61994J0087

Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 25 de Abril de 1996. - Comissão das Comunidades Europeias contra Reino da Bélgica. - Concursos públicos - Sector dos transportes - Directiva 90/531/CEE. - Processo C-87/94.

Colectânea da Jurisprudência 1996 página I-02043


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


++++

1. Aproximação das legislações ° Procedimentos de celebração dos contratos de direito público nos sectores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações ° Directiva 90/531 ° Âmbito de aplicação ° Não existência de condição relativa à nacionalidade ou ao lugar da sede dos concorrentes ° Obrigação de as entidades adjudicantes respeitarem as regras relativas ao tipo de procedimento escolhido

(Directiva 90/531 do Conselho, artigos 4. , n. 1, e 15. , n. 1)

2. Aproximação das legislações ° Procedimentos de celebração dos contratos de direito público nos sectores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações ° Directiva 90/531 ° Adjudicação dos contratos ° Princípios da igualdade de tratamento dos concorrentes e da transparência ° Consideração, após a abertura das propostas, da modificação de uma delas ° Adjudicação do contrato com base em números que não correspondem às prescrições do caderno de encargos ° Consideração de variantes aos critérios de adjudicação não mencionadas no caderno de encargos nem no anúncio do concurso ° Violação

(Directiva 90/531 do Conselho)

Sumário


1. O procedimento previsto na Directiva 90/531, relativa aos procedimentos de celebração dos contratos de direito público nos sectores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações, deve ser respeitado independentemente da nacionalidade ou do lugar da sede dos concorrentes. Com efeito, a exigência imposta às entidades adjudicantes pelo artigo 4. , n. 1, da directiva de aplicar os procedimentos adaptados às disposições desta não está submetida a nenhuma condição a esse respeito, sendo sempre possível que empresas sedeadas noutros Estados-Membros sejam, directa ou indirectamente, interessadas pela adjudicação de um contrato.

Embora seja exacto que, segundo o artigo 15. , n. 1, da directiva, as entidades adjudicantes que são obrigadas a aplicar os procedimentos da directiva tenham uma certa margem de escolha no que respeita ao procedimento a aplicar a um concurso, são obrigadas, desde que tenham aberto um concurso segundo um determinado procedimento, a respeitar as regras que lhe são aplicáveis até à adjudicação definitiva do contrato.

2. Decorre dos termos da Directiva 90/531, relativa aos procedimentos de celebração dos contratos de direito público nos sectores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações, que o procedimento de comparação das propostas seguido pela entidade adjudicante deve respeitar, em todas as suas fases, tanto o princípio da igualdade de tratamento dos concorrentes como o da transparência.

Não cumpre esta obrigação um Estado-Membro que, no âmbito de um concurso público organizado por uma empresa pública que explora uma rede de transportes por autocarro,

° toma em consideração os dados relativos ao consumo de carburante fornecidos por um concorrente após a abertura das propostas, no caso de tais dados ultrapassarem o limite que o concorrente a si próprio impusera, na proposta inicial, para qualquer alteração dos dados relativos ao consumo de carburante,

° adjudica o contrato ao mesmo concorrente com base em números que não correspondem às prescrições do caderno de encargos relativamente ao cálculo da penalidade fictícia do concorrente em causa no que respeita às despesas de manutenção relativas à substituição do motor e da caixa de velocidades,

° toma em consideração, na comparação das propostas relativas a determinados lotes, elementos de economia propostos pelo mesmo concorrente, sem os ter mencionado no caderno de encargos ou no anúncio do concurso, os utiliza para compensar as diferenças financeiras entre as propostas classificadas em primeiro lugar e as do concorrente em causa e prefere determinadas propostas do mesmo concorrente pelo facto de ter tomado em consideração esses elementos.

Partes


No processo C-87/94,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Hendrik van Lier, consultor jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

demandante,

contra

Reino da Bélgica, representado por Jan Devadder, director no Ministério dos Negócios Estrangeiros, do Comércio Externo e da Cooperação para o Desenvolvimento, na qualidade de agente, assistido por Michel Waelbroeck e Denis Waelbroeck, advogados no foro de Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada da Bélgica, 4, rue des Girondins,

demandado,

que tem por objecto obter a declaração de que, ao tomar em consideração, no âmbito de um concurso público organizado pela Société régionale wallonne du transport, as modificações introduzidas numa das propostas posteriormente à sua abertura, ao admitir ao processo de adjudicação um concorrente que não satisfazia os critérios de selecção do caderno de encargos e ao preferir uma proposta que não satisfazia os critérios de adjudicação do caderno de encargos, o Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da Directiva 90/531/CEE do Conselho, de 17 de Setembro de 1990, relativa aos procedimentos de celebração dos contratos de direito público nos sectores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações (JO L 297, p. 1), bem como do princípio da igualdade de tratamento que está na base de qualquer regulamentação dos processos de adjudicação dos concursos públicos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: D. A. O. Edward (relator), presidente de secção, J. C. Moitinho de Almeida, C. Gulmann, P. Jann e L. Sevón, juízes,

advogado-geral: C. O. Lenz,

secretário: H. A. Ruehl, administrador principal,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações das partes na audiência de 13 de Julho de 1995,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 12 de Setembro de 1995,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 11 de Março de 1994, a Comissão das Comunidades Europeias intentou, ao abrigo do artigo 169. do Tratado CE, uma acção destinada a obter a declaração de que, ao tomar em consideração, no âmbito de um concurso público organizado pela Société régionale wallonne du transport (a seguir "SRWT"), as modificações introduzidas numa das propostas posteriormente à sua abertura, ao admitir ao processo de adjudicação um concorrente que não satisfazia os critérios de selecção do caderno de encargos e ao preferir uma proposta que não satisfazia os critérios de adjudicação do caderno de encargos, o Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da Directiva 90/531/CEE do Conselho, de 17 de Setembro de 1990, relativa aos procedimentos de celebração dos contratos de direito público nos sectores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações (JO L 297, p. 1, a seguir "directiva"), bem como do princípio da igualdade de tratamento que está na base de qualquer regulamentação dos processos de adjudicação dos concursos públicos.

A directiva

2 Os trigésimo segundo e trigésimo terceiro considerandos da directiva declaram, por um lado, que as regras a aplicar pelas entidades em causa devem criar um enquadramento para práticas comerciais leais e permitir a maior flexibilidade e, por outro, que, como contrapartida dessa flexibilidade e a fim de promover a confiança mútua, se deve assegurar um nível mínimo de transparência.

3 O artigo 2. da directiva refere, entre as entidades adjudicantes a que a directiva se aplica, as empresas públicas que explorem uma rede de prestação de um serviço ao público no domínio dos transportes por autocarros. Precisa-se, no segundo parágrafo da alínea c) do n. 2 desse artigo, que existe uma rede quando o serviço é prestado em condições de funcionamento estabelecidas por uma autoridade competente de um Estado-Membro, tais como as condições relativas aos itinerários a seguir, à capacidade de transporte disponível ou à frequência do serviço.

4 O artigo 4. , n. 1, da directiva exige que, para celebrarem os seus contratos de fornecimento, as entidades adjudicantes apliquem procedimentos que se adaptem às disposições da directiva.

5 Segundo o artigo 4. , n. 2, da directiva, as entidades adjudicantes deverão cuidar de que não haja qualquer discriminação entre fornecedores ou empreiteiros.

6 O artigo 27. , n. 2, da directiva determina que, quando a adjudicação de um contrato de direito público for feita à proposta economicamente mais vantajosa, "... as entidades adjudicantes indicarão no caderno de encargos ou no anúncio do concurso todos os critérios de adjudicação que tencionam aplicar, se possível por ordem decrescente de importância".

7 Finalmente, o artigo 27. , n. 3, dispõe:

"Quando o critério de adjudicação do contrato for o da proposta economicamente mais vantajosa, as entidades adjudicantes podem tomar em consideração as variantes apresentadas por um concorrente que satisfaçam os requisitos mínimos exigidos pelas entidades adjudicantes. As entidades adjudicantes indicarão no caderno de encargos as condições mínimas que as variantes devem respeitar, bem como quaisquer modalidades específicas de apresentação. Caso não sejam autorizadas variantes, as entidades adjudicantes mencionarão esse facto no caderno de encargos."

8 A declaração comum do Conselho e da Comissão ao artigo 15. da directiva (JO 1990, L 297, p. 48) determina:

"O Conselho e a Comissão declaram que, nos concursos públicos ou limitados, fica excluída qualquer negociação com os candidatos ou concorrentes acerca dos elementos fundamentais dos contratos cuja variação seja susceptível de falsear o jogo da concorrência e, nomeadamente, acerca dos preços; no entanto, são permitidos contactos com os candidatos ou concorrentes com o objectivo de conseguir que estes especifiquem ou completem o teor das suas propostas e de especificar ou completar as exigências das entidades adjudicantes, desde que esses contactos não tenham um efeito discriminatório."

Matéria de facto

9 A SRWT, que tem sede em Namur (Bélgica), abriu, por anúncio de concurso publicado no suplemento do Jornal Oficial das Comunidades Europeias de 22 de Abril de 1993 (JO S 78, p. 76), um concurso destinado à celebração de um contrato público de fornecimento de 307 veículos standard. Este contrato, de um montante calculado em mais de 2 mil milhões de BFR (sem IVA) e repartido em oito lotes, devia ser cumprido ao longo de um período de três anos.

10 O caderno de encargos do concurso comportava, por um lado, o caderno de encargos tipo n. 1 (a seguir "caderno de base") e, por outro, o caderno especial de encargos n. 545 (a seguir "caderno especial"), que alterava alguns termos do caderno de base.

11 O caderno especial estipulava, no seu ponto 20.2, que o contrato devia ser adjudicado à proposta economicamente mais vantajosa. A selecção de tal proposta devia basear-se na avaliação das propostas em função dos critérios de adjudicação cujas rubricas estão citadas no ponto 59 das conclusões do advogado-geral. Tratava-se, nomeadamente, da avaliação do preço de base dos autocarros, acrescido do preço das variantes tidas em conta, ajustado seguidamente em função das vantagens e das desvantagens resultantes da aplicação de dez critérios técnicos de apreciação (a seguir "critérios técnicos").

12 A SRWT convidou expressamente os eventuais concorrentes a sugerir determinadas variantes relativas à estrutura financeira do contrato, como o pagamento escalonado, o leasing e a locação dos veículos.

13 Quanto aos critérios técnicos, o caderno especial previa, sob cada rubrica, uma fórmula que permitia à SRWT atribuir um valor, em termos de bonificação ou de penalidade medida em "francos fictícios", a certas características, consoante as variáveis da fórmula, dos autocarros propostos. Este valor devia ser acrescentado ou deduzido ao preço de base.

14 Posteriormente ao envio do caderno de encargos aos interessados, a SRWT remeteu-lhes três anúncios rectificativos, datados de 30 de Abril e de 5 e 28 de Maio de 1993, nos quais se faziam certas correcções e precisões ao caderno de encargos. No segundo anúncio rectificativo, a SRWT precisou determinados aspectos do caderno de encargos relativos ao número imperativo de lugares sentados, ao número total de lugares que seria desejável atingir, à altura máxima do chão e à fórmula de cálculo de uma das penalidades fictícias. Segundo cada um dos anúncios rectificativos, os concorrentes deviam indicar de modo claro, nas suas propostas, que tinham recebido tais anúncios e que os tinham tomado em conta.

15 Em 7 de Junho de 1993, data fixada no anúncio de concurso tanto para a recepção das propostas como para a sua abertura pública, foram entregues propostas pelas cinco sociedades EMI (Aubange), Van Hool (Koningshooikt), Mercedes-Belgium (Bruxelas), Berkhof (Roeselaere) e Jonckheere (Roeselaere).

16 No decurso dos meses de Junho e Julho de 1993, a SRWT procedeu à análise destas propostas. Uma nota de 24 de Agosto de 1993, destinada à reunião do conselho de administração de 2 de Setembro de 1993, recomendou a adjudicação do lote n. 1 à Jonckheere e dos lotes n.os 2 a 6 à Van Hool.

17 Entretanto, em 3, 23 e 24 de Agosto de 1993, a EMI fizera chegar à entidade adjudicante três documentos, ditos "complementares", nos quais comentava determinados pontos das suas propostas iniciais, nomeadamente o consumo de carburante e a frequência de substituição do motor e da caixa de velocidades, bem como certos elementos sobre a qualidade técnica do material proposto.

18 Após a análise destes três documentos, o serviço técnico da entidade adjudicante redigiu, em 31 de Agosto de 1993, uma nota interna na qual considerou que os documentos complementares da EMI continham alterações das propostas iniciais e não podiam, em consequência, ser tomados em consideração. As propostas de adjudicação contidas na nota destinada à reunião de 2 de Setembro de 1993 deviam, pois, ser mantidas.

19 Na sua reunião de 2 de Setembro de 1993, o conselho de administração considerou não dispor de informações suficientes para tomar uma decisão definitiva. Levantou nomeadamente a questão de saber se podia tomar em consideração os três documentos complementares da EMI e decidiu pedir o parecer jurídico do ministro dos Transportes valão sobre esta questão.

20 Por carta de 14 de Setembro de 1993, o ministro dos transportes valão respondeu que a consideração dos três documentos complementares da EMI não suscitava, quanto à maior parte dos pontos neles mencionados, qualquer problema jurídico. Propôs uma nova análise do processo que tomasse em conta as suas observações.

21 Em 28 de Setembro de 1993, a SRWT solicitou à EMI que lhe confirmasse os consumos de carburante indicados no documento complementar de 24 de Agosto de 1993, bem como a frequência de substituição do motor e da caixa de velocidades mencionada no documento complementar de 23 de Agosto de 1993. A EMI confirmou, por carta de 29 de Setembro de 1993, que os dados que fornecera eram correctos.

22 Na sequência desta confirmação, a SRWT procedeu a uma nova comparação das propostas, tomando em conta os elementos dos três documentos complementares. Com vista à reunião do conselho de administração de 6 de Outubro de 1993, foi preparada uma nota interna que propunha a adjudicação do lote n. 1 à Jonckheere e dos lotes n.os 2 a 6 à EMI.

23 Na sua reunião de 6 de Outubro de 1993, o conselho de administração decidiu, por um lado, seguir estas propostas e, portanto, adjudicar o lote n. 1 à Jonckheere e os lotes n.os 2 a 6 à EMI e, por outro, adiar para o ano de 1996 a encomenda de 30 veículos.

24 No mesmo dia, a Van Hool formulou um pedido ao Conseil d' État de Belgique, a fim de obter a suspensão, nos termos do processo de urgência extrema, dessa decisão. Este pedido foi indeferido por acórdão de 17 de Novembro de 1993.

25 Em 30 de Novembro de 1993, a Comissão, a quem a Van Hool apresentara uma queixa, notificou o Reino da Bélgica nos termos do artigo 169. do Tratado. Por carta de 15 de Dezembro de 1993, o Governo belga respondeu que o incumprimento invocado não tinha fundamento. Considerando que esta resposta não era convincente, a Comissão dirigiu um parecer fundamentado ao Governo belga, convidando-o a intervir junto das autoridades competentes a fim de suspender os efeitos jurídicos do contrato celebrado entre a SRWT e a EMI. Em resposta a este parecer, o Governo belga manteve a sua posição de que a Comissão não demonstrara qualquer incumprimento.

26 Em 11 de Março de 1994, a Comissão intentou a presente acção, tendo ainda formulado um pedido de medidas provisórias destinado à suspensão da decisão de adjudicação adoptada pela SRWT, bem como das medidas de execução dessa decisão. Este pedido de medidas provisórias foi indeferido por despacho de 22 de Abril de 1994.

27 Por carta de 9 de Junho de 1995, a Comissão renunciou à sua segunda acusação, na qual acusava o Reino da Bélgica de ter aceite propostas da EMI que não satisfaziam os critérios de selecção indicados no caderno especial.

28 A acção, assim alterada, destina-se a obter a declaração de que o Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da directiva, bem como por força do princípio da igualdade de tratamento dos concorrentes que está na base de qualquer regulamentação dos processos de adjudicação dos concursos públicos, na medida em que, no âmbito de um concurso público organizado pela SRWT,

° tomou em consideração as modificações feitas a uma das propostas posteriormente à sua abertura,

° preferiu uma proposta que não satisfazia os critérios de adjudicação do caderno de encargos.

29 Antes de analisar estas acusações, importa começar por analisar o argumento do Governo belga de que a directiva não se aplica ao caso vertente.

Quanto à aplicabilidade do direito comunitário

30 É pacífico que a SRWT é uma empresa pública que explora uma rede que fornece um serviço ao público no domínio do transporte por autocarro, na acepção do artigo 2. da directiva, e que tinha portanto, segundo o artigo 4. , a obrigação de respeitar as regras da directiva no momento em que adjudicou o contrato de fornecimento de oito lotes de autocarros que está na origem da presente acção.

31 Sendo, no entanto, todos os concorrentes sociedades belgas, o Governo belga argumentou que o processo respeitava a uma situação puramente interna, à qual o direito comunitário se não aplicava.

32 Este argumento não pode ser acolhido.

33 Com efeito, a exigência imposta às entidades adjudicantes pelo artigo 4. , n. 1, da directiva não está submetida a qualquer condição relativa à nacionalidade ou ao lugar da sede dos concorrentes. Além disso, como o advogado-geral realçou no ponto 24 das suas conclusões, é sempre possível que empresas sedeadas noutros Estados-Membros se interessam, directa ou indirectamente, pela adjudicação de um contrato. O processo previsto na directiva deve, pois, ser respeitado, independentemente da nacionalidade ou do lugar da sede dos concorrentes.

34 No decurso do processo, o Governo belga argumentou ainda que a entidade adjudicante não estava obrigada a adjudicar o contrato por concurso público. Poderia ter optado por um concurso por negociação, ao qual se teria adequado o comportamento que adoptou.

35 A este respeito, basta observar que, embora seja exacto que, segundo o artigo 15. , n. 1, da directiva, as entidades adjudicantes que estão obrigadas a aplicar os procedimentos da directiva tenham uma certa margem de escolha no que respeita ao procedimento a aplicar a um concurso, são obrigadas, se tiverem aberto um concurso segundo um determinado procedimento, a respeitar as regras que lhe são aplicáveis até à adjudicação definitiva do contrato.

Quanto às acusações

36 A Comissão considera que a SRWT, ao ter tomado em conta os dados que lhe foram fornecidos pelos três documentos complementares da EMI relativos, sobretudo, ao consumo de carburante e à frequência de substituição do motor e da caixa de velocidades, bem como a certos elementos relativos à qualidade técnica do material proposto, violou o princípio da igualdade de tratamento dos concorrentes.

37 No que se refere ao consumo de carburante, a Comissão acusa o Reino da Bélgica de ter tomado em conta, na avaliação das propostas, o novo consumo indicado à SRWT pela EMI após a abertura das propostas diferente do que consta das suas propostas iniciais.

38 No que respeita à frequência de substituição do motor e da caixa de velocidades, a Comissão acusa o Reino da Bélgica de ter tomado em consideração dados fornecidos pela EMI após a abertura das propostas que, por um lado, constituíam modificações das suas propostas iniciais e, por outro, não satisfaziam os requisitos previstos no caderno de encargos.

39 Quanto aos elementos relativos à qualidade técnica do material proposto, a Comissão considera que a SRWT teve erradamente em conta, na avaliação das propostas da EMI, elementos que não constavam dos critérios de adjudicação.

Quanto ao consumo de carburante

40 O ponto 20.2.2.1 do caderno especial determina:

"20.2.2.1. Consumo de combustível

Na comparação das propostas será concedida uma vantagem fictícia, equivalente ao valor de 6 000 litros de gasóleo para um autocarro standard (preço oficial à data da abertura das propostas), por parcela inteira de 1 litro/100 km de diferença entre o consumo de combustível garantido na proposta (incluindo a tolerância), segundo o ciclo de testes descrito no anexo 10 do presente caderno de encargos, e o consumo do veículo proposto que tenha o consumo mais elevado."

41 Segundo as condições deste anexo, os testes deviam ser feitos com um veículo carregado com um peso correspondente ao número mínimo de passageiros.

42 Nas suas propostas iniciais, a EMI indicou, quanto aos lotes n.os 2 a 6, um consumo de carburante de 54 litros/100 km. No entanto, na sua nota n. 1 (a seguir "nota 1"), anexa às suas propostas, a EMI esclareceu que ° dado que o consumo de 54 litros/100 km fora obtido na sequência de testes com um veículo não rodado e não especialmente afinado ° o consumo que poderia ser obtido com um veículo rodado e optimizado podia diminuir de 5% a 8% relativamente ao previsto nas propostas.

43 A EMI confirmou ainda, nas suas propostas iniciais, que tinha recebido os três anúncios rectificativos e que os tinha tomado em consideração.

44 A SRWT procedeu a uma primeira avaliação das propostas com base no consumo indicado pela EMI nas suas propostas iniciais, que era de 54 litros/100 km. Sendo a proposta que indicava consumo mais elevado de todas as que foram apresentadas quanto a estes lotes, tal consumo devia, segundo o método de cálculo precisado no caderno especial, servir de base à avaliação das vantagens fictícias das outras propostas. Resulta dos anexos 5 e 6 da nota redigida para a reunião de 2 de Setembro de 1993 que, nessa avaliação, as propostas da EMI não receberam qualquer vantagem fictícia no que respeita ao consumo de carburante, enquanto todos os demais concorrentes receberam vantagens desse tipo calculadas por comparação com o consumo indicado pela EMI.

45 No seu primeiro documento complementar de 3 de Agosto de 1993, a EMI forneceu à SRWT a sua interpretação do anúncio rectificativo n. 2. Segundo a EMI, tal anúncio implicava, como condição imperativa do contrato, o abandono do número total de lugares indicado no caderno especial. Este abandono teve influência sobre o cálculo do consumo de carburante, uma vez que a lógica da igualdade de tratamento dos concorrentes supunha que tal cálculo fosse feito com base no peso máximo autorizado. Assim, considerou que, a fim de proceder à comparação dos seus dados com os dos outros concorrentes, se devia ter em consideração o consumo indicado nas suas propostas iniciais, diminuído de 8%.

46 Em seguida, após ter recordado os termos da sua nota 1, a EMI, no documento complementar de 24 de Agosto de 1993, informou a SRWT de que tinha efectuado outros testes, desta vez em condições optimizadas, e que, na sequência deles, concluíra que o consumo de carburante, relativamente às suas propostas sobre os lotes n.os 2 a 6, era de 45 litros/100 km, o que correspondia a uma diminuição de 16,7% relativamente ao consumo de 54 litros/100 km. A EMI solicitou à SRWT que tivesse em conta este novo consumo na avaliação das propostas.

47 O Governo belga confirmou que a SRWT tomara em consideração este novo consumo ao adjudicar o contrato à EMI.

48 Com efeito, tendo a proposta da EMI deixado de ser a que indicava maior consumo, a SRWT procedeu a uma nova avaliação das vantagens fictícias concedidas a todos os concorrentes. Resulta dos anexos 1 e 2 à nota redigida para a reunião de 6 de Outubro de 1993 que, nesta segunda avaliação, as vantagens fictícias dos concorrentes, com excepção da EMI, foram reduzidas relativamente às que lhes tinham sido concedidas na primeira avaliação, de modo que as vantagens fictícias da Jonckheere desapareceram, enquanto as propostas da EMI passaram a beneficiar de uma vantagem.

49 A Comissão considera que, ao ter em consideração, na adjudicação do contrato, os dados fornecidos pela EMI no seu documento complementar de 24 de Agosto de 1993, que alteraram, após a abertura das propostas, o consumo inicialmente indicado por essa sociedade, a SRWT violou o princípio da igualdade de tratamento dos concorrentes.

50 O Governo belga começa por considerar que o princípio da igualdade de tratamento exigia precisamente que a rectificação do consumo pela EMI fosse tido em conta na adjudicação do contrato, uma vez que os outros concorrentes tinham anunciado, nas suas propostas iniciais, resultados já optimizados. Seguidamente, sublinha que o consumo de carburante tem um carácter objectivo e verificável, de modo que se não trata de uma alteração voluntária ou subsequente a negociações com a entidade adjudicante. Finalmente, a alteração não afectou as características técnicas do veículo ou do motor e, portanto, as propostas iniciais da EMI não foram alteradas.

51 A título liminar, há que recordar que, no acórdão de 22 de Junho de 1993, dito "Storebaelt", Comissão/Dinamarca (C-242/89, Colect., p. I-3353, n. 33), o Tribunal considerou que o dever de respeitar o princípio da igualdade de tratamento dos concorrentes corresponde à própria essência da Directiva 71/305/CEE do Conselho, de 26 de Julho de 1971, relativa à coordenação de processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas (JO L 185, p. 5; EE 17 F1 p. 9).

52 O mesmo se passa quanto à directiva que está em questão no caso em apreço, como resulta do seu artigo 4. , n. 2.

53 Além disso, resulta do seu trigésimo terceiro considerando que a directiva pretende assegurar um nível mínimo de transparência na adjudicação dos contratos a que se aplica.

54 O procedimento de comparação das propostas deve pois respeitar, em todas as suas fases, tanto o princípio da igualdade de tratamento dos concorrentes como o da transparência, a fim de que todos os concorrentes disponham das mesmas possibilidades na formulação dos termos das suas propostas.

55 Quando, como no caso vertente, uma entidade adjudicante opta por um concurso público, esta igualdade de possibilidades é garantida pela obrigação, imposta à entidade adjudicante pelo artigo 16. , n. 1, alínea a), da directiva, de actuar em conformidade com o seu Anexo XII, título A. Assim, está obrigada a estabelecer, por um lado, uma data-limite para a recepção das propostas, de modo a que todos os concorrentes disponham do mesmo período, após a publicação do anúncio de concurso, para a preparação das suas propostas, e, por outro, a data, a hora e o lugar da sua abertura, o que contribui também para reforçar a transparência do concurso, uma vez que os termos de todas as propostas entregues são revelados no mesmo momento.

56 É forçoso constatar que, quando uma entidade adjudicante tem em consideração uma alteração feita às propostas iniciais de um único concorrente, este é beneficiado relativamente aos outros concorrentes, o que viola o princípio da igualdade de tratamento dos concorrentes e prejudica a transparência do processo.

57 No caso vertente, é pacífico, por um lado, que a redução do consumo, indicada pela EMI no documento complementar de 24 de Agosto de 1993, excedeu largamente o limite de 8% previsto pela EMI na nota 1 anexa às suas propostas iniciais e, por outro, que a SRWT teve em conta, na comparação final das propostas, este último consumo.

58 Deste excedente resulta, sem que seja necessário decidir se a SRWT poderia ter tido em conta o novo consumo indicado pela EMI no documento complementar de 3 de Agosto de 1993, que se mantinha no limite de 8% previsto na sua proposta, que o novo consumo de 45 litros/100 km constituiu uma modificação das propostas iniciais da EMI. Com efeito, esta apresentou, nos seus documentos complementares, elementos que resultavam dos anúncios rectificativos que, segundo declarou, teve em conta na sua proposta inicial, não tendo explicado as razões pelas quais estes novos testes não podiam ter sido efectuados antes da data-limite fixada para a entrega das propostas. Daqui resulta que o consumo de 45 litros/100 km em caso algum deveria ter sido tomado em consideração.

59 Aliás, importa sublinhar que a tomada em consideração destes dados modificou, com prejuízo dos demais concorrentes, o montante das vantagens fictícias que resultavam da primeira comparação das propostas, de modo que a classificação dos concorrentes foi influenciada.

60 Deve pois declarar-se que, ao tomar em consideração os dados relativos ao consumo de carburante fornecidos pela EMI no documento complementar de 24 de Agosto de 1993, portanto após a abertura das propostas, o Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da directiva.

Quanto à frequência de substituição do motor e da caixa de velocidades

61 O ponto 20.2.2.2 do caderno especial determina:

"20.2.2.2. Tempo de montagem e de desmontagem, preço das peças

O concorrente indicará o preço das peças sobressalentes e os tempos de montagem e de desmontagem dos órgãos referidos no anexo 23.

Será oficiosamente aplicada uma penalidade fictícia a todas as propostas, para ter em conta as despesas de manutenção, de acordo com o plano do anexo 23."

62 Resulta do plano do anexo 23 que devia ser atribuída uma penalidade fictícia para as despesas de manutenção de apenas 45 órgãos do autocarro. O cálculo desta penalidade era efectuado, quanto a cada órgão mencionado, por meio de uma fórmula cujas variáveis eram o número de exemplares idênticos desse órgão no autocarro, o tempo de desmontagem, o tempo de montagem, o preço e o número de substituições previsíveis do órgão.

63 No entanto, para calcular a penalidade fictícia, o anexo 23 do caderno especial solicitava aos concorrentes que fizessem propostas relativamente apenas às três primeiras variantes. Quanto ao número de substituições previsíveis, o anexo 23 precisava, com base na experiência da SRWT, um número constante para cada órgão. Quanto às substituições do motor e da caixa de velocidades, esses números eram respectivamente dois e três. Os eventuais concorrentes não eram pois convidados a precisar o número de substituições previsíveis destes dois órgãos.

64 Nos termos do anexo 23, ao preencher o plano previsto, a EMI não formulou qualquer proposta relativa ao número de substituições previsíveis dos órgãos mencionados. No entanto, no documento complementar de 24 de Agosto de 1993, assinalou à SRWT que um só motor e 1,25 caixa de velocidades deviam ser previstas para a utilização dos seus autocarros e que, portanto, os números fixados pela SRWT no anexo 23 não deviam ser aplicados às suas propostas.

65 O Governo belga admite que, quando a SRWT calculou a penalidade fictícia relativa às propostas da EMI, utilizou estes novos números em vez dos que constavam do plano do anexo 23, ao passo que, no que respeita ao cálculo das penalidades fictícias de todas as outras propostas, aplicou estes últimos números.

66 A Comissão considera que este comportamento constitui uma dupla violação do princípio da igualdade de tratamento dos concorrentes. Em primeiro lugar, ao ter em conta os números em causa para efeitos da adjudicação do contrato, a SRWT permitiu a um dos concorrentes modificar os termos das suas propostas iniciais após a abertura destas. Em segundo lugar, uma vez que estes novos números não estavam de acordo com o prescrito no plano do anexo 23, a SRWT afastou-se dos seus próprios critérios de adjudicação, previstos no caderno especial, ao adjudicar o contrato a um dos concorrentes.

67 Quanto à primeira destas duas acusações, a Comissão considera que, se, na sequência das observações formuladas pela EMI, a SRWT ficou convencida, à luz das propostas recebidas, que as prescrições que fixara eram erradas, podia tê-las modificado, dando aos demais concorrentes a mesma possibilidade de não as considerar. No entanto, uma vez que só deu essa possibilidade à EMI, violou o princípio da igualdade de tratamento dos concorrentes.

68 O Governo belga considera que a EMI não alterou as suas propostas iniciais, uma vez que o material proposto se manteve estritamente idêntico. Sublinha que todos os demais concorrentes poderiam também ter informado a SRWT de que os seus autocarros obtinham melhores resultados do que os prescritos no anexo 23. Conclui que, se a SRWT não pudesse ter tido em conta os dados em causa, teria ficado impedida de tomar em consideração as vantagens de veículos de concepção mais recente.

69 Há que recordar que o anexo 23 do caderno especial não solicitava aos concorrentes que fornecessem indicações sobre a frequência de substituição das peças sobressalentes para os seus autocarros. Pelo contrário, quanto a este factor, a SRWT fixara um número para cada órgão no seu plano. Além disso, no ponto 20.2.2.2 do caderno especial, a SRWT previra que seria aplicada uma penalidade fictícia a todas as propostas "de acordo com o plano do anexo 23". Os números nele estabelecidos devem ser considerados prescrições do caderno especial.

70 A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou, no acórdão Storebaelt, já referido, n. 37, que, quando uma entidade adjudicante fixa prescrições no caderno de encargos, o respeito do princípio de igualdade de tratamento dos concorrentes exige que todas as propostas sejam conformes com as prescrições, a fim de garantir uma comparação objectiva entre as propostas.

71 Daqui resulta que as prescrições do anexo 23 eram as aplicáveis a todas as propostas, que deviam estar em conformidade com elas. Em consequência, há que considerar que a EMI não podia "modificar" os termos das suas propostas iniciais no que respeita a estas prescrições e que a SRWT não tinha o direito de calcular as penalidades fictícias da EMI de acordo com os seus novos números que não satisfaziam as prescrições do caderno especial.

72 A este respeito, há que observar que a consideração dos novos números levou necessariamente à atribuição de uma vantagem real à EMI na comparação das propostas. Segundo o anexo 23, o número relativo à frequência de substituição das peças sobressalentes intervém no cálculo da penalidade fictícia como multiplicador das outras indicações dadas pelos concorrentes em matéria de custos. No que se refere à penalidade fictícia aplicável à EMI, a SRWT utilizou, para o cálculo das substituições, um número inferior ao prescrito no anexo 23 e, portanto, inferior aos números utilizados nos cálculos efectuados para as outras propostas. A penalidade fictícia relativa à manutenção dos órgãos em causa dos autocarros da EMI beneficiou, portanto, de um multiplicador mais baixo.

73 Uma vez que a SRWT só à EMI permitiu o afastamento em relação às prescrições em causa, não é necessário apreciar se foi justamente que a Comissão considerou que a SRWT poderia ter modificado as prescrições do caderno de encargos após a abertura das propostas, permitindo a todos os concorrentes a mesma possibilidade de as afastar.

74 Deve pois concluir-se, a respeito desta parte da acusação, que, ao adjudicar o contrato à EMI com base em números que não correspondiam às prescrições do anexo 23 do caderno especial, relativamente ao cálculo da penalidade fictícia dessa sociedade no que respeita às despesas de manutenção relativas à substituição do motor e da caixa de velocidades, a SRWT violou os critérios de adjudicação estabelecidos no caderno especial, bem como o princípio da igualdade de tratamento dos concorrentes. O Reino da Bélgica não cumpriu, portanto, neste ponto, as obrigações que lhe incumbem por força da directiva.

Quanto aos elementos relativos à qualidade técnica do material proposto

75 No documento complementar de 3 de Agosto de 1993, a EMI afirmou que "o funcionamento diário" dos autocarros que propunha "permite importantes economias" para o utilizador. A EMI elaborou duas listas de elementos dos autocarros que permitiam tais economias (a seguir "elementos de economia").

76 A primeira lista, intitulada "Elementos quantificáveis", respeitava aos bancos "cantilever" propostos, a um mecanismo de desembaciamento dos vidros laterais e a um sistema especial de montagem modular. Para cada um destes elementos, a EMI precisava o montante da vantagem financeira que deles resultaria para o autocarro no decurso do seu período de actividade, o qual era, respectivamente, de 480 000 BFR, 240 000 BFR e 100 000 BFR.

77 A segunda lista, intitulada "Elementos não quantificáveis", comportava oito elementos que contribuíam para as "economias", apesar de a EMI os não ter avaliado nas suas propostas iniciais nem no documento complementar de 3 de Agosto de 1993.

78 A Comissão argumenta que a SRWT teve em consideração estes elementos de economia quando decidiu adjudicar o contrato à EMI, apesar de eles não figurarem nos critérios de adjudicação enunciados no anúncio de concurso nem no caderno de encargos. Ora, segundo o artigo 27. , n. 2, da directiva, que é aqui aplicável, só os critérios mencionados no anúncio de concurso ou no caderno de encargos deveriam ter sido considerados pela SRWT para efeitos da adjudicação do contrato. Além disso, a SRWT teve em conta estes elementos apenas na apreciação das propostas da EMI, tendo, no que se refere às demais propostas, aplicado estritamente os critérios de adjudicação mencionados no ponto 20.2 do caderno especial. Este comportamento deu portanto lugar, mais uma vez, a uma violação do princípio da igualdade.

79 Na nota redigida para a reunião de 6 de Outubro de 1993, a administração da SRWT referiu-se à totalidade dos elementos de economia para recomendar a adjudicação dos lotes n.os 2 a 6 à EMI. Considerou, na fundamentação da recomendação relativa ao lote n. 2, que os elementos de economia tinham "um impacto financeiro de algum significado", de modo que eram "susceptíveis de influenciar favoravelmente os custos de utilização do veículo, numa medida amplamente superior à diferença financeira registada unicamente com base nos critérios adoptados para a valorização".

80 Resulta dos autos que, quanto aos lotes n.os 4, 5 e 6, a comparação entre as propostas unicamente com base nos critérios de adjudicação previstos no ponto 20.2 do caderno especial levara a classificar em primeiro lugar uma das propostas da Van Hool, enquanto uma das propostas da EMI, apesar de para ela terem sido tomados em conta os dados fornecidos nos seus documentos complementares relativos ao consumo do carburante e à substituição do motor e da caixa de velocidades, fora classificada em segundo lugar. As diferenças entre as melhores propostas da Van Hool e as propostas da EMI, classificadas em segundo lugar, elevavam-se, respectivamente, a 294 799 BFR, 471 513 BFR e 185 897 BFR, quanto aos três lotes. No entanto, após ter tomado em conta os elementos de economia, esta primeira classificação foi invertida, de modo que uma das propostas da EMI, apesar das referidas diferenças, substituiu a da Van Hool como proposta recomendada quanto a esses lotes.

81 O Governo belga admitiu formalmente que todos os elementos de economia foram tidos em conta na decisão de adjudicação do contrato e que essa consideração teve uma influência decisiva na escolha da EMI como fornecedor dos lotes n.os 2 a 6.

82 O Governo belga realça que o caderno especial, no seu ponto 20.2.1, permitia expressamente à SRWT tomar em consideração eventuais sugestões, tais como os elementos de economia. Além disso, recorda que, por força do artigo 27. , n. 3, da directiva, a SRWT estava ainda autorizada a tomar em consideração essas sugestões, desde que elas satisfizessem os requisitos mínimos exigidos.

83 Além disso, sublinha que os elementos de economia, que estavam em conformidade com os requisitos mínimos do caderno especial, não foram objecto de valorização aquando da comparação das propostas, mas que foram aceites a título de elementos não quantificados de conforto e de qualidade que permitiam concluir que, considerada no seu conjunto, a proposta da EMI era a economicamente mais vantajosa. Além disso, tanto o anúncio de concurso como o caderno especial se referiam aos elementos de qualidade técnica do material proposto como critérios de adjudicação. Daqui resulta, segundo ele, que a SRWT podia ter em conta os elementos de economia em litígio.

84 A Comissão admite que os concorrentes têm a faculdade de apresentar variantes e que estas podem ser tidas em consideração por uma entidade adjudicante, na condição, no entanto, de o princípio da igualdade ser respeitado. Segundo ela, tal não foi o caso, uma vez que a derrogação dos critérios previstos no caderno especial levou a que só à EMI fosse concedida uma vantagem.

85 Para começar, há que declarar que os elementos de economia não constavam dos critérios de adjudicação definidos pela SRWT para a adjudicação do contrato.

86 As rubricas dos critérios de adjudicação mencionadas no ponto 20.2 do caderno especial podiam, é certo, ser entendidas ° se se fizesse abstracção das definições seguintes ° como tendo um grande âmbito (v., por exemplo, no ponto 20.2.2.4 do caderno especial, a rubrica dos sete critérios técnicos, intitulada "Qualidades técnicas do material proposto"), de modo que, como sustenta o Governo belga, todas as características relativas às qualidades técnicas do material proposto eram pertinentes para a comparação das propostas.

87 Há no entanto que recordar que a própria SRWT definiu todos os critérios técnicos por meio de uma fórmula precisa constante de cada rubrica (v. o n. 13 do presente acórdão). Daqui resulta que o âmbito dos critérios técnicos, qualquer que fosse o texto das rubricas, estava limitado pelas fórmulas através das quais a SRWT os definiu.

88 Há que sublinhar que a obrigação, imposta às entidades adjudicantes pelo artigo 27. , n. 2, da directiva, de indicarem, "no caderno de encargos ou no anúncio do concurso, todos os critérios de adjudicação que tencionam aplicar, se possível por ordem decrescente de importância", visa precisamente dar a conhecer aos potenciais concorrentes os elementos que serão tomados em consideração para identificar a proposta economicamente mais vantajosa. Todos os concorrentes conhecem assim os critérios de adjudicação a que as suas propostas devem corresponder, bem como a sua importância relativa. Além disso, esta exigência garante o respeito pelos princípios da igualdade de tratamento dos concorrentes e da transparência.

89 Por outro lado, embora seja exacto que o artigo 27. , n. 3, da directiva permite às entidades adjudicantes tomar em consideração as variantes, esta disposição deve ser lida à luz tanto dos princípios que estão na base da directiva como do n. 2 do mesmo artigo. Assim, para garantir que um contrato seja adjudicado com base em critérios conhecidos de todos os concorrentes antes da preparação das suas propostas, uma entidade adjudicante só pode tomar em consideração as variantes, enquanto critérios de adjudicação, na medida em que as tenha mencionado como tais no caderno de encargos ou no anúncio de concurso.

90 Quanto ao argumento do Governo belga relativo à consideração das "sugestões", basta observar que o artigo 27. , n. 3, da directiva só reconhece a consideração das variantes e não a das sugestões. Além disso, a directiva não lhes faz qualquer referência enquanto critérios de adjudicação e, portanto, tais sugestões também não podem ser tomadas em consideração por uma entidade adjudicante para efeitos da adjudicação do contrato.

91 Sem necessidade de averiguar se a regra estabelecida pelo artigo 27. , n. 2, da directiva exclui a possibilidade de uma entidade adjudicante alterar os seus critérios de adjudicação no decurso do processo, desde que respeite os princípios da igualdade de tratamento dos concorrentes e da transparência do processo, basta constatar que, no caso vertente, tais princípios não foram respeitados.

92 Há que reconhecer que, quanto aos lotes n.os 4 a 6, a SRWT utilizou, apenas no caso da EMI, elementos de economia propostos por esta sociedade para compensar as diferenças financeiras, que se elevavam a 294 799 BFR, 471 513 BFR e 185 897 BFR, entre as propostas da Van Hool classificadas em primeiro lugar e as da EMI classificadas em segundo. Com efeito, ainda que, como sustenta o Governo belga, a SRWT não tenha atribuído um valor preciso aos elementos de economia, a EMI forneceu-lhe uma lista dos "elementos quantificáveis" (v. o n. 76 do presente acórdão) cujo montante total quanto a cada lote (820 000 BFR) era largamente suficiente para compensar as referidas diferenças.

93 Pelo contrário quanto aos lotes n.os 2 e 3, resulta da nota redigida para a reunião de 6 de Outubro de 1993 que as propostas litigiosas da EMI foram classificadas em primeiro lugar ainda antes de a SRWT ter tomado em consideração os elementos de economia. A SRWT não pôde, assim, conceder uma importância determinante aos elementos de economia relativos a esses lotes, uma vez que as propostas da EMI já tinham sido consideradas as economicamente mais vantajosas. Este aspecto da acusação não ficou, portanto, demonstrado.

94 Há que concluir que, ao tomar em consideração, na comparação das propostas relativas aos lotes n.os 4 a 6, elementos de economia propostos pela EMI sem os ter mencionado no caderno de encargos ou no anúncio de concurso, ao utilizá-los para compensar as diferenças financeiras entre as propostas classificadas em primeiro lugar e as propostas da EMI classificadas em segundo, e ao preferir determinadas propostas da EMI pelo facto de ter tomado em consideração estes elementos, o Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da directiva.

95 À luz do que precede, há que declarar que,

° ao tomar em consideração os dados relativos ao consumo de carburante, fornecidos pela EMI no seu documento complementar de 24 de Agosto de 1993, portanto após a abertura das propostas,

° ao adjudicar o contrato à EMI com base em números que não correspondiam às prescrições do anexo 23 do caderno especial, relativamente ao cálculo da penalidade fictícia dessa sociedade no que respeita às despesas de manutenção relativas à substituição do motor e da caixa de velocidades,

° ao tomar em consideração, na comparação das propostas relativas aos lotes n.os 4 a 6, elementos de economia propostos pela EMI sem os ter mencionado no caderno de encargos ou no anúncio de concurso, ao utilizá-los para compensar as diferenças entre as propostas classificadas em primeiro lugar e as propostas da EMI classificadas em segundo, e ao preferir determinadas propostas pelo facto de ter tomado em consideração estes elementos,

o Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da directiva.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

96 Por força do n. 2 do artigo 69. do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Reino da Bélgica sido vencido e tendo a Comissão efectuado esse pedido, há que condená-lo nas despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

decide:

1) Ao tomar em consideração, no âmbito de um concurso público organizado pela Société régionale wallonne du transport, os dados relativos ao consumo de carburante fornecidos pela EMI no seu documento complementar de 24 de Agosto de 1993, portanto após a abertura das propostas, ao adjudicar o contrato à sociedade EMI com base em números que não correspondiam às prescrições do anexo 23 do caderno especial de encargos, relativamente ao cálculo da penalidade fictícia dessa sociedade no que respeita às despesas de manutenção relativas à substituição do motor e da caixa de velocidades, ao tomar em consideração, na comparação das propostas relativas aos lotes n.os 4 a 6, elementos de economia propostos pela sociedade EMI sem os ter mencionado no caderno de encargos ou no anúncio de concurso, ao utilizá-los para compensar diferenças financeiras entre as propostas classificadas em primeiro lugar e as propostas da sociedade EMI classificadas em segundo, e ao preferir determinadas propostas da sociedade EMI pelo facto de ter tomado em consideração estes elementos, o Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da Directiva 90/531/CEE do Conselho, de 17 de Setembro de 1990, relativa aos procedimentos de celebração dos contratos de direito público nos sectores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações.

2) O Reino da Bélgica é condenado nas despesas.