ACORDAO DO TRIBUNAL DE 16 DE JULHO DE 1992. - WIENAND MEILICKE CONTRA ADV/ORGA F. A. MEYER AG. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL: LANDGERICHT HANNOVER - ALEMANHA. - DIREITO DAS SOCIEDADES - DIRECTIVA 77/91/CEE. - PROCESSO C-83/91.
Colectânea da Jurisprudência 1992 página I-04871
Edição especial sueca página I-00105
Edição especial finlandesa página I-00107
Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória
++++
1. Questões prejudiciais - Competência do Tribunal de Justiça - Limites - Questões gerais ou hipotéticas - Verificação pelo Tribunal de Justiça da sua própria competência
(Tratado CEE, artigo 177. )
2. Questões prejudiciais - Recurso ao Tribunal de Justiça - Fase do processo em que se procede ao reenvio
(Tratado CEE, artigo 177. )
3. Questões prejudiciais - Competência do Tribunal de Justiça - Questão hipotética colocada num contexto em que o Tribunal não pode dar uma resposta útil - Incompetência do Tribunal de Justiça
(Tratado CEE, artigo 177. )
1. No âmbito do processo de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais dos Estados-membros, previsto no artigo 177. do Tratado, é o juiz nacional, único a ter conhecimento directo dos factos do processo, que está mais bem colocado para apreciar, face às particularidades deste, a necessidade de uma questão prejudicial para proferir a sua decisão. Consequentemente, desde que as questões submetidas pelos órgãos jurisdicionais nacionais incidam sobre a interpretação de uma disposição de direito comunitário, o Tribunal de Justiça tem, em princípio, o dever de decidir.
Todavia, compete ao Tribunal de Justiça, a fim de verificar a sua própria competência, apreciar as condições em que foi chamado a pronunciar-se. Efectivamente, o espírito de colaboração que deve presidir ao funcionamento do reenvio prejudicial implica que o juiz nacional tenha em atenção a função confiada ao Tribunal de Justiça, que é contribuir para a administração da justiça nos Estados-membros, e não emitir opiniões consultivas sobre questões gerais ou hipotéticas.
2. A necessidade de efectuar uma interpretação do direito comunitário que seja útil para o juiz nacional exige a definição do quadro jurídico em que se deve colocar a interpretação solicitada. Nesta perspectiva, no momento em que se solicita a intervenção do Tribunal de Justiça, pode ser proveitoso, consoante as circunstâncias, que a matéria de facto do processo esteja assente e que os problemas exclusivamente de direito interno estejam decididos, de modo a permitir a este Tribunal conhecer todos os elementos de facto e de direito que podem ser importantes para a interpretação do direito comunitário que lhe é pedida.
3. O Tribunal de Justiça ultrapassaria os limites das suas atribuições se decidisse pronunciar-se sobre um problema de carácter hipotético sem dispor dos elementos de facto e de direito necessários para responder utilmente às questões prejudiciais que lhe são colocadas.
No processo C-83/91,
que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177. do Tratado CEE, pelo Landgericht Hannover, destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre
Wienand Meilicke
e
ADV/ORGA AG,
uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação da segunda Directiva 77/91/CEE do Conselho, de 13 de Dezembro de 1976, tendente a coordenar as garantias que, para protecção dos interesses dos sócios e de terceiros, são exigidas nos Estados-membros às sociedades, na acepção do segundo parágrafo do artigo 58. do Tratado, no que respeita à constituição da sociedade anónima, bem como à conservação e às modificações do seu capital social, a fim de tornar equivalentes essas garantias em toda a Comunidade (JO 1977, L 26, p. 1; EE 17 F1 p. 44),
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,
composto por: F. A. Schockweiler, presidente de secção, exercendo funções de presidente, P. J. G. Kapteyn, presidente de secção, G. F. Mancini, C. N. Kakouris, J. C. Moitinho de Almeida, M. Díez de Velasco e M. Zuleeg, juízes,
advogado-geral: G. Tesauro
secretário: H. A. Ruehl, administrador principal
vistas as observações escritas apresentadas:
- em representação de W. Meilicke, pelo próprio, advogado no foro de Bona;
- em representação da ADV/ORGA, por H. Dingler, advogado no foro de Frankfurt-am-Main;
- em representação do Governo alemão, pelo Dr. H. Teska, Ministerialrat no Ministério federal da Justiça, pelo Dr. K. F. Deutler, Ministerialrat no mesmo ministério e por C. D. Quassowski, Regierungsdirektor no Ministério federal da Economia, na qualidade de agentes;
- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por H. Etienne, consultor jurídico principal e A. Caeiro, consultor jurídico, na qualidade de agentes;
visto o relatório para audiência,
ouvidas as alegações de W. Meilicke, da ADV/ORGA, do Governo alemão, representado pelo Dr. J. Ganske, Ministerialrat no Ministério federal da Justiça e da Comissão, na audiência de 19 de Fevereiro de 1992,
ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 8 de Abril de 1992,
profere o presente
Acórdão
1 Por despacho de 15 de Janeiro de 1991, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça no dia 1 de Março do mesmo ano, o Landgericht Hannover submeteu ao Tribunal, nos termos do artigo 177. do Tratado CEE, diversas questões prejudiciais relativas à interpretação da segunda Directiva 77/91/CEE do Conselho, de 13 de Dezembro de 1976, tendente a coordenar as garantias que, para protecção dos interesses dos sócios e de terceiros, são exigidas nos Estados-membros às sociedades, na acepção do segundo parágrafo do artigo 58. do Tratado, no que respeita à constituição da sociedade anónima, bem como à conservação e às modificações do seu capital social, a fim de tornar equivalentes essas garantias em toda a Comunidade (JO 1977, L 26, p. 1; EE 17 F1 p. 44, a seguir "segunda directiva").
2 Essas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio que opõe Wienand Meilicke, autor no processo principal, à sociedade ADV/ORGA (a seguir "ADV/ORGA"), da qual é accionista e cuja direcção recusou comunicar-lhe certas informações por ocasião da assembleia geral de accionistas de 16 de Fevereiro de 1990.
3 Este litígio inscreve-se no âmbito das disposições da Aktiengesetz, lei alemã sobre as sociedades anónimas, tal como interpretada pelo Bundesgerichtshof.
4 Note-se, a este propósito, que, no que respeita aos aumentos de capital, a Aktiengesetz sujeita as entradas em bens diferentes de dinheiro (a seguir "entradas em espécie") a requisitos de publicidade e de fiscalização mais severos do que os aplicáveis às entradas em dinheiro.
5 A jurisprudência alemã qualifica, porém, certas entradas em dinheiro como "entradas em espécie dissimuladas". Assim acontece, designadamente, com uma entrada em dinheiro precedida ou seguida de uma operação através da qual a sociedade em causa paga ao subscritor uma quantia que permite à sociedade saldar uma dívida contraída junto do subscritor. Segundo a jurisprudência do Bundesgerichtshof, essa entrada não pode ser considerada uma entrada em dinheiro e deve, consequentemente, ser sujeita às regras especiais aplicáveis às entradas em espécie dissimuladas, nos termos do § 27 da Aktiengesetz e do artigo 10. da segunda directiva. Se estas regras não forem respeitadas, a entrada em espécie não tem efeito liberatório (v., entre outros, o acórdão do Bundesgerichtshof de 15 de Janeiro de 1990, II ZR 164/88, DB, p. 311; BGHZ 110, p. 47).
6 Esta jurisprudência foi criticada em diversas ocasiões por W. Meilicke, autor no processo principal, nomeadamente no seu livro Die "verschleierte" Sacheinlage; eine deutsche Fehlentwicklung (Schaeffer Verlag, Stuttgart, 1989), anexo às observações apresentadas pelo autor ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 20. do Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça. W. Meilicke entende que a jurisprudência em causa é contrária à segunda directiva, designadamente ao seu artigo 11. , que prevê uma regulamentação exaustiva a fim de evitar que as disposições em matéria de entradas em espécie sejam contornadas.
7 W. Meilicke possui uma acção da sociedade ADV/ORGA. Devido a dificuldades financeiras, esta sociedade decidiu, em 28 de Abril de 1989, aumentar o seu capital em 5 milhões de DM. As novas acções emitidas para esse efeito, com uma cotação de 300% garantida pelo Commerzbank, acabaram por se tornar propriedade deste banco.
8 Na assembleia geral da ADV/ORGA de 16 de Fevereiro de 1990, W. Meilicke fez diversas perguntas à direcção relativamente ao aumento de capital de 1989 e à utilização das importâncias assim obtidas. Através destas questões, W. Meilicke pretendia saber, no essencial, se o aumento de capital tinha servido para amortizar as dívidas da sociedade ao Commerzbank.
9 O pedido de W. Meilicke foi apresentado ao abrigo do § 131, n. 1, primeira frase, da Aktiengesetz, que prevê que a direcção deve fornecer a cada accionista que apresente um pedido nesse sentido em assembleia geral informações sobre os assuntos da sociedade, na medida em que essas informações lhe permitam pronunciar-se, com conhecimento de causa, sobre um dos assuntos incluídos na ordem do dia. O § 131, n. 3, define as circunstâncias em que a direcção pode recusar prestar essas informações.
10 W. Meilicke considerou que as respostas dadas pela direcção às perguntas feitas na assembleia geral de 16 de Fevereiro de 1990 não eram satisfatórias e que, portanto, não obteve as informações que tinha o direito de solicitar nos termos do § 131 da Aktiengesetz. Assim, accionou a ADV/ORGA perante o Landgericht Hannover, nos termos do processo previsto no § 132 da Aktiengesetz.
11 O § 132 da Aktiengesetz institui um processo especial que permite aos accionistas fazer valer o seu direito à informação. O n. 1, primeira frase, daquela disposição, dispõe que a questão de saber se a direcção é obrigada a comunicar as informações solicitadas deve ser decidida pelo Landgericht do distrito em que a sociedade tem a sua sede social.
12 Durante a tramitação escrita do processo no Landgericht Hannover, W. Meilicke alegou que as respostas às questões colocadas à sociedade ADV/ORGA eram necessárias para apreciar a exactidão do balanço anual. Afirmou, a este propósito, que essas respostas lhe eram indispensáveis para poder verificar se o aumento de capital da sociedade em 1989 constituía uma entrada em espécie dissimulada e se as exigências da legislação e da jurisprudência alemãs relativas a tal entrada tinham sido satisfeitas.
13 Durante a tramitação escrita do processo no órgão jurisdicional nacional, a ADV/ORGA alegou que as informações solicitadas por W. Meilicke não permitiam apreciar a exactidão do balanço e que os requisitos de aplicação do § 131 da Aktiengesetz não estavam preenchidos. Contestou igualmente o interesse em agir de W. Meilicke, tendo em conta as críticas por ele próprio formuladas, enquanto autor de certas obras, contra a jurisprudência alemã. A ADV/ORGA considerou, por outro lado, que os requisitos de aplicação desta jurisprudência não estavam preenchidos.
14 Na audiência no órgão jurisdicional nacional, as partes debruçaram-se, essencialmente, sobre o acórdão do Bundesgerichtshof de 15 de Janeiro de 1990, já referido, e sobre a oportunidade de um reenvio prejudicial. Quanto a esta última questão, o Landgericht Hannover convidou as partes a pronunciar-se mais detalhadamente.
15 A ADV/ORGA começou por reafirmar que os requisitos de aplicação da jurisprudência do Bundesgerichtshof sobre as entradas em espécie dissimuladas não estavam preenchidos e que, consequentemente, não havia que recorrer ao Tribunal de Justiça. Alegou em seguida, a título subsidiário, que, se o Landgericht considerasse que se podia presumir a existência de uma entrada em espécie dissimulada e que só o montante dessa entrada era desconhecido, havia que verificar se a direcção tinha agido ilegalmente. Em apoio deste argumento, a ADV/ORGA alegou que, se a jurisprudência alemã fosse contrária à segunda directiva, o comportamento da direcção não podia ser considerado ilegal. Neste contexto, a ADV/ORGA declarou, em concordância com W. Meilicke, que esta questão de compatibilidade devia ser submetida ao Tribunal de Justiça, em aplicação do artigo 177.
16 W. Meilicke alega, por seu lado, que os factos do processo principal eram efectivamente susceptíveis de revelar a existência de uma entrada em espécie dissimulada, na acepção da jurisprudência alemã e que as informações solicitadas eram necessárias para esta verificação. Em consonância com a ADV/ORGA, considerou, porém, que a questão da compatibilidade da jurisprudência alemã com a segunda directiva devia ser objecto de um reenvio prejudicial, tendo submetido sete propostas de questões prejudiciais ao Landgericht Hannover.
17 No despacho de reenvio, o Landgericht considerou estarem preenchidos os requisitos do § 131 da Aktiengesetz, uma vez que os princípios da teoria das entradas em espécie dissimuladas, desenvolvida na Alemanha pela jurisprudência e pela doutrina, justificavam o pedido de informações de W. Meilicke. O Landgericht afirma que é bem possível que o reembolso de um empréstimo pela sociedade ré, contraído antes do aumento do capital social, efectuado através de entradas em dinheiro do mutuante, seja nulo por fraude às disposições do direito das sociedades relativas às entradas de capital em espécie.
18 No entanto, o Landgericht considera que não está em condições de se pronunciar sobre a pretensão de W. Meilicke, uma vez que tem dúvidas sobre a questão de saber se o objecto dessa pretensão é legítimo. Efectivamente, se se concluir que a teoria das entradas em espécie dissimuladas não é compatível com o direito comunitário, designadamente com a segunda directiva, o pedido de W. Meilicke ficará sem objecto. Resulta do despacho de reenvio que a sociedade ADV/ORGA partilha destas dúvidas e que W. Meilicke reconhece que a incompatibilidade desta teoria com o direito comunitário é clara e deveria conduzir ao indeferimento do seu pedido.
19 Consequentemente, o Landgericht considera que, no interesse da segurança jurídica, deve fazer uso do seu direito de recorrer ao Tribunal de Justiça, em aplicação do artigo 177. , colocando-lhe as seguintes questões prejudiciais:
"1) É compatível com o direito comunitário a amortização de obrigações decorrentes de empréstimos contraídos pela demandada antes de um aumento de capital, liquidadas com entradas em dinheiro do mutuante, em conformidade, fundamentalmente, com as regras relativas ao controlo das entradas em espécie?
Mais especificamente:
2) a segunda directiva do Conselho, de 13 de Dezembro de 1976, tendente a coordenar as garantias que, para protecção dos interesses dos sócios e de terceiros, são exigidas nos Estados-membros às sociedades, na acepção do segundo parágrafo do artigo 58. do Tratado, no que respeita à constituição da sociedade anónima, bem como à conservação e às modificações do seu capital social, a fim de tornar equivalentes essas garantias em toda a Comunidade (JO 1977, L 26, p. 1; EE 17 F1 p. 44), é directamente aplicável, no sentido de que os cidadãos a podem invocar perante os tribunais nacionais, e de que estes terão de ter em atenção o teor e as finalidades da directiva ao interpretar as leis nacionais de transposição (neste caso: lei alemã de execução da segunda directiva do Conselho para a coordenação do direito das sociedades de 13 de Dezembro de 1978, Bundesgezetzblatt I, 1978, p. 1959)?
3) A segunda directiva do Conselho, especialmente os seus artigos 10. , 11. e 27. , n. 2, constitui uma simples norma mínima, que permite aos Estados-membros criar ou aplicar direito nacional mais rigoroso, para impedir a fraude às regras sobre verificação do valor e publicidade dos artigos 10. e 27. , n. 2, através da realização de negócios de transferência em conexão material e temporal com entradas em dinheiro,
ou
o artigo 11. da directiva constitui uma regulamentação completa da protecção contra fraudes à lei, para salvaguardar os preceitos sobre entradas em espécie dos artigos 10. e 27. , n. 2, da directiva, que proíbem aos Estados-membros a criação de direito diverso, mais rigoroso ou mais flexível,
ou
decorre das finalidades dos artigos 10. e 27. , n. 2, da directiva, em conjugação com o artigo 11. , uma protecção vinculativa para todos os Estados-membros contra a fraude à lei, para salvaguardar os preceitos sobre entradas em espécie?
3.1) No caso de os artigos 10. , 11. e 27. , n. 2, da directiva constituírem uma simples norma mínima,
a) existe uma obrigação de standstill, no sentido de que só é admitido o direito nacional mais rigoroso já existente à data da publicação da directiva?
aa) O âmbito do direito nacional mais rigoroso ainda admitido e daquele publicado depois do momento determinante, e, por isso, não admissível, é determinado autonomamente pelos tribunais nacionais, ou é parte da interpretação do direito comunitário, da competência do Tribunal de Justiça?
bb) Se a delimitação do direito nacional que viola a obrigação de standstill integra a interpretação do direito comunitário pelo Tribunal de Justiça, constituirá, então, uma violação daquela obrigação o tratamento da amortização de obrigações da sociedade em relação ao subscritor de um aumento de capital em dinheiro como uma fraude inadmissível aos preceitos relativos às entradas em espécie?
cc) Se a delimitação do direito nacional que contraria a obrigação de standstill for efectuada pelos tribunais nacionais, qual é o momento determinante para a verificação da possibilidade, ou não, de subsistência do direito nacional mais rigoroso salvaguardado pela obrigação de standstill (por exemplo, início das consultas relativas à directiva, adopção pelo Parlamento Europeu ou adopção pelo Conselho de Ministros) e
dd) o direito nacional mais rigoroso salvaguardado pela obrigação de standstill respeita apenas a normas em sentido formal (lei, regulamento) ou também à situação da jurisprudência e da doutrina no momento determinante, nos termos da subalínea cc)?
b) No caso de os artigos 10. , 11. e 27. , n. 2, da segunda directiva constituírem uma norma mínima (com ou sem obrigação de standstill), o direito nacional mais rigoroso pode apenas ser criado através de actos legislativos formais, ou pode surgir, apesar do teor harmonizado das regras nacionais de transposição, através da interpretação ou analogia realizada pelos tribunais nacionais?
c) No caso dos artigos 10. , 11. e 27. , n. 2, da segunda directiva constituírem normas mínimas, do ponto de vista de que grupo de finalidades se determina a questão de saber se uma norma de protecção nacional constitui direito mais rigoroso, admissível, ou mais flexível, inadmissível? Incluem-se também entre os interesses protegidos pelas normas mínimas o interesse da sociedade e de terceiros na segurança jurídica em relação a negócios jurídicos, celebrados entre a sociedade e o subscritor, em conexão material e temporal com uma entrada em dinheiro (neste caso: a amortização de um crédito do subscritor em relação à sociedade)?
3.2) No caso de o artigo 11. constituir uma regulamentação completa da protecção contra fraudes à lei, isto significará que é vedado aos Estados-membros considerar um aumento de capital em dinheiro ou um negócio por transferência como irregulares, e cominá-los com sanções civis ou penais, apenas porque a sociedade efectuou a amortização de um dívida para com o subscritor em conexão material e temporal com o aumento do capital em dinheiro, sem observar as regras relativas a publicidade e verificação do valor do artigo 10. da directiva? Significará isto, em particular, que é vedado aos Estados-membros exigir publicidade e verificação do valor, em conformidade com os artigos 10. , 11. e 27. , n. 2, da directiva, se o negócio por transferência (neste caso: pagamento de obrigações) constituir uma operação corrente, na acepção do n. 2 do artigo 11. da directiva, e tiver tido lugar depois do termo do prazo fixado pela legislação nacional, nos termos do n. 1 do artigo 11. da directiva?
3.3) No caso de os artigos 10. , 11. e 27. , n. 2, não constituírem uma norma mínima em relação à qual o direito nacional possa ir mais longe, mas o artigo 11. também não constituir uma regulamentação completa da protecção contra fraudes à lei, sendo antes possível retirar das finalidades da directiva o dever para todos os Estados-membros de proceder contra a defraudação do dever de publicidade e verificação do valor das entradas em espécie através da separação entre entrada em capital e negócio por transferência, os princípios jurídicos relativos à protecção contra fraudes à lei devem ser retirados directa e unitariamente do direito comunitário, particularmente das finalidades da directiva, ou devem antes tais princípios jurídicos ser retirados em cada Estado-membro do respectivo direito nacional?
4) Um aumento de capital através de amortização de um crédito do subscritor em relação à sociedade constitui
a) necessariamente um aumento de capital em dinheiro?
b) necessariamente um aumento de capital por meio de entradas em espécie, na acepção dos n.os 1 e 2 do artigo 27. da directiva CEE?
c) ou existe o direito de escolher entre considerar uma entrada deste tipo quer como aumento de capital em dinheiro, quer como aumento de capital em espécie? Este eventual direito de escolha pertence à assembleia geral dos accionistas, nos termos da primeira frase do n. 1 do artigo 25. da Directiva, ou aos Estados-membros?
d) ou os Estados-membros têm o direito de efectuar autonomamente a distinção entre entradas em dinheiro e entradas que não consistem em dinheiro segundos os seus próprios critérios?
5) Em relação à primeira frase do artigo 7. da segunda directiva:
5.1) A primeira frase do artigo 7. da segunda directiva deve ser interpretada no sentido de que a entrada efectuada através de renúncia a um crédito em relação à sociedade, em caso de grave situação financeira desta, é total ou parcialmente inadmissível, ou admite aquela norma a entrada pelo valor nominal, independentemente da solvabilidade da sociedade?
5.2) No caso de a primeira frase do artigo 7. da segunda directiva permitir a entrada pelo valor nominal de um crédito em relação à sociedade, sem exame da solvabilidade desta,
a) a apreciação da possibilidade de entradas através do perdão de créditos é uma questão de aplicação do direito da directiva comunitária, subtraído à interpretação do Tribunal de Justiça,
b) ou a primeira frase do artigo 7. constitui uma norma mínima, que permite aos Estados-membros a criação de exigências adicionais para a possibilidade de efectuar entradas através de direito nacional mais rigoroso,
c) ou constitui aquela norma, em si, uma regulamentação completa da possibilidade de efectuar entradas?
5.3) Se, como referido na questão 5.2, alínea b), a possibilidade de efectuar entradas através de créditos sobre a sociedade não estiver regulamentada em termos exaustivos na primeira frase do artigo 7. , tratando antes de uma norma mínima que permite a criação de exigências adicionais através de direito nacional mais rigoroso, é por sua vez colocada ao Tribunal de Justiça a questão de
a) se e em que condições existe uma obrigação de standstill, e se a criação do exame de solvabilidade no caso de entrada constituída por um crédito em relação à sociedade constitui uma violação da obrigação de standstill (v. supra, questão 3.1, alínea a), aa) a dd);
b) se o direito nacional mais rigoroso pressupõe uma norma jurídica em sentido formal, expressa, ou pode decorrer também de uma interpretação mais rigorosa da lei de transposição (neste caso: a primeira frase do n. 2 do § 27 da lei das sociedades anónimas) e
c) em função de que categoria de interesses é determinada a questão de saber se as exigências adicionais em relação à possibilidade de efectuar entradas constitui direito mais rigoroso, admissível, ou mais flexível, inadmissível?
5.4) Se, como referido na questão 5.2, alínea c), a primeira frase do artigo 7. constituir uma regulamentação exaustiva da possibilidade de efectuar entradas, o 'valor susceptível de avaliação económica' de um crédito em relação à sociedade deve ser verificado
a) do ponto de vista da sociedade e, em consequência, independentemente da solvabilidade desta, ou
b) do ponto de vista do credor e, em consequência, tendo em atenção diminuições de valor que resultem da falta de solvabilidade da sociedade?
6. No caso de os artigos 7. , 10. , 11. e 27. , n. 2, serem interpretados no sentido de que é imposta uma protecção unitária contra fraudes à lei a nível comunitário, que proíbe o pagamento de uma dívida da sociedade para com um subscritor em conexão material e temporal com uma entrada em dinheiro, sem observância das regras relativas à publicidade e à verificação do valor do artigo 10. , é pedido ao Tribunal de Justiça que esclareça se as modalidades seguintes constituem uma fraude inadmissível aos preceitos relativos a entradas em espécie:
a) Os quantitativos da entrada em dinheiro e da dívida paga devem ser idênticos, ou já existe inadmissibilidade em caso de coincidência parcial?
b) Tem de existir uma ligação subjectiva entre a entrada em dinheiro e o negócio de transferência (neste caso: a amortização da dívida), ou basta uma conexão material e temporal? No caso de ser necessária uma ligação subjectiva, existe, havendo uma conexão temporal, uma presunção de presença da ligação subjectiva? Até que ponto deve ser estreita a conexão temporal?
c) No caso de só a ligação subjectiva constituir uma fraude inadmissível à lei, aquela ligação exigirá a intenção de iludir os preceitos relativos às entradas em espécie, ou basta a consciência de que aqueles preceitos podiam ser aplicados, ou nem sequer é necessário o conhecimento dos preceitos sobre publicidade e verificação do valor para entradas em espécie, em caso de conhecimento da conexão subjectiva entre entrada em dinheiro e amortização da dívida? A ligação subjectiva só é prejudicial no caso de a validade de um dos negócios ser condição sine qua non para a validade do outro, ou basta que a celebração de um seja o motivo da celebração do outro? Tem de existir um motivo bilateral, ou basta que a celebração de um negócio seja motivo para a celebração do outro para um dos contraentes?
d) Haverá também uma fraude inadmissível à lei quando uma instituição de crédito, nos termos do n. 5 do § 186 da lei das sociedades anónimas, adquirir as novas acções de um aumento de capital, com a obrigação de as oferecer à subscrição dos antigos accionistas, e que efeitos terá para a admissibilidade da fraude aos preceitos sobre entradas em espécie o facto, e em que medida, de a instituição de crédito subscritora do aumento de capital em dinheiro ser ela própria accionista, e o facto de, à data da subscrição pela instituição de crédito, a colocação rápida no mercado de capitais não parecer problemática ou o facto de a instituição de crédito ter garantido a colocação?
e) Que efeitos tem sobre a admissibilidade da fraude aos preceitos relativos às entradas em espécie o facto de o banco manter abertas as linhas de crédito, apesar do pagamento dos seus créditos com as entradas em dinheiro por ele efectuadas? Terá relevo o facto de se, e quando, virão mais tarde a ser efectivamente utilizadas as linhas de crédito deixadas em aberto, ou o facto de se, e quando, é de esperar a utilização daquelas linhas de crédito, em relação ao momento do aumento em dinheiro do capital?
7) É compatível com a competência da assembleia geral para decidir aumentos do capital, prevista na primeira frase do n. 1 do artigo 25. da segunda directiva, o facto de um aumento de capital em dinheiro decidido pela assembleia geral e pago isoladamente, regularmente, ser considerado ou tratado como inválido, por ter sido acordado entre a administração e o subscritor um negócio de transferência (neste caso: uma amortização de um empréstimo), em conexão temporal e material com o aumento de capital em dinheiro, através do qual a entrada em dinheiro volta, em parte ou na totalidade, para o subscritor? É relevante, para a existência de uma situação de fraude inadmissível à lei, o facto de a assembleia geral conhecer, ou poder ter conhecido, a existência de um acordo daquele tipo entre a administração e o subscritor, na altura de decidir o aumento de capital em dinheiro?
8) No caso de a fraude aos preceitos sobre a publicidade e verificação do valor do artigo 10. , através de separação entre entrada em capital e negócio de transferência, ser inadmissível, e no caso de a primeira frase do artigo 7. da segunda directiva dever ser interpretada no sentido de ser inadmissível a entrada através de perdão de um crédito em relação à sociedade, encontrando-se esta em situação financeira difícil (v. supra 5.1), decorre da impossibilidade de realização da entrada com o crédito a admissibilidade da amortização pela sociedade em situação financeira difícil apesar da conexão material e temporal com uma entrada em dinheiro, ou, dado que o pagamento da dívida não é admissível enquanto entrada em espécie comprovada através das regras relativas aos registos, aquele não será admissível sem esta comprovação?"
20 Para mais ampla exposição da regulamentação comunitária em causa, da tramitação do processo, bem como das observações escritas apresentadas ao Tribunal de Justiça, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.
21 Atendendo ao contexto em que o Landgericht colocou as questões prejudiciais, impõe-se recordar alguns princípios relativos à competência do Tribunal de Justiça nos termos do artigo 177. do Tratado.
22 Em primeiro lugar, resulta de jurisprudência assente (v., em primeiro lugar, o acórdão de 1 de Dezembro de 1965, Schwarze, 16/65, Recueil, p. 1081 e, como último, o acórdão de 25 de Junho de 1992, Ferrer Laderer, n. 6, C-147/91, Colect., p. I-4097) que o processo previsto no artigo 177. do Tratado é um instrumento de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os juízes nacionais.
23 Segundo jurisprudência igualmente assente (v., em primeiro lugar, o acórdão de 29 de Novembro de 1978, Pigs Marketing Board, n. 25, 83/78, Recueil, p. 2347 e, por último, o acórdão de 28 de Novembro de 1991, Durighello, n. 8, C-186/90, Colect., p. I-5773), no quadro desta cooperação, é o juiz nacional, único a ter conhecimento directo dos factos do processo, que está mais bem colocado para apreciar, face às particularidades deste, a necessidade de uma questão prejudicial para proferir a sua decisão.
24 Consequentemente, desde que as questões submetidas pelos órgãos jurisdicionais nacionais incidam sobre a interpretação de uma disposição de direito comunitário, o Tribunal de Justiça tem, em princípio, o dever de decidir (v. o acórdão de 8 de Novembro de 1990, Gmurzynska, n. 20, C-231/89, Colect., p. I-4003).
25 Todavia, no seu acórdão de 16 de Dezembro de 1981, Foglia, n. 21 (244/80, Recueil, p. 3045), o Tribunal de Justiça entendeu que lhe competia, a fim de verificar a sua própria competência, apreciar as condições em que era chamado, pelo juiz nacional, a pronunciar-se sobre as questões. Efectivamente, o espírito de colaboração que deve presidir ao funcionamento do reenvio prejudicial implica que o juiz nacional tenha em atenção a função confiada ao Tribunal de Justiça, que é contribuir para a administração da justiça nos Estados-membros, e não emitir opiniões consultivas sobre questões gerais ou hipotéticas (acórdãos de 16 de Dezembro de 1981, Foglia, já referido, n.os 18 e 20, e de 3 de Fevereiro de 1983, Robards, n. 19, 149/82, Recueil, p. 171).
26 A este propósito, o Tribunal de Justiça já teve ocasião de declarar que a necessidade de efectuar uma interpretação do direito comunitário que seja útil para o juiz nacional exige a definição do quadro jurídico em que se deve colocar a interpretação solicitada e que, nesta perspectiva, no momento em que se solicita a intervenção do Tribunal de Justiça, pode ser proveitoso, consoante as circunstâncias, que a matéria de facto do processo esteja assente e que os problemas exclusivamente de direito interno estejam decididos, de modo a permitir a este Tribunal conhecer todos os elementos de facto e de direito que podem ser importantes para a interpretação do direito comunitário que lhe é pedida (acórdão de 10 de Março de 1981, Irish Creamery Milk Suppliers Association, n. 6, 36/80 e 71/80, Recueil, p. 735). Efectivamente, na falta de tais elementos, o Tribunal pode ver-se impossibilitado de dar uma interpretação útil (v. acórdãos de 3 de Fevereiro de 1977, Benedetti, n.os 20 a 22, 52/76, Recueil, p. 163, e de 21 de Setembro de 1983, Deutsche Milchkontor, n. 36, 205/82 a 215/82, Recueil, p. 2633).
27 À luz destas considerações, impõe-se concluir, em primeiro lugar, que o quadro concreto do litígio que deu lugar ao reenvio prejudicial é definido pelos §§ 131 e 132. da Aktiengesetz. Estas disposições consagram o direito de o accionista ser informado pela direcção.
28 As questões prejudiciais não têm directamente a ver com este direito, suscitando antes, no essencial, o problema da compatibilidade da teoria das entradas em espécie dissimuladas, resultante, designadamente, do acórdão do Bundesgerichtshof de 15 de Janeiro de 1990, já referido, com a segunda directiva. O órgão jurisdicional de reenvio considera que uma resposta a estas questões é necessária para lhe permitir pronunciar-se sobre o pedido de informações apresentado por W. Meilicke. Acrescenta, a este propósito, que, se se concluísse que a teoria das entradas em espécie dissimuladas, tal como formulada pela jurisprudência alemã, é incompatível com a segunda directiva, tal pedido devia ser indeferido.
29 No entanto, resulta dos autos que não está provado que, no presente caso, os requisitos de aplicação desta teoria estejam preenchidos. Efectivamente, a ADV/ORGA contestou, quer durante o processo perante o juiz nacional, quer nas observações que apresentou ao Tribunal de Justiça, que a jurisprudência alemã se aplicasse às transacções entre ela e o Commerzbank. O próprio órgão jurisdicional de reenvio emite um juízo condicional sobre esta questão, afirmando que é possível que a entrada feita pelo Commerzbank seja contrária à jurisprudência em causa.
30 Daqui decorre que o problema relativo à compatibilidade da teoria das entradas em espécie com a segunda directiva é de carácter hipotético.
31 Há que ter presente, em seguida, que o carácter hipotético do problema que o Tribunal de Justiça é chamado a solucionar é confirmado pelo facto de nos autos do processo não se indicarem os elementos de facto e de direito que permitiriam definir o contexto em que o aumento do capital social da ADV/ORGA teve lugar e estabelecer uma ligação entre a entrada feita pelo Commerzbank e a teoria das entradas em espécie dissimuladas, tal como resulta da jurisprudência alemã. Ora, nas questões prejudiciais coloca-se precisamente o problema da compatibilidade desta teoria com a segunda directiva, sendo, portanto, suscitadas numerosas questões, cujas soluções dependem, em larga medida, das circunstâncias em que o aumento de capital se processou.
32 Nestas circunstâncias, o Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar-se sobre um problema de carácter hipotético sem dispor dos elementos de facto e de direito necessários para responder utilmente às questões que lhe são colocadas.
33 Daqui decorre que o Tribunal de Justiça ultrapassaria os limites das suas atribuições se decidisse responder às questões prejudiciais que lhe são colocadas.
34 Resulta das considerações que precedem que o Tribunal de Justiça não pode pronunciar-se sobre as questões submetidas pelo Landgericht Hannover.
Quanto às despesas
35 As despesas efectuadas pelo Governo alemão e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,
pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Landgericht Hannover, por despacho de 15 de Janeiro de 1991, declara:
O Tribunal de Justiça não pode pronunciar-se sobre as questões submetidas pelo Landgericht Hannover.