61992A0019

Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Segunda Secção Alargada) de 12 de Dezembro de 1996. - Groupement d'achat Edouard Leclerc contra Comissão das Comunidades Europeias. - Sistema de distribuição selectiva - Produtos cosméticos de luxo. - Processo T-19/92.

Colectânea da Jurisprudência 1996 página II-01851


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


1 Processo - Intervenção - Questão prévia de inadmissibilidade não suscitada pela recorrida - Inadmissibilidade

[Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, artigo 37._, terceiro parágrafo; Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, artigo 116._, n._ 3]

2 Recurso de anulação - Pessoas singulares ou colectivas - Actos que lhes dizem directa e individualmente respeito - Decisão da Comissão que concede uma isenção a um sistema de distribuição selectiva - Empresa terceira que reagrupa os comerciantes que solicitaram, sem êxito, a sua admissão à rede e que participou no processo administrativo na Comissão - Admissibilidade do recurso

(Tratado CE, artigos 85._, n.os 1 e 3, e 173._, quarto parágrafo; Regulamento n._ 17 do Conselho, artigo 19._, n._ 3)

3 Concorrência - Acordos - Sistema de distribuição selectiva - Admissibilidade - Condições - Apreciação objectiva e tomada em consideração do interesse do consumidor - Sectores económicos que permitem a criação de um sistema de distribuição selectiva - Cosméticos e perfumes de luxo

(Tratado CE, artigo 85._, n._ 1)

4 Concorrência - Acordos - Sistema de distribuição selectiva - Admissibilidade - Condições - Critérios objectivos de selecção dos revendedores - Apreciação pela Comissão - Fiscalização jurisdicional - Limites - Aplicação dos critérios em casos concretos - Competência dos órgãos jurisdicionais e das autoridades nacionais - Possibilidade de os particulares apresentarem uma denúncia à Comissão

(Tratado CE, artigos 85._, n._ 1, e 173._; Regulamento n._ 17, artigo 3._)

5 Concorrência - Acordos - Sistema de distribuição selectiva - Admissibilidade - Condições - Cosméticos e perfumes de luxo - Critérios objectivos de selecção dos revendedores - Critérios relativos à capacidade profissional - Apreciação

(Tratado CE, artigo 85._, n._ 1)

6 Concorrência - Acordos - Sistema de distribuição selectiva - Admissibilidade - Condições - Cosméticos e perfumes de luxo - Critérios objectivos de selecção dos revendedores - Critérios relativos à localização e instalação do ponto de venda - Apreciação

(Tratado CE, artigo 85._, n._ 1)

7 Concorrência - Acordos - Sistema de distribuição selectiva - Admissibilidade - Condições - Cosméticos e perfumes de luxo - Critérios objectivos de selecção dos revendedores - Critério da insígnia - Apreciação

(Tratado CE, artigo 85._, n._ 1)

8 Concorrência - Acordos - Sistema de distribuição selectiva - Sistemas «simples» - Utilização desses sistemas para a comercialização de um mesmo produto por todos os fabricantes no mercado - Admissibilidade - Condições - Inexistência de barreiras à entrada no mercado de novos concorrentes aptos a vender os produtos - Manutenção de uma concorrência eficaz, nomeadamente em matéria de preços

(Tratado CE, artigo 85._, n._ 1)

Sumário


9 Uma parte interveniente não tem legitimidade para suscitar uma questão prévia de inadmissibilidade não formulada nos pedidos da recorrida.

10 No âmbito de uma decisão que conceda uma isenção a um sistema de distribuição selectiva, deve considerar-se que a decisão de isenção diz directa e individualmente respeito a uma sociedade cooperativa que reagrupa comerciantes retalhistas, concorrentes potenciais dos retalhistas autorizados, que solicitou, sem êxito, que pelo menos uma parte dos seus membros fossem admitidos na rede e que participou no processo administrativo previsto pelo artigo 19._, n._ 3, do Regulamento n._ 17.

11 Os sistemas de distribuição selectiva constituem um elemento de concorrência que é conforme ao artigo 85._, n._ 1, do Tratado se satisfizer as quatro seguintes condições: em primeiro lugar, que as propriedades do produto em causa necessitem de um sistema de distribuição selectiva, no sentido desse sistema constituir uma exigência legítima, tendo em conta a natureza dos produtos em causa e, nomeadamente, a sua alta qualidade ou tecnicidade, para preservar a sua qualidade e garantir a sua boa utilização; em segundo lugar, que a escolha dos revendedores se efectue em função de critérios objectivos de carácter qualitativo, fixados de maneira uniforme para todos os revendedores potenciais e aplicados de forma não discriminatória; em terceiro lugar, que o sistema em causa vise atingir um resultado susceptível de melhorar a concorrência e, portanto, de contrabalançar a limitação da concorrência inerente aos sistemas de distribuição selectiva, nomeadamente, em matéria de preços; e, em quarto lugar, que os critérios impostos não ultrapassem o que é necessário. A questão de saber se estas condições estão preenchidas deve ser apreciada de forma objectiva, tendo em conta o interesse do consumidor.

Os sistemas de distribuição selectiva que encontram a sua justificação na natureza específica dos produtos ou nas exigências da sua distribuição podem ser criados em sectores económicos além do da produção de bens de consumo duradouros de alta qualidade e tecnicismo, sem infringir o artigo 85._, n._ 1, do Tratado.

Os cosméticos de luxo, e nomeadamente os perfumes de luxo, são produtos sofisticados e de alta qualidade, dotados de uma «imagem de luxo» distintiva, que é importante aos olhos dos consumidores. As propriedades desses produtos não podem ser limitadas às suas características materiais, mas englobam também a percepção específica, e, mais especificamente, a sua «aura de luxo» que decorre da sua própria natureza.

É do interesse dos consumidores que procuram cosméticos de luxo que esses produtos sejam apresentados em boas condições nos pontos de venda, e que seja assim preservada essa imagem de luxo.

Daqui resulta que, no sector dos cosméticos de luxo, e nomeadamente no dos perfumes de luxo, os critérios qualitativos de selecção dos retalhistas que não ultrapassam o que é necessário para garantir a venda desses produtos em boas condições de apresentação não são, em princípio, abrangidos pelo artigo 85._, n._ 1, do Tratado, desde que esses critérios sejam objectivos, sejam fixados de uma maneira uniforme para todos os revendedores potenciais e sejam aplicados de forma não discriminatória.

12 A fiscalização jurisdicional do Tribunal, nos termos do artigo 173._ do Tratado, de uma decisão pela qual a Comissão declara que os critérios de selecção de um sistema de distribuição selectiva preenchem as condições exigidas para serem considerados lícitos face ao artigo 85._, n._ 1, do Tratado, deve limitar-se a verificar se as conclusões da Comissão estão viciadas por falta de fundamentação, erro manifesto de facto ou de direito, erro manifesto de apreciação ou desvio de poder. Não compete ao Tribunal pronunciar-se sobre a aplicação desses critérios nos casos concretos.

Ao invés, compete aos órgãos jurisdicionais ou às autoridades nacionais competentes, a quem recorreu um candidato a quem foi recusado acesso à rede, decidir, eventualmente à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância, da questão de saber se os critérios em causa foram aplicados, num caso concreto, de modo discriminatório ou desproporcionado, violando assim o artigo 85._, n._ 1, do Tratado. Incumbe, nomeadamente, aos órgãos jurisdicionais nacionais ou às autoridades nacionais velar por que os critérios em causa não sejam utilizados para impedir o acesso à rede de novos operadores capazes de distribuírem os produtos em causa em condições que não sejam depreciativas.

Por outro lado, um candidato a quem seja recusado o acesso à rede tem a possibilidade de apresentar uma denúncia à Comissão nos termos do artigo 3._ do Regulamento n._ 17, nomeadamente em caso de utilização sistemática das condições de admissão num sentido incompatível com o direito comunitário.

13 No âmbito de um sistema de distribuição selectiva no sector dos cosméticos de luxo, a presença no ponto de venda de uma pessoa capaz de dar ao consumidor conselhos ou informações adequados constitui, em princípio, uma exigência legítima para a venda dos referidos produtos, que faz parte integrante de uma boa apresentação destes.

14 No âmbito de um sistema de distribuição selectiva no sector dos cosméticos de luxo, um critério relativo à vizinhança próxima de um ponto de venda desses produtos não está, por si só, abrangido pelo artigo 85._, n._ 1, do Tratado, na medida em que vise garantir que esses produtos não são vendidos em locais totalmente inadaptados para essas vendas.

Ao invés, disposições relativas à aparência externa do ponto de venda, tais como a fachada, as montras e respectiva decoração, prestam-se a uma aplicação discriminatória contra um ponto de venda - como um hipermercado - que não tem a mesma fachada que um estabelecimento comercial tradicional, nomeadamente, uma fachada com montras, mas que adaptou um local ou um espaço situado no interior do estabelecimento de uma forma apropriada à venda dos cosméticos de luxo. Além disto, as montras para o exterior não se afiguram necessárias para a boa apresentação dos produtos no contexto de um local ou de um espaço adaptado no interior de um estabelecimento «multiprodutos».

No que se refere às condições relativas ao interior do ponto de venda, tal como a venda de outras mercadorias neste ponto, não bastam para excluir de uma rede um hipermercado, no sentido de que a venda de outras mercadorias que tipicamente se encontram num hipermercado não é, por si só, susceptível de prejudicar a «imagem de luxo» dos produtos em causa, desde que o local ou o espaço consagrado à venda dos cosméticos de luxo seja adaptado de forma a que esses produtos sejam apresentados em condições que os valorizem.

No que se refere aos critérios relativos às outras actividades dos estabelecimentos, considerações quanto à importância destas são desproporcionadas na medida em que não têm, por si só, qualquer relação com a exigência legítima da preservação da imagem de luxo dos produtos em causa. Além disto, são discriminatórias na medida em que tendem a favorecer a candidatura de uma perfumaria especializada em detrimento da de um estabelecimento «multiprodutos» que disponha de um local especializado, adaptado por forma a satisfazer as condições qualitativas adequadas à venda dos cosméticos de luxo.

15 No âmbito de um sistema de distribuição selectiva no sector dos cosméticos de luxo, um critério que tem apenas por objectivo velar por que a insígnia do retalhista não seja susceptível de desvalorizar a imagem de luxo desses produtos constitui, em princípio, uma exigência legítima da distribuição desses produtos e não está necessariamente abrangido pelo artigo 85._, n._ 1, do Tratado. Com efeito, é de temer que, na ausência de tal critério, a imagem de luxo dos cosméticos de luxo, e portanto a sua própria natureza, seja prejudicada com a venda desses produtos por retalhistas cuja insígnia é manifestamente depreciativa aos olhos dos consumidores. O critério não pode no entanto ser aplicado de um modo injustificado ou desproporcionado.

16 Se os sistemas de distribuição selectiva «simples» são susceptíveis de constituir um elemento de concorrência, de acordo com o n._ 1 do artigo 85._ do Tratado, uma restrição ou uma eliminação da concorrência pode todavia ocorrer quando a existência de um certo número de tais sistemas não deixa qualquer espaço a outras formas de distribuição assentes numa política concorrencial de natureza diferente ou redunda numa rigidez da estrutura dos preços que não é contrabalançada por outros factores de concorrência entre produtos de uma mesma marca e pela existência de uma concorrência efectiva entre marcas diferentes. Por conseguinte, a existência de um grande número desses sistemas de distribuição selectiva para um produto determinado não permite, por si só, concluir que a concorrência seja restringida ou falseada, na acepção do artigo 85._, n._ 1, do Tratado, sendo ainda preciso que o mercado em causa seja de tal maneira rígido e estruturado que já não exista uma concorrência efectiva em matéria de preços.

A este respeito, o artigo 85._, n._ 1, do Tratado não é automaticamente aplicável apenas pelo facto de todos os fabricantes do sector em causa terem feito a mesma escolha quanto aos respectivos métodos de distribuição. Se, vistos individualmente, certos critérios de selecção de um fabricante não são abrangidos pelo artigo 85._, n._ 1, do Tratado, o efeito cumulativo das outras redes só é susceptível de alterar esta conclusão quando se demonstre, em primeiro lugar, que existem entraves ao acesso ao mercado de novos concorrentes aptos a vender os produtos em questão, pelo que os sistemas de distribuição selectiva em causa têm por efeito bloquear a distribuição em benefício de certos canais já existentes ou, em segundo lugar, que não existe uma concorrência efectiva, nomeadamente em matéria de preços, tendo em conta a natureza dos produtos em causa.

Partes


No processo T-19/92,

Groupement d'achat Édouard Leclerc, sociedade de direito francês, com sede em Paris, representada por Mario Amadio e Gilbert Parléani, advogados no foro de Paris, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Philippe Hoss, 15, Côte d'Eich,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada inicialmente por Bernd Langeheine, depois por Berend Jan Drijber, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, assistidos por Hervé Lehman, advogado no foro de Paris, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrida,

apoiada por

Yves Saint Laurent Parfums SA, sociedade de direito francês, com sede em Neuilly-sur-Seine (França), representada por Dominique Voillemot e Arnaud Michel, advogados no foro de Paris, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Jacques Loesch, 11, rue Goethe,

Fédération des industries de la parfumerie, união de associações patronais regida pelo direito francês, com sede em Paris, representada por Robert Colin, advogado no foro de Paris, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Ernest Arendt, 8-10, rue Mathias Hardt,

Comité de liaison des syndicats européens de l'industrie de la parfumerie et des cosmétiques, associação internacional sem fins lucrativos regida pelo direito belga, com sede em Bruxelas, representada por Stephen Kon, solicitor, e Mélanie Thill-Tayara, advogada no foro de Paris, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório dos advogados Winandy e Err, 60, avenue Gaston Diderich,

e

Fédération européenne des parfumeurs détaillants, associação de federações ou de associações patronais nacionais regida pelo direito francês, com sede em Paris, representada por Rolland Verniau, advogado no foro de Lyon, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Nico Schaeffer, 12, avenue de la Porte Neuve,

intervenientes,

que tem por objecto a anulação da Decisão 92/33/CEE da Comissão, de 16 de Dezembro de 1991, relativa a um processo de aplicação do artigo 85._ do Tratado CEE (IV/33.242 - Yves Saint Laurent Parfums) (JO L 12, p. 24),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS

(Segunda Secção Alargada),

composto por: H. Kirschner, presidente, B. Vesterdorf, C. W. Bellamy, A. Kalogeropoulos e A. Potocki, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 28 e de 29 de Fevereiro de 1996,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


Factos na origem do recurso

Introdução

1 A categoria de produtos cosméticos abrange uma grande variedade de artigos que incluem nomeadamente os produtos de perfumaria alcoólica, de cuidados e de beleza, bem como os produtos capilares e de higiene. Nesta categoria, existe um segmento constituído pelos produtos de luxo: artigos de alta qualidade, de preço relativamente elevado, comercializados sob uma marca de prestígio. Em geral, os produtos cosméticos de luxo só são vendidos por intermédio de redes de distribuição selectiva submetidas a condições comparáveis. Estas redes são principalmente constituídas por perfumarias especializadas ou locais especializados situados no interior dos grandes armazéns.

2 A Yves Saint Laurent SA (a seguir «Yves Saint Laurent») é um fabricante de produtos cosméticos de luxo. Faz parte do grupo Yves Saint Laurent, cuja actividade abrange o fabrico e a distribuição de produtos de luxo. Em 1992, a Yves Saint Laurent detinha cerca de 9% do mercado comunitário dos produtos de perfumaria de luxo.

3 Segundo a discriminação por gamas de produtos, fornecida pela Yves Saint Laurent na pendência da instância, a venda de perfumes de luxo representava, em 1990 e em 1991, 75% a 100% das suas vendas totais em distribuição selectiva, consoante o Estado-Membro em causa, sendo o restante constituído pela venda de produtos de luxo de cuidados e de beleza. Estes produtos são vendidos em cerca de 7 500 pontos de venda aprovados, bem como em lojas francas onde se realiza uma proporção importante das vendas em vários Estados-Membros.

4 Em 7 de Julho de 1989, a Yves Saint Laurent notificou à Comissão a rede de contratos de distribuição selectiva para a comercialização na Comunidade dos seus produtos de perfumaria alcoólica, de cuidados e de beleza, pedindo, a título principal, um certificado negativo na acepção do artigo 2._ do Regulamento n._ 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, primeiro regulamento de execução dos artigos 85._ e 86._ do Tratado CEE (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22, a seguir «Regulamento n._ 17»), e, a título subsidiário, uma isenção ao abrigo do artigo 85._, n._ 3, do Tratado.

5 Em 20 de Dezembro de 1990, em conformidade com o n._ 3 do artigo 19._ do Regulamento n._ 17, a Comissão publicou uma comunicação (JO C 320, p. 11) em que se propunha adoptar uma decisão favorável em relação aos contratos notificados, nas versões alteradas na sequência das suas observações, e em que convidava os terceiros interessados a apresentarem as suas eventuais observações no prazo de 30 dias.

6 Em resposta a esta publicação, o recorrente, o Groupement d'achat Édouard Leclerc (a seguir «Galec»), apresentou observações em 17 de Janeiro de 1991. O Galec é um agrupamento de compras, sob a forma de sociedade cooperativa, que serve uma rede de pontos de venda a retalho em França, denominados centros distribuidores Leclerc (a seguir «centros Leclerc»), cuja maior parte são hipermercados ou supermercados. Nas suas observações, o Galec opôs-se à decisão prevista pelo facto de, nomeadamente, alguns centros Leclerc adaptados para a distribuição de cosméticos de luxo serem dela excluídos no caso de a decisão ser adoptada.

7 O Galec participou também no processo administrativo referente à Parfums Givenchy, no qual a Comissão adoptou, em 24 de Julho de 1992, a Decisão 92/428/CEE, relativa a um processo de aplicação do artigo 85._ do Tratado CEE (IV/33.542 - sistema de distribuição selectiva da Parfums Givenchy) (JO L 236, p. 11) e que é objecto de um recurso paralelo no Tribunal de Primeira Instância (Galec/Comissão, T-88/92).

8 Em 16 de Dezembro de 1991, a Comissão adoptou a Decisão 92/33/CEE, relativa a um processo de aplicação do artigo 85._ do Tratado CEE (IV/33.242 - Yves Saint Laurent Parfums) (JO L 12, p. 14, a seguir «Decisão»). É esta que constitui o objecto do presente acórdão.

O Contrato Yves Saint Laurent

9 Conclui-se do «Contrat de détaillant agrée» (contrato-tipo de distribuidor autorizado, a seguir «Contrato») e das condições gerais de venda a ele anexas, na versão de 11 de Julho de 1991 visada pela Decisão, que a rede de distribuição da Yves Saint Laurent é uma rede fechada, que proíbe aos seus membros venderem ou abastecerem-se dos produtos da marca Yves Saint Laurent fora da rede. Por seu turno, a Yves Saint Laurent compromete-se a assegurar o respeito das condições da distribuição no quadro das leis e regulamentações em vigor e a retirar a sua marca dos pontos de venda que não preencham as condições contratuais de selecção.

10 Os critérios de selecção dos retalhistas autorizados previstos no Contrato referem-se essencialmente à qualificação profissional do pessoal, à localização e à instalação do ponto de venda, à insígnia do retalhista, bem como a certas outras condições que este deve preencher, nomeadamente em relação à armazenagem dos produtos, à realização de um volume mínimo de compras anuais, à obrigação de não efectuar durante um ano venda activa dos novos produtos lançados num outro território e à cooperação publicitária e promocional entre o retalhista e a Yves Saint Laurent.

11 Quanto à qualificação profissional, o ponto III.5 do Contrato prevê:

«5) Qualificação profissional no domínio da perfumaria

O retalhista autorizado compromete-se a respeitar as disposições relativas à qualificação profissional, fixadas no artigo I.3 das condições gerais de venda, e a fazer participar o seu pessoal de venda nos estágios de formação organizados pelo distribuidor exclusivo.»

12 Os pontos I.2 e I.3 das condições gerais de venda prevêem:

«2) Pessoal de venda

O retalhista autorizado deve dispor de suficiente pessoal de venda atendendo à superfície do ponto de venda e ao número de produtos oferecidos ao consumidor. Esse pessoal deve estar em condições de fornecer aos consumidores um serviço de aconselhamento e de demonstração de qualidade.

3) Qualificação profissional

O retalhista autorizado e o seu pessoal de venda devem possuir uma qualificação profissional em matéria de produtos de perfumaria (cosméticos e de cuidados) resultante quer:

- de um diploma de esteticista;

- de um certificado de formação profissional em perfumaria emitido por uma câmara de comércio e de indústria reconhecida;

- de uma experiência de pelo menos três anos no domínio da venda de produtos de perfumaria de prestígio (produtos cosméticos e de cuidados).»

13 Quanto ao ponto de venda, o ponto I.1 das condições gerais de venda prevê:

«a) Vizinhança do ponto de venda

A zona da localidade, as ruas e os estabelecimentos comerciais situados na proximidade do ponto de venda deverão estar sempre em adequação com o prestígio e a notoriedade da marca Yves Saint Laurent.

b) Outros elementos tomados em consideração

A insígnia, a fachada do imóvel onde se situa o ponto de venda, a sinalização da presença do ponto de venda, as montras, a iluminação externa, a superfície, a iluminação interna, o solo, as paredes e o tecto, o mobiliário, a decoração interna, o material de publicidade, o asseio e a arrumação do ponto de venda, o asseio dos produtos e do material publicitário, as prateleiras, a identificação e o destaque da marca, as condições de armazenagem, as cabines de cuidados, a apresentação e o acolhimento do pessoal de venda.

Estes elementos devem estar sempre em adequação com o prestígio e a notoriedade da marca Yves Saint Laurent.

c) Superfície de venda

A superfície de venda deve ser proporcional ao número de produtos vendidos. Deve permitir que o retalhista autorizado proporcione, tendo em conta as marcas representadas, um lugar aos produtos que reflicta o prestígio e a notoriedade da marca Yves Saint Laurent.

d) Outras actividades no ponto de venda

Se forem exercidas outra ou mais actividades no ponto de venda, deverão ser tidos em consideração os seguintes elementos:

- a importância dessa(s) actividade(s);

- a apresentação interna e externa dessa(s) actividade(s);

- a separação entre essa(s) actividade(s) e a actividade de perfumaria;

- a repartição do pessoal de venda entre essa(s) actividade(s) e a actividade de perfumaria;

- a competência do pessoal de venda afectado a cada uma das actividades;

- a apresentação do pessoal de venda afectado a cada uma das actividades.

...»

14 De igual modo, os pontos III.3 e III.4 do Contrato prevêem:

«3) Natureza e qualidade dos produtos vendidos no ponto de venda

O retalhista autorizado indicou a natureza e a qualidade de todos os produtos que são ou serão vendidos no ponto de venda. O retalhista autorizado compromete-se a não vender, no ponto de venda, produtos que sejam susceptíveis de desvalorizarem, pela sua proximidade, a imagem da marca Yves Saint Laurent.»

«4) Standing e manutenção do ponto de venda

O retalhista autorizado deverá manter, para a armazenagem e a apresentação dos produtos, o ponto de venda em perfeito estado de manutenção e de asseio. A disposição, o mobiliário e a decoração do ponto de venda, ou do departamento especializado em perfumaria no interior do ponto de venda, deverão corresponder ao standing e à qualidade associados à imagem da marca Yves Saint Laurent.»

15 No que se refere à insígnia do retalhista, o ponto I, segundo parágrafo, das condições gerais de venda prevê:

«A insígnia da perfumaria, do estabelecimento no qual está situada a secção de perfumaria, ou do espaço em que está situada a secção de perfumaria, ou a perfumaria devem corresponder permanentemente ao prestígio da marca Yves Saint Laurent. Consequentemente, a insígnia deve ser compatível com os princípios que regem a distribuição dos produtos, que são de grande luxo e de alta qualidade. Não é este o caso da insígnia cuja imagem está associada à inexistência ou à restrição do serviço de aconselhamento à clientela, do standing ou do esmero na decoração.»

16 No que se refere ao processo de admissão à rede, qualquer pedido de abertura de conta é seguido, num prazo médio de três meses e um máximo de cinco, por uma avaliação, feita pela Yves Saint Laurent ou pelo seu agente exclusivo, do ponto de venda proposto, através de um relatório de avaliação de que a Yves Saint Laurent apresentou uma cópia na pendência da instância (anexo 16 das suas alegações, a seguir «relatório de avaliação»). Nesse relatório de avaliação, os elementos de apreciação referentes, respectivamente, à aparência externa do ponto de venda, à sua aparência interna e à competência profissional são cotados de acordo com uma tabela de notação que inclui 33 rubricas diferentes, ou 37 no caso de um ponto de venda que tenha uma ou várias actividades dominantes além da venda dos produtos de perfumaria. Cada rubrica é cotada, segundo o caso, entre 2 e 10 pontos, ou entre 2 e 7 pontos.

17 Para ser admitido como retalhista autorizado, o número total de pontos obtidos deve ser superior a 231 (33 rubricas x 7) ou a 259 (37 rubricas x 7), consoante o caso. A obtenção de três notas «2», nas rubricas localização do ponto de venda, vizinhança, fachada, iluminação, solo, paredes, mobiliário, outros produtos vendidos no ponto de venda e competência profissional, é considerada eliminatória. Para os grandes armazéns, a Yves Saint Laurent utilizou até 1992 uma versão adaptada do relatório de avaliação, mas está prevista a substituição dessa versão por uma nova versão do relatório de avaliação adaptada a todas as lojas não especializadas. Entretanto e segundo a Yves Saint Laurent, no caso de um ponto de venda não especializado, as diferentes rubricas do actual relatório de avaliação relativas à aparência interna da loja e ao pessoal de venda são aplicadas apenas à «secção» de perfumaria (resposta de 16 de Janeiro de 1996 às perguntas do Tribunal de Primeira Instância, pp. 3 e 4).

18 Consoante as conclusões da avaliação, o pedido é objecto de uma recusa fundamentada ou o requerente é informado das medidas que deve tomar para satisfazer os critérios. Neste último caso, é-lhe concedido um prazo máximo de seis meses para se adaptar aos referidos critérios, após o que é feita nova avaliação. Em caso de resposta positiva, a conta é aberta num prazo de nove meses a contar da data da avaliação.

A Decisão da Comissão

19 Na Decisão, a Comissão considera, no ponto II.A.4, que o artigo 85._, n._ 1, do Tratado não se aplica a um sistema de distribuição selectiva desde que estejam satisfeitas três condições, isto é, em primeiro lugar, que as propriedades dos produtos em causa necessitem, para preservar a sua qualidade e assegurar a sua boa utilização, a criação de um tal sistema, em segundo, que a escolha dos revendedores se efectue em função de critérios objectivos de carácter qualitativo, relativos à qualificação profissional do revendedor e do seu pessoal, bem como às suas instalações, e, em terceiro lugar, que esses critérios sejam fixados de uma forma uniforme relativamente a todos os revendedores potenciais e aplicados de forma não discriminatória (v. os acórdãos do Tribunal de Justiça de 25 de Outubro de 1977, Metro/Comissão, a seguir «acórdão Metro I», 26/76, Colect., p. 659, n._ 20, de 11 de Dezembro de 1980, L'Oréal, 31/80, Recueil, p. 3775, n._ 16, e de 25 de Outubro de 1983, AEG-Telefunken/Comissão, a seguir «acórdão AEG», 107/82, Recueil, p. 3151, n._ 33).

20 Quanto a isto, a Comissão verifica, no ponto II.A.5, segundo parágrafo, da Decisão que: «Os produtos em causa são com efeito artigos de alta qualidade, que resultam de uma pesquisa especial que se traduz simultaneamente na originalidade da sua criação, na sofisticação das gamas comercializadas bem como no nível qualitativo dos materiais utilizados, nomeadamente na realização do acondicionamento sob o qual são apresentados. A natureza destes produtos de luxo decorre posteriormente da exclusividade e do prestígio que os distingue dos produtos similares que relevam de outros segmentos do mercado e que dão resposta a outras exigências do consumidor. Uma característica deste tipo está, por um lado, estreitamente ligada à capacidade do produtor desenvolver e preservar uma imagem de marca de grande reputação e, por outro lado, depende de uma apresentação ao público apta a valorizar a especificidade estética ou funcional de cada produto individual ou linha de produtos...»

21 A seguir, a Comissão considera que os critérios de selecção da Yves Saint Laurent referentes à qualificação profissional, à localização e à instalação do ponto de venda e à insígnia do retalhista não são abrangidos pelo artigo 85._, n._ 1, do Tratado. A Comissão considera, nomeadamente, que «a presença no ponto de venda de um consultor profissional especializado constitui uma exigência legítima na medida em que os conhecimentos especificamente exigidos são necessários para ajudar o consumidor na sua procura do produto melhor adaptado ao seu gosto e às suas necessidades e para lhe prestar a melhor informação sobre as condições de utilização, mesmo de conservação, desses produtos» (ponto II.A.5, terceiro parágrafo), e que «uma vez que a manutenção de uma imagem de marca de prestígio constitui, no mercado dos produtos cosméticos de luxo, um factor essencial de concorrência, nenhum produtor poderia conservar a sua posição neste mercado sem um esforço constante de promoção. Ora, é evidente que esses esforços seriam diminuídos se, no estádio da venda a retalho, os produtos Yves Saint Laurent fossem comercializados de uma forma susceptível de alterar a sua percepção por parte do consumidor. Deste modo, os critérios relativos à localização e às qualificações estéticas e funcionais do ponto de venda constituem exigências legítimas do produtor, uma vez que visam oferecer ao consumidor um enquadramento em harmonia com o carácter luxuoso e exclusivo dos produtos em causa e uma apresentação conforme à imagem da marca Yves Saint Laurent. Além disso, o critério relativo à insígnia visa assegurar que a insígnia da perfumaria ou do estabelecimento ou de espaço em que se situa a secção de perfumaria ou a perfumaria é compatível com os princípios que regulam a distribuição dos produtos em causa e visa excluir, por conseguinte, uma insígnia cuja imagem estaria associada à ausência ou à restrição do serviço à clientela, do standing e à ausência de uma procura na decoração. É conveniente acentuar que, relativamente a este ponto, o carácter depreciativo de um ponto de venda ou da sua insígnia, não poderia de qualquer modo estar associado à política habitual de preços do distribuidor» (ponto II.A.5, quarto parágrafo).

22 A Comissão prossegue no ponto II.A.5, quinto e sexto parágrafos: «A proibição de vender mercadorias susceptíveis de depreciarem, pela sua proximidade, a imagem da marca Yves Saint Laurent tem apenas por objectivo salvaguardar, na perspectiva do público, o prestígio e a exclusividade inerentes aos produtos em causa, evitando deste modo qualquer comparação com mercadorias de qualidade inferior. Prosseguem, além disso, uma finalidade análoga os critérios de selecção que visam assegurar que, nos pontos de venda em que se exercem várias actividades, o espaço reservado à venda dos produtos de perfumaria seja proporcional e suficientemente separado relativamente ao espaço destinado à venda de outros produtos. É conveniente sublinhar, relativamente a este ponto que, uma vez que o sistema de distribuição selectiva Yves Saint Laurent Parfums é aberto aos estabelecimentos que disponham de uma secção especializada e tendo em conta igualmente as diferentes formas de distribuição às quais a Yves Saint Laurent Parfums concedeu a sua autorização a nível comunitário, estes critérios não são por si só de natureza a excluir certas formas modernas de distribuição, tais como os grandes armazéns.

A obrigação do distribuidor autorizado é de reservar, para os produtos Yves Saint Laurent Parfums, uma localização que, tendo em conta as marcas representadas, corresponde ao nível da marca Yves Saint Laurent permitindo a sua identificação por parte do consumidor, responde ao objectivo de assegurar uma apresentação que valoriza os produtos referidos no contrato... um tal critério de selecção não é em si de natureza a limitar a liberdade do distribuidor vender ou promover marcas concorrentes ou a entravar o desenvolvimento de novas formas de distribuição.»

23 Quanto às outras obrigações e condições a preencher pelo retalhista autorizado, a Comissão considera que as referentes ao processo de acesso à rede, à realização de um volume mínimo de compras anuais, à cooperação publicitária e promocional, à armazenagem dos produtos e ao lançamento de novos produtos são abrangidas pelo artigo 85._, n._ 1 (v. o ponto II.A.6 da Decisão) e que os entraves à concorrência verificados constituem uma restrição sensível das trocas comerciais intracomunitárias (ponto II.A.8).

24 No entanto, a Comissão verifica, no ponto II.B.1 da Decisão, que os contratos que constituem o sistema de distribuição da Yves Saint Laurent satisfazem as quatro condições previstas no artigo 85._, n._ 3, do Tratado.

25 Quanto à questão de saber se as estipulações em causa contribuem para melhorar a produção e a distribuição, na acepção do artigo 85._, n._ 3, do Tratado, a Comissão considera o seguinte (ponto II.B.2):

«Os produtos cosméticos de luxo distinguem-se dos produtos similares que respondem a outras exigências do consumidor, entre outros, pela imagem de exclusividade e de prestígio que, na perspectiva do consumidor, está associada à marca a que pertencem. A capacidade do fabricante criar e manter uma imagem de marca original e prestigiosa constitui um factor determinante de concorrência. Daí que uma marca de cosméticos de luxo só possa ser distribuída respeitando a sua vocação de exclusividade. Com efeito, a experiência revela que a distribuição generalizada de um produto cosmético de luxo é susceptível de alterar a óptica do consumidor e de originar a prazo uma redução de sua procura.»

26 Nestas circunstâncias, a Comissão considera que as estipulações do Contrato que são abrangidas pelo artigo 85._, n._ 1 (v. o n._ 23, supra), «têm por efeito assegurar que os produtos Yves Saint Laurent só sejam distribuídos em condições susceptíveis de preservar a sua imagem de alta qualidade e a vocação de exclusividade que caracteriza a natureza dos seus produtos cosméticos de luxo» (ponto II.B.2, sétimo parágrafo, in fine).

27 No que se refere à questão de saber se «uma parte equitativa do lucro» é reservada aos utilizadores, na acepção do artigo 85._, n._ 3, do Tratado, a Comissão considera nomeadamente que «o sistema de distribuição notificado permite salvaguardar o carácter exclusivo dos produtos abrangidos pelo contrato, o que constitui a motivação essencial da escolha do consumidor» (ponto II.B.3, segundo parágrafo) e que «no caso de o cliente considerar secundária a imagem da marca ou os serviços conexos à venda no seio do sistema de distribuição selectiva, poderá de qualquer forma escolher artigos similares de um mercado vizinho e difundidos sem recurso a sistemas de distribuição selectiva, sancionando deste modo a escolha da estratégia comercial efectuada pelo produtor» (ponto II.B.3, terceiro parágrafo).

28 Por último, a Comissão considera, no ponto II.B.4 da Decisão, que o sistema de distribuição da Yves Saint Laurent não contém qualquer obrigação restritiva da concorrência que não seja indispensável à consecução dos objectivos previstos, na acepção do artigo 85._, n._ 3, alínea a), do Tratado e, no ponto II.B.5, que os contratos em causa não dão às empresas interessadas a possibilidade de eliminarem a concorrência relativamente a uma parte substancial dos produtos em causa, na acepção do artigo 85._, n._ 3, alínea b), do Tratado. A Comissão acrescenta nomeadamente que «não pôde verificar que a difusão dos sistemas de distribuição selectiva no domínio dos produtos cosméticos de luxo afasta por princípio certas formas modernas de distribuição, tais como os grandes armazéns. Os critérios de selecção da Yves Saint Laurent Parfums não são com efeito tais que não possam ser igualmente reunidos por estas formas de distribuição, ainda que isso implique uma alteração parcial dos seus métodos específicos de comercialização» (ponto II.B.5, quarto parágrafo).

29 O artigo 1._ da Decisão tem a seguinte redacção:

«É declarado inaplicável, nos termos do n._ 3 do artigo 85._, o disposto no n._ 1 do artigo 85._ do Tratado CEE:

- ao contrato-tipo de distribuidor autorizado que vincula a Yves Saint Laurent Parfums aos seus retalhistas especializados estabelecidos em França, bem como às condições gerais de venda a ele anexas,

e

- ao contrato-tipo de distribuidor autorizado que vincula os agentes exclusivos da Yves Saint Laurent Parfums estabelecidos num Estado-Membro da CEE que não a França aos seus retalhistas especializados, bem como às condições gerais de venda a ele anexas.

A presente decisão é eficaz de 1 de Junho de 1991 a 31 de Maio de 1997.»

Tramitação processual e pedidos das partes

30 Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 9 de Março de 1992, o recorrente interpôs o presente recurso. Por despacho de 12 de Outubro de 1992, a Yves Saint Laurent, o Comité de liaison des syndicats européens de l'industrie de la parfumerie et des cosmétiques (a seguir «Colipa»), a Fédération des industries de la parfumerie (a seguir «FIP») e a Fédération européenne des parfumeurs détaillants (a seguir «FEPD») foram admitidos a intervir em apoio dos pedidos da recorrida.

31 Com base no relatório do juiz-relator, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução. No entanto, e no âmbito das medidas de organização do processo, previstas no artigo 64._ de Regulamento de Processo, a recorrida, a Yves Saint Laurent e a FEPD foram convidadas a responder por escrito a determinadas perguntas e a apresentar certos documentos antes da audiência. As partes apresentaram as suas respostas entre os dias 16 e 24 de Janeiro de 1996.

32 As alegações das partes e as suas respostas às perguntas do Tribunal foram ouvidas na audiência que se realizou em 28 e 29 de Fevereiro de 1996.

33 O recorrente concluiu pedindo que o Tribunal se digne:

- anular integralmente a Decisão;

- condenar a Comissão na totalidade das despesas da instância.

34 A recorrida concluiu pedindo que o Tribunal se digne:

- negar provimento ao recurso;

- condenar o recorrente nas despesas da instância.

35 O interveniente Yves Saint Laurent concluiu pedindo que o Tribunal se digne:

- julgar o recurso inadmissível;

- a título subsidiário, negar provimento ao recurso;

- condenar o recorrente nas despesas, incluindo as ocasionadas pela intervenção da Yves Saint Laurent.

36 O interveniente FIP concluiu pedindo que o Tribunal se digne:

- decidir como de direito quanto à admissibilidade do recurso;

- negar provimento ao recurso;

- condenar o recorrente nas despesas, incluindo as ocasionadas pela intervenção da FIP.

37 O interveniente Colipa concluiu pedindo que o Tribunal se digne:

- negar provimento ao recurso;

- condenar o recorrente nas despesas, incluindo as ocasionadas pela intervenção do Colipa.

38 O interveniente FEPD concluiu pedindo que o Tribunal se digne:

- negar provimento ao recurso;

- condenar o recorrente nas despesas, incluindo as ocasionadas pela intervenção da FEPD.

39 Nas suas observações sobre as alegações dos intervenientes, o recorrente concluiu pedindo que o Tribunal se digne:

- julgar o seu recurso admissível;

- condenar as intervenientes a suportar as respectivas despesas.

Quanto à admissibilidade

Exposição sumária dos argumentos das partes

40 A Yves Saint Laurent alega que o recurso é inadmissível, pelos seguintes motivos: por um lado, a Decisão não individualiza o Galec e, por outro, esta não lhe diz directamente respeito e nem tem ele qualquer interesse em agir.

41 Em primeiro lugar, não apenas a Decisão não faz qualquer referência, directa ou indirecta, ao Galec ou aos centros Leclerc, mas, além disto, o facto de este estar activo no mercado da distribuição não o individualiza nem devido a certas qualidades que lhe sejam próprias, nem devido a uma situação de facto que o caracterize em relação aos outros operadores presentes no mercado (v., nomeadamente, os acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1963, Plaumann/Comissão, 25/62, Colect. 1962-1964, p. 279, e de 10 de Dezembro de 1969, Eridania e o./Comissão, 10/68 e 18/68, Colect. 1969-1970, p. 171).

42 Além disto, as intervenções do Galec foram muito limitadas. Com excepção das observações enviadas à Comissão durante o processo administrativo, o Galec nunca apresentou qualquer pedido de admissão à rede da Yves Saint Laurent. O Galec também não apresentou qualquer queixa contra os contratos da Yves Saint Laurent. No acórdão Metro I e nos acórdãos de 22 de Outubro de 1986, Metro/Comissão (a seguir «acórdão Metro II», 75/84, Colect., p. 3021), e de 28 de Janeiro de 1986, Cofaz/Comissão (169/84, Colect., p. 391), o Tribunal de Justiça só admitiu a admissibilidade do recurso interposto por um terceiro com base em critérios de individualização mais estritos.

43 Em segundo lugar, segundo os seus estatutos, o Galec é um operador intermediário entre os seus membros, os centros Leclerc, e os seus fornecedores, agindo unicamente por conta dos primeiros. Não pode, portanto, ser qualificado de distribuidor e ainda menos de retalhista autorizado da Yves Saint Laurent. Por conseguinte, o Galec não sofre qualquer prejuízo directo devido à Decisão (v. o acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Outubro de 1982, Groupement des agences de voyages/Comissão, 135/81, Recueil, p. 3799). Portanto, a Decisão não lhe diz directamente respeito e não tem qualquer interesse efectivo e actual na anulação do acto impugnado.

44 Por último, mesmo admitindo que o Galec interpôs o seu recurso no interesse dos seus membros, os seus estatutos não contêm qualquer disposição nos termos da qual estes lhe tenham conferido poderes para actuar em justiça em seu nome. Em aplicação do princípio francês «nul ne plaide par procureur» (o mandatário tem que referir sempre quem representa), o recurso do Galec é, portanto, inadmissível (v. as conclusões da advogada-geral S. Rozès no processo na origem do acórdão Groupement des agences de voyages/Comissão, já referido, p. 3811).

45 O recorrente sublinha que apresentou, durante o processo administrativo, em aplicação do artigo 19._, n._ 3, do Regulamento n._ 17, observações equivalentes, pelo seu objectivo, à apresentação de uma denúncia e que, na Decisão, a Comissão fez eco dos seus argumentos, nomeadamente no ponto I.D e no ponto II.B.5, in fine.

46 Por outro lado, o interesse directo e pessoal do Galec em agir não pode ser seriamente contestado. Na sua qualidade de central de compras de um grupo económico, o Galec é um operador directo no mercado dos perfumes e dos produtos cosméticos, seleccionando os fabricantes e negociando as condições de gamas e de preços, as condições financeiras e as modalidades de fornecimento e de abastecimento. O Galec acrescenta que, sem a Decisão, teria normalmente podido, de uma forma ou de outra, comprar produtos Yves Saint Laurent, e que a sua adopção o priva de todo o direito de acesso normal a esse mercado.

47 A recorrida considera que o recurso do Galec é admissível, remetendo, nomeadamente, para o acórdão Metro II.

48 Com efeito, o Galec manifestou claramente a sua vontade de distribuir perfumes de luxo, por um lado, nas suas observações apresentadas durante o processo administrativo e, por outro, mediante numerosas tentativas feitas pelos diferentes centros Leclerc para distribuírem perfumes de luxo, que deram origem a um contencioso particularmente abundante em órgãos jurisdicionais nacionais.

49 Ademais, conclui-se dos estatutos do Galec que este tem, nomeadamente, por objecto agrupar as encomendas dos seus membros e transmiti-las aos fornecedores (artigo 2._) e que pode fazer compras directamente em seu próprio nome (artigo 30._-A). Daqui resulta que, se certos estabelecimentos associados do Galec pudessem ser admitidos na rede da Yves Saint Laurent, o Galec poderia ser levado a efectuar compras dos produtos em causa por conta desses estabelecimentos. Além disto, não se contesta que os estabelecimentos associados do Galec podem ter interesse em participar na rede de distribuição da Yves Saint Laurent. A situação considerada no acórdão Groupement des agences de voyages/Comissão, já referido, é, portanto, fundamentalmente diferente da do caso em apreço.

Apreciação do Tribunal

50 A recorrida não pediu que o recurso fosse julgado inadmissível. Nestas circunstâncias, a Yves Saint Laurent não tem legitimidade para suscitar a questão prévia da inadmissibilidade e o Tribunal de Primeira Instância não está, portanto, obrigado a examinar os fundamentos que invoca (acórdão do Tribunal de Justiça, de 24 de Março de 1993, CIRFS e o./Comissão, C-313/90, Colect., p. I-1125, n.os 20 a 22).

51 Deve, no entanto, examinar oficiosamente a admissibilidade do recurso, por força do artigo 113._ do Regulamento de Processo (v. o acórdão CIRFS e o./Comissão, já referido, n._ 23).

52 Em conformidade com o artigo 173._ do Tratado, uma pessoa singular ou colectiva só pode interpor recurso de uma decisão dirigida a uma outra pessoa se essa decisão lhe disser directa e individualmente respeito. Tendo a Decisão sido dirigida à Yves Saint Laurent, há que examinar se estão preenchidas estas duas condições no que se refere ao Galec.

53 Quanto à questão de saber se a Decisão diz «individualmente» respeito ao Galec, conclui-se da jurisprudência constante que os sujeitos não destinatários de uma decisão só podem considerar que esta lhes diz individualmente respeito se a decisão os afectar em virtude de determinadas qualidades que lhes são próprias ou de uma situação de facto que os caracteriza relativamente a qualquer outra pessoa e, por esse motivo, os individualiza de uma forma análoga à do destinatário (v. o acórdão Plaumann/Comissão, já referido, p. 279, bem como o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Julho de 1995, AITEC e o./Comissão, T-447/93, T-448/93 e T-449/93, Colect., p. II-1971, n._ 34).

54 O Tribunal salienta, quanto a isto, que o Galec é uma sociedade cooperativa de capital variável constituída por comerciantes retalhistas que operam sob a insígnia É. Leclerc em conformidade com a Lei francesa n._ 72-652, de 11 de Julho de 1972. O artigo 1._ dessa lei prevê que estas sociedades cooperativas têm por objecto aperfeiçoar, através do esforço comum dos seus sócios, as condições em que estes exercem a sua actividade comercial. Para isto, podem nomeadamente fornecer aos seus sócios, na totalidade ou em parte, as mercadorias, os produtos ou serviços, o equipamento e o material necessários ao exercício do seu comércio. O artigo 2._, n._ 2, dos estatutos do Galec precisa, designadamente, que os serviços que este se propõe prestar aos seus membros não serão limitados nem em natureza nem em quantidade e podem, nomeadamente, prender-se com todas as transacções e actividades que tenham uma qualquer relação com a profissão dos seus membros. Segundo o artigo 30._-A dos seus estatutos, o Galec age apenas por conta dos sócios a fim de lhes permitir diminuir os respectivos preços de custo na compra e na distribuição aos seus próprios sócios e/ou aos consumidores. Pode, nomeadamente, fazer compras, em seu nome próprio, por conta dos seus membros.

55 Segundo as afirmações não contestadas do Galec na audiência, antes da adopção da Decisão, este dirigiu-se a numerosos fabricantes de perfumes, incluindo a Yves Saint Laurent, para solicitar que pelo menos alguns dos seus membros fossem admitidos na rede como retalhistas autorizados. Seguidamente, um dos aderentes do Galec, a sociedade Rocadis, que gere o centro Leclerc de Poitiers, pediu por carta de 22 de Agosto de 1990, a sua admissão na rede da Yves Saint Laurent.

56 Este pedido foi rejeitado por carta da Yves Saint Laurent de 28 de Setembro de 1990, pelo facto de estar ainda pendente nos órgãos jurisdicionais franceses um litígio entre a Yves Saint Laurent e a sociedade Rocadis, a propósito da venda, por esta última, de produtos da Yves Saint Laurent fora da sua rede de distribuição.

57 Está igualmente provado que vários outros centros Leclerc manifestaram a sua vontade de distribuir os produtos da Yves Saint Laurent, como demonstram os numerosos litígios de direito nacional que o Galec menciona nas suas alegações.

58 De resto, o Galec participou no processo administrativo da Comissão, apresentando observações pormenorizadas na sequência da publicação da comunicação prevista no artigo 19._, n._ 3, do Regulamento n._ 17 (v. o n._ 6, supra). Nas suas observações, o Galec alegou, nomeadamente, que a Decisão teria por efeito excluir os seus membros da distribuição dos produtos da Yves Saint Laurent e convidou a Comissão a verificar no local as condições de distribuição dos produtos de luxo nos estabelecimentos dos centros Leclerc que pretendiam aceder à distribuição de perfumes de luxo.

59 Por carta de 12 de Fevereiro de 1991, a Comissão confirmou que as observações do Galec seriam cuidadosamente examinadas. Na audiência, a Comissão afirmou ter tido em conta essas observações no momento da adopção da Decisão. É todavia facto assente que a Comissão aprova, em substância, as particularidades do sistema de distribuição selectiva da Yves Saint Laurent que foram criticadas pelo Galec durante o processo administrativo.

60 Nestas circunstâncias, o Tribunal considera que a situação não é, no caso em apreço, materialmente diferente da que esteve na origem do acórdão Metro II (n.os 21 a 23), no qual o Tribunal de Justiça considerou que uma decisão da Comissão que mantivera os critérios criticados no processo administrativo por um operador ao qual tinha sido rejeitado o seu pedido de admissão numa rede como distribuidor autorizado e que havia submetido observações por força do artigo 19._, n._ 3, do Regulamento n._ 17, lhe dizia directa e individualmente respeito.

61 Há que acrescentar que a Decisão afecta os próprios interesses do Galec, na medida em que este tem, nomeadamente, por objecto estatutário negociar os contratos de abastecimento dos centros Leclerc. Portanto, a Decisão diz também individualmente respeito ao Galec na sua qualidade de negociador dos referidos contratos de abastecimento (v., por analogia, o acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Fevereiro de 1988, Van der Kooy e o./Comissão, 67/85, 68/85 e 70/85, Colect., p. 219, n.os 20 a 25, bem como o acórdão CIRFS e o./Comissão, já referido, n._ 30).

62 De resto, segundo os estatutos do Galec, e nomeadamente do seu artigo 2._, este estava implicitamente autorizado a apresentar, no processo administrativo, não apenas o seu próprio ponto de vista, mas também o dos seus membros que pretendiam aderir à rede da Yves Saint Laurent. Sendo estes últimos concorrentes potenciais dos retalhistas autorizados da Yves Saint Laurent, são, eles próprios, «terceiros interessados», na acepção do artigo 19._, n._ 3, do Regulamento n._ 17. Daqui resulta que a Decisão diz também individualmente respeito ao Galec, na medida em que participou no processo administrativo na sua qualidade de representante dos seus membros (v., por analogia, o acórdão AITEC e o./Comissão, já referido, n.os 60 a 62).

63 Quanto à questão de saber se a Decisão diz directamente respeito ao Galec basta verificar que deixou intactos todos os efeitos da rede da Yves Saint Laurent, desse modo permitindo que esta opusesse directamente ao Galec e aos seus membros os critérios de selecção cuja licitude este havia contestado no processo administrativo.

64 Ademais, ainda que o próprio Galec não pretenda tornar-se retalhista autorizado da Yves Saint Laurent, as suas compras de produtos Yves Saint Laurent estão doravante sujeitas ao respeito dos critérios de selecção cuja licitude a Decisão verificou. O Galec tem, portanto, um interesse efectivo e actual em impugnar a sua legalidade.

65 Donde se conclui que o recurso é admissível.

Quanto ao mérito

66 A crítica principal do Galec é que o cúmulo dos critérios de selecção aprovados na Decisão tem por efeito excluir, a priori, da rede da Yves Saint Laurent certos hipermercados com a insígnia É. Leclerc, não obstante o facto de estarem aptos à comercialização de perfumes de luxo em condições leais e que valorizam os produtos. Em torno desta crítica principal, o Galec suscita na sua petição três séries de fundamentos, baseados, respectivamente, na falta de fundamentação, em erros de facto e em erros de direito. Esses fundamentos sobrepõem-se e incluem, em substância, as quatro seguintes alegações principais: a) a Decisão revela deficiências de fundamentação e/ou erros manifestos de facto, na medida em que os métodos de valorização dos produtos próprios das grandes ou médias superfícies (a seguir «grande distribuição») são aí considerados inadequados à distribuição dos perfumes de luxo; b) a Decisão revela deficiências de fundamentação e/ou erros manifestos de facto, no que se refere às necessidades e às expectativas dos consumidores; c) a Decisão revela erros de direito e/ou falta de fundamentação, na medida em que a Comissão decidiu que os critérios resumidos no seu ponto II.A.5 não são abrangidos pelo artigo 85._, n._ 1, do Tratado; d) a Decisão revela erros de direito e/ou erros manifestos de facto e/ou falta de fundamentação na aplicação que faz do artigo 85._, n._ 3, do Tratado.

67 Convém examinar, em primeiro lugar, a legalidade da Decisão à luz do artigo 85._, n._ 1, do Tratado, reagrupando todos os fundamentos e argumentos das partes que com ela se prendem e, em segundo lugar, a legalidade da Decisão à luz do artigo 85._, n._ 3, do Tratado.

I - Quanto à legalidade da Decisão à luz do artigo 85._, n._ 1, do Tratado

Exposição sumária dos argumentos das partes

Argumentos do Galec

68 O Galec explica, antes de mais, que distribui, através dos seus membros de insígnia É. Leclerc, numerosos produtos de luxo (material de alta fidelidade, vinhos finos, jóias, artigos de relojoaria, máquinas fotográficas, artigos têxteis de luxo, etc.) em condições perfeitamente adaptadas e que aceita a necessidade de um sistema centrado no conceito de «selectividade de luxo» para manter o prestígio dos produtos de luxo e satisfazer as expectativas dos consumidores. Admite também que nem todos os estabelecimentos de insígnia É. Leclerc estão aptos a esse método de comercialização. No entanto, certos grandes hipermercados ou supermercados que operam sob a insígnia É. Leclerc praticam já a selectividade de luxo, através de técnicas específicas como a criação de um local reservado no estabelecimento, ou a disposição de um local especializado no interior da superfície de venda, quando necessário acompanhado de uma outra insígnia (por exemplo «Éole»). Estes estabelecimentos estão adaptados ou são adaptáveis à venda de cosméticos de luxo, como demonstram, nomeadamente, as fotografias dos espaços «beleza-saúde» em alguns centros Leclerc e que foram anexas à petição.

69 No entanto, a grande distribuição será automaticamente excluída da rede Yves Saint Laurent através do cúmulo dos critérios de selecção aprovados na Decisão, nomeadamente, os relativos à vizinhança imediata, isto é, a apreciação da «zona da localidade», das «ruas» ou dos «estabelecimentos comerciais situados na proximidade» [ponto I.1., alínea a), das condições de venda], à «fachada» com «montras», à «decoração», à disposição geral de toda a superfície de venda, aos outros elementos tomados em consideração e que são mencionados no ponto I.1., alínea b), das condições de venda, à presença de outros produtos para venda «susceptíveis de desvalorizar, pela sua proximidade, a imagem de marca da Yves Saint Laurent» e ao exercício de outras actividades para além da perfumaria no ponto de venda, que, em conformidade com o ponto I.1, alínea d), das condições de venda, devem ser apreciadas em função da sua importância, da sua apresentação externa, da sua separação da actividade de perfumaria e da apresentação do pessoal afectado a cada uma delas.

70 Para o Galec, o critério mais arbitrário e mais potestativo é o da insígnia. A insígnia É. Leclerc abrange uma grande variedade de pontos de venda e, ainda que alguns centros de distribuição que utilizam essa insígnia não tenham condições para pretender ser distribuidores de produtos de luxo, a Comissão não teve em conta a possibilidade de alguns outros satisfazerem os critérios objectivos exigidos para a distribuição desses produtos.

71 Daqui resulta que, contrariamente aos princípios aplicados pelo Tribunal de Justiça nos seus acórdãos Metro I, Metro II, L'Oréal, já referidos, e de 10 de Julho de 1980, Lancôme (99/79, Recueil, p. 2511), o sistema de distribuição selectiva em causa exclui as novas formas de comércio através da utilização de critérios que nem são objectivos, nem uniformes, nem aplicados de forma não discriminatória, nem proporcionais ao que é necessário. Além disto, os critérios avançados na Decisão eliminam uma «forma específica de comércio», em violação da jurisprudência do Tribunal de Justiça nos seus acórdãos Metro I (n.os 20 e 50), Metro II (n._ 34) e AEG (n.os 36 e 73).

72 Com efeito, segundo o recorrente, ou a Decisão implica que apenas certas formas de grande distribuição, como os grandes armazéns, por exemplo, o Printemps ou as Galerias Lafayette, podem ser admitidos na rede, o que seria confirmado pelo relatório do professor Weber, mencionado no ponto I.B. da Decisão, e pelos argumentos desenvolvidos pela Yves Saint Laurent nas suas observações; ou os critérios aprovados pela Comissão exigem da grande distribuição bem mais do que uma adaptação parcial dos seus métodos de comercialização. Para satisfazer esses critérios, como os de estar situado em certas ruas onde os estabelecimentos comerciais estão em adequação com o prestígio da marca, de separar materialmente a actividade de perfumaria das outras actividades, de atribuir a todos os empregados da superfície de venda um uniforme profissional, de não ter demasiadas actividades «extra ao ramo do luxo» ou de ter lojas providas de montras, a grande distribuição teria que abandonar totalmente os seus métodos de comercialização.

73 Quanto à fundamentação da Decisão, o recorrente considera que, numa decisão que fixou princípios como a em apreço, esta deveria ter sido particularmente completa. Ora, a Comissão não fundamentou suficientemente a sua afirmação de que os critérios notificados - que, segundo o recorrente, excluem qualquer outra forma de comércio que não o retalhista especializado - não são restritivos da concorrência, na acepção do artigo 85._, n._ 1, do Tratado. Com efeito, referindo-se aos acórdãos Metro, AEG, Lancôme e l'Oréal, já referidos, a Comissão transpôs para a protecção da imagem de marca dos produtos de luxo critérios até então reservados à selectividade «técnica», mas sem fundamentar a sua Decisão da forma exigida por esses acórdãos.

74 De resto, os acórdãos L'Oréal, Lancôme e Metro, já referidos, obrigam a Comissão a apreciar o carácter restritivo dos acordos em função do contexto económico. A Comissão, sabendo que todos os «fabricantes de perfumes de marca» adoptam o mesmo modo de distribuição exclusiva, deveria ter avançado uma fundamentação relativa ao efeito cumulativo das redes, tanto mais quanto legitima, por princípio, a exclusão, de forma geral e absoluta, da totalidade de uma forma de comércio dos produtos em causa.

75 De igual modo, a Comissão também não fundamentou suficientemente a sua Decisão, pois não teve em conta as observações apresentadas pelo Galec no processo administrativo de que os produtos de luxo são hoje vendidos pelos estabelecimentos de grande distribuição em condições perfeitamente adaptadas. Com efeito, no último decénio, a grande distribuição sofreu uma profunda mutação dos seus métodos de comercialização, e conseguiu assim, não apenas proteger a imagem de marca inerente aos produtos de alta tecnicidade ou de luxo, mas ainda ser competitiva em termos da imagem desses produtos.

76 Acresce ainda que a Comissão não fundamentou a sua percepção das expectativas dos consumidores face a uma insígnia de grande distribuidor. Ora, os consumidores modernos pretendem uma oferta diversificada de produtos de luxo e respondem espontaneamente quando essa oferta está à sua disposição. A Comissão só opõe a esta constatação verificável afirmações desacompanhadas de qualquer fundamentação, ou seja, que certas insígnias são por natureza - e para sempre - depreciativas (ponto II.A.5, quarto parágrafo, da Decisão) e que o consumidor associa no seu espírito a sua exigência de uma «imagem de exclusividade e de prestígio» unicamente à distribuição exclusiva por retalhistas especializados (ponto II.B.2, primeiro parágrafo). Como estas afirmações não são suportadas por nenhuma sondagem, nenhuma análise de opinião ou estudo estatístico, a Comissão não colocou o Tribunal de Primeira Instância em condições de se assegurar da pertinência deste retrato do consumidor médio.

77 Quanto aos erros de facto de que a Decisão está ferida, o recorrente alega que, pelas razões já expostas, a Comissão não atendeu à capacidade da grande distribuição distribuir perfumes de luxo em condições satisfatórias. Além disto, a Comissão ignorou manifestamente a motivação da clientela, ao constatar, no ponto II.B.3, segundo parágrafo, da Decisão, que «o sistema de distribuição notificado permite salvaguardar o carácter exclusivo dos produtos abrangidos pelo contrato, o que constitui a motivação essencial da escolha do consumidor». Segundo o recorrente, trata-se de motivações «passadistas», atribuídas aos consumidores sem a menor demonstração.

78 Na realidade, assim que um grande distribuidor consegue comercializar perfumes de luxo, depara com uma importante procura espontânea dos consumidores, que procuram o luxo e a parte do sonho, mas não necessariamente o preço exigido numa rede fechada. Em especial, existe uma categoria de consumidores, muitas vezes relativamente jovem, com poder económico, urbana, apreciadora de inovações e de produtos de marca, que efectua preferencialmente as suas compras em grande distribuição, incluindo todos os artigos «topo de gama» e cuja existência é negada pela Comissão.

79 Além disto, as mutações da distribuição alteraram profundamente a percepção das insígnias dos distribuidores por parte dos consumidores. É, portanto, falso presumir que o consumidor tem sempre uma visão uniforme e depreciativa da grande distribuição ou que a passagem em grande distribuição transforma qualquer produto de luxo em produto corrente. A Comissão foi perfeitamente informada desta evolução, mas não a teve de forma alguma em conta, o que constitui um erro manifesto de apreciação (v. os n.os 74 e 75 do acórdão AEG).

80 Quanto aos erros de direito que a Comissão cometeu, o recorrente alega que esta violou o direito comunitário ao decidir que os critérios resumidos no ponto II.A.5 da Decisão, e nomeadamente os relativos à presença de pessoal qualificado, à localização, à estética e à insígnia do ponto de venda, às outras actividades do estabelecimento, bem como à importância relativa da marca Yves Saint Laurent no que se refere às marcas concorrentes, não são abrangidos pela proibição do artigo 85._, n._ 1, do Tratado.

81 Ao considerar que estes critérios, que, segundo o recorrente, eliminam «a priori» um certo número de revendedores potenciais, eram legítimos, a Comissão violou o princípio de que as restrições impostas à distribuição dos produtos devem ser proporcionadas, bem como o de que as restrições quantitativas são a priori ilícitas (v., nomeadamente, os acórdãos Metro I e Metro II, L'Oréal e AEG, já referidos). De facto, as restrições ultrapassam o que é necessário, atendendo às características dos produtos em causa, à necessária protecção da sua qualidade e à sua boa utilização.

82 A Comissão violou também o direito comunitário ao não apreciar no seu contexto as restrições manifestas que resultam da rede da Yves Saint Laurent (v. o n._ 40 do acórdão Metro II). Quanto a isto, o recorrente sublinha que, na sua contestação, a Comissão alegou que o mercado relevante é o dos «produtos cosméticos», ao passo que na Decisão e noutros pontos da sua contestação indicou que o mercado dos perfumes de luxo constitui um mercado específico e autónomo. Contrariamente às alegações da Comissão, é indubitável que o efeito cumulativo das redes similares elimina a grande distribuição do mercado dos perfumes de luxo, que é o mercado relevante no caso em apreço.

Argumentos da Comissão

83 A recorrida alega que não se pronunciou na Decisão sobre a questão de saber se alguns centros Leclerc podiam satisfazer os critérios notificados pela Yves Saint Laurent, mas que apenas examinou o conteúdo, os efeitos e a licitude desses critérios face ao direito comunitário. De resto, a Decisão não exclui, a priori, qualquer forma de comércio. Assim, precisa-se na Decisão, em primeiro lugar, que estes critérios «não são por si só de natureza a excluir certas formas modernas de distribuição, tais como os grandes armazéns», (ponto II.A.5, quinto parágrafo, in fine), e, em segundo lugar, que certas formas modernas de distribuição podem reunir os critérios de selecção se alterarem os respectivos métodos de comercialização (ponto II.B.5, quarto parágrafo). Na audiência, o representante da Comissão confirmou que esta não exclui a priori qualquer tipo de distribuição do «género supermercado» no sector dos cosméticos de luxo e que a expressão «grandes armazéns», nos pontos II.A.5, quinto parágrafo, e II.B.5, quarto parágrafo, da Decisão deve ser interpretada como incluindo os hipermercados.

84 Não é exacta a afirmação do recorrente de que os critérios exigidos só podem ser preenchidos pelos retalhistas especializados do centro das localidades; existem, noutros pontos das localidades ou respectivos arredores, outros estabelecimentos além dos retalhistas especializados. De igual modo, a exigência de adequação ao prestígio e à notoriedade da marca não é necessariamente inadaptada à grande distribuição, dado que, de acordo com as fotografias apresentadas pelo recorrente, alguns dos seus próprios estabelecimentos estão em condições de fornecer uma decoração interna adaptada à comercialização de marcas prestigiosas.

85 No que se refere ao critério da insígnia, a sua necessidade afigura-se particularmente evidente se se considerar que permite excluir certas insígnias manifestamente depreciativas. De resto, um dos processos de valorização dos produtos utilizados pelos centros Leclerc para a venda de produtos de luxo consiste em afectar a essa venda locais auxiliares a que é atribuída outra insígnia, por exemplo, «Éole». A Decisão precisa ainda que o carácter depreciativo de uma insígnia não pode estar associado à política habitual de preços de um distribuidor (ponto II.A.5, quarto parágrafo, in fine).

86 O argumento do Galec de que a grande distribuição só pode satisfazer os critérios em causa após uma alteração radical dos seus métodos de comercialização não está, portanto e de modo nenhum, em conformidade com a posição da Comissão. Os referidos critérios podem unicamente implicar uma alteração parcial dos métodos específicos de comercialização de certas formas modernas de distribuição, dependendo o grau de alteração necessário de uma apreciação caso a caso.

87 Quanto à fundamentação da Decisão, é clara e completa, nomeadamente no ponto II.A.5. De resto, conclui-se dos acórdãos Lancôme e L'Oréal, já referidos, e da Decisão 85/616/CEE da Comissão, de 16 de Dezembro de 1985, relativa a um processo de aplicação do artigo 85._ do Tratado CEE (IV/30.665 - Villeroy e Boch, JO L 376, p. 15) que não há inovação no facto de se considerar que a manutenção de uma imagem de prestígio de um produto pode justificar critérios qualitativos relativos à qualificação profissional do revendedor e às suas instalações. É, aliás, incorrecto pretender que a Comissão não teve em conta o efeito cumulativo dos sistemas de distribuição selectiva, como demonstra o ponto II.A.8 da Decisão.

88 Quanto aos consumidores, a recorrida defende que a motivação essencial do consumidor de produtos de luxo, apesar de ser atraído a curto prazo por um menor custo, é a garantia de que o produto não se tornará um produto corrente após a banalização da sua imagem e a diminuição do nível de criação a que conduziria, a longo prazo, a prática desse custo menor. Por outro lado, resulta do ponto I.D da Decisão que as observações das associações de consumidores, tidas em conta pela Comissão, mostraram que o consumidor pretende que os artigos de perfumaria de luxo sejam vendidos apenas em pontos de venda de qualidade e por um pessoal qualificado.

89 Quanto às eventuais aptidões da grande distribuição para distribuir os produtos da Yves Saint Laurent, a recorrida nega ter exprimido a mais pequena apreciação a esse respeito. Com efeito, se certos estabelecimentos da grande distribuição estão em condições de preencher os critérios justificados pela distribuição selectiva dos perfumes de luxo, isto exige simplesmente uma verificação in concreto, caso a caso, e em primeira linha pela Yves Saint Laurent e não pela Comissão. Não se afirma na Decisão que um produto de luxo se banaliza com a sua venda em grande distribuição.

90 Por último, quanto ao artigo 85._, n._ 1, do Tratado, a recorrida entende que os critérios considerados no ponto II.A.5 da Decisão são manifestamente critérios objectivos, de carácter qualitativo, do tipo descrito no acórdão Metro I, e que são fixados de maneira uniforme e não discriminatória, pois não excluem qualquer distribuidor capaz de os preencher. Por outro lado, a Comissão precisou que esses critérios deviam ser aplicados de forma não discriminatória, o que tem a ver com a prática e não com a apreciação dos critérios enquanto tais. Os critérios aceites também não violam o princípio da proporcionalidade, uma vez que são necessários para manter o prestígio e a exclusividade que distinguem os produtos em causa de outros produtos similares e para preservar a imagem de uma marca de prestígio.

91 O n._ 40 do acórdão Metro II não é pertinente, uma vez que este acórdão se referia a uma situação em que não havia qualquer outra forma de distribuição além das redes selectivas, e onde a rigidez dos preços não era contrabalançada por uma concorrência efectiva entre as marcas. Não é esta a situação no mercado dos produtos cosméticos, onde a oferta está dispersa, tanto ao nível da produção como ao nível da distribuição, e onde os produtos comercializados pelas redes dos distribuidores autorizados representam apenas uma parte do total das vendas dos produtos cosméticos, que varia de 22,4% no Reino Unido a 36,2% em Itália. Assim, por um lado, o consumidor pode comprar outros perfumes a um preço menos elevado fora das redes de distribuição selectiva e, por outro, existe uma concorrência efectiva entre as marcas concorrentes de perfumes de luxo e entre os produtos de luxo de uma mesma marca.

Argumentos dos intervenientes

92 Os intervenientes desenvolveram longamente argumentos semelhantes aos da Comissão, pelo que só importa reproduzir os seguintes elementos.

93 Segundo a Yves Saint Laurent, o postulado de base em que assenta o recurso é incorrecto. A Comissão não validou a exclusão a priori de uma forma de comércio, nem admitiu uma exclusividade em benefício dos retalhistas especializados do centro das localidades. Ao contrário, na Decisão, empenhou-se em verificar que o sistema de distribuição está aberto a todas as formas de distribuição, não excluindo qualquer uma a priori (ponto II.B.5).

94 De facto, a rede da Yves Saint Laurent inclui, além das perfumarias especializadas, cadeias de grandes armazéns (Alemanha, França, Itália, Reino Unido, Grécia, Espanha, Bélgica) e, em todos os Estados-Membros, pontos de venda multiespecializados, nomeadamente, perfumarias-drogarias (Reino Unido, Países Baixos, Alemanha e Dinamarca), perfumarias-farmácias (França, Itália, Espanha, Portugal), perfumarias pronto-a-vestir (Espanha, Portugal), a cadeia multiespecializada «Boots» no Reino Unido e cadeias de grandes perfumarias modernas, nomeadamente na Alemanha, na Bélgica, nos Países Baixos, em Itália e em França. São realizadas em pontos de venda não especializados 99,6% das vendas no Reino Unido e 75% das vendas na Dinamarca. Em França, em Espanha e nos Países Baixos, esta proporção varia entre 20% e 40%. De igual modo, os mapas apresentados pela Yves Saint Laurent mostram a presença de pontos de venda fora dos centros das localidades.

95 No que se refere à análise das motivações e das expectativas dos consumidores, a apreciação da Comissão é ainda confirmada por outros estudos apresentados pela Yves Saint Laurent em anexo às suas alegações, isto é, os realizados pelo professor Glais, pelo jornal americano Mademoiselle e pelo professor Thoenig, donde se conclui que o consumidor atribui importância à marca de um produto, que a motivação principal para a compra de um produto de luxo tem a ver com o prestígio desse produto e que os consumidores são favoráveis a um sistema de distribuição que salvaguarde a imagem de prestígio do produto. Pelo contrário, a alegação do Galec de que a análise da Comissão reflecte uma visão particularmente obsoleta e ultrapassada da motivação do consumidor não está alicerçada em qualquer estudo ou sondagem.

96 Quanto à necessidade de um sistema de distribuição selectiva, a Yves Saint Laurent sublinha que a Comissão, tendo embora em conta o prestígio e a notoriedade da marca Yves Saint Laurent, teve igualmente em conta as especificidades dos produtos, nomeadamente, a qualidade das matérias-primas utilizadas, os processos de investigação e desenvolvimento e os materiais de acondicionamento (ponto II.A.5). Por exemplo, é preciso cerca de três anos para desenvolver um novo produto até ao seu fabrico industrial, e anualmente são estudadas fórmulas diferentes pelo centro permanente de investigação e desenvolvimento da Yves Saint Laurent. São utilizadas mais de 5 000 matérias-primas, algumas muito raras, sofisticadas e onerosas, e são necessários numerosos testes. A originalidade, a sofisticação e a alta qualidade destes produtos, combinadas com o prestígio e a notoriedade das marcas que exibem, justificam, assim, uma distribuição selectiva, sob pena de sofrerem o destino dos perfumes Coty, que desapareceram do mercado devido a uma inadequação entre a qualidade do produto e o modo de distribuição, que não correspondia às expectativas dos consumidores.

97 No que se refere ao artigo 85._, n._ 1, do Tratado, o critério da qualificação profissional é necessário para responder às expectativas dos consumidores e porque os produtos são o resultado de uma tecnicidade e de uma investigação importantes. A vizinhança externa do ponto de venda é também um critério objectivo, necessário para valorizar o próprio ponto de venda e o produto comprado, e que não afasta nenhuma forma de distribuição. A qualidade, a disposição e a vitrina do ponto de venda constituem um «palco» para o produto e devem ser coerentes com a sua imagem. A insígnia é também um critério de selecção objectivo, tendo um poder de evocação positivo, negativo ou neutro consoante a qualificação do pessoal, o serviço e o ambiente de acolhimento, e que se reflecte nos produtos vendidos. Por último, a separação material que é exigida aos pontos de venda não especializados, entre as suas secções de produtos cosméticos e as secções consagradas a produtos de consumo corrente, não é restritiva da concorrência e não entrava o acesso às redes por parte das formas de comércio não especializadas. O que de resto responde a uma expectativa precisa do fabricante e do consumidor, ou seja, de que a compra de um produto de luxo não se confunda com a compra de um produto de consumo corrente, como os produtos alimentares.

98 Por último, o relatório de avaliação dos pontos de venda (n._ 16, supra) demonstra que o processo de acesso à rede é feito em bases objectivas e uniformes. O candidato retalhista tem conhecimento desta avaliação e pode solicitar uma segunda avaliação. As contestações permanecem sujeitas ao controlo dos órgãos jurisdicionais nacionais. Para determinar se uma insígnia pode ser depreciativa, a Yves Saint Laurent baseia-se em sondagens de opinião realizadas por organismos independentes junto dos consumidores. Apresenta em anexo às suas alegações a lista das perguntas previstas por essas sondagens e precisa que os resultados são comunicados à empresa em causa, que permanece livre de os contestar.

99 O Colipa recorda, antes de mais, que a Decisão faz referência ao relatório do professor Weber, que considera conforme ao conhecimento que tem do mercado. Conclui-se deste relatório que o mercado comunitário dos produtos cosméticos está segmentado e que esta segmentação se acompanha de uma diferenciação das modalidades de distribuição consoante o sector considerado. Este relatório está em conformidade com as conclusões da Comissão, nomeadamente, as que constam do ponto II.B.3, segundo as quais, apesar de um grau de substituabilidade reduzido no espírito dos consumidores entre os produtos cosméticos de luxo e os produtos semelhantes provenientes de outros segmentos do mercado, os consumidores que consideram secundária a imagem de marca e os serviços conexos à venda no seio dos sistemas de distribuição selectiva podem abastecer-se num mercado vizinho que não recorra a estes sistemas.

100 Por outro lado, o relatório do professor Weber confirma que existe um número elevado de produtores e distribuidores que operam no mercado dos produtos cosméticos de luxo, em condições dinâmicas e altamente concorrenciais, e que é também elevado o número de novos concorrentes no mercado. Além disto, os produtores devem constantemente pesquisar e desenvolver novos produtos, e desenvolver e manter uma política de comercialização adequada a uma imagem de marca de prestígio. A Comissão, portanto, avaliou correctamente na Decisão o contexto concorrencial dos acordos notificados. A alegação do recorrente de que a grande distribuição é excluída por esses acordos não está alicerçada numa qualquer análise económica ou em qualquer outro elemento de prova.

101 Recordando em seguida os princípios jurídicos aplicáveis à distribuição selectiva, que deduz nomeadamente de uma análise da jurisprudência do Tribunal de Justiça, bem como dos princípios do «free rider» («passageiro clandestino») do direito americano e da «Immanenz-Theorie» do direito alemão, o Colipa considera que esta forma de distribuição se justifica perfeitamente para os cosméticos de luxo, como foi reconhecido pelo Tribunal de Justiça, nomeadamente nos acórdãos L'Oréal e Lancôme, já referidos, bem como pelo advogado-geral G. Reischl nas suas conclusões no processo na origem do acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 1980, Guerlain e o. (253/78 e 1/79, 2/79 e 3/79, Recueil, pp. 2327, 2377).

102 Com efeito, esta abordagem económica, assente na regra da razão (rule of reason), reconhece que a concorrência que tem por alvo outros elementos para além do preço tem vantagens, atendendo nomeadamente aos substanciais investimentos necessários e à preocupação de evitar que os retalhistas «parasitas» vivam à custa dos que aceitam as imposições económicas da política comercial do fabricante. Além disto, a concorrência não é eliminada no mercado em questão, uma vez que a distribuição selectiva em causa subsiste a par de métodos diferentes e que representam, no caso em apreço, mais de 50% dos produtos da indústria europeia dos perfumes.

103 A existência paralela de outras redes de distribuição selectiva só é pertinente na medida em que ela constitua um entrave ao acesso ao mercado (v. o acórdão do Tribunal de Justiça, de 28 de Fevereiro de 1991, Delimitis, C-234/89, Colect., p. I-935), ou quando não deixe lugar a outras formas de distribuição centradas numa política concorrencial de natureza diferente, ou conduza a uma rigidez na estrutura dos preços que não seja contrabalançada por outros factores de concorrência (acórdão Metro II, já referido), o que não se verifica no caso em apreço. Pelo contrário, nenhuma forma moderna de distribuição está necessariamente impedida de aderir à rede e, para tal, basta que o Galec apresente um pedido de adesão e satisfaça os critérios de selecção.

104 Na audiência, o Colipa invocou igualmente o relatório da Monopolies and Mergers Commission «Fine Fragrances - A report on the supply in the UK for retail sale of fine fragrances» (Cm 2380, Novembro de 1993), segundo o qual a distribuição selectiva no sector dos cosméticos de luxo não é contrária ao interesse público na acepção do Fair Trading Act 1973 do Reino Unido. O Colipa sublinha também que, em vários Estados-Membros, os cosméticos de luxo são vendidos através de uma distribuição selectiva por estabelecimentos «não especializados» ou «multiprodutos», como a Boots no Reino Unido, a Matas na Dinamarca, a Sephora em França, a Müller na Alemanha, etc.

105 A FIP alega que, em qualquer produto de luxo, a parte imaterial é essencial e que, em qualquer serviço de prestígio, o clima criado é primordial porque a reputação da marca, e consequentemente o seu destino, estão entre as mãos dos seus revendedores, que constituem a sua vitrina perante o consumidor. Quanto a isto, o retalhista autorizado oferece uma série de garantias ao consumidor: dispor da gama completa ou de uma escolha suficiente, incluindo as últimas novidades da marca; beneficiar de conselhos dados por pessoal competente, formado pelo fabricante; ter a certeza de um serviço de garantia e pós-venda; desfrutar de um quadro de venda que acrescenta o prazer e o sonho ao acto da compra. No entanto, os elementos simbólicos, que fazem e desfazem o luxo, podem ser destruídos se os produtos de prestígio forem comercializados em condições inadequadas ou num contexto de produtos (por exemplo, produtos alimentares ou de limpeza) susceptíveis de depreciarem a imagem de prestígio da marca em causa, como o que fez desaparecer os produtos Coty devido à banalização da marca. A preservação da imagem de marca aos olhos dos consumidores é tanto mais necessária quanto, relativamente ao custo intrínseco da matéria-prima, o fabricante assume investimentos consideráveis, que podem atingir 30% do volume de negócios de uma marca, no desenvolvimento de novos produtos, no controlo permanente da respectiva qualidade e na publicidade.

106 Neste contexto, a FIP considera que as obrigações qualitativas em causa, incluindo as relativas à insígnia, são indispensáveis para manter a imagem de marca do fabricante e garantir um melhor conselho ao consumidor, ainda que estas exigências impliquem a recusa de admitir na rede certos retalhistas. No caso em apreço, a Comissão respeitou escrupulosamente a jurisprudência do Tribunal de Justiça e de forma alguma aceitou uma exclusão a priori de determinada forma de distribuição.

107 A FEPD alega, antes de mais, que a utilidade da distribuição selectiva, reconhecida pelos fabricantes, retalhistas e consumidores e confirmada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, se revela pelos objectivos que lhe são próprios: a coerência e a imagem de uma rede colocada ao serviço de produtos luxuosos e de alta qualidade, para garantir um melhor serviço ao consumidor e a satisfação de algumas das suas necessidades. A expectativa do consumidor é a de adquirir produtos de alta qualidade, beneficiando dos conselhos adequados e num quadro que favoreça a escolha dos produtos. No caso em apreço, as alterações dos contratos impostas pela Comissão fixam um limiar abaixo do qual deixaria de existir uma distribuição selectiva para os perfumes de luxo, uma vez que, se os critérios fossem menos exigentes, qualquer distribuidor, segundo a FEPD, os poderia preencher.

OS FUNDAMENTOS CONTINUAN NO NUM.DOC: 692A0019.1

108 Neste contexto, as lojas dos retalhistas especializados desenvolvem os suficientes esforços e reúnem as necessárias qualidades para a satisfação das necessidades do consumidor, devido, nomeadamente, à sua estrutura, à sua especialização, às suas instalações e à sua presença geográfica. Trata-se geralmente de empresas de dimensão modesta, que beneficiam da flexibilidade de decisão e dos conhecimentos e instalações adaptados à venda dos produtos em causa, o que é necessário para a conquista de uma clientela fiel. Os pontos de venda não se limitam aos retalhistas especializados do centro das localidades, mas encontram-se tanto no centro como na periferia ou nos arredores, incluindo nas lojas dos centros comerciais e dos hipermercados. Estes argumentos são confortados pelo relatório do professor Glais, donde se conclui, nomeadamente, que os conselhos que se podem obter nas lojas especializadas são fortemente valorizados.

109 O objectivo do recurso é obter uma diminuição da selectividade dos critérios exigidos para o nível actual das instalações dos centros Leclerc, o que levaria à eliminação das lojas especializadas e à frustração do consumidor, e obrigaria os produtores a diminuir as suas actividades de investigação, de inovação e de comunicação até ao ponto do desaparecimento da parte de luxo que representam os produtos. O recorrente é o único responsável pela eliminação de que afirma ser vítima, por se recusar a aceitar critérios de acesso coerentes e pertinentes. Com efeito, o recorrente não está a priori excluído, mas deve apenas adaptar os seus métodos em função da natureza dos produtos em causa, o que não exige uma alteração radical dos métodos de venda dos centros Leclerc.

Apreciação do Tribunal

110 A apreciação da legalidade da Decisão, na parte em que aplica o artigo 85._, n._ 1, do Tratado, suscita quatro questões principais, a saber: A) se a distribuição selectiva baseada em critérios qualitativos no sector dos cosméticos de luxo é, em princípio, compatível com o artigo 85._, n._ 1, do Tratado; B) se os critérios de selecção da Yves Saint Laurent mencionados no ponto II.A.5 da Decisão preenchem as condições exigidas para serem considerados lícitos face ao artigo 85._, n._ 1, do Tratado; C) se procedem os fundamentos e argumentos do recorrente sobre a questão de saber se os seus membros estão a priori excluídos da rede da Yves Saint Laurent e sobre a atitude dos consumidores a esse respeito; e D) se o artigo 85._, n._ 1, do Tratado é de aplicar em razão da existência de redes paralelas no sector em causa.

A - Quanto à compatibilidade de princípio com o artigo 85._, n._ 1, do Tratado de um sistema de distribuição selectiva baseado em critérios qualitativos no sector dos cosméticos de luxo

111 Apesar de o recorrente alegar que aceita a necessidade de um sistema baseado no conceito de «selectividade de luxo» para manter o prestígio dos produtos de luxo e satisfazer as expectativas dos consumidores, contesta, no entanto, a licitude dos critérios de selecção escolhidos pela Yves Saint Laurent à luz do artigo 85._, n._ 1, do Tratado. Nestas circunstâncias, convém examinar, previamente, os princípios jurídicos de base que regem a aplicação do artigo 85._, n._ 1, do Tratado no sector dos cosméticos de luxo.

112 Conclui-se da jurisprudência do Tribunal de Justiça que os sistemas de distribuição selectiva constituem um elemento da concorrência que é conforme ao artigo 85._, n._ 1, do Tratado se satisfizer as quatro seguintes condições: em primeiro lugar, que as propriedades do produto em causa necessitem de um sistema de distribuição selectiva, no sentido desse sistema constituir uma exigência legítima, tendo em conta a natureza dos produtos em causa e, nomeadamente, a sua alta qualidade ou tecnicidade, para preservar a sua qualidade e garantir a sua boa utilização (v. o acórdão L'Oréal, já referido, n._ 16, interpretado à luz do acórdão Metro I, n.os 20 e 21, do acórdão AEG, n._ 33 e do acórdão do Tribunal de Primeira Instância, de 27 de Fevereiro de 1992, Vichy/Comissão, T-19/91, Colect., p. II-415, n.os 69 a 71); em segundo lugar, que a escolha dos revendedores se efectue em função de critérios objectivos de carácter qualitativo e fixados de maneira uniforme para todos os revendedores potenciais e aplicados de forma não discriminatória (v., por exemplo, os acórdãos Metro I, n._ 20, L'Oréal, n._ 15, e AEG, n._ 35); em terceiro lugar, que o sistema em causa vise atingir um resultado susceptível de melhorar a concorrência e, portanto, de contrabalançar a limitação da concorrência inerente aos sistemas de distribuição selectiva, nomeadamente, em matéria de preços (v. os acórdãos Metro I, n.os 20 a 22; AEG, n.os 33, 34 e 73, e Metro II, n._ 45); e, em quarto lugar, que os critérios impostos não ultrapassem o que é necessário (v. os acórdãos L'Oréal, já referido, n._ 16, e Vichy/Comissão, já referido, n.os 69 a 71). A questão de saber se estas condições estão preenchidas deve ser apreciada de forma objectiva, tendo em conta o interesse do consumidor (v. os acórdãos Metro I, n._ 21, e Vichy/Comissão, já referido, n.os 69 a 71).

113 É verdade que o Tribunal de Justiça considerou, designadamente, que estes sistemas de distribuição selectiva baseados em critérios qualitativos podem ser aceites no sector da produção de bens de consumo duradouros, de alta qualidade e tecnicismo, sem infringir o artigo 85._, n._ 1, do Tratado, a fim de, nomeadamente, manter um comércio especializado, capaz de fornecer prestações específicas para esses produtos (v. os acórdãos Metro I, n._ 20, AEG, n._ 33, e Metro II, n._ 54, e o acórdão do Tribunal de Justiça, de 10 de Dezembro de 1985, ETA, 31/85, Recueil, p. 3933, n._ 16), mas conclui-se também da jurisprudência do Tribunal de Justiça que os sistemas de distribuição selectiva que encontram a sua justificação na natureza específica dos produtos ou nas exigências da sua distribuição podem ser criados noutros sectores económicos sem violar o artigo 85._, n._ 1 (v. os acórdãos do Tribunal de Justiça, de 3 de Julho de 1985, Binon, 243/83, Recueil, p. 2015, n.os 31 e 32, e de 16 de Junho de 1981, Salonia, 126/80, Recueil, p. 1563). De igual modo, no acórdão Metro I (n._ 20), o Tribunal de Justiça considerou que a natureza e a medida da concorrência eficaz («workable competition»), necessária para alcançar os objectivos do Tratado, podem variar em função dos produtos ou serviços em causa e da estrutura económica dos mercados sectoriais em vista, sem violar o princípio da concorrência leal previsto nos artigos 3._ e 85._ do Tratado.

114 Tratando-se dos cosméticos de luxo, e nomeadamente dos perfumes de luxo que constituem o essencial dos produtos em causa, está provado, em primeiro lugar, que se trata de produtos sofisticados e de alta qualidade, resultantes de uma investigação especial e que utiliza materiais de elevado nível qualitativo, designadamente para o seu acondicionamento, em segundo lugar, que esses produtos são dotados de uma «imagem de luxo» que serve para os distinguir de outros produtos semelhantes que não têm essa imagem e, em terceiro lugar, que essa imagem de luxo é importante aos olhos dos consumidores, que apreciam a possibilidade de comprar cosméticos de luxo e, nomeadamente, perfumes de luxo. Com efeito, no espírito do consumidor, existe um grau reduzido de substituabilidade entre os produtos cosméticos de luxo e os produtos similares provenientes de outros segmentos do sector (v. o ponto II.A.8 da Decisão).

115 Nestas circunstâncias, o Tribunal considera que a noção de «propriedades» dos cosméticos de luxo, na acepção do acórdão L'Oréal, já referido, não se pode limitar às suas características materiais, mas engloba também a percepção específica que delas têm os consumidores e, mais especificamente, a sua «aura de luxo». Trata-se, portanto, no caso em apreço, de produtos que, por um lado, têm uma alta qualidade intrínseca e, por outro, possuem um carácter de luxo que decorre da sua própria natureza.

116 Quanto à questão de saber se a distribuição selectiva constitui uma exigência legítima no caso de produtos que possuem tais características, o Tribunal salienta que a fundamentação da Decisão neste ponto (ponto II.A) não se baseia no conceito de um comércio especializado capaz de fornecer prestações específicas para produtos de alta tecnicidade, na acepção dos acórdãos Metro I, Metro II e AEG, já referidos, mas antes em duas outras considerações principais, a saber: a) o interesse da Yves Saint Laurent, enquanto produtor de cosméticos de luxo, manter a imagem de prestígio da sua marca e salvaguardar os frutos dos seus esforços de promoção (v. o ponto II.A.5, segundo e quarto parágrafos, da Decisão; v. também, no mesmo sentido, o ponto II.B.2), e b) a necessidade de salvaguardar, na percepção dos consumidores, a «exclusividade e o prestígio» dos produtos em causa, assegurando nomeadamente uma «apresentação ao público apta a valorizar a especificidade estética ou funcional» dos produtos (ponto II.A.5, segundo parágrafo) e «um enquadramento em harmonia com o carácter luxuoso e exclusivo dos produtos em causa e uma apresentação conforme à imagem da marca» (v. o ponto II.A.5, quarto parágrafo; v. também o ponto II.A.5, quinto e sexto parágrafos).

117 A este respeito, importa precisar que, apesar de um produtor ser livre de escolher a sua política de comercialização, o artigo 85._, n._ 1, do Tratado deve entrar em linha de conta quando a aplicação desta política conduza a acordos que impõem a outros operadores económicos independentes obrigações susceptíveis de restringir a respectiva liberdade concorrencial, numa medida que afecte sensivelmente as trocas comerciais intracomunitárias. Nessas circunstâncias, o facto de um produtor ter efectuado importantes esforços de promoção não constitui, em si, uma justificação objectiva susceptível de subtrair à aplicação do artigo 85._, n._ 1, do Tratado uma rede de distribuição que limita a liberdade concorrencial das empresas participantes e de terceiros. Se fosse de outra forma, com efeito, qualquer fabricante poderia justificar a adopção de um sistema de distribuição selectiva unicamente com base nos seus esforços de promoção, e qualquer critério de selecção restritivo poder-se-ia justificar pelo facto de ser necessário para proteger a política de comercialização pretendida pelo fabricante (v. o acórdão Vichy/Comissão, já referido, n._ 71).

118 O Tribunal considera, portanto, que um sistema de distribuição selectiva só não entrará no âmbito de aplicação do artigo 85._, n._ 1, do Tratado quando for objectivamente justificado, tendo também em conta os interesses dos consumidores (v. o n._ 112, in fine, supra).

119 A este respeito, o Tribunal considera que é do interesse dos consumidores que procuram cosméticos de luxo que esses produtos sejam apresentados em boas condições nos pontos de venda. Com efeito, tratando-se de produtos de alta qualidade e cuja imagem de luxo é apreciada pelos consumidores, critérios que apenas visam garantir a valorização da sua apresentação prosseguem um resultado que é susceptível de melhorar a concorrência, através da preservação dessa imagem de luxo, e, portanto, de contrabalançar a limitação da concorrência inerente aos sistemas de distribuição selectiva. Esses critérios constituem, assim, uma exigência legítima, na acepção da jurisprudência já referida (v. o acórdão Metro I, n._ 37).

120 O Tribunal considera, efectivamente, que é do interesse dos consumidores que procuram cosméticos de luxo que a imagem de luxo desses produtos não seja afectada, sob pena de deixarem de ser considerados produtos de luxo. Existe actualmente, no sector dos cosméticos, uma segmentação entre os cosméticos de luxo e os cosméticos que não são de luxo, que responde a diferentes necessidades dos consumidores e que não é, portanto, criticável no plano económico. Apesar de a natureza «de luxo» dos cosméticos de luxo decorrer também, designadamente, da sua alta qualidade intrínseca, do seu preço mais elevado e das campanhas publicitárias dos fabricantes, o Tribunal considera que o facto de esses produtos serem vendidos no quadro de sistemas de distribuição selectiva, que visam garantir uma valorização da apresentação no ponto de venda, é susceptível de contribuir, também ele, para essa imagem de luxo e, portanto, para a manutenção de uma das características principais dos produtos procuradas pelos consumidores. Com efeito, o resultado de uma distribuição generalizada dos produtos em causa, no âmbito da qual a Yves Saint Laurent não teria qualquer possibilidade de garantir a venda dos seus produtos em condições adequadas, incluiria o risco de uma deterioração da apresentação dos produtos no ponto de venda, susceptível de afectar a «imagem de luxo» e, portanto, a própria natureza dos produtos em causa. Pelo que os critérios que visam garantir uma apresentação dos produtos no ponto de venda de um modo adequado à sua natureza de luxo constituem uma exigência legítima, susceptível de melhorar a concorrência no interesse do consumidor, na acepção da jurisprudência já referida.

121 Esta conclusão não é infirmada pelo facto, assente nos autos, de em certos Estados-Membros, nomeadamente nos Países Baixos mas também no Reino Unido e em França, uma parte mais ou menos importante das vendas ser efectuada por retalhistas não autorizados e que se abastecem no mercado paralelo. Com efeito, não está excluído que o interesse dos consumidores por essas vendas tenha parcialmente surgido a partir da imagem de luxo para cuja manutenção a distribuição selectiva contribuiu, pelo menos parcialmente. Portanto, daí não decorre que essa imagem de luxo permaneceria intacta na ausência da distribuição selectiva.

122 No entanto, apesar de o consumidor ter interesse em poder adquirir cosméticos de luxo vendidos em boas condições de apresentação e de ver, assim, preservada a sua imagem de luxo, é também do seu interesse que um sistema de distribuição baseado nessa consideração não seja aplicado de forma excessivamente restritiva e, nomeadamente, que o acesso aos produtos não seja demasiado limitado, como alegaram as quatro associações de consumidores na fase pré-contenciosa (v. o n._ 175, infra). De igual modo, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que só se poderá considerar que o sistema da Yves Saint Laurent prossegue um resultado legítimo, susceptível de contrabalançar a limitação da concorrência que lhe é inerente, se esse sistema estiver aberto a todos os revendedores potenciais capazes de garantirem uma boa apresentação ao utilizador, num quadro apropriado, e de preservarem a imagem de luxo dos produtos em causa (v. o n._ 112, supra). Efectivamente, um sistema de distribuição selectiva que tenha por consequência excluir certas formas de comercialização capazes de vender produtos em condições que os valorizam, por exemplo, num local ou num espaço adaptado, terá por único efeito proteger as formas de comércio existentes da concorrência de novos operadores e não estará, portanto, em conformidade com o artigo 85._, n._ 1, do Tratado (v. o acórdão AEG, já referido, n.os 74 e 75).

123 Daqui resulta que, no sector dos cosméticos de luxo, os critérios qualitativos de selecção dos retalhistas que não ultrapassam o que é necessário para garantir a venda desses produtos em boas condições de apresentação não são, em princípio, abrangidos pelo artigo 85._, n._ 1, do Tratado, desde que esses critérios sejam objectivos, sejam fixados de uma maneira uniforme para todos os revendedores potenciais e sejam aplicados de forma não discriminatória.

B - Quanto à questão de saber se os critérios de selecção da Yves Saint Laurent mencionados no ponto II.A.5 da Decisão preenchem as condições exigidas para serem considerados lícitos face ao artigo 85._, n._ 1

1. Quanto aos papéis respectivos do Tribunal e dos órgãos jurisdicionais ou autoridades nacionais competentes

124 O Galec considera que certos critérios de selecção da Yves Saint Laurent deixam a esta uma liberdade de apreciação excessiva e incontrolável e, portanto, não são objectivos na acepção da jurisprudência do Tribunal de Justiça. A Comissão e os intervenientes consideram que esses critérios implicam uma apreciação caso a caso pelo fabricante, sujeita ao respeito do princípio da não discriminação e submetida à fiscalização dos órgãos jurisdicionais competentes.

125 Perante estes argumentos, convém precisar desde já as competências respectivas do Tribunal e dos órgãos jurisdicionais ou autoridades nacionais competentes.

126 No que se refere à questão de saber se os critérios em causa preenchem as condições exigidas para serem considerados lícitos face ao artigo 85._, n._ 1, do Tratado, isto é, se são critérios qualitativos e objectivos e se não são discriminatórios nem desproporcionados, a fiscalização jurisdicional do Tribunal deve, nos termos do artigo 173._ do Tratado, limitar-se a verificar se as conclusões da Comissão no ponto II.A.5 da Decisão estão viciadas por falta de fundamentação, erro manifesto de facto ou de direito, erro manifesto de apreciação ou desvio de poder. Não compete ao Tribunal pronunciar-se sobre a aplicação desses critérios nos casos concretos.

127 No entanto, e como a Comissão e a Yves Saint Laurent alegaram correctamente, a aplicação desses critérios nos casos concretos não decorre unicamente da discrição do fabricante, mas deve ser determinada de forma objectiva. Daqui resulta que a possibilidade de uma fiscalização independente e efectiva quanto à aplicação desses critérios nos casos concretos constitui um elemento essencial no que toca à legalidade da rede da Yves Saint Laurent à luz do artigo 85._, n._ 1 [v. os pontos II.A.6, alínea a), e II.B.4, quarto parágrafo, da Decisão].

128 Ora, segundo jurisprudência constante, os órgãos jurisdicionais nacionais são competentes para aplicar o artigo 85._, n._ 1, do Tratado, em razão do seu efeito directo (v. o acórdão do Tribunal de Justiça, de 30 de Janeiro de 1974, BRT, 127/73, Colect., p. 33, n.os 15 e 16). Daqui resulta que um candidato a quem tenha sido recusado o acesso à rede e que considere que os critérios em causa lhe foram aplicados de forma contrária ao artigo 85._, n._ 1, do Tratado, e nomeadamente de um modo discriminatório ou desproporcionado, pode recorrer aos órgãos jurisdicionais nacionais competentes. Diligência semelhante pode também, eventualmente, ser efectuada junto das autoridades nacionais competentes em matéria de aplicação do artigo 85._, n._ 1.

129 Compete, portanto, aos órgãos jurisdicionais ou às autoridades nacionais competentes, chamados a conhecer desse litígio, decidir, eventualmente à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância, da questão de saber se os critérios de selecção da Yves Saint Laurent foram aplicados, num caso concreto, de modo discriminatório ou desproporcionado, violando assim o artigo 85._, n._ 1, do Tratado. Incumbe, nomeadamente, aos órgãos jurisdicionais ou às autoridades nacionais velar por que os critérios em causa não sejam utilizados para impedir o acesso à rede de novos operadores capazes de distribuírem os produtos em causa em condições que não sejam depreciativas.

130 Por outro lado, um candidato a quem seja recusado o acesso à rede tem a possibilidade, sob reserva dos princípios enunciados pelo Tribunal de Primeira Instância no seu acórdão de 18 de Setembro de 1992, Automec/Comissão (T-24/90, Colect., p. II-2223), de apresentar uma denúncia à Comissão nos termos do artigo 3._ do Regulamento n._ 17, nomeadamente em caso da utilização sistemática das condições de admissão num sentido incompatível com o direito comunitário (v. o acórdão AEG, n.os 44 a 46, 67 e segs.).

2. Quanto à licitude de princípio dos critérios em causa face ao artigo 85._, n._ 1, do Tratado

a) Os critérios relativos à qualificação profissional

131 Nas suas alegações escritas, o Galec não contestou os critérios relativos à qualificação profissional do pessoal e ao serviço de aconselhamento e de demonstração referidos nos pontos I.2 e I.3 das condições gerais de venda (v. o n._ 25 das suas observações sobre as alegações dos intervenientes), mas defendeu, na audiência, que esses critérios são desproporcionados relativamente às exigências da venda dos produtos em causa em condições adequadas.

132 O Tribunal de Primeira Instância considera que a presença no ponto de venda de uma pessoa capaz de dar ao consumidor conselhos ou informações adequados constitui, em princípio, uma exigência legítima para a venda de cosméticos de luxo, que faz parte integrante de uma boa apresentação desses produtos.

133 Quanto ao mais, o recorrente não apresentou elementos que permitam ao Tribunal pronunciar-se quanto à questão de saber se as qualificações exigidas no ponto I.3 das condições gerais de venda, ou seja, um diploma de esteticista ou uma qualificação profissional análoga, ou uma experiência de três anos, no mínimo, no domínio da venda dos produtos de perfumaria de prestígio, são desproporcionadas, atendendo à natureza dos produtos em causa.

134 Em todo o caso, compete aos órgãos jurisdicionais ou às autoridades nacionais competentes velar por que as estipulações do contrato relativas à qualificação profissional não sejam aplicadas nos casos concretos de um modo discriminatório ou desproporcionado.

b) Os critérios relativos à localização e à instalação do ponto de venda

135 As críticas do Galec visam, nomeadamente, os critérios relativos à «vizinhança» do ponto de venda, à sua aparência externa, e nomeadamente às montras, e à venda de outras mercadorias no ponto de venda. Segundo o Galec, estes critérios são demasiado subjectivos, desproporcionados e discriminatórios em relação aos seus membros.

- A «vizinhança» e a localização do ponto de venda

136 O ponto I.1, alínea a), das condições gerais de venda estipula que «a zona da localidade, as ruas e os estabelecimentos comerciais situados na proximidade do ponto de venda deverão estar sempre em adequação com o prestígio e a notoriedade da marca Yves Saint Laurent». Resulta das rubricas 1 e 2 do relatório de avaliação que um estabelecimento situado numa zona «bem servida pelos transportes e comercial» ou «central e comercial» e numa rua na proximidade de estabelecimentos comerciais «que valorizem os produtos ou [que sejam] de luxo», com edifícios «de bom standing» ou «que valorizem muito os produtos» é melhor classificado, na avaliação da Yves Saint Laurent, que um estabelecimento comercial situado numa outra zona ou numa outra rua. Estas duas rubricas representam 30 pontos no relatório de avaliação e têm, portanto, um peso relativamente importante.

137 O Tribunal considera que um critério relativo à vizinhança próxima de um ponto de venda de cosméticos de luxo não está, por si só, abrangido pelo artigo 85._, n._ 1, do Tratado, na medida em que vise garantir que esses produtos não são vendidos em locais totalmente inadaptados para essas vendas. O Tribunal refere, no entanto, que compete aos órgãos jurisdicionais ou às autoridades nacionais competentes velar por que este critério não seja aplicado nos casos concretos de um modo discriminatório ou desproporcionado.

- A aparência externa do ponto de venda

138 O Galec crítica, nomeadamente, as disposições do ponto I.1, alínea b), das condições gerais de venda, relativas à qualidade da fachada e das montras, bem como as disposições do ponto III.4 do Contrato, nos termos do qual a «decoração» do ponto de venda deve corresponder ao standing e à qualidade associados à imagem da marca Yves Saint Laurent. No relatório de avaliação, as rubricas 3 e 4 relativas à aparência externa do ponto de venda, incluindo as montras, representam no total 80 pontos, isto é, cerca de 25% do total máximo dos pontos possíveis.

139 O Tribunal considera que estas disposições, e nomeadamente as relativas às montras, se prestam a uma aplicação discriminatória contra um ponto de venda - como um hipermercado - que não tem a mesma fachada que um estabelecimento comercial tradicional, nomeadamente, uma fachada com montras, mas que tenha adaptado um local ou um espaço situado no interior do estabelecimento de uma forma apropriada à venda dos cosméticos de luxo. Além disto, as montras para o exterior não se afiguram necessárias para a boa apresentação dos produtos no contexto de um local ou de um espaço adaptado no interior de um estabelecimento «multiprodutos».

140 No entanto, não está excluído que os critérios relativos às montras possam ser interpretados como referindo-se às «vitrinas» de um espaço adaptado no interior de um ponto de venda e não às montras externas.

141 Nestas circunstâncias, basta referir que compete aos órgãos jurisdicionais e às autoridades nacionais competentes velar por que estes critérios relativos à aparência externa do ponto de venda, incluindo os relativos às montras, não sejam aplicados de modo discriminatório ou desproporcionado.

- A venda de outras mercadorias susceptíveis de depreciarem a imagem de marca da Yves Saint Laurent

142 No que se refere ao interior do ponto de venda, o Galec não desenvolveu, no Tribunal de Primeira Instância, outras críticas para além das que se referem às restrições colocadas à venda de outras mercadorias. A este respeito, o Galec contesta, nomeadamente, a licitude do ponto III.3 do Contrato, nos termos do qual o «retalhista autorizado compromete-se a não vender produtos que sejam susceptíveis de desvalorizarem, pela sua proximidade, a imagem da marca Yves Saint Laurent», bem como o ponto I.1, alínea d), das condições gerais de venda, nos termos do qual «se forem exercidas outra ou mais actividades no ponto de venda [os elementos que deverão ser tidos em consideração incluem a] importância dessa(s) actividade(s), a apresentação interna e externa dessa(s) actividade(s), a separação entre essa(s) actividade(s) e a actividade de perfumaria, a repartição do pessoal de venda entre essa(s) actividade(s) e a actividade de perfumaria, a competência do pessoal de venda afectado a cada uma das actividades e a apresentação do pessoal de venda afectado a cada uma das actividades.»

143 Há que referir que nem o Contrato nem o relatório de avaliação precisam os produtos cuja venda no mesmo local seria susceptível de depreciar, pela sua proximidade, a imagem da marca Yves Saint Laurent. Na Decisão, a Comissão limita-se a concluir que esta disposição tem por objectivo salvaguardar, na perspectiva do público, o prestígio e a exclusividade inerentes aos produtos em causa, «evitando deste modo qualquer comparação com mercadorias de qualidade inferior» (ponto II.A.5, quinto parágrafo).

144 Convém, portanto, salientar que o ponto III.3 do Contrato nem é preciso nem é claro, prestando-se a uma avaliação subjectiva e, eventualmente, discriminatória. De igual modo, o ponto I.1, alínea d), das condições gerais de venda parece conceder à Yves Saint Laurent um poder discricionário muito amplo, nomeadamente na medida em que esta se outorga a faculdade de fazer incidir a sua apreciação, não apenas sobre a importância dos outros produtos vendidos e a respectiva apresentação, mas também sobre o efectivo, a competência e a apresentação do pessoal afectado à venda dos referidos produtos.

145 No entanto, o Tribunal recorda que a Comissão considera que um hipermercado não pode ser excluído da rede unicamente pelo facto de vender outras mercadorias (v. o ponto II.A.5, quinto parágrafo, da Decisão e n.os 164 e segs., infra). Além disto, os intervenientes não identificaram os produtos cuja distribuição seria susceptível de depreciar a «imagem» dos produtos, com excepção dos produtos de alimentação ou de limpeza.

146 Nestas circunstâncias, o Tribunal considera que a Decisão deve ser interpretada no sentido de que a venda de outras mercadorias que tipicamente se encontram num hipermercado não é, por si só, susceptível de prejudicar a «imagem de luxo» dos produtos em causa, desde que o local ou o espaço consagrado à venda dos cosméticos de luxo seja adaptado de forma a que esses produtos sejam apresentados em condições que os valorizem. Essa adaptação pode exigir que certos outros produtos, como os produtos de alimentação ou de limpeza, não sejam distribuídos «na proximidade» dos cosméticos de luxo ou que exista uma separação adequada entre a venda dos cosméticos de luxo e a venda de outros produtos de qualidade inferior (v. o ponto II.A.5, quinto parágrafo, da Decisão).

147 À luz destas precisões, o Tribunal considera que a fiscalização que será exercida, em caso de dificuldades, pelos órgãos jurisdicionais ou pelas autoridades nacionais competentes é susceptível de compensar a falta de clareza deste critério. Com efeito, compete-lhes velar por que esta disposição não seja aplicada de um modo discriminatório ou desproporcionado.

- A importância das outras actividades exercidas no ponto de venda

148 No que se refere aos critérios relativos às outras actividades dos estabelecimentos, o Galec criticou também, na sua petição, o facto de, se uma outra actividade for exercida no ponto de venda, o pedido de autorização ser apreciado em função da importância desta actividade [v. o ponto I.1, alínea d) das condições gerais de venda]. Ora, conclui-se da rubrica 8 do relatório de avaliação da Yves Saint Laurent, que vale 20 pontos, que, se outros produtos ocuparem mais de 40% da superfície de venda do ponto de venda, das prateleiras ou das montras, o candidato em causa recebe a nota «2», isto é, uma nota susceptível de contribuir para a sua eliminação.

149 É verdade que esta rubrica não é mencionada na Decisão. No entanto, conclui-se desta (ponto II.A.5, quinto parágrafo) que a Comissão decidiu que os critérios da Yves Saint Laurent relativos à importância das outras actividades exercidas no ponto de venda não estão abrangidos pelo artigo 85._, n._ 1, do Tratado. Dado que o relatório de avaliação faz parte integrante do processo do acesso à rede mencionado na Decisão, como a própria Yves Saint Laurent alegou, conclui-se que a Decisão deve ser interpretada como tendo também decidido que um critério como o previsto na rubrica 8 não está abrangido pelo artigo 85._, n._ 1.

150 Apesar de, segundo o relatório de avaliação, um candidato só ser eliminado se obtiver três notas «2» em onze rubricas específicas (n._ 17, supra), a rubrica 8 do referido relatório não deixa de contribuir para a eliminação de candidatos, como os estabelecimentos «multiprodutos», cuja actividade de perfumaria represente menos de 60% das suas actividades e isto mesmo quando disponham de um local especializado para a venda dos produtos em causa.

151 Nestas circunstâncias, o Tribunal considera que a rubrica 8 do relatório de avaliação deve ser considerada desproporcionada, na medida em que o simples facto de a actividade de perfumaria de um estabelecimento constituir menos de 60% das suas actividades não tem, por si só, qualquer relação com a exigência legítima da preservação da imagem de luxo dos produtos em causa.

152 Por outro lado, o Tribunal considera que esta rubrica é discriminatória, na medida em que tende a favorecer a candidatura de uma perfumaria especializada em detrimento da de um estabelecimento «multiprodutos» que disponha de um local especializado, adaptado por forma a satisfazer as condições qualitativas adequadas à venda dos cosméticos de luxo.

153 Daqui resulta que esta rubrica é, pela sua própria natureza, susceptível de restringir ou falsear a concorrência, na acepção do artigo 85._, n._ 1, do Tratado, na medida em que tem por efeito desfavorecer um candidato unicamente pelo facto de a sua actividade de perfumaria ser de pouca importância relativamente às outras actividades do estabelecimento.

154 Apesar de o relatório de avaliação fazer parte integrante do processo de acesso à rede, é forçoso constatar que o ponto II.A.5 da Decisão não contém qualquer fundamentação no que toca à justificação da rubrica em causa. Portanto, a Decisão sofre, a este respeito, de falta de fundamentação.

155 Há, assim, que anular a Decisão, na medida em que decidiu que não está abrangida pelo artigo 85._, n._ 1, do Tratado uma disposição que autoriza a Yves Saint Laurent a apreciar negativamente a candidatura de retalhistas unicamente pelo facto de ter pouca importância a actividade de perfumaria que exercem.

c) O critério da insígnia

156 O Galec critica por ser subjectiva, discriminatória e desproporcionada a disposição do ponto I, segundo parágrafo, das condições gerais de venda, que se refere ao critério da insígnia. A Comissão e os intervenientes consideram que esta disposição é necessária para preservar o carácter de luxo dos produtos e a imagem de luxo da marca Yves Saint Laurent (v. o ponto II.A.5, quarto parágrafo, da Decisão).

157 O ponto I, segundo parágrafo, das condições gerais de venda determina que:

«A insígnia da perfumaria, do estabelecimento no qual está situada a secção de perfumaria, ou do espaço em que está situada a secção de perfumaria, ou a perfumaria devem corresponder permanentemente ao prestígio da marca Yves Saint Laurent. Consequentemente, a insígnia deve ser compatível com os princípios que regem a distribuição dos produtos, que são de grande luxo e de alta qualidade. Não é este o caso da insígnia cuja imagem está associada à inexistência ou à restrição do serviço de aconselhamento à clientela, do standing ou do esmero na decoração.»

158 O Tribunal considera que um critério que tem apenas por objectivo velar por que a insígnia do retalhista não seja susceptível de desvalorizar a imagem de luxo dos cosméticos de luxo constitui, em princípio, uma exigência legítima da distribuição desses produtos e não está necessariamente abrangido pelo artigo 85._, n._ 1, do Tratado. Com efeito, é de temer que, na ausência de tal critério, a imagem de luxo dos cosméticos de luxo, e portanto a sua própria natureza, seja prejudicada com a venda desses produtos por retalhistas cuja insígnia é manifestamente depreciativa aos olhos dos consumidores.

159 No entanto, e tendo nomeadamente em conta o facto de, ao contrário dos critérios que visam os aspectos materiais de um ponto de venda, o critério da insígnia não ser susceptível de verificação por reportagem fotográfica ou por inspecção no local, incumbe aos órgãos jurisdicionais ou às autoridades nacionais competentes velar, muito particularmente, por que este critério não seja aplicado de um modo injustificado ou desproporcionado.

160 Com efeito e em primeiro lugar, este critério só pode referir-se à percepção actual da insígnia em causa aos olhos do consumidor. Daqui resulta que o ponto I, segundo parágrafo, das condições gerais de venda não pode ser interpretado como excluindo formas modernas de comércio que, quando surgiram, se baseavam numa restrição da decoração ou dos serviços, mas que, desde então, desenvolveram novos processos de valorização dos produtos para a venda dos produtos de luxo, pelo que a respectiva insígnia já não é considerada depreciativa a este respeito.

161 Em segundo lugar e em conformidade com os princípios que o Tribunal acaba de indicar (v. os n.os 127 e segs., supra), a percepção da insígnia em questão não depende unicamente da discrição do fabricante, mas deve ser estabelecida de uma forma tão objectiva quanto possível. A este respeito, a Yves Saint Laurent referiu nomeadamente as sondagens ou estudos de mercado que efectuou para esse fim. Em caso de contestação, os elementos de prova objectivos, como as sondagens ou os estudos de mercado, deverão, eventualmente, ser submetidos à apreciação dos órgãos jurisdicionais ou das autoridades nacionais competentes.

162 Em terceiro lugar e como salienta a própria recorrida, a Decisão precisa no ponto II.A.5 que a imagem que decorre da «política habitual de preços do distribuidor» não deve ser considerada depreciativa. Com efeito, o critério da insígnia não pode ser utilizado apenas com o fim de excluir estabelecimentos capazes de oferecerem produtos a preços reduzidos, mas em condições que valorizam os produtos.

163 Por último, o Tribunal considera que o critério da insígnia deve ser aplicado de forma particularmente prudente quando não haja qualquer dúvida de que o retalhista efectuou os investimentos necessários para satisfazer todas as exigências relativas às condições materiais de venda (adaptação, separação dos outros artigos, pessoal qualificado, etc.) e aceitou as obrigações de armazenagem, de volume mínimo de compras anuais, de cooperação publicitária, etc. Neste caso, compete aos órgãos jurisdicionais ou às autoridades nacionais competentes verificar que o critério da insígnia não é utilizado apenas com o fim de excluir da rede um ponto de venda apto a vender os produtos em causa, sem que exista um risco real de a sua imagem ser prejudicada.

C - Quanto aos fundamentos e argumentos do recorrente sobre a questão de saber se os seus membros estão a priori excluídos da rede da Yves Saint Laurent e sobre a atitude dos consumidores a esse respeito

164 À luz das precedentes considerações, convém, nesta fase do raciocínio, abordar os fundamentos e argumentos do Galec relativos à questão de saber se os seus membros estão a priori excluídos da rede da Yves Saint Laurent pelo cúmulo dos critérios de selecção e sobre a atitude dos consumidores a esse respeito.

165 O Tribunal recorda, antes de mais, que a Comissão sublinhou várias vezes durante a instância que a Decisão não prevê a exclusão a priori das formas modernas de comércio, como os hipermercados explorados pelos centros Leclerc (v., por exemplo, os n.os 83 e 86, supra). Por seu lado, a Yves Saint Laurent sublinhou que a Decisão referiu que o seu sistema está aberto a todas as formas de distribuição e não exclui nenhuma a priori (v. o n._ 93, supra). Os três outros intervenientes alegaram, também eles, que a Decisão não exclui, em si mesma, a forma de distribuição efectuada pelos membros do Galec ou outras formas modernas de distribuição. Pelo contrário, a Yves Saint Laurent e os outros intervenientes invocaram nomeadamente a existência, em vários Estados-Membros, de distribuidores autorizados «multiprodutos», a fim de demonstrarem a natureza não restritiva do sistema da Yves Saint Laurent.

166 Assim sendo, nenhuma das partes alegou no Tribunal a inaptidão de princípio dos hipermercados ou de outras formas de distribuição «multiprodutos» para a venda de cosméticos de luxo. A Comissão e os intervenientes admitem que esta possibilidade está prevista na Decisão, desde que esses pontos de venda estejam organizados de forma adequada e aceitem obrigações equivalentes às aceites por outros distribuidores autorizados. O Tribunal considera, de resto, que, a não ser assim, a rede da Yves Saint Laurent violaria o artigo 85._, n._ 1, do Tratado, ao excluir a priori do sistema uma categoria de revendedores potenciais (v. o n._ 122, supra).

167 Apesar de, nos pontos II.A.5, quinto parágrafo, e II.B.5, quarto parágrafo, da Decisão, se ter exprimido com uma certa ambiguidade ao utilizar a expressão «grandes armazéns», que normalmente visa uma forma de comércio tradicional, e ao sublinhar que «não pôde verificar» que a difusão dos sistemas de distribuição selectiva no domínio dos produtos cosméticos de luxo afasta «por princípio» certas formas modernas de distribuição, a Comissão precisou, durante a instância, que, ao adoptar a Decisão, não tinha a intenção de excluir formas de comércio como os hipermercados dos membros do Galec e que a expressão «grandes armazéns» utilizada na Decisão engloba essas formas de comércio (v. o n._ 83, supra).

168 De resto, o Tribunal sublinhou no presente acórdão o papel dos órgãos jurisdicionais ou das autoridades nacionais competentes na aplicação não discriminatória e proporcional dos critérios em causa (v. os n.os 124 e segs., supra).

169 Daqui resulta que o recorrente não fez prova bastante de que existam actualmente barreiras à entrada da grande distribuição na distribuição dos cosméticos de luxo, desde que os seus pontos de venda sejam adaptados de uma forma adequada à venda destes produtos.

170 Com efeito, compete ao Galec ou aos seus membros apresentarem a sua candidatura e, eventualmente, aos órgãos jurisdicionais ou às autoridades nacionais competentes decidir se uma recusa de adesão num caso concreto é compatível com o artigo 85._, n._ 1, do Tratado, à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância. Por outro lado, compete à Comissão velar, nomeadamente no caso de um pedido de renovação da Decisão, por que as formas modernas de distribuição não sejam injustificadamente excluídas da rede da Yves Saint Laurent ou de redes semelhantes.

171 Pelo que não deve ser acolhida a alegação do Galec de que os seus membros estão a priori excluídos da rede da Yves Saint Laurent.

172 Também não são de acolher os fundamentos e/ou argumentos do Galec, segundo os quais a Comissão não fundamentou a sua afirmação de que os processos de valorização dos produtos que são próprios da grande distribuição são inadequados para a distribuição dos produtos de luxo. Com efeito, a Decisão não pode ser interpretada como contendo semelhante afirmação.

173 Pelas mesmas razões, não deve ser acolhida a alegação do Galec de que a Comissão cometeu um manifesto erro de facto no que toca à pretensa exclusão da grande distribuição da comercialização dos produtos em causa.

174 Ainda pelas mesmas razões, há que rejeitar a dupla crítica que o Galec faz à Comissão de não ter justificado as suas afirmações quanto à motivação do consumidor e de neste ponto ter cometido um manifesto erro de facto.

175 A este respeito, é certo que a Comissão não se baseou num estudo independente susceptível de apoiar as suas afirmações quanto às motivações do consumidor, feitas nomeadamente no ponto II.B.2 da Decisão. É igualmente certo, como afirmou o Galec na audiência, que as quatro associações francesas de consumidores que apresentaram observações no processo administrativo, a saber, a Union féminine civique et sociale («UCS»), o Institut national de la consommation (INC), a Confédération syndicale du cadre de vie (CSCV) e a Confédération des familles (CSF), não apoiaram sem reservas a posição adoptada pela Comissão. De facto, a CSF e o INC manifestaram a sua oposição à decisão prevista, pela razão, designadamente, de que esta teria por efeito a manutenção de preços demasiado elevados e afastar do acesso a esses produtos uma parte importante da população. A UCS, por seu turno, defendeu que algumas das disposições em causa tenderiam a tornar mais difícil do que anteriormente o acesso ao mercado de novas formas de distribuição e que essas disposições «não vão no sentido da abertura e do exercício de uma melhor concorrência no âmbito do mercado único, nem no sentido do interesse dos consumidores». A CSCV, por seu lado, concluiu as suas observações salientando que «a coberto da tecnicidade dos seus produtos e do prestígio da sua marca, a SA Yves Saint Laurent restringe, mediante critérios de selecção discriminatórios, a concorrência e mantém, ficticiamente, um preço muito elevado para os seus produtos».

176 Há que, todavia, considerar que o recorrente não provou que a Comissão tenha cometido um manifesto erro de facto ou a existência de uma falta de fundamentação no que toca às expectativas dos consumidores. Com efeito, resulta da Decisão que o consumidor que prefere fazer as suas compras de cosméticos de luxo num ponto de venda de uma grande superfície, adaptado de forma adequada, deve ter essa possibilidade, ao passo que o consumidor do tipo evocado no relatório do professor Glais, que prefere fazer as suas compras numa perfumaria especializada ou num grande armazém tradicional, também permanece livre de continuar a frequentar esses pontos de venda.

177 Pelo que não devem ser acolhidos todos os fundamentos e argumentos do recorrente que incidem sobre a questão de saber se os seus membros estão a priori excluídos da venda dos cosméticos de luxo, bem como os fundamentos e argumentos conexos e que se referem às expectativas dos consumidores.

D - Quanto à questão de saber se a proibição do artigo 85._, n._ 1, do Tratado é de aplicar em razão da existência de redes paralelas no sector em causa

178 O Galec alega ainda que, de qualquer modo, o artigo 85._, n._ 1, do Tratado foi violado no caso em apreço, dada a existência de redes semelhantes à da Yves Saint Laurent em todo o sector em causa, pelo que não é deixado qualquer espaço a outras formas de distribuição e não existe uma concorrência efectiva no mercado relevante - isto é, o dos «perfumes de luxo» - na acepção dos n.os 40 a 42 do acórdão Metro II. A Comissão e os intervenientes consideram que, apesar da existência de redes paralelas à da Yves Saint Laurent, existe uma concorrência efectiva no mercado relevante - que é o dos «cosméticos de luxo» - pelo que não é aplicável o artigo 85._, n._ 1, do Tratado.

179 O Tribunal recorda que, no n._ 40 do seu acórdão Metro II, o Tribunal de Justiça decidiu que, se os sistemas de distribuição selectiva «simples» (isto é, os baseados apenas em critérios qualitativos) são susceptíveis de constituir um elemento de concorrência, de acordo com o n._ 1 do artigo 85._ do Tratado, uma restrição ou uma eliminação da concorrência pode todavia ocorrer quando a existência de um certo número de tais sistemas não deixa qualquer espaço a outras formas de distribuição assentes numa política concorrencial de natureza diferente ou redunda numa rigidez da estrutura dos preços que não é contrabalançada por outros factores de concorrência entre produtos de uma mesma marca e pela existência de uma concorrência efectiva entre marcas diferentes. No entanto, e segundo os n.os 41 e 42 desse mesmo acórdão, a existência de um grande número desses sistemas de distribuição selectiva para um produto determinado não permite, por si só, concluir que a concorrência seja restringida ou falseada, na acepção do artigo 85._, n._ 1, do Tratado. Com efeito, no caso de uma proliferação dos sistemas de distribuição selectiva «simples», o artigo 85._, n._ 1, do Tratado só se aplica se o mercado em causa for de tal maneira rígido e estruturado que já não exista uma concorrência efectiva em matéria de preços (v. também os n.os 44 e 45 deste acórdão).

180 Ao contrário do processo na origem do acórdão Metro II, no qual os produtos electrónicos de diversão em causa nem sempre eram vendidos pelo canal da distribuição selectiva, verifica-se, no caso em apreço, que quase todos os fabricantes que exercem a sua actividade no sector dos cosméticos de luxo utilizam sistemas de distribuição semelhantes ao da Yves Saint Laurent.

181 No entanto, o Tribunal já considerou que a distribuição selectiva dos cosméticos de luxo é susceptível de melhorar a concorrência no interesse do consumidor, nomeadamente ao contribuir para a preservação da imagem «de luxo» destes produtos em relação a outros produtos semelhantes que não tenham esta imagem, pelo que o artigo 85._, n._ 1, do Tratado não se aplica a certos critérios qualitativos que prosseguem este objectivo (n.os 114 e segs., supra).

182 Nestas circunstâncias, o Tribunal considera que a referência feita, no acórdão Metro II, ao facto de ocorrer uma eliminação da concorrência «quando a existência de um certo número de tais sistemas não deixa qualquer espaço a outras formas de distribuição assentes numa política concorrencial de natureza diferente» não significa que o artigo 85._, n._ 1, do Tratado é automaticamente aplicável apenas pelo facto de todos os fabricantes no sector dos cosméticos de luxo terem feito a mesma escolha quanto aos respectivos métodos de distribuição. No caso em apreço, os n.os 40 a 46 do acórdão Metro II devem ser interpretados no sentido de que, se tomados individualmente, certos critérios de selecção da Yves Saint Laurent não forem abrangidos pelo artigo 85._, n._ 1, do Tratado, o efeito cumulativo das outras redes só é susceptível de alterar esta conclusão quando se demonstre, em primeiro lugar, que existem entraves ao acesso ao mercado de novos concorrentes aptos a vender os produtos em questão, pelo que os sistemas de distribuição selectiva em causa têm por efeito bloquear a distribuição em benefício de certos canais existentes (v. o acórdão Delimitis, já referido, n.os 15 e segs.) ou, em segundo lugar, que não existe uma concorrência efectiva, nomeadamente em matéria de preços, tendo em conta a natureza dos produtos em causa.

183 Quanto à existência de entraves ao acesso de novos concorrentes aptos a vender os produtos em questão, o Tribunal já verificou que tal não ficou provado no que se refere aos hipermercados membros do recorrente (v. os n.os 164 e segs., supra).

184 Mais genericamente, quanto à questão de saber se existe uma concorrência efectiva, é necessário determinar previamente o mercado relevante. Com efeito, ainda que na sua Decisão a Comissão se tenha correctamente debruçado sobre o conjunto do sector dos cosméticos de luxo, pelo facto de os produtos de luxo de perfumaria, de beleza e de cuidados partilharem a mesma imagem de luxo e serem frequentemente vendidos sob a mesma marca, a questão de saber se existe uma concorrência efectiva só pode ser apreciada no quadro do mercado que reagrupa o conjunto dos produtos que, em função das suas características, são particularmente aptos a satisfazer necessidades constantes e são pouco intercambiáveis com outros produtos (v. o acórdão L'Oréal, já referido, n._ 25).

185 Ora, está assente no caso em apreço que um perfume não é intercambiável, do ponto de vista das suas características ou da sua utilização, com um produto de beleza (por exemplo, de maquilhagem) ou de cuidados (por exemplo, um creme de noite). Está também assente que, à época, mais de 80% das vendas totais da Yves Saint Laurent eram constituídas pelos perfumes de luxo. Dada a importância deste sector distinto, há que verificar se os perfumes de luxo estão submetidos a uma concorrência efectiva ao nível do comércio a retalho, apesar de continuarem a ser comercializados pela via da distribuição selectiva.

186 A este respeito, deve rejeitar-se, em primeiro lugar, o argumento da Comissão e dos intervenientes baseado no ponto B.3, terceiro parágrafo, da Decisão, segundo o qual «no caso de o cliente considerar secundária a imagem da marca ou os serviços conexos à venda no seio do sistema de distribuição selectiva, poderá de qualquer forma escolher artigos similares de um mercado vizinho e difundidos sem recurso a sistemas de distribuição selectiva, sancionando deste modo a escolha da estratégia comercial efectuada pelo produtor». Com efeito, a própria Comissão verificou na Decisão que o grau de substituabilidade dos cosméticos de luxo por produtos similares que relevam de outros segmentos do sector é «geralmente reduzido» (ponto I.B, primeiro parágrafo) e que, «tendo em conta o grau reduzido de substituabilidade que persiste, por parte do consumidor, entre os produtos cosméticos de luxo e os produtos similares que relevam de outros segmentos do sector, o mercado a tomar em consideração no caso presente é o dos produtos cosméticos de luxo» (ponto II.A.8). De resto, resulta dos pontos I.B e II.A.8 da Decisão que a Comissão teve em conta a parte do mercado detida pela Yves Saint Laurent no que toca aos produtos de perfumaria de luxo para verificar se as restrições em questão eram susceptíveis de afectar de forma sensível as trocas intracomunitárias.

187 Daqui resulta que, para determinar se os produtos de luxo estão sujeitos a uma concorrência efectiva, não é adequado tomar em consideração a pretensa concorrência com os perfumes que não são de luxo.

188 Convém também rejeitar o argumento avançado pela Comissão e pelos intervenientes de que a existência de uma concorrência efectiva se pode inferir do facto de que, nos termos do ponto I.B, terceiro parágrafo, da Decisão que se baseia no relatório do professor Weber, os produtos comercializados através de redes de distribuidores autorizados «representavam, em 1987, uma quota de 24,7% na República Federal da Alemanha, de 30,3% em França, de 36,2% em Itália e de 22,4% no Reino Unido, relativamente ao total das vendas de produtos cosméticos». Com efeito, estes valores provêm do quadro n._ 22 do relatório do professor Weber e representam a proporção das vendas realizadas através do canal da distribuição selectiva, expressa em percentagem do total das vendas de todas as categorias de cosméticos, ou seja, os perfumes, os produtos de beleza, os produtos de cuidados, os produtos capilares (nomeadamente os champôs) e os produtos de higiene (dentífricos, sabonetes, desodorizantes, etc.). Além disto, conclui-se do referido relatório (p. 89) que em Itália a proporção dos perfumes vendidos pelo canal da distribuição selectiva era de 81% e que a proporção em França era de 65%. Segundo os valores apresentados pela FIP, a proporção dos perfumes vendidos pelo canal da distribuição selectiva em França é de 73% (v. o anexo I às suas observações, p. 17). Os valores citados no ponto I.B, terceiro parágrafo, da Decisão não são, portanto, úteis para apreciar a eficácia da concorrência num domínio específico como o dos perfumes de luxo.

189 No entanto, a Comissão e os intervenientes alegam que, mesmo no mercado dos perfumes de luxo considerado isoladamente, existe uma concorrência efectiva tanto entre os fabricantes (inter brand) como entre os distribuidores autorizados da Yves Saint Laurent (intra brand).

190 A este respeito, o Tribunal considera que a posição da Comissão e dos intervenientes não é confortada pelo relatório do professor Weber, donde resulta, nomeadamente das páginas 71, 89 a 96, 105 e 110, que em 1987 só existia uma concorrência muito limitada entre os distribuidores dos perfumes de luxo e entre as diferentes formas de distribuição. Todavia, há que referir que, antes de adoptar a Decisão, a Comissão exigiu que a Yves Saint Laurent introduzisse numerosas alterações nos seus contratos, entre as quais a eliminação de todos os critérios de selecção puramente quantitativos, a supressão de cláusulas que restringiam a liberdade de os distribuidores revenderem os produtos a outros membros da rede selectiva, a supressão das cláusulas que limitavam a liberdade de escolha do revendedor no que se refere às outras marcas que podem ser oferecidas no seu ponto de venda e o reconhecimento expresso da liberdade de o revendedor fixar os seus preços de forma independente. Além disto, como o Tribunal já referiu, a Decisão prevê a possibilidade de novas formas de comércio, aptas a distribuírem os produtos em questão, terem acesso à rede da Yves Saint Laurent.

191 Nestas circunstâncias, incumbia ao Galec fornecer os elementos de prova susceptíveis de estabelecer de forma bastante que, na sequência da Decisão, o mercado se tornou de tal modo rígido e estruturado que já não existe uma concorrência efectiva entre os distribuidores autorizados dos perfumes de luxo, nomeadamente em matéria de preços (v. o acórdão Metro II, n.os 42 e 44). Não tendo o Galec apresentado qualquer elemento concreto a este respeito, o Tribunal considera que no caso em apreço não se fez essa prova.

192 Resulta do que precede que os fundamentos e argumentos do recorrente baseados na violação do artigo 85._, n._ 1, do Tratado, bem como os seus outros fundamentos e argumentos conexos, não devem ser acolhidos, excepto no que se refere à disposição visada no n._ 155, supra.

II - Quanto à legalidade da Decisão à luz do artigo 85._, n._ 3, do Tratado

Exposição sumária dos argumentos das partes

193 No que se refere à isenção concedida, o Galec avança cinco argumentos principais para demonstrar que não estão preenchidas as condições do artigo 85._, n._ 3, do Tratado. Em primeiro lugar, a Comissão só conceberá a melhoria da produção e da distribuição dos perfumes de luxo num quadro de exclusividade (v. o ponto II.B.2, primeiro parágrafo, da Decisão), apesar de as obrigações adicionais enumeradas no ponto II.B.2, segundo a sexto parágrafos, da Decisão poderem ser satisfeitas pela grande distribuição. Em segundo lugar, no que se refere às vantagens para os utilizadores, a Comissão terá optado por uma concepção ultrapassada dos comportamentos e das expectativas dos consumidores. Em terceiro lugar, a Comissão terá legitimado uma total falta de concorrência pelos preços no interior da marca, concorrência que teria podido ser assegurada pela grande distribuição. Em quarto lugar, e em contradição com o princípio da proporcionalidade, a Comissão não terá comparado a distribuição selectiva por intermédio dos retalhistas especializados com a distribuição selectiva que recorre a outras formas de comércio, ignorando assim o facto de os revendedores da grande distribuição estarem sujeitos aos mesmos deveres e encargos que qualquer outro distribuidor autorizado (v., nomeadamente, o ponto II.B.4, segundo parágrafo, in fine, da Decisão). Em quinto lugar, ao impor às outras formas de distribuição «uma alteração parcial dos seus métodos específicos de comercialização», a Decisão terá eliminado a concorrência feita por essas formas de distribuição, salvo os casos marginais dos grandes armazéns.

194 Ao que responde a recorrida, precisando que a isenção concedida só se refere ao processo de admissão, ao volume mínimo de compras anuais, às obrigações relativas às existências e à cooperação publicitária e promocional, à proibição da venda de um produto que ainda não tenha sido lançado, ao controlo das facturas pela Yves Saint Laurent e, no caso de o cliente ser ele próprio um distribuidor, à verificação de que pertence à rede oficial de distribuição - obrigações que o recorrente não criticou à luz do artigo 85._, n._ 1, do Tratado.

195 Além disto, as críticas do recorrente não serão relevantes. Em especial, a tomada em conta do custo suportado pelos distribuidores da rede devido ao peso das obrigações que resultam do acordo terá sido sublinhado pelo Tribunal de Justiça no n._ 45 do acórdão Metro II. No que se refere à eliminação da concorrência, a Decisão precisa explicitamente que certas formas modernas de distribuição não são afastadas por princípio e refere a existência de uma concorrência tanto entre as marcas como entre os distribuidores autorizados.

196 Os argumentos dos intervenientes apoiam a posição da Comissão.

Apreciação do Tribunal

197 Como a Comissão alegou correctamente, a fundamentação do ponto II.B da Decisão só abrange os aspectos do Contrato que considerou incluídos no artigo 85._, n._ 1, do Tratado, a saber, os que se referem, nomeadamente, ao processo de acesso à rede, à armazenagem, ao montante mínimo de compras anuais, ao lançamento de novos produtos e à cooperação publicitária e promocional. Ora, no seu recurso, o Galec não criticou estes aspectos do Contrato.

198 Quanto ao primeiro argumento do Galec, segundo o qual a Comissão só concebe uma melhoria da produção e da distribuição no quadro da «exclusividade», o Tribunal considera que a conclusão da Comissão, no ponto II.B.2, primeiro parágrafo, da Decisão, de que «uma marca de cosméticos de luxo só pode ser distribuída respeitando a sua vocação de exclusividade», se refere à preocupação que esta tem de salvaguardar o carácter exclusivo ou luxuoso dos produtos em causa (v. o ponto II.B.3, segundo parágrafo). Esta frase não pode, portanto, ser interpretada como significando que a grande distribuição está automaticamente excluída da distribuição dos produtos em causa e que a distribuição desses produtos está exclusivamente reservada aos canais tradicionais, como as perfumarias e os grandes armazéns, no sentido estrito do termo.

199 Tendo já o Tribunal concluído que a Comissão não tinha a intenção de excluir a grande distribuição da distribuição dos produtos em causa (v. os n.os 164 e segs., supra), o argumento do Galec de que a Comissão só concebeu a melhoria da produção e da distribuição, na acepção do artigo 85._, n._ 3, do Tratado, num quadro que exclui a grande distribuição da distribuição dos produtos em causa, não deve ser acolhido.

200 Quanto ao segundo argumento do Galec de que a Comissão optou por uma concepção ultrapassada das expectativas dos consumidores, o Tribunal de Primeira Instância recorda que já rejeitou os argumentos que se referem às motivações dos consumidores nos n.os 174 e segs., supra.

201 No que se refere ao terceiro argumento do Galec de que a Comissão legitimou uma total falta de concorrência pelos preços no interior da marca, o Tribunal já concluiu que o Galec não fez prova de que isto assim é (v. o n._ 191, supra).

202 Quanto ao quarto argumento do Galec de que a Comissão comparou a distribuição selectiva por intermédio dos retalhistas especializados com a distribuição generalizada, ignorando assim a possibilidade de uma distribuição selectiva através de outras formas de comércio, o Tribunal considera que a Comissão não fez esta comparação.

203 Quanto ao quinto argumento do Galec de que a imposição de uma «alteração parcial dos seus métodos específicos de comercialização» eliminaria a grande distribuição do sector dos cosméticos de luxo, provou-se nesta instância que a Decisão não prevê a eliminação da grande distribuição do sector dos cosméticos de luxo. A referência a uma «alteração parcial dos seus métodos específicos de comercialização» deve ser, pois, interpretada como exigindo adaptações deste tipo no interior do estabelecimento e não adaptações susceptíveis de alterar radicalmente a própria natureza do estabelecimento enquanto supermercado ou hipermercado. Apesar de ter sido preferível que a Comissão tivesse precisado este ponto mais claramente, o facto de a Comissão não ter identificado, ainda que em termos gerais, quais são as alterações a fazer, não é, por si só, suficiente para que a Decisão seja considerada ilegal, nomeadamente porque os casos concretos serão submetidos, caso necessário, à fiscalização dos órgãos jurisdicionais ou das autoridades nacionais competentes.

204 Daqui resulta que os fundamentos e argumentos do recorrente baseados na violação do artigo 85._, n._ 3, do Tratado não devem ser acolhidos.

205 Conclui-se do conjunto do que precede que deve ser negado provimento ao recurso, excepto no que se refere à parte da Decisão indicada no n._ 155, supra.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

206 Por força do artigo 87._, n._ 2, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Nos termos do artigo 87._, n._ 4, último parágrafo, o Tribunal de Primeira Instância pode determinar que um interveniente, que não seja Estado-Membro ou instituição, suporte as respectivas despesas.

207 Tendo o recorrente sido vencido no essencial dos seus pedidos, há que condená-lo a suportar as suas próprias despesas assim como as da Comissão e as da interveniente Yves Saint Laurent, destinatária da Decisão.

208 No que diz respeito aos intervenientes FIP, Colipa e FEPD, o Tribunal considera que o interesse destas três associações na solução do litígio era menos directo do que o da Yves Saint Laurent. Tratando-se de um processo em que estes três intervenientes exprimiram considerações gerais no interesse dos seus membros, sem acrescentar elementos decisivos aos argumentos da Comissão, o Tribunal considera fazer uma justa aplicação do artigo 87._, n._ 4, do Regulamento de Processo, condenando-os a suportar as suas próprias despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

(Segunda Secção Alargada),

decide:

209 É anulada a Decisão 92/33/CEE da Comissão, de 16 de Dezembro de 1991, relativa a um processo de aplicação do artigo 85._ do Tratado CEE (IV/33.242 - Yves Saint Laurent Parfums), na medida em que decide que uma disposição que autoriza a Yves Saint Laurent a apreciar negativamente a candidatura de retalhistas unicamente pelo facto de a sua actividade de perfumaria ser de pouca importância não é abrangida pelo artigo 85._, n._ 1, do Tratado.

210 É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

211 O recorrente suportará as despesas da Comissão e da interveniente Yves Saint Laurent Parfums SA, bem como as suas próprias despesas.

212 Cada um dos intervenientes, a Fédération des industries de la parfumerie, o Comité de liaison des syndicats européens de l'industrie de la parfumerie et des cosmétiques e a Fédération européenne des parfumeures détaillants, suportará as suas próprias despesas.