorre da própria redacção do artigo 7. que este se limita a impor aos operadores a obrigação de comprovarem possuir meios de garantia suficientes e que a ausência de qualquer referência a um eventual direito dos consumidores de beneficiarem de tais garantias significa que esse direito é meramente indirecto e derivado.

41 Basta recordar, a este respeito, que a obrigação de comprovar possuir meios de garantia implica necessariamente, para os seus titulares, a de subscrever efectivamente tais garantias. Além disso, a obrigação estabelecida no artigo 7. apenas tem sentido se existirem efectivamente garantias que permitam, sendo caso disso, o reembolso dos fundos depositados ou o repatriamento do consumidor.

42 Em consequência, deve concluir-se que o resultado prescrito no artigo 7. da directiva implica a atribuição ao viajante de direitos que garantam o reembolso dos fundos que depositou e o seu repatriamento em caso de insolvência ou de falência do operador.

43 Cabe examinar, em seguida, se o conteúdo dos direitos em causa pode ser identificado exclusivamente com base nas disposições da directiva.

44 Observe-se, a este respeito, que os titulares dos direitos derivados do artigo 7. estão suficientemente identificados como sendo os consumidores, tal como definidos no artigo 2. da directiva. O mesmo sucede quanto ao conteúdo desses direitos. Como foi acima salientado, tais direitos consistem em garantias de reembolso dos fundos depositados pelos viajantes e do seu repatriamento em caso de insolvência ou falência do operador. Em tais condições, deve entender-se que o artigo 7. da directiva visa atribuir, em benefício de particulares, direitos cujo conteúdo pode ser determinado com suficiente exactidão.

45 Esta conclusão não pode ser posta em causa pelo facto de, como sublinha o Governo alemão, a directiva deixar uma ampla margem de apreciação aos Estados-Membros quanto à escolha dos meios para atingir o resultado que prossegue. Com efeito, o facto de o Estado poder escolher entre uma multiplicidade de meios para atingir o resultado prescrito por uma directiva, é irrelevante caso a directiva vise atribuir, em benefício de particulares, direitos cujo conteúdo possa ser determinado com suficiente exactidão.

46 Cabe, pois, responder às duas primeiras questões que o resultado prescrito pelo artigo 7. da directiva implica a atribuição ao viajante de direitos que garantam o reembolso dos fundos que depositou e o seu repatriamento em caso de insolvência ou de falência do operador, cujo conteúdo pode ser suficientemente determinado.

Quanto às medidas necessárias para garantir uma correcta transposição da directiva (terceira, quarta, quinta, sexta e sétima questões)

Quanto às terceira e quarta questões

47 Nas terceira e quarta questões, o órgão jurisdicional nacional pede, no essencial, que o Tribunal de Justiça precise as "medidas necessárias" que os Estados-Membros devem adoptar para dar cumprimento ao artigo 9. da directiva.

48 Sublinhe-se, a título liminar, que, de acordo com uma jurisprudência constante, a aplicação das disposições de uma directiva deve ser feita com carácter obrigatório incontestável, com a especificidade, precisão e clareza necessárias, para satisfazer a exigência de segurança jurídica (acórdão de 30 de Maio de 1991, Comissão/Alemanha, C-59/89, Colect., p. I-2607, n. 24).

49 Observe-se, em seguida, que, ao determinar que os Estados-Membros porão em vigor as medidas necessárias para dar cumprimento à directiva, o mais tardar em 31 de Dezembro de 1992, o artigo 9. impunha a obrigação de os Estados-Membros adoptarem todas as medidas necessárias para assegurar a plena eficácia das disposições da directiva e garantir assim a consecução do resultado que prescreve.

50 Atendendo à resposta dada às duas primeiras questões, deve declarar-se que, para assegurar a completa execução do artigo 7. da directiva, os Estados-Membros deviam ter adoptado, no prazo estabelecido, todas as medidas necessárias para, a partir de 1 de Janeiro de 1993, garantir aos compradores de viagens organizadas o reembolso dos fundos depositados e o seu repatriamento em caso de insolvência ou de falência do operador.

51 Daqui se conclui não existir execução completa do artigo 7. se, no prazo estabelecido, o legislador nacional se tiver limitado a adoptar o quadro jurídico necessário para impor ao operador a obrigação legal de comprovar as medidas de garantia.

52 Como resulta do despacho de reenvio, o Governo alemão argumentou que o prazo estabelecido para a transposição da directiva era demasiado curto, designadamente, em função das significativas dificuldades que suscitaria, na Alemanha, para o sector económico em causa, a instituição de um sistema de garantias conforme com a directiva. A este respeito, o Governo alemão sublinhou que a execução da directiva não podia ser efectivada por meras modificações legislativas, sendo necessário obter a colaboração de terceiros privados (operadores de viagens, meios profissionais do seguro e do crédito).

53 Observe-se que tal facto não é susceptível de justificar a não transposição de uma directiva no prazo estabelecido. Com efeito, de acordo com jurisprudência bem assente, um Estado-Membro não pode invocar disposições, práticas ou situações da sua ordem jurídica interna para justificar a inobservância das obrigações e prazos determinados na directiva (v., designadamente, acórdão de 21 de Junho de 1988, Comissão/Bélgica, 283/86, Colect., p. 3271, n. 7).

54 Recorde-se, ademais, que, no caso de o prazo para a execução de uma directiva se revelar demasiado curto, a única via compatível com o direito comunitário consiste, para o Estado-Membro interessado, em tomar, no âmbito comunitário, as iniciativas adequadas para obter que seja adoptada, pela instituição comunitária competente, a necessária prorrogação do prazo (v. acórdão de 26 de Fevereiro de 1976, Comissão/Itália, 52/75, Recueil, p. 277, n. 12, Colect., p. 131).

55 Deve, pois, responder-se às terceira e quarta questões que, para dar cumprimento ao artigo 9. da directiva, o Estado-Membro devia ter adoptado, no prazo estabelecido, todas as medidas necessárias para garantir aos particulares, a partir de 1 de Janeiro de 1993, uma efectiva protecção contra os riscos de insolvência e de falência dos operadores.

Quanto à quinta questão

56 Na quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o objectivo de protecção dos consumidores prosseguido pelo artigo 7. da directiva é cumprido no caso de um Estado-Membro autorizar o operador a exigir o pagamento de um sinal de, no máximo, 10% do preço da viagem, o qual não pode exceder 500 DM, antes de entregar ao seu cliente documentos que o órgão jurisdicional de reenvio qualifica de "documentos comprovativos", a saber, documentos em que está consignado o direito de o consumidor beneficiar de diversas prestações de serviços incluídas na viagem organizada (companhias aéreas ou estabelecimentos hoteleiros).

57 Resulta do despacho de reenvio que esta questão se refere ao n. 4 do § 651 k do BGB, reproduzido no n. 8, supra, bem como ao acórdão do Bundesgerichtshof, dito "do pagamento antecipado", de 12 de Março de 1987, referido no âmbito da sétima questão prejudicial, e que anulou as condições gerais dos operadores de viagens na medida em que obrigavam o viajante a pagar um sinal equivalente a 10% do preço da viagem, sem ter recebido qualquer documento comprovativo.

58 Resulta, além disso, do despacho de reenvio que, através desta questão, aquele órgão jurisdicional pretende saber, no essencial, se o legislador nacional dá cumprimento ao artigo 7. quando faz recair sobre o consumidor o risco relativo ao referido sinal, não ficando este coberto pela garantia referida na dita disposição.

59 Como se observou no âmbito das primeira e segunda questões, o artigo 7. da directiva visa proteger o consumidor contra os riscos aí definidos, decorrentes da insolvência ou da falência do operador. Seria contrário a esse objectivo limitar essa protecção de forma tal que o sinal eventualmente pago não fosse incluído na garantia de reembolso ou de repatriamento. Com efeito, a directiva não fornece qualquer fundamento para tal limitação dos direitos garantidos pelo artigo 7.

60 Daqui decorre que uma norma nacional que autorize os operadores a exigir dos consumidores o pagamento de um sinal apenas pode estar em conformidade com o artigo 7. da directiva se estiver também garantido o reembolso do sinal em caso de insolvência ou de falência do operador.

61 Cabe, assim, responder à quinta questão que, no caso de um Estado-Membro autorizar o operador a exigir o pagamento de um sinal de, no máximo, 10% do preço da viagem, sem que possa exceder 500 DM, o objectivo de protecção prosseguido pelo artigo 7. da directiva apenas é satisfeito desde que esteja também garantido o reembolso desse sinal em caso de insolvência ou de falência do operador.

Quanto à sétima questão

62 Na segunda parte da sétima questão, o órgão jurisdicional nacional pergunta se também faltam as garantias cuja existência deve ser "comprovada" pelo operadores, nos termos do artigo 7. da directiva, no caso de os viajantes terem em seu poder, no momento do pagamento do preço da viagem, documentos comprovativos.

63 Para o Governo alemão, existe a protecção garantida pelo artigo 7. quando o viajante tenha na sua posse documentos que garantam um direito directo relativamente ao prestador efectivo dos serviços (companhia aérea ou estabelecimento hoteleiro). Com efeito, em tal caso, o viajante está em condições de exigir a execução das prestações, pelo que é de excluir o risco de delas não beneficiar em virtude da insolvência do operador.

64 Esta argumentação não pode ser acolhida. Com efeito, a protecção garantida aos consumidores pelo artigo 7. podia ficar comprometida se estes fossem obrigados a invocar títulos de crédito relativamente a terceiros que, em qualquer caso, não estão obrigados a respeitá-los e que, além disso, também estão expostos ao risco de falência.

65 Cabe, em consequência, responder à segunda parte da sétima questão que o artigo 7. da directiva deve ser interpretado no sentido de também faltarem as garantias que devem ser "comprovadas" pelos operadores, mesmo que, no momento de pagar o preço da viagem, os viajantes tenham na sua posse documentos comprovativos.

66 Na primeira parte da sétima questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça se a República Federal da Alemanha podia renunciar à transposição do artigo 7. da directiva, atendendo ao acórdão "pagamento antecipado" do Bundesgerichtshof.

67 Independentemente da questão de saber se uma decisão judicial é susceptível de garantir a correcta transposição da directiva, cabe observar que a resposta a esta questão decorre, em qualquer caso, das que foram dadas tanto à quinta questão como à segunda parte da sétima. Uma vez que o artigo 7. visa proteger o consumidor contra os riscos nele definidos, decorrentes da insolvência ou da falência do operador, um acórdão como o do "pagamento antecipado" do Bundesgerichtshof não é susceptível de satisfazer as exigências da directiva, na medida em que faz recair sobre o consumidor, por um lado, o risco de insolvência e de falência do operador, no que se refere ao sinal autorizado e, por outro, o risco de, caso o consumidor tenha recebido documentos comprovativos, o prestador efectivo dos serviços não os respeitar ou se tornar insolvente.

68 Cabe, assim, responder à sétima questão que o artigo 7. da directiva deve ser interpretado no sentido de que, por um lado, faltam as garantias cuja existência deve ser "comprovada" pelos operadores, mesmo que, no momento de pagar o preço da viagem, os viajantes tenham na sua posse documentos comprovativos, e que, por outro, a República Federal da Alemanha não podia renunciar à transposição da directiva, atendendo ao acórdão "pagamento antecipado" do Bundesgerichtshof.

Quanto à sexta questão

69 Na sexta questão, o órgão jurisdicional nacional pergunta se a directiva obriga os Estados-Membros a adoptar medidas específicas para proteger os viajantes contra a sua própria negligência.

70 Assim formulada, esta questão suscita as três observações seguintes.

71 Antes de mais, nem o objectivo da directiva nem as suas disposições específicas obrigam os Estados-Membros a adoptar medidas específicas, no âmbito do artigo 7. , para protecção dos viajantes contra a sua própria negligência.

72 Em seguida, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, para determinar o prejuízo indemnizável, o juiz nacional pode sempre verificar se a pessoa lesada foi razoavelmente diligente para evitar o prejuízo ou limitá-lo (v., designadamente, acórdão Brasserie du pêcheur e Factortame, já referido, n. 84).

73 Por último, se este princípio é igualmente aplicável no âmbito de um pedido de reparação de prejuízos decorrentes da não transposição de uma directiva como a em causa no caso vertente, decorre, ademais, da resposta dada às quinta e sétima questões que não se pode considerar ter havido negligência do viajante que tenha pago a integralidade do preço da viagem, pelo simples facto de não se ter prevalecido, de acordo com o acórdão "pagamento antecipado", da possibilidade de não entregar mais de 10% do preço total da viagem antes de ter obtido documentos comprovativos.

74 Cabe, pois, responder à sexta questão que a directiva não obriga os Estados-Membros a adoptar medidas específicas, no âmbito do artigo 7. , para proteger os viajantes contra a sua própria negligência.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

75 As despesas efectuadas pelos Governos alemão, neerlandês, francês e do Reino Unido, bem como pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Landgericht Bonn, por despachos de 6 de Junho de 1994, declara:

1) A inexistência de qualquer medida de transposição de uma directiva para a consecução do resultado nela prescrito no prazo para o efeito estabelecido constitui, por si só, uma violação caracterizada do direito comunitário, a qual, em consequência, cria, em favor dos particulares lesados, um direito a reparação se o resultado prescrito na directiva implicar a atribuição, em benefício dos particulares, de direitos cujo conteúdo possa ser identificado e se existir um nexo de causalidade entre a violação da obrigação que incumbe ao Estado e o prejuízo sofrido.

2) O resultado prescrito pelo artigo 7. da Directiva 90/314/CEE do Conselho, de 13 de Junho de 1990, relativa às viagens organizadas, férias organizadas e circuitos organizados, implica a atribuição ao viajante de direitos que garantam o reembolso dos fundos que depositou e o seu repatriamento em caso de insolvência ou de falência do operador da viagem organizada e/ou da agência parte no contrato, cujo conteúdo pode ser suficientemente determinado.

3) Para dar cumprimento ao artigo 9. da Directiva 90/314/CEE, o Estado-Membro devia ter adoptado, no prazo estabelecido, todas as medidas necessárias para garantir aos particulares, a partir de 1 de Janeiro de 1993, uma efectiva protecção contra os riscos de insolvência e de falência dos operadores de viagens organizadas e/ou da agência parte no contrato.

4) No caso de um Estado-Membro autorizar o operador da viagem organizada e/ou a agência parte no contrato a exigir o pagamento de um sinal de, no máximo, 10% do preço da viagem, sem que possa exceder 500 DM, o objectivo de protecção prosseguido pelo artigo 7. da Directiva 90/314/CEE apenas é satisfeito desde que esteja também garantido o reembolso desse sinal em caso de insolvência ou de falência do operador da viagem organizada e/ou da agência parte no contrato.

5) O artigo 7. da Directiva 90/314/CEE deve ser interpretado no sentido de que, por um lado, faltam também as garantias cuja existência deve ser "comprovada" pelos operadores de viagens organizadas ou pelas agências partes no contrato, mesmo que, no momento de pagar o preço da viagem, os viajantes tenham na sua posse documentos comprovativos, e de que, por outro, a República Federal da Alemanha não podia renunciar à transposição da Directiva 90/314/CEE, atendendo ao acórdão "pagamento antecipado" do Bundesgerichtshof, de 12 de Março de 1987.

6) A Directiva 90/314/CEE não obriga os Estados-Membros a adoptar medidas específicas, no âmbito do artigo 7. , para proteger os viajantes contra a sua própria negligência.