61993J0068

ACORDAO DO TRIBUNAL DE 7 DE MARCO DE 1995. - FIONA SHEVILL, IXORA TRADING INC., CHEQUEPOINT SARL E CHEQUEPOINT INTERNATIONAL LTD CONTRA PRESSE ALLIANCE SA. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL: HOUSE OF LORDS - REINO UNIDO. - CONVENCAO DE BRUXELAS - ARTIGO 5., N. 3 - LUGAR ONDE OCORREU O FACTO DANOSO - DIFAMACAO POR ARTIGO DE IMPRENSA. - PROCESSO C-68/93.

Colectânea da Jurisprudência 1995 página I-00415


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


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1. Convenção relativa à competência judiciária e à execução de decisões ° Competências especiais ° Competência "em matéria de responsabilidade extracontratual" ° Lugar onde ocorreu o facto danoso ° Difamação transfronteiriça por artigo de imprensa ° Direito de opção do demandante ° Tribunal do lugar de estabelecimento do editor da publicação ° Competência para a integralidade dos danos ° Tribunais dos lugares de divulgação da publicação em cada um dos Estados contratantes em que foi atingida a reputação da pessoa lesada ° Competência limitada aos danos causados no Estado do tribunal onde a acção foi proposta

(Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968, artigo 5. , n. 3)

2. Convenção relativa à competência judiciária e à execução de decisões ° Competências especiais ° Competência "em matéria de responsabilidade extracontratual" ° Difamação ° Apreciação do carácter danoso do facto em causa e das condições de prova do prejuízo alegado ° Aplicação das normas de conflito de leis do foro ° Limites

(Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968, artigo 5. , n. 3)

Sumário


1. A expressão "lugar onde ocorreu o facto danoso", utilizada no artigo 5. , n. 3, da convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, após as alterações introduzidas pela convenção de 9 de Outubro de 1978 relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte e pela convenção de 25 de Outubro de 1982 relativa à adesão da República Helénica, em caso de difamação através de um artigo de imprensa divulgado em vários Estados contratantes, deve ser interpretada no sentido de que a vítima pode intentar uma acção de indemnização contra o editor ou nos órgãos jurisdicionais do Estado contratante do lugar de estabelecimento do editor da publicação difamatória, competentes para reparar a integralidade dos danos resultantes da difamação, ou nos órgãos jurisdicionais de cada Estado contratante em que a publicação foi divulgada e onde a vítima alega ter sofrido um atentado à sua reputação, competentes para conhecer apenas dos danos causados no Estado do tribunal onde a acção foi proposta.

2. As condições de apreciação do carácter danoso do facto litigioso e as condições de prova da existência do alcance do prejuízo alegado pelo demandante numa acção baseada na responsabilidade extracontratual não relevam da convenção, mas são regidas pelo direito material designado pelas normas de conflito de leis do direito nacional do tribunal onde foi proposta a acção com fundamento nas disposições da convenção, na condição de essa aplicação não afectar o efeito útil desta última. A circunstância de o direito nacional aplicável ao litígio no processo principal prever em matéria de difamação uma presunção de prejuízo, dispensando o demandante de produzir a prova da sua existência e do seu alcance, não é susceptível de impedir a aplicação do artigo 5. , n. 3, da convenção.

Partes


No processo C-68/93,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do protocolo de 3 de Junho de 1971 relativo à interpretação pelo Tribunal de Justiça da convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, pela House of Lords e destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Fiona Shevill,

Ixora Trading Inc.,

Chequepoint SARL,

Chequepoint International Ltd

e

Presse Alliance SA,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 5. , n. 3, da convenção de 27 de Setembro de 1968, acima mencionada (JO 1972, L 299, p. 32), após as alterações introduzidas pela convenção de 9 de Outubro de 1978 relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte (JO L 304, p. 1, e ° texto alterado ° p. 77) e pela convenção de 25 de Outubro de 1982 relativa à adesão da República Helénica (JO L 388, p. 1),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente, F. A. Schockweiler (juiz-relator), P. J. G. Kapteyn e C. Gulmann, presidentes de secção, G. F. Mancini, C. N. Kakouris, J. C. Moitinho de Almeida, J. L. Murray, D. A. O. Edward, J.-P. Puissochet e G. Hirsch, juízes,

advogado-geral: M. Darmon, depois P. Léger

secretário: Lynn Hewlett, administradora

vistas as observações escritas apresentadas:

° em representação de Fiona Shevill, Ixora Trading Inc., Chequepoint SARL e Chequepoint International Limited, por H. M. Boggis-Rolfe, barrister, mandatado por P. Carter-Ruck & Partners, solicitors,

° em representação da Presse Alliance SA, por M. Tugendhat, QC, mandatado por D. J. Freeman & Co., solicitors,

° em representação do Governo do Reino Unido, por J. D. Colahan, do Treasury Solicitor' s Department, na qualidade de agente, assistido por A. Briggs, barrister,

° em representação do Governo espanhol, por A. J. Navarro González, director-geral da Coordenação Jurídica e Institucional Comunitária, e Bravo-Ferrer Delgado, abogado del Estado, na qualidade de agentes,

° em representação do Governo francês, por H. Renie, secretário adjunto principal dos negócios estrangeiros no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente,

° em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por N. Khan, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente,

visto o relatório para audiência,

tendo a Sexta Secção do Tribunal de Justiça ouvido as alegações de Fiona Shevill, da Ixora Trading Inc., da Chequepoint SARL e da Chequepoint International Limited, representadas por H. M. Boggis-Rolfe, da Presse Alliance SA, representada por M. Tugendhat, do Governo do Reino Unido, representado por S. Braviner, do Treasury Solicitor' s Department, na qualidade de agente, assistido por A. Briggs, barrister, do Governo alemão, representado por J. Pirrung, Ministerialrat no Ministério Federal da Justiça, na qualidade de agente, do Governo espanhol, representado por Bravo-Ferrer Delgado, e da Comissão, representada por N. Khan, na audiência de 21 de Abril de 1994,

tendo a Sexta Secção ouvido as conclusões do advogado-geral M. Darmon na audiência de 14 de Julho de 1994,

vista a decisão da Sexta Secção de 5 de Outubro de 1994 relativa à remessa do processo ao Tribunal de Justiça,

visto o despacho de reabertura da fase oral do processo de 10 de Outubro de 1994,

ouvidas as alegações de Fiona Shevill, da Ixora Trading Inc., da Chequepoint SARL e da Chequepoint International Limited, representadas por H. M. Boggis-Rolfe, da Presse Alliance SA, representada por M. Tugendhat, do Governo do Reino Unido, representado por S. Braviner, assistido por A. Briggs, do Governo alemão, representado por Klippstein, Richter, na qualidade de agente, do Governo espanhol, representado por M. Bravo-Ferrer Delgado, e da Comissão, representada por N. Khan, na audiência de 22 de Novembro de 1994,

ouvidas as conclusões do advogado-geral P. Léger apresentadas na audiência de 10 de Janeiro de 1995,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por decisão de 1 de Março de 1993, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 15 de Março seguinte, a House of Lords, nos termos do protocolo de 3 de Junho de 1971 relativo à interpretação pelo Tribunal de Justiça da convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32), após as alterações introduzidas pela convenção de 9 de Outubro de 1978 relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte (JO L 304, p. 1, e ° texto alterado ° p. 77) e pela convenção de 25 de Outubro de 1982 relativa à adesão da República Helénica (JO L 388, p. 1, a seguir "convenção"), submeteu ao Tribunal de Justiça sete questões prejudiciais sobre a interpretação do artigo 5. , n. 3, da convenção.

2 Estas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio que opõe Fiona Shevill, de nacionalidade britânica, residente em North Yorkshire, na Inglaterra, bem como as sociedades Chequepoint SARL, Ixora Trading Inc. e Chequepoint International Limited, por um lado, e Presse Alliance SA, sociedade de direito francês com sede em Paris, por outro, a propósito da determinação dos órgãos jurisdicionais competentes para conhecer de uma acção de indemnização pelo prejuízo resultante da publicação de um artigo de imprensa difamatório.

3 Resulta dos autos que a Presse Alliance SA, que edita o jornal "France-Soir", publicou em 23 de Setembro de 1989 um artigo relativo a uma operação que os agentes da brigada antidroga da polícia francesa tinham efectuado numa das casas de câmbio exploradas em Paris pela Chequepoint SARL. Esse artigo, que era baseado em informações fornecidas pela agência France Presse, mencionava a sociedade "Chequepoint", bem como "uma rapariga chamada Fiona Shevill-Avril".

4 A Chequepoint SARL, sociedade de direito francês estabelecida em Paris, explora casas de câmbio em França desde 1988. Não é alegado que exerce actividades na Inglaterra ou no País de Gales.

5 Fiona Shevill foi empregada a título temporário, durante três meses no decurso do Verão de 1989, da Chequepoint SARL em Paris. Regressou a Inglaterra em 26 de Setembro de 1989.

6 A Ixora Trading Inc., que não é uma sociedade de direito inglês, explora desde 1974 casas de câmbio na Inglaterra sob o nome de "Chequepoint".

7 A Chequepoint International Limited, sociedade holding de direito belga estabelecida em Bruxelas, controla a Chequepoint SARL e a Ixora Trading Inc.

8 Considerando que o mencionado artigo era difamatório na medida em que sugeria que faziam parte de uma rede de tráfico de droga para a qual tinham efectuado operações de branqueamento de dinheiro, Fiona Shevill, Chequepoint SARL, Ixora Trading Inc. e Chequepoint International Limited, em 17 de Outubro de 1989, accionaram judicialmente a Presse Alliance SA por difamação na High Court of England and Wales, pedindo uma indemnização relativamente aos exemplares do "France-Soir" distribuídos quer em França quer nos outros países europeus, incluindo os vendidos na Inglaterra e no País de Gales. Posteriormente, os demandantes alteraram os seus pedidos abandonando qualquer referência aos exemplares vendidos fora da Inglaterra e do País de Gales. Prevendo o direito inglês em matéria de difamação uma presunção de prejuízo, os demandantes não tiveram de provar o prejuízo resultante da publicação do artigo em causa.

9 É ponto assente que o "France-Soir" é distribuído principalmente em França, sendo a difusão deste jornal, assegurada por distribuidores independentes, muito reduzida no Reino Unido. Calcula-se em mais de 237 000 o número de exemplares da edição em causa do "France-Soir" que foram vendidos em França e cerca de 15 500 o número de exemplares distribuídos nos outros países europeus, dos quais 230 exemplares vendidos na Inglaterra e no País de Gales (5 no Yorkshire).

10 Em 23 de Novembro de 1989, o "France-Soir" publicou um pedido de desculpa, precisando que não tinha tido a intenção de afirmar que um dos proprietários das casas de câmbio Chequepoint ou Fiona Shevill tinham estado implicados num tráfico de drogas ou em operações de branqueamento de dinheiro.

11 Em 7 de Dezembro de 1989, a Presse Alliance SA contestou a competência da High Court of England and Wales para conhecer do litígio, pela razão de que nenhum facto danoso, na acepção do artigo 5. , n. 3, da convenção, ocorreu na Inglaterra.

12 Essa excepção foi julgada improcedente por decisão de 10 de Abril de 1990, e foi negado provimento ao recurso interposto desta decisão por despacho de 14 de Maio de 1990.

13 Em 12 de Março de 1991, a Court of Appeal, por um lado, negou provimento ao recurso que a Presse Alliance SA tinha interposto dessa última decisão e, por outro, suspendeu a instância relativamente ao pedido da Chequepoint International Limited.

14 A Presse Alliance SA recorreu dessa decisão para a House of Lords que autorizou previamente o recurso.

15 A Presse Alliance SA sustentou essencialmente que, nos termos do artigo 2. da convenção, os órgãos jurisdicionais franceses eram competentes para conhecer do litígio e que os tribunais ingleses não tinham competência nos termos do artigo 5. , n. 3, dessa convenção, dado que o "lugar onde ocorreu o facto danoso", na acepção dessa disposição, se situava em França e nenhum facto danoso ocorrera na Inglaterra.

16 Considerando que o litígio suscitava problemas de interpretação da Convenção, a House of Lords, por decisão de 1 de Março de 1993, decidiu suspender a instância até o Tribunal de Justiça se pronunciar a título prejudicial sobre as seguintes questões:

"1) Num caso de difamação cometida através de um artigo de imprensa, a expressão 'o lugar onde ocorreu o facto danoso' do artigo 5. , n. 3, da convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial significa:

a) o lugar em que o jornal foi impresso e posto em circulação; ou

b) o lugar ou lugares onde o jornal foi lido pelos particulares; ou

c) o lugar ou lugares onde o demandante tem uma reputação importante?

2) Se e na medida em que a resposta à primeira questão for a da alínea b), o 'facto danoso' depende da circunstância de estar no local um leitor ou leitores que conheciam pessoalmente ou de nome o demandante e compreenderam que as palavras se referiam a ele?

3) Se e na medida em que o dano se produzir em mais do que um país (por terem sido distribuídos exemplares do jornal em pelo menos um Estado-membro para além do Estado-membro em que o mesmo foi impresso e posto em circulação), verifica-se um facto danoso ou factos danosos distintos em cada Estado-membro em que o jornal foi distribuído, em relação aos quais cada Estado-membro tem competência judiciária própria nos termos do artigo 5. , n. 3, e, nesse caso, qual deve ser a extensão do facto danoso ou que proporção do dano total deve este representar?

4) A expressão 'facto danoso' abrange um facto susceptível de procedimento judicial nos termos da lei nacional sem prova do dano, no caso de não existir qualquer meio de prova de dano ou lesão efectivos?

5) Ao decidir nos termos do artigo 5. , n. 3, se (e onde) um 'facto danoso' ocorreu é de admitir que o tribunal local responda à questão de outra forma que não seja remetendo para as suas próprias normas e, se assim for, para que outras normas de direito substantivo, processual ou probatório deve remeter?

6) Se, num caso de difamação, o tribunal nacional concluir que uma publicação (ou comunicação) de matéria susceptível de procedimento judicial, como resultado da qual é pelo menos de presumir a existência de algum dano, tem relevância para a aceitação da competência judiciária o facto de outros Estados-membros poderem chegar a uma conclusão diferente relativamente a uma matéria similar publicada dentro das suas respectivas jurisdições?

7) Para decidir se tem competência judicial nos termos do artigo 5. , n. 3, da convenção, que meios de prova deve o tribunal exigir ao demandante para que se mostrem preenchidas as condições do artigo 5. , n. 3:

a) de forma geral; e

b) em relação à matéria que (se o tribunal assumir a competência judicial) não voltará a ser apreciada no julgamento da causa?"

Quanto às primeira, segunda, terceira e sexta questões

17 Através das primeira, segunda, terceira e sexta questões, que devem ser examinadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga essencialmente o Tribunal de Justiça sobre a interpretação da noção "lugar onde ocorreu o facto danoso" utilizada pelo artigo 5. , n. 3, da convenção, a fim de determinar quais são os órgãos jurisdicionais competentes para decidir uma acção de indemnização por danos causados à vítima na sequência da divulgação de um artigo de imprensa difamatório em vários Estados contratantes.

18 Para responder a estas questões, há que salientar em primeiro lugar que, por derrogação do princípio geral consagrado no artigo 2. , primeiro parágrafo, da convenção, isto é, o da competência dos tribunais do Estado contratante do domicílio do demandado, o artigo 5. , n. 3, da convenção dispõe:

"O requerido com domicílio no território de um Estado contratante pode ser demandado num outro Estado contratante:

...

3) em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu o facto danoso;

..."

19 É jurisprudência constante (v. acórdãos de 30 de Novembro de 1976, Mines de potasse d' Alsace, 21/76, Recueil, p. 1735, n. 11, e de 11 de Janeiro de 1990, Dumez France e Tracoba, C-220/88, Colect., p. I-49, n. 17) que essa regra da competência especial, cuja escolha depende de uma opção do demandante, é fundada na existência de uma conexão particularmente significativa entre o litígio e tribunais que não os do domicílio do demandado, a qual justifica uma atribuição de competência a esses tribunais por razões de boa administração da justiça e de organização útil do processo.

20 Em seguida há que sublinhar que no acórdão Mines de potasse d' Alsace, já referido (n.os 24 e 25), o Tribunal de Justiça declarou que, caso o lugar onde se situa o facto susceptível de implicar uma responsabilidade extracontratual não coincida com o lugar onde esse facto provocou o dano, a expressão "lugar onde ocorreu o facto danoso" contida no artigo 5. , n. 3, da convenção deve ser entendida no sentido de que se refere simultaneamente ao lugar onde o dano se verificou e ao lugar onde decorreu o evento causal, de modo que o réu pode ser demandado, consoante a opção do autor, perante o tribunal do lugar onde o dano se verificou ou perante o tribunal do lugar onde decorreu o evento causal que está na origem desse dano.

21 Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça considerou efectivamente (n.os 15 e 17) que o lugar do evento causal, do ponto de vista da competência jurisdicional, pode constituir um critério de vinculação não menos significativo do que o critério do lugar onde o dano se materializou, podendo cada um deles, segundo as circunstâncias, revelar-se especialmente útil do ponto de vista da prova e da organização do processo.

22 O Tribunal de Justiça acrescentou (n. 20) que a opção apenas pelo lugar onde decorre a actividade causal pode provocar, num considerável número de casos, uma confusão entre as competências previstas nos artigos 2. e 5. , n. 3, da convenção, retirando a este último preceito o seu efeito útil.

23 Estas considerações, feitas a propósito de danos materiais, devem ser válidas também, pelas mesmas razões, no caso de prejuízos não patrimoniais, nomeadamente os causados à reputação e à consideração de uma pessoa singular ou colectiva por uma publicação difamatória.

24 No caso de uma difamação através de um artigo de imprensa divulgado no território de vários Estados contratantes, o lugar do evento causal, na acepção dessa jurisprudência, só pode ser o lugar de estabelecimento do editor da publicação em causa, na medida em que constitui o lugar de origem do facto danoso, a partir do qual a difamação foi expressa e posta em circulação.

25 O tribunal do lugar de estabelecimento do editor da publicação difamatória deve, assim, ter competência para conhecer da acção de indemnização relativa à totalidade do prejuízo causado pelo acto ilícito.

26 Todavia, esse foro coincide, regra geral, com o princípio geral da competência consagrado pelo artigo 2. , primeiro parágrafo, da Convenção.

27 Como o Tribunal de Justiça decidiu no acórdão Mines de potasse d' Alsace, já referido, há consequentemente que reconhecer ao demandante a faculdade de propor a sua acção igualmente no lugar onde o prejuízo foi materializado, sob pena de esvaziar do seu conteúdo o artigo 5. , n. 3, da convenção.

28 O lugar de materialização do prejuízo é o local em que o facto gerador, implicando a responsabilidade extracontratual do seu autor, produziu efeitos danosos em relação à vítima.

29 No caso de uma difamação internacional através da imprensa, o atentado feito por uma publicação difamatória à honra, à reputação e à consideração de uma pessoa singular ou colectiva manifesta-se nos lugares onde a publicação é divulgada, quando a vítima é aí conhecida.

30 Daqui resulta que os órgãos jurisdicionais de cada Estado contratante onde a publicação difamatória foi divulgada e onde a vítima invoca ter sofrido um atentado à sua reputação são competentes para conhecer dos danos causados nesse Estado à reputação da vítima.

31 Com efeito, de acordo com o imperativo de uma boa administração da justiça, fundamento da regra de competência especial do artigo 5. , n. 3, o tribunal de cada Estado contratante em que a publicação difamatória foi divulgada e onde a vítima invoca ter sofrido um atentado à sua reputação é territorialmente o mais qualificado para apreciar a difamação cometida nesse Estado e determinar o alcance do prejuízo correspondente.

32 Embora seja um facto que o julgamento dos diversos aspectos de um mesmo litígio por tribunais diferentes tem inconvenientes, o demandante tem sempre, no entanto, a faculdade de fazer o seu pedido global ou no tribunal do domicílio do demandado, ou no do lugar de estabelecimento do editor da publicação difamatória.

33 Tendo em conta a globalidade das considerações precedentes, há que responder às primeira, segunda, terceira e sexta questões apresentadas pela House of Lords que a expressão "lugar onde ocorreu o facto danoso", utilizada no artigo 5. , n. 3, da convenção, em caso de difamação através de um artigo de imprensa divulgado em vários Estados contratantes, deve ser interpretada no sentido de que a vítima pode intentar uma acção de indemnização contra o editor ou nos órgãos jurisdicionais do Estado contratante do lugar de estabelecimento do editor da publicação difamatória, competentes para reparar a integralidade dos danos resultantes da difamação, ou nos órgãos jurisdicionais de cada Estado contratante em que a publicação foi divulgada e onde a vítima invoca ter sofrido um atentado à sua reputação, competentes para conhecer apenas dos danos causados no Estado do tribunal onde a acção foi proposta.

Quanto às quarta, quinta e sétima questões

34 Através das quarta, quinta e sétima questões, que se devem examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta essencialmente se, para considerar a sua competência a título de foro do lugar de materialização do prejuízo, em conformidade com o artigo 5. , n. 3, da convenção, tal como é interpretado pelo Tribunal de Justiça, é obrigado a respeitar regras específicas diferentes das consagradas pelo seu direito nacional, no que diz respeito às condições de apreciação do carácter danoso do facto litigioso e às condições de prova da existência e do alcance do prejuízo alegado pela vítima da difamação.

35 Para responder a estas questões, há que recordar que a convenção não tem por objectivo unificar as normas de direito material e as regras processuais dos diferentes Estados contratantes, mas repartir as competências judiciárias para a solução dos litígios em matéria civil e comercial nas relações entre os Estados contratantes e facilitar a execução das decisões judiciais (v. acórdão de 15 de Maio de 1990, Hagen, C-365/88, Colect., p. I-1845, n. 17).

36 Resulta, aliás, de uma jurisprudência constante que, tratando-se das regras processuais, devem ter-se em conta as normas nacionais aplicáveis pelo tribunal onde foi proposta a acção, na condição de a aplicação dessas regras não afectar o efeito útil da convenção (mesmo acórdão, n.os 19 e 20).

37 No domínio da responsabilidade extracontratual, em que se inserem as questões prejudiciais, a convenção tem apenas por objecto determinar o ou os órgãos jurisdicionais competentes para conhecer do litígio em função do ou dos lugares onde ocorreu um facto considerado danoso.

38 Em contrapartida, a convenção não especifica em que condições o facto gerador pode ser considerado danoso em relação à vítima, bem como os elementos de prova que o demandante deve apresentar no tribunal onde foi intentada a acção para lhe permitir decidir sobre o mérito da acção.

39 Assim, estas questões devem ser decididas apenas pelo tribunal nacional onde foi proposta a acção, aplicando o direito material designado pelas normas de conflito de leis do seu direito nacional, na condição de essa aplicação não afectar o efeito útil da convenção.

40 A circunstância de o direito nacional aplicável ao litígio no processo principal prever em matéria de difamação uma presunção de prejuízo, dispensando o demandante de produzir a prova da sua existência ou do seu alcance, não é, assim, susceptível de impedir a aplicação do artigo 5. , n. 3, da convenção, no respeitante à determinação dos tribunais territorialmente competentes para conhecer de uma acção de indemnização por prejuízos resultantes de uma difamação internacional cometida através da imprensa.

41 Nestas condições, há que responder ao órgão jurisdicional de reenvio que as condições de apreciação do carácter danoso do facto litigioso e as condições de prova da existência e do alcance do prejuízo alegado pela vítima da difamação não relevam da convenção, mas são regidas pelo direito material designado pelas normas de conflito de leis do direito nacional do tribunal onde foi intentada a acção, na condição de essa aplicação não afectar o efeito útil da convenção.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

42 As despesas efectuadas pelos Governos do Reino Unido, alemão, espanhol e francês, bem como pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre as questões que lhe foram submetidas pela House of Lords, por decisão de 1 de Março de 1993, declara:

1) A expressão "lugar onde ocorreu o facto danoso", utilizada no artigo 5. , n. 3, da convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, após as alterações introduzidas pela convenção de 9 de Outubro de 1978 relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte e pela convenção de 25 de Outubro de 1982 relativa à adesão da República Helénica, em caso de difamação através de um artigo de imprensa divulgado em vários Estados contratantes, deve ser interpretada no sentido de que a vítima pode intentar uma acção de indemnização contra o editor ou nos órgãos jurisdicionais do Estado contratante do lugar de estabelecimento do editor da publicação difamatória, competentes para reparar a integralidade dos danos resultantes da difamação, ou nos órgãos jurisdicionais de cada Estado contratante em que a publicação foi divulgada e onde a vítima alega ter sofrido um atentado à sua reputação, competentes para conhecer apenas dos danos causados no Estado do tribunal onde a acção foi proposta.

2) As condições de apreciação do carácter danoso do facto litigioso e as condições de prova da existência e do alcance do prejuízo alegado pela vítima da difamação não relevam da convenção, mas são regidas pelo direito material designado pelas normas de conflito de leis do direito nacional do tribunal onde foi intentada a acção, na condição de essa aplicação não afectar o efeito útil da convenção.