RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

apresentado no processo C-208/90 ( *1 )

I — Quadro jurídico

1. A Directiva 79/7/CEE

A Directiva 79/7/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1978QO 1979, L 6, p. 24; EE 05 F2 p. 174), baseada no artigo 235.° do Tratado CEE, contém, para efeitos da realização progressiva do princípio da igualdade de tratamento em matèria de segurança social, as disposições previstas no artigo l.°, n.° 2, da Directiva 76/207/CEE, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho QO L 39, p. 40; EE 05 F2 p. 70).

O artigo l.° indica que a directiva tem por objectivo a realização progressiva, no domínio da segurança social e de outros elementos de protecção social previsto no artigo 3.°, do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social. Nos termos do n.° 1 do seu artigo 3.°, a directiva aplica-se, entre outros, aos regimes legais que assegurem uma protecção contra a invalidez.

O artigo 4.°, n.° 1, dispõe que:

«O princípio da igualdade de tratamento implica a ausência de qualquer discriminação em razão do sexo, quer directa, quer indirectamente por referência, nomeadamente, ao estado civil ou familiar especialmente no que respeita:

ao âmbito dos regimes e às condições de acesso aos regimes,

à obrigação de pagar as cotizações e ao cálculo destas,

ao cálculo das prestações, incluindo os acréscimos devidos na qualidade de cônjuge e por pessoa a cargo e as condições de duração e de manutenção do direito às prestações.»

Para este efeito, o artigo 8.° da directiva determina que os Estados-membros ponham em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à directiva no prazo de seis anos a contar da sua notificação, ou seja, até 23 de Dezembro de 1984.

O artigo 5.° dispõe que os Estados-membros deverão tomar as medidas necessárias a fim de serem suprimidas as disposições legislativas, regulamentares e administrativas contrárias ao princípio da igualdade de tratamento.

Finalmente, nos termos do artigo 6.°, «os Estados-membros introduzirão na sua ordem jurídica interna as medidas necessárias para permitir que qualquer pessoa que se considere lesada pela não aplicação do princípio da igualdade de tratamento possa fazer valer os seus direitos jurisdicionalmente, após eventual recurso a outras instâncias competentes».

2. O direito nacional

O direito da segurança social na Irlanda assentava tradicionalmente no princípio segundo o qual se considerava que uma mulher casada estava a cargo do marido no caso de viver com ele ou de o marido prover, no todo ou na maior parte, às necessidades da mulher; em contrapartida, só se considerava que o marido estava a cargo da mulher quando era incapaz de prover às suas necessidades por padecer de enfermidade física ou mental e fosse ela a fazer face, no todo ou na maior parte, às suas necessidades. Além disso, eram concedidos acréscimos aos subsídios atribuídos para os filhos a cargo que tivessem «residência normal» com um beneficiário. No entanto, para esse fim, considerava-se que os filhos tinham «residência normal» com o pai; era portanto o pai, e não a mãe, que tinha normalmente direito aos acréscimos por filhos a cargo.

A fim de dar execução à Directiva 79/7, o Oireachtas (Parlamento irlandês) adoptou, em 16 de Julho de 1985, o Social Welfare (n.° 2) Act de 1985, que no entanto só entrou em vigor em diversas datas de 1986. A referida lei, sem efeitos retroactivos a 23 de Dezembro de 1984, tinha por finalidade excluir as mulheres casadas da categoria das pessoas automaticamente consideradas a cargo, passando a tratá-las como beneficiando, ao abrigo do Código da Segurança Social, do mesmo estatuto que os homens casados.

2.1. O subsídio de invalidez

Até 15 de Maio de 1986, a taxa pessoal do subsídio de invalidez a pagar a uma mulher casada era inferior à taxa aplicável no caso de um homem casado ou de um homem ou uma mulher solteiros. Em 15 de Maio de 1986 entraram em vigor as disposições da Secção 2 do Social Weifare Act de 1985, nas quais se previa o pagamento do subsídio de invalidez à mesma taxa para as mulheres casadas e para os homens casados, e para os homens e mulheres solteiros.

2.2. O acréscimo por adulto a cargo

Até 17 de Novembro de 1986, um homem casado tinha direito a um acréscimo da sua taxa pessoal de subsídio de invalidez ou de assistência na invalidez por adulto a cargo se a sua mulher vivesse com ele ou se ele fizesse face, no todo ou na maior parte, às necessidades dela. Em contrapartida, até essa data, uma mulher casada só podia ter direito a um acréscimo por adulto a cargo da taxa pessoal do subsídio de invalidez se o seu marido estivesse incapacitado de prover às suas próprias necessidades por padecer de uma enfermidade física ou mental e se estivesse total ou principalmente a cargo da mulher.

Essa situação foi alterada pelo Social Welfare (n.° 2) Act 1985 (Commencement) Order de 1986, que pôs em vigor, em 17 de Novembro de 1986, as disposições da Secção 3 do Social Welfare (n.° 2) Act de 1985. Concretamente, essas disposições determinavam que se devia entender por adulto a cargo de outra pessoa «o cônjuge total ou principalmente a cargo dessa pessoa» (mas não no caso de esse cônjuge ocupar um emprego, ser trabalhador independente ou ter direito a certas prestações ou subsídios ao abrigo do Código da Segurança Social). As disposições da Secção 3 do Social Welfare (n.° 2) Act de 1985 limitavam o pagamento de um acréscimo por adulto a cargo às situações em que se pudesse determinar a efectiva existência de encargos familiares, isto para os requerentes de ambos os sexos.

2.3. Os acréscimos por filhos a cargo

Até 17 de Novembro de 1986 era atribuído um acréscimo da taxa pessoal do subsídio de invalidez por um filho ou filhos a cargo que preenchessem os requisitos exigidos e que tivessem «residência normal» com o beneficiário. Todavia, o artigo 5.° das Social Welfare (Normal Residence) Regulations de 1974 ( 1 ) previa que os filhos que preenchessem os requisitos exigidos e que vivessem com algumas das seguintes pessoas: pai ou padrasto, mãe ou madrasta, eram considerados como tendo «residência normal com a primeira pessoa mencionada e com nenhuma outra», estabelecendo-se que, no caso de a mãe ou a madrasta terem o filho total ou principalmente a seu cargo e de o pai ou o padrasto serem incapazes de prover às suas próprias necessidades em razão de uma enfermidade física ou mental, se consideravá que o filho residia normalmente com a mãe ou a madrasta, consoante os casos, e com nenhuma outra pessoa.

Em 17 de Novembro de 1986, o Social Welfare (n.° 2) Act 1985 (Commencement) Order de 1986 deu aplicação às disposições da Secção 4 do Social Welfare (n.° 2) Act de 1985. A Secção 4 prevê que qualquer acréscimo do subsídio por filhos que preencham os requisitos exigidos e que residam normalmente com o beneficiário e com o cônjuge do beneficiário é pago a uma taxa igual a metade do montante aplicável a todos os casos em que o cônjuge do beneficiário não é um adulto a cargo. Também em 17 de Novembro de 1986 entraram em vigor as Social Welfare (Normal Residence) Regulations de 1986 ( 2 ), as quais revogaram as Social Welfare (Normal Residence) Regulations de 1974, versão alterada. O artigo 6.° das Regulations de 1986 prevê que, salvo nalgumas circunstâncias, se deve considerar que os filhos que preenchem os requisitos exigidos residem normalmente com os seus pais. O artigo 7° das Regulations prevê que, no caso de um filho que preenche os requisitos exigidos apenas residir com um dos progenitores, se deve considerar que ele reside normalmente apenas com essa e com nenhuma outra pessoa, desde que esse progenitor, se fizer parte de um casal, opte nesse sentido.

A conjugação das disposições da Secção 4 do Social Welfare (n.° 2) Act de 1985 e das Social Welfare (Normal Residence) Regulations de 1986 tem por efeito que o requerente de um subsídio de invalidez, seja ele do sexo masculino ou do sexo feminino, que tenha um ou mais filhos que preencham os requisitos exigidos, tem direito a um acréscimo da taxa pessoal desse subsídio a uma taxa igual a metade do montante adequado, a menos que o seu cônjuge seja um adulto a cargo, situação em que o acréscimo incide sobre o montante adequado total.

2.4. A preservação dos direitos

Em 12 de Dezembro de 1986, o Minister for Social Welfare adoptou as Social Welfare (Preservation of Rights) (n.° 2) Regulations de 1986 ( 3 ), que entraram em vigor, relativamente ao pagamento do subsídio de invalidez, em 17 de Novembro de 1986. Estas Regulations eram aplicáveis às pessoas que, antes da entrada em vigor das disposições do Social Welfare (n.° 2) Act de 1985 e das Regulations em sua aplicação, beneficiavam ou tinham o direito de beneficiar de um acréscimo por adulto a cargo. No caso das pessoas que tivessem perdido direito ao acréscimo por adulto a cargo pelo facto de esse adulto ter o direito de receber ou receber efectivamente uma pensão, prestação, assistência ou subsídio de qualquer natureza, ao abrigo das Partes 2 e 3 do Social Welfare (Consolidation) Act de 1981, a pessoa em causa passava a poder beneficiar, em aplicação das Social Welfare (Preservation of Rights) Regulations de 1986, de um acréscimo do montante do seu subsídio ou da sua prestação, que se elevava a 20 IRL por semana.

No caso de terem perdido direito ao acréscimo por adulto a cargo pelo facto de esse adulto ocupar um emprego ou ser trabalhador independente e dispor de um rendimento semanal superior a 50 IRL, as pessoas que pudessem beneficiar da aplicação das disposições das Social Welfare (Preservation of Rights) Regulations de 1986 passaram a ter direito a um acréscimo do seu subsídio ou da sua prestação, no valor de 10 IRL por semana, bem como a um montante igual à diferença entre o acréscimo a pagar a essa pessoa por ter filhos a cargo, ao abrigo do Social Welfare (n.° 2) Act de 1985, e o acréscimo por essas pessoas a cargo que seria devido se não existisse esta última lei.

Os acréscimos a pagar ao abrigo das disposições das Social Welfare (Preservation of Rights) Regulations de 1986 eram transitórios. O artigo 7.° previa que os acréscimos dos pagamentos previstos em aplicação das Regulations deviam ser pagos pela duração do período durante o qual o direito ao pagamento em questão subsistisse sem interrupções ou até à data em que se cumprisse o primeiro ano sobre a data de entrada em vigor a tomar em consideração [que foi definida como a data de entrada em vigor das Social Welfare (Preservation of Rights) (n.° 2) Regulations de 1986 no que respeita ao subsídio ou à prestação em causa].

A validade das Social Welfare (Preservation of Rights) (n.° 2) Regulations de 1986 foi prorrogada pelas Social Welfare (Preservation of Rights) (n.° 2) (Amendment) Regulations de 1987 ( 4 ), cujo artigo 3.° manteve os acréscimos dos montantes pagos ao abrigo das Regulations de 1986 durante o período em que o direito ao pagamento de tais montantes se mantivesse sem interrupções ou, no caso do subsídio de invalidez, até 4 de Abril de 1988. A sua validade foi mais uma vez prorrogada pelas Social Welfare (Preservation of Rights) (Amendment) Regulations de 1988 ( 5 ), que mantiveram os acréscimos dos montantes pagos ao abrigo das Regulations de 1986 durante o período em que o direito ao pagamento de tais montantes se mantivesse sem interrupções ou até 25 de Julho de 1988 no caso do subsídio de invalidez. As Regulations de 1988 previam igualmente a manutenção do pagamento dos acréscimos após 25 de Julho de 1988 no caso do subsídio de invalidez, aplicando-se uma taxa reduzida para o acréscimo que devia ser mantida durante o período em que o direito ao pagamento se mantivesse sem interrupções ou até 2 de Janeiro de 1989 no caso do subsídio de invalidez.

2.5. Pedidos e pagamentos

O artigo 4.° das Social Welfare (Claims and Payments) Regulations de 1952 ( 6 ) (a seguir «Regulations de 1952») dispõe que qualquer pedido para a concessão de um subsídio ou de um seu acréscimo deve ser apresentado ao ministro sob a forma por ele aprovada no momento para o tipo de subsídio requerido ou de qualquer outro modo susceptível de ser considerado suficiente pelo ministro tendo em conta as circunstâncias de um caso concreto ou de uma categoria de casos.

O artigo 5.° das Regulations de 1952 dispõe o seguinte:

«5.

Qualquer pessoa que apresente um pedido de subsídio deve fornecer os certificados, documentos, elementos de informação e de prova que o ministro julgar úteis para a apreciação do pedido e, se necessário, deve deslocar-se a qualquer repartição ou local designados pelo ministro.»

O direito de apresentar uma reclamação está previsto na Parte VIII do Social Welfare (Consolidation) Act de 1981. Resulta da conjugação das disposições da Secção 298, n.° 1, do Act de 1981 e do Statutory Instrument n.° 376 de 1952 que a reclamação deve ser dirigida ao Minister for Social Welfare no prazo de vinte e um dias a contar da notificação ao reclamante da decisão impugnada, sem prejuízo da possibilidade de esse prazo ser prorrogado. A reclamação é então transmitida a um appeals officer. A Secção 299 permite interpor um recurso para a High Court da decisão do appeals officer, reservado às questões de direito.

3. Regras nacionais em matéria de prazos

De entre as Rules of the Superior Courts de 1986, a disposição que regula a prática e o processo perante a High Court e a Supreme Court é a Order 84, Rule 21, n.° 1, que dispõe o seguinte:

«O pedido de autorização para urna “judicial review” (fiscalização jurisdicional) deve ser apresentado num prazo curto e, em qualquer caso, no prazo de três meses a contar da data em que os fundamentos do pedido se revelaram pela primeira vez, ou de seis meses quando se tratar de um pedido de “certiorari”, a menos que o tribunal considere que não há lugar à prorrogação do prazo.»

Esta regra aplica-se a todos os pedidos de «judicial review», seja qual for a natureza da decisão impugnada. As Rules of the Superior Courts de 1986 entraram em vigor em 1 de Outubro de 1986 e antes dessa data a prática e as regras processuais da High Court e da Supreme Court constavam das Rules of the Superior Courts de 1962, com as sucessivas alterações que lhe foram introduzidas. As Rules de 1962 dispunham que para impugnar decisões de tribunais inferiores ou de outras jurisdições havia que requerer um despacho de «certiorari, prohibition or mandamus». O único limite de tempo especificamente fixado nas regras processuais acima citadas, relativas aos requerimentos de um despacho de «certiorari», dizia respeito à decisão de um tribunal inferior perante o qual tal requerimento devia ser apresentado no prazo de seis meses a contar da data em que esse tribunal tivesse proferido a sua decisão (ver Order 84, Rule 10, das Rules of the Superior Courts de 1962).

O atraso na apresentação do pedido de indemnização é um dos aspectos do comportamento da requerente que o órgão jurisdicional pode tomar em consideração a firn de se pronunciar sobre a questão de saber se deve fazer uso do seu poder de apreciação para anular ou declarar nula uma decisão proferida por um tribunal de grau inferior ou por qualquer outra entidade com poder de decisão a favor da requerente. Falando em nome da maioria da Supreme Court no processo The State (Furey)/The Minister for Defence ( 7 ), o juiz J. McCarthy afirmou que não via qualquer razão

«para que um atraso, qualquer que seja a sua importância, seja por si só um obstáculo a que sejam proferidos “certiorari” em pedidos de indemnização nos quais uma pessoa prove que sofreu uma injustiça ou foi julgada, por exemplo, por um tribunal incompetente ou que o Estado lhe causou um prejuízo que continua a marcar ou a perturbar a sua vida».

II — Matéria de facto e fase escrita do processo

1. Matéria de Jacto

A requerente é casada e beneficia desde 2 de Dezembro de 1983 de um subsídio de invalidez ao abrigo da legislação irlandesa em matéria de segurança social. O subsídio foi-lhe concedido por sofrer de dificuldades de visão. Entre 2 de Dezembro de 1983 e 18 de Maio de 1986, a requerente recebeu o subsídio a uma taxa reduzida, na altura aplicável a todas as mulheres casadas. Entre 19 de Maio de 1986 e 16 de Novembro de 1986, beneficiou da taxa aplicável a um homem ou uma mulher que não tivesse adultos ou filhos a cargo. Entre 17 de Novembro de 1986 e Junho de 1988, o subsídio foi-lhe pago à taxa aplicável a um homem ou uma mulher, acrescido pelos três filhos a cargo, sendo o acréscimo calculado na base de metade da taxa integral aplicável normalmente no caso de existirem filhos a cargo. Em Junho de 1988, foi-lhe concedida uma pensão de invalidez com efeito retroactivo a 28 de Janeiro de 1988, pensão essa paga à taxa pessoal normalmente aplicável a um homem ou uma mulher, aumentada em função dos três filhos a cargo; esse acréscimo foi novamente calculado na base de metade da taxa integral de acréscimo aplicável por cada filho a cargo. O acréscimo de que beneficiou pelo filho mais velho foi suprimido a partir de 7 de Julho de 1988, uma vez que, nessa data, o filho se foi instalar em Inglaterra.

O marido da requerente é membro das Forças Armadas na Irlanda e não beneficiou de qualquer subsídio pago por um regime de segurança social em nenhum dos períodos considerados. O marido da requerente não apresentou qualquer requerimento para beneficiar de tal subsídio no âmbito da legislação social aplicável.

Parece que a requerente ignorou a existência da directiva até ao momento em que tomou conhecimento, através da imprensa, da entrada em vigor da legislação irlandesa que finalmente assegurou a transposição da directiva. Após o acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Março de 1987 ( 8 ), a requerente iniciou uma troca de correspondência com o primeiro dos requeridos no sentido de ver aplicadas à sua situação as disposições da directiva. Escreveu igualmente ao seu deputado e ao Parlamento Europeu. Em resposta às suas cartas, as autoridades irlandesas afirmaram sempre que a High Court ainda não proferira decisão no processo McDermott e Cotter e que nenhuma decisão poderia ser tomada no seu caso enquanto a questão dos subsídios com efeito retroactivo a 23 de Dezembro de 1984 não fosse decidida naquele processo.

Em Janeiro de 1988, a requerente contactou um escritório de solicitors que encarregou de actuar judicialmente no sentido obter o pagamento de subsídios iguais aos que eram pagos a um homem que se encontrasse nas mesmas condições que a requerente. Em 22 de Julho de 1988, foi requerida autorização à High Court para apresentar um pedido de fiscalização jurisdicional das decisões tomadas pelas autoridades irlandesas acerca dos direitos da requerente em matéria de prestações sociais.

Por despacho de 22 de Julho de 1988, a High Court autorizou a requerente a apresentar um pedido de fiscalização jurisdicional, sem prejuízo de os requeridos terem o direito de suscitar a questão da extemporaneidade por ocasião da audiência em que o pedido da requerente fosse examinado. De facto, os requeridos alegaram que o atraso na apresentação do pedido de fiscalização obstava ao deferimento das suas pretensões.

2. Questão colocada ao Tribunal de Justiça

Por despacho de 22 de Junho de 1990, a High Court decidiu suspender a instância até que o Tribunal de Justiça se pronunciasse a título prejudicial, em aplicação do artigo 177.° do Tratado CEE, sobre a seguinte questão:

«Deve o acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Março de 1987, McDermott e Cotter (286/85, Colect., p. 1453), no qual o Tribunal de Justiça respondeu às questões apresentadas ao abrigo do artigo 177.° do Tratado CEE pela High Court, interpretando o disposto no artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 79/7/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1978, da forma seguinte:

“1)

O artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 79/7/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1978, relativa à proibição de qualquer discriminação em razão do sexo em matéria de segurança social podia, na ausência de execução da directiva, ser invocado a partir de 23 de Dezembro de 1984 para afastar a aplicação de qualquer norma nacional não conforme com o referido artigo 4.°, n.° 1.

2)

Na falta de medidas de aplicação do artigo 4.°, n.° 1, da directiva, as mulheres têm direito a que lhes seja aplicado o mesmo regime que aos homens que se encontrem em situação análoga, regime que permanece, na falta de execução da referida directiva, o único sistema de referência válido.”

ser interpretado no sentido de que quando, em acção intentada perante um órgão jurisdicional nacional, com fundamento no n.° 1 do artigo 4.° dessa directiva, uma mulher casada pede para ser tratada de forma igual e que lhe seja paga uma compensação pela discriminação de que, alegadamente, foi vítima em virtude de não lhe terem sido aplicadas as normas aplicáveis aos homens que se encontrem na mesma situação, é contrária aos princípios gerais do direito comunitário a invocação pelas autoridades competentes do Estado-membro de normas processuais internas, em especial as relativas aos prazos, para se oporem a esses pedidos, de modo a restringirem ou recusarem essa compensação?»

3. Tramitação processual perante o Tribunal de Justiça

O despacho da High Court deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 12 de Julho de 1990. Nos termos do artigo 20.° do Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça, apresentaram alegações escritas: T. Emmot, representada por Mary Robinson, senior counsel, e Gerard Durcan, barrister-at-law, mandatados por Gallagher Shatter, solicitors, o Governo irlandês e os requeridos no processo principal, representados por Louis J. Dockery, chief state solicitor, na qualidade de agente, assistido por David M. Byrne, senior counsel, e por Aindrias O'Caoimh, barrister-at-law, o Governo neerlandês, representado por B. R. Bot, secretário-geral dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, o Governo do Reino Unido, representado por Hussein A. Kaya, treasury solicitor, na qualidade de agente, e a Comissão das Comunidades Europeias, representada por Karen Banks, membro do Serviço Jurídico da Comissão, na qualidade de agente.

Com base no relatório preliminar do juiz relator, ouvido o advogado-geral, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução.

III — Alegações escritas apresentadas ao Tribunal de Justiça

1.

A requerente afirma que a razão que a levou a actuar judicialmente no sentido de ver garantido o direito à igualdade de tratamento que lhe é reconhecido pela directiva desde 23 de Dezembro de 1984 foi o facto de o requerido não ter cumprido as obrigações que lhe incumbiam por força da directiva. O facto de permitir ao requerido alegar uma pretensa extemporaneidade na apresentação do pedido equivaleria a dar-lhe a possibilidade de beneficiar com os seus próprios incumprimentos. Isso seria contrário ao princípio enunciado pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 19 de Janeiro de 1982 ( 9 ).

A requerente considera que outra razão pela qual o requerido não deveria poder invocar a extemporaneidade do pedido por si apresentado reside na circunstância de que proceder desse modo equivaleria a não aplicar o princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres. Entre 23 de Dezembro de 1984 e 18 de Novembro de 1986, todos os homens casados beneficiaram de uma taxa mais elevada e de um tratamento mais favorável no caso de terem pessoas a cargo do que as mulheres casadas. O requerido concedeu esse tratamento aos homens casados independentemente de eles recorrerem aos tribunais; pretende agora que esse tratamento só seja aplicável às mulheres casadas se elas tiverem encetado imediatamente as diligências necessárias para obter tal tratamento. Permitir ao requerido defender com sucesso tal posição traduzir-se-ia em impor às mulheres casadas uma condição prévia difícil de preencher, consubstanciada na necessidade de apresentar imediatamente um pedido no caso de pretenderem obter a igualdade de tratamento. Semelhante concepção permitiria ao Estado irlandês tratar as mulheres casadas discriminatoriamente.

A requerente alega que os princípios enunciados pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 2 de Fevereiro de 1988 ( 10 ) não podem ser aplicados sem alterações aos factos do presente processo, uma vez que se baseiam no pressuposto de que os particulares conhecem os seus direitos face à lei e de que é razoável esperar que respeitem as disposições da legislação nacional relativas à atribuição desses direitos. Todavia, a Directiva 79/7 tinha como objectivo assegurar a igualdade de tratamento a um grupo particularmente vulnerável da Comunidade, isto é, às pessoas que beneficiam de prestações e de subsídios da segurança social. Todas essas pessoas confiam especialmente no Estado para que as informe dos seus direitos e possam obter o pagamento das importâncias que lhes são devidas.

Segundo a requerente, o facto de o requerido não ter dado execução às disposições da directiva na data exigida teve como consequência não só privar as mulheres casadas do direito à igualdade de tratamento, mas igualmente ocultar-lhes o verdadeiro conteúdo dos seus direitos. O requerido infringiu o disposto no artigo 5.° da directiva uma vez que se mantiveram em vigor depois de 23 de Dezembro de 1984 uma série de disposições legislativas, regulamentares e administrativas contrárias ao princípio da igualdade de tratamento. A manutenção em vigor de tais disposições legislativas, regulamentares e administrativas após aquela data teve por efeito induzir em erro as mulheres casadas acerca do verdadeiro conteúdo dos seus direitos. As disposições administrativas em vigor na época em causa revestem aqui especial importância uma vez que toda a documentação apresentada pelo requerido apenas descreve a situação jurídica em aplicação das leis e regulamentos nacionais contrários ao direito comunitário.

A requerente considera que há que examinar como é que o facto de autorizar o requerido a invocar a extemporaneidade do pedido poderia reduzir o efeito útil da Directiva 79/7. A este propósito, remete para os acórdãos do Tribunal de Justiça de 1 de Fevereiro de 1977 ( 11 ) e de 9 de Março de 1978 ( 12 ). Menos de 600 mulheres casadas actuaram judicialmente contra o requerido ou contra a Irlanda antes do acórdão de 24 de Março de 1987, McDermott e Cotter, acima citado; este número representa uma pequena parte do número total de mulheres casadas privadas do direito à igualdade de tratamento pelo facto de o Estado não ter dado execução à directiva a partir de 23 de Dezembro de 1984.

Por conseguinte, dar ao requerido a possibilidade de invocar a extemporaneidade do pedido teria como consequências potenciais que a directiva teria muito pouco ou mesmo nenhum efeito útil para grande número de mulheres durante um período de quase dois anos após a data em que lhe deveria ter sido dada execução, o que é incompatível com o efeito vinculativo de uma directiva. Isso aconteceria neste caso, a despeito de a citada directiva ter como objectivo, no que respeita às questões do domínio da segurança social e a partir de 23 de Dezembro de 1984, «a ausência de qualquer discriminação em razão do sexo, quer directa, quer indirectamente por referência, nomeadamente, ao estado civil ou familiar». Tal situação seria, no entender da requerente, injusta, tendo sobretudo em conta o facto de que a Irlanda extraiu benefícios financeiros, eventualmente significativos, do seu incumprimento à obrigação de dar execução à directiva no prazo estabelecido.

Assim, a requerente considera que a questão submetida ao Tribunal de Justiça deve receber resposta afirmativa, devendo declarar-se que é contrário aos princípios gerais do direito comunitário que as autoridades competentes de um Estado-membro invoquem as regras processuais nacionais, designadamente as relativas aos prazos, para se oporem a um pedido apresentado por uma mulher casada com o objectivo de obter a igualdade de tratamento em aplicação da Directiva 79/7.

2.

Os requeridos alegam que a requerente não actuou diligentemente no sentido de fazer valer as suas pretensões no presente processo. Afirmam, designadamente, que a requerente devia ter respeitado o disposto na Order 84, Rule 21, das Rules of the Superior Courts e que esse desrespeito provocou um prejuízo aos requeridos. O requerido afirma que resulta dos acórdãos do Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 1976 ( 13 ), 27 de Março de 1980 ( 14 ), 9 de Novembro de 1983 ( 15 ), 29 de Junho de 1988 ( 16 ) e 9 de Novembro de 1989 ( 17 ) que a devolução das taxas e direitos cobrados em violação do Tratado só pode ser reclamada cumpridos que sejam os requisitos substanciais e formais (incluindo os requisitos relativos aos prazos) constantes das diversas legislações nacionais aplicáveis na matéria. Segundo os requeridos, embora nos citados processos se discutissem sobretudo questões relacionadas com taxas e direitos, os princípios neles enunciados são de aplicação geral, valendo, consequentemente, tanto para pretensões da natureza das que são formuladas no presente caso, como para pedidos de devolução de taxas. Não sendo as modalidades de aplicação dos prazos ou outras regras processuais nacionais menos favoráveis do que as aplicáveis aos pedidos internos da mesma natureza, o requerido entende que a legislação nacional aplicável ao caso não opera qualquer discriminação desta natureza, não tornando tão-pouco impossível ou praticamente impossível o exercício dos direitos conferidos pelo direito comunitário.

Os requeridos observam que o Tribunal de Justiça respondeu à segunda questão no acórdão de 16 de Dezembro de 1976, Rewe, acima citado, tendo declarado que o facto de o Tribunal de Justiça já se ter pronunciado sobre a violação do Tratado não impedia que se pudesse opor ao requerente a questão do esgotamento dos prazos previstos em direito nacional.

Consequentemente, os requeridos entendem que à questão colocada pela High Court deve ser respondido afirmativamente do seguinte modo:

«Na falta de regulamentação comunitaria em materia de contestação ou de recuperação de pagamentos da segurança social, como acontece com uma mulher casada que invoca o n.° 1 do artigo 4.° da Directiva 79/7/CEE do Conselho a fim de obter a igualdade de tratamento bem como uma indemnização devido a uma discriminação alegadamente sofrida pelo facto de não lhe terem sido aplicadas as regras aplicáveis aos homens na mesma situação, compete à ordem jurídica nacional de cada Estado-membro designar os órgãos jurisdicionais competentes e estabelecer as regras processuais a que devem obedecer as acções destinadas a garantir a protecção dos direitos que para os cidadãos resultam do efeito directo do direito comunitário; os princípios gerais do direito comunitário não obstam a que as autoridades competentes de um Estado-membro invoquem regras processuais nacionais, especialmente as relativas aos prazos, contra essa pretensão a fim de restringir ou recusar a indemnização, entendendo-se que as regras processuais aplicáveis a este pedido não podem ser menos favoráveis do que as aplicáveis a pedidos idênticos de direito interno.»

3.

O Governo neerlandês entende que não resulta do efeito directo da disposição — neste caso, o n.° 1 do artigo 4.° da Directiva 79/7 — que o n.° 1 do artigo 4.° seja uma base jurídica suficiente para que, no caso de uma norma nacional ser considerada incompatível com a referida disposição, uma pessoa possa exigir às autoridades nacionais a recuperação integral dos seus direitos com efeitos retroactivos. Efectivamente, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, na actual configuração do direito comunitário, semelhante iniciativa judicial de recuperação retroactiva de direitos apenas pode ser desencadeada em conformidade com as disposições legais do Estado-membro em questão: ver acórdão de 19 de Dezembro de 1968 ( 18 ). O acórdão de 24 de Março de 1987, que acima se citou, não comporta elementos que apontem para uma solução diferente.

O Governo neerlandês faz referência à jurisprudência do Tribunal de Justiça que declara, embora noutro contexto, que as disposições nacionais que designam os órgãos jurisdicionais competentes e que estabelecem as regras processuais não podem ser menos favoráveis do que as aplicáveis aos pedidos internos semelhantes e não podem tornar impossível, na prática, o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária (ver acórdãos do Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 1976, Rewe e Comet, 9 de Novembro de 1983, San Giorgio, 2 de Fevereiro de 1988, Barra, e 29 de Junho de 1988, Deville, todos acima citados). Além disso, no estado actual do direito comunitário, este não proíbe que se suscite a questão do esgotamento dos prazos de direito nacional. O Governo neerlandês considera que tais princípios de direito, que há que tomar em consideração quando se aplica o direito nacional no âmbito de acções de particulares em que se reclamam retroactivamente direitos, podem igualmente ser aplicáveis no presente contexto, relativo à concessão de subsídios da segurança social que erradamente não foram atribuídos no passado, em violação do n.° 1 do artigo 4.° da Directiva 79/7.

Segundo o Governo neerlandês, há ainda que sublinhar a este propósito — novamente noutro contexto mas relativamente a uma questão semelhante — que o Tribunal de Justiça declarou que, se se concluir que a existência de disparidades entre as legislações nacionais é susceptível de comprometer a igualdade de tratamento entre os cidadãos dos diferentes Estados-membros, de provocar distorções ou de prejudicar o funcionamento do mercado comum, compete às instituições comunitárias competentes adoptar as disposições necessárias para solucionar tais disparidades (ver acórdão de 21 de Setembro de 1983 ( 19 )).

Atendendo às considerações que precedem, o Governo neerlandês conclui, relativamente à questão colocada, que, no estado actual do direito comunitário, o n.° 1 do artigo 4.° da Directiva 79/7, enquanto disposição comunitária directamente aplicável, não constitui uma base jurídica suficiente para permitir a um particular exigir às autoridades nacionais a recuperação retroactiva de direitos. A acção correspondente deve ser analisada à luz do direito nacional aplicável na matéria, a menos que as disposições nacionais em causa sejam menos favoráveis do que as aplicáveis a pedidos internos idênticos ou que tornem impossível, na prática, o exercício dos direitos conferidos pelo direito comunitário. De um modo geral, no que respeita à fixação de prazos razoáveis, não é isso que acontece.

4.

O Governo do Reino Unido considera que a questão colocada no presente reenvio prejudicial é a mesma que foi objecto dos acórdãos de 16 de Dezembro de 1976 e de 9 de Novembro de 1983, acima citados, nos quais se declarou que a fixação de prazos razoáveis não impossibilita o exercício de direitos de natureza comunitária. Compete ao órgão jurisdicional nacional certificar-se de que o prazo aqui em causa obedece ao requisito mencionado, ou seja, que não é desrazoável e se aplica do mesmo modo a um direito resultante do direito comunitário e a um direito baseado no direito interno.

O Governo do Reino Unido sugere que o Tribunal de Justiça responda à questão que lhe foi colocada no sentido de que as autoridades competentes de um Estado-membro podem alegar a extemporaneidade de um pedido apresentado perante os órgãos jurisdicionais nacionais, embora se deva garantir que as regras processuais nacionais não sejam menos favoráveis do que as aplicáveis a pedidos baseados no direito interno e não impossibilitem, na prática, o exercício dos direitos conferidos pelo direito comunitário.

5.

A Comissão observa que o simples facto de um Estado-membro manter em vigor e aplicar uma legislação contrária ao direito comunitário não o impede de invocar uma regra processual relativa aos prazos. O princípio geral é que o desconhecimento da lei não aproveita a ninguém, sendo a lei, no presente caso, uma directiva comunitária directamente aplicável. Poder-se-ia, de facto, prever uma excepção para os beneficiários de prestações sociais, em razão da sua situação particularmente desfavorável no que respeita ao acesso às informações jurídicas, mas a Comissão hesita em propor um princípio baseado na ideia de que se possam abrir excepções para categorias determinadas. Não é seguro que se possa aceitar uma excepção pelo simples facto de certas categorias sociais serem ainda menos susceptíveis do que outras de se familiarizarem com aspectos particularmente subtis do direito. O incumprimento da Irlanda em dar execução à directiva no prazo estabelecido, facto que causou um prejuízo à requerente, não se afigura um argumento suficiente para tornar inadmissível o fundamento da defesa, impedindo o requerido de suscitar a questão do atraso na apresentação do pedido.

Segundo a Comissão, poder-se-ia afirmar que o facto de as autoridades irlandesas terem utilizado mecanismos dilatórios em relação à requerente, dando-lhe a entender que a solução do seu caso apenas dependia da solução do processo McDermott e Cotter, acima citado, pode ser tomado em consideração pelo juiz nacional quando lhe é requerida a prorrogação do prazo, normalmente de três meses. Quando uma pessoa que se encontra na situação particularmente vulnerável de um beneficiário de prestações sociais invoca os seus direitos perante o Estado e não é informado de que esse Estado apenas pretende indemnizar as pessoas que tenham actuado diligentemente, pode-se razoavelmente considerar que essa pessoa foi mantida num falso sentimento de segurança, não se lhe podendo em seguida opor a extemporaneidade da apresentação do pedido. A Comissão admite que estas considerações não constituem necessariamente argumentos de direito comunitário; todavia, entende que a ordem jurídica comunitária não pode aceitar que a possibilidade de exercer direitos directamente aplicáveis, mesmo dentro de limites processuais fixados pelo direito nacional, seja ainda mais reduzida devido à adopção pelas autoridades nacionais de um comportamento destinado a dissuadir os beneficiários potenciais desses direitos de explorarem o melhor possível os prazos nacionais. Tal como a regra relativa aos prazos não deve receber uma formulação que torne impossível na prática o exercício de direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária, também uma autoridade nacional que pretenda invocar essa regra não deve adoptar um comportamento que coloque um requerente numa situação em que lhe seria inutilmente difícil cumprir os requisitos estabelecidos na referida regra.

A Comissão assinala que a correspondência «dissuasiva» só começou a ser trocada dois anos e meio depois do nascimento do direito à igualdade de tratamento e que se poderia objectar que já nessa altura o pedido seria extemporâneo; sublinha, porém, que os tribunais nacionais têm o poder discricionário de prorrogar o prazo, normalmente de três meses, se tal prorrogação for susceptível de servir a causa da justiça. A Comissão inclina-se a pensar que é perfeitamente possível que os tribunais nacionais decidam que o prazo deve ser prorrogado até ao momento em que o interessado tomou ou poderia razoavelmente ter tomado conhecimento da existência dos seus direitos. No caso vertente, isso significaria que o prazo poderia perfeitamente ser prorrogado até Março de 1987. A Comissão considera que a ordem jurídica comunitária impede as autoridades irlandesas de invocarem a regra relativa aos prazos após essa data.

A Comissão sugere que o Tribunal de Justiça dê a seguinte resposta à questão que lhe foi colocada pela High Court:

«E contrário ao efeito útil do direito comunitário que as autoridades de um Estado-membro invoquem uma regra nacional relativa aos prazos como fundamento para indeferirem um pedido baseado no direito comunitário quando, pelo seu comportamento anterior, tenham dado a entender que o deferimento desse pedido não dependia do respeito pela regra em questão.»

T. F. O'Higgins

Juiz relator


( *1 ) Língua do processo: inglês.

( 1 ) Statutory Instrument n.° 211 de 1974.

( 2 ) Statutory Instrument n.° 367 de 1986.

( 3 ) Statutory Instrument n.° 422 de 1986.

( 4 ) Statutory Instrument n.° 351 dt 1987.

( 5 ) Statutory Instrument n.° 63 de 1988.

( 6 ) Statutory Instrument n.° 374 de 1952.

( 7 ) (1988) Irish Law Reports Monthly 89.

( 8 ) McDermott e Cotter, 286/85, Coleo., p. 1453.

( 9 ) Becker, 8/81, Recueil, p. 53.

( 10 ) Barra, 309/85, Colect., p. 355.

( 11 ) Verbond van nederlandse Ondesnemingen, 51/76, Recueil, p. 113.

( 12 ) Simmenthai, 106/77, Recueil, p. 629.

( 13 ) Rewe, 33/76, Recueil, p. 1989; e Comet, 45/76, Recueil, p. 2043.

( 14 ) Denkavit, 61/79, Recueil, p. 1205.

( 15 ) San Giorgio, 199/82, Recueil, p. 3595.

( 16 ) Deville, 240/87, Coleo., p. 3513.

( 17 ) Bessin e Saison, 386/87, ColecL, p. 3551.

( 18 ) Salgou, 13/68, Recueil, p. 662.

( 19 ) Deutsche Milchkontor, n.° 24, 205/82 a 215/82, Recueil, p. 2633.


ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

25 de Julho de 1991 ( *1 )

No processo C-208/90,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, pela High Court da Irlanda, destinado a obter, no litígio pendente nesse órgão jurisdicional entre

Theresa Emmott

e

Minister for Social Welfare e Attorney General,

uma decisão a título prejudicial sobre a conjugação entre os prazos processuais nacionais e o efeito directo do n.° 1 do artigo 4.° da Directiva 79/7/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1978, relativa à realização progressiva do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social (JO 1979, L 6, p. 24; EE 05 F2 p. 174),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: O. Due, presidente, T. F. O'Higgins, G. C. Rodríguez Iglesias e M. Diez de Velasco, presidentes de secção, Sir Gordon Slynn, C. N. Kakouris, R. Joliét, F. A. Schockweiler e P. J. G. Kapteyn, juízes,

advogado-geral: J. Mischo

secretário: H. A. Rühi, administrador principal

vistas as alegações escritas apresentadas:

em representação de Theresa Emmott, por Mary Robinson, senior counsel, e Gerard Durcan, barrister-at-law, mandatados por Gallagher Shatter, solicitors,

em representação do Governo irlandês e dos requeridos no processo principal, por Louis J. Dockery, chief state solicitor, na qualidade de agente, assistido por David Byrne, senior counsel, e Aindrias O'Caoimh, barrister-at-law,

em representação do Governo neerlandês, por B. R. Bot, secretário-geral dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente,

em representação do Governo do Reino Unido, por Hussein A. Kaya, treasury solicitor, na qualidade de agente,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Karen Banks, membro do seu Serviço Jurídico, na qualidade de agente,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações de Theresa Emmott, representada por Mary Finlay, senior counsel, do Governo irlandês, do Governo do Reino Unido, representado por C. Vajda, barrister, e da Comissão, na audiencia de 20 de Fevereiro de 1991,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiencia de 23 de Abril de 1991,

profere o presente

Acórdão

1

Por despacho de 22 de Junho de 1990, que deu entrada no Tribunal de Justiça no dia 12 de Julho do mesmo ano, a High Court da Irlanda colocou ao Tribunal, ao abrigo do artigo 177.° do Tratado CEE, uma questão prejudicial essencialmente destinada a saber se um Estado-membro que não tenha transposto correctamente a Directiva 79/7/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1978, relativa à realização progressiva do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social (JO 1979, L 6, p. 24; EE 05 F2 p. 174, a seguir «directiva»), pode opor-se, pelo facto de terem expirado os prazos estabelecidos pela legislação nacional, a que um particular actue judicialmente no sentido de obter o reconhecimento de direitos resultantes de disposições da referida directiva, suficientemente precisas e incondicionais para poderem ser invocadas perante o juiz nacional.

2

Esta questão foi suscitada no âmbito de um litígio entre T. Emmott, por um lado, e o Minister for Social Welfare e o Attorney General da Irlanda, por outro, a propósito do suplemento de prestações sociais reclamado pela interessada com base no n.° 1 do artigo 4.° da directiva.

3

Esta disposição proíbe qualquer discriminação em razão do sexo, nomeadamente no que respeita ao cálculo das prestações, incluindo os acréscimos devidos na qualidade de cônjuge e por pessoa a cargo. O artigo 5.° dispõe que os Estados-membros tomarão as medidas necessárias a fim de serem suprimidas as disposições legislativas, regulamentares e administrativas contrárias ao princípio da igualdade de tratamento. Por força do artigo 8.°, os Estados-membros eram obrigados a pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à directiva no prazo de seis anos a contar da sua notificação, ou seja, até 23 de Dezembro de 1984.

4

A directiva foi transposta para direito irlandês pelo Social Welfare (n.° 2) Act de 16 de Julho de 1985, cujas disposições, no entanto, só entraram em vigor em diferentes datas do ano de 1986. Essa lei, que não se previu tivesse efeitos retroactivos a 23 de Dezembro de 1984, passou a estabelecer uma taxa de prestações uniforme para os homens e as mulheres e sujeitou a condições idênticas o direito aos acréscimos por adulto e filhos a cargo.

5

Em 12 de Dezembro de 1986, o Minister for Social Welfare adoptou as Social Welfare (Preservation of Rights) (n.° 2) Regulations de 1986 (Statutory Instrument n.° 422 de 1986). Esta regulamentação tinha por efeito reservar transitoriamente a atribuição de pagamentos compensatórios periódicos aos homens casados que, após a entrada em vigor da lei de 16 de Julho de 1985, já referida, tivessem perdido o direito aos acréscimos automáticos de prestações da segurança social por adulto a cargo. A aplicação dessas disposições transitórias foi várias vezes prorrogada até 2 de Janeiro de 1989.

6

No quadro de um processo anterior, desencadeado por duas mulheres casadas que reclamavam aos mesmos requeridos o pagamento do mesmo montante de prestações da segurança social que o pago aos homens casados com uma situação familiar idêntica à das requerentes, o Tribunal de Justiça, pronunciando-se sobre uma questão prejudicial que lhe foi colocada pela High Court da Irlanda, declarou que o n.° 1 do artigo 4.° da directiva podia ser invocado a partir de 23 de Dezembro de 1984 para afastar a aplicação de qualquer norma nacional não conforme com o referido artigo e que, na falta de medidas de aplicação desta disposição, as mulheres tinham direito a que lhes fosse aplicado o mesmo regime que aos homens que se encontrassem em situação análoga (ver acórdão de 24 de Março de 1987, McDermott e Cotter, 286/85, Colect., p. 1453).

7

Por acórdão de 13 de Março de 1991, Cotter e McDermott (C-377/89, Colect., p. I-1155), proferido sobre reenvio prejudicial da Supreme Court da Irlanda apresentado no àmbito de novas pretensões apresentadas pelas mesmas requerentes no processo principal, o Tribunal de Justiça respondeu que o n.° 1 do artigo 4.° da directiva devia ser interpretado no sentido de que as mulheres casadas tinham direito a receber os mesmos acréscimos de prestações e pagamentos compensatórios que os atribuídos aos homens casados com uma situação familiar idêntica à delas, mesmo que daí resultassem duplos pagamentos ou uma violação da proibição de enriquecimento sem causa consagrada no direito irlandês.

8

Segundo o citado acórdão (ver n.° 24), a directiva não prevê qualquer derrogação ao princípio da igualdade de tratamento previsto no n.° 1 do artigo 4.° que possa permitir o prolongamento dos efeitos discriminatórios das disposições nacionais anteriores, de modo que um Estado-membro não pode manter, após 23 de Dezembro de 1984, desigualdades de tratamento pelo facto de as condições exigidas para o nascimento do direito aos pagamentos compensatórios serem anteriores a essa data. O facto de essas desigualdades resultarem de disposições transitórias não é susceptível de conduzir a uma apreciação diferente.

9

T. Emmott é casada e tem filhos a cargo. Recebe desde 2 de Dezembro de 1983 um subsídio de invalidez ao abrigo da legislação irlandesa de segurança social. Até 18 de Maio de 1986, recebeu o subsídio à taxa reduzida, aplicável na época a todas as mulheres casadas. Na sequência das alterações introduzidas na legislação irlandesa, o seu subsídio beneficiou de três ajustamentos: a partir de 19 de Maio de 1986, passou a receber um subsídio à taxa aplicável a um homem ou a uma mulher, sem no entanto beneficiar de acréscimos por filhos a cargo. Só a partir de 17 de Novembro de 1986 é que esses acréscimos lhe foram concedidos. Finalmente, em Junho de 1988, passou a beneficiar, com efeitos retroactivos a 28 de Janeiro de 1988, de uma pensão de invalidez à taxa pessoal normalmente aplicável a um homem ou a uma mulher, acrescida em virtude de ter filhos a cargo.

10

Logo após o acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Março de 1987, que acima citámos, T. Emmott iniciou uma troca de correspondência com o Minister for Social Welfare requerendo que lhe fosse reconhecido, desde 23 de Dezembro de 1984, o direito de beneficiar do mesmo montante de prestações que o pago a um homem casado que se encontrasse em situação idêntica à sua.

11

Por carta de 26 de Junho de 1987, o ministro respondeu à interessada afirmando que, pelo facto de a directiva ser ainda objecto de um litígio perante a High Court, nenhuma decisão poderia ser tomada sobre o seu pedido e que este seria analisado assim que fosse proferida uma decisão por aquele órgão jurisdicional.

12

Por despacho de 22 de Julho de 1988, a High Court autorizou a interessada a fazer um pedido de «judicial review» para efeitos de obtenção do pagamento das prestações alegadamente em dívida desde 23 de Dezembro de 1984, em violação do n.° 1 do artigo 4.° da directiva, isto é, um suplemento de pensão de invalidez à taxa pessoal adequada e acréscimos por adulto e filhos a cargo e pagamentos compensatórios. Todavia, o órgão jurisdicional nacional reservou a possibilidade de os requeridos invocarem o facto de a fiscalização jurisdicional ter sido requerida fora de prazo.

13

De entre as «Rules of the Superior Courts 1986», a disposição aplicável a este caso é a Order 84, Rule 21, n.° 1, cuja redacção é a seguinte:

«O pedido de autorização para uma “judicial review” (fiscalização jurisdicional) deve ser apresentado num prazo curto e, em qualquer caso, no prazo de três meses a contar da data em que os fundamentos do pedido se revelaram pela primeira vez, ou de seis meses quando se tratar de um pedido de “certiorari”, a menos que o tribunal considere que não há lugar à prorrogação do prazo.»

14

Tendo as autoridades nacionais em causa alegado efectivamente que o atraso com que a interessada requereu a fiscalização impedia que fosse dado provimento ao seu pedido, a High Court, por despacho de 22 de Junho de 1990, decidiu colocar ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Março de 1987, McDermott e Cotter (Colect., p. 1453), no qual o Tribunal de Justiça respondeu às questões apresentadas ao abrigo do artigo 177.° do Tratado CEE pela High Court, interpretando o disposto no artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 79/7/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1978, da forma seguinte:

“1)

O artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 79/7/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1978, relativa à proibição de qualquer discriminação em razão do sexo em matéria de segurança social podia, na ausência de execução da directiva, ser invocado, a partir de 23 de Dezembro de 1984, para afastar a aplicação de qualquer norma nacional não conforme com o referido artigo 4.°, n.° 1.

2)

Na falta de medidas de aplicação do artigo 4.°, n.° 1, da directiva, as mulheres têm direito a que lhes seja aplicado o mesmo regime que aos homens que se encontrem em situação análoga, regime que permanece, na falta de execução da referida directiva, o único sistema de referência válido.”

ser interpretado no sentido de que quando, em acção intentada perante um órgão jurisdicional nacional, com fundamento no n.° 1 do artigo 4.° dessa directiva, uma mulher casada pede para ser tratada de forma igual e que lhe seja paga uma compensação pela discriminação de que, alegadamente, foi vítima em virtude de não lhe terem sido aplicadas as normas aplicáveis aos homens que se encontrem na mesma situação, é contrária aos princípios gerais do direito comunitário a invocação pelas autoridades competentes do Estado-membro de normas processuais internas, em especial as relativas aos prazos, para se oporem a esses pedidos, de modo a restringirem ou recusarem essa compensação?»

15

Para mais ampla exposição do enquadramento jurídico e dos factos do litígio no processo principal, da tramitação processual, bem como das alegações escritas apresentadas ao Tribunal, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos dos autos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

16

Segundo jurisprudência assente (ver, entre outros, os acórdãos de 16 de Dezembro de 1976, Rewe, 33/76, Recueil, p. 1989; e de 9 de Novembro de 1983, San Giorgio, 199/82, Recueil, p. 3595), compete à ordem jurídica interna de cada Estado-membro, na falta de regulamentação comunitária na materia, estabelecer as regras processuais das acções e recursos judiciais destinados a assegurar a protecção dos direitos que para os cidadãos resultam do efeito directo do direito comunitário, não podendo essas regras ser menos favoráveis do que as aplicáveis a acções ou recursos internos de idêntica natureza nem tornar impossível, na prática, o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária.

17

Embora, em princípio, a fixação de prazos razoáveis, sob pena de caducidade, satisfaça as duas condições acabadas de indicar, sempre haverá que tomar em conta o carácter especial das directivas.

18

Nos termos do terceiro parágrafo do artigo 189.° do Tratado CEE, «a directiva vincula o Estado-membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios». Embora seja verdade que esta disposição reserva aos Estados-membros a liberdade de escolherem as vias e os meios destinados a assegurar a execução da directiva, o certo é que essa liberdade deixa intacta a obrigação que tem cada Estado destinatário de, na sua ordem jurídica interna, adoptar todas as medidas necessárias com vista a assegurar a plena eficácia da directiva, em conformidade com o objectivo por ela prosseguido (ver acórdão de 10 de Abril de 1984, Van Colson e Kamann, 14/83, Recueil, p. 1891).

19

A este propòsito, há que recordar que os Estados-membros são obrigados a assegurar a plena aplicação da directiva de modo suficientemente claro e preciso, a firn de que, no caso de a directiva se destinar a criar direitos na esfera dos particulares, estes tenham a possibilidade de conhecer o verdadeiro alcance dos seus direitos e de os invocarem, se for caso disso, perante os órgãos jurisdicionais nacionais (ver, entre outros, o acórdão de 9 de Abril de 1987, Comissão/Itália, 363/85, Colect., p. 1733).

20

Só em circunstâncias excepcionais, designadamente quando um Estado-membro não tiver tomado as medidas de execução exigidas ou tiver adoptado medidas incompatíveis com uma directiva, é que o Tribunal de Justiça reconheceu o direito de os cidadãos invocarem judicialmente uma directiva contra um Estado-membro. Esta garantia mínima, decorrente do carácter vinculativo da obrigação imposta aos Estados-membros por efeito das directivas, não pode servir de justificação para que um Estado-membro não tome, em tempo útil, as medidas de aplicação adequadas ao objecto de cada directiva (ver acórdão de 6 de Maio de 1980, Comissão/Bélgica, 102/79, Recueil, p. 1473).

21

Efectivamente, enquanto a directiva não for correctamente transposta para direito nacional, os cidadãos não têm possibilidade de conhecer o verdadeiro alcance dos seus direitos. Essa situação de incerteza para os particulares subsiste mesmo após um acórdão no qual o Tribunal de Justiça tenha considerado que o Estado-membro em causa não cumpriu as obrigações decorrentes da directiva e mesmo que este Tribunal tenha reconhecido que alguma ou algumas disposições da directiva são suficientemente precisas e incondicionais para poderem ser invocadas perante um órgão jurisdicional nacional.

22

Só a transposição correcta da directiva porá fim a esse estado de incerteza e só no momento dessa transposição é que fica criada a situação jurídica necessária para exigir aos cidadãos que façam valer os seus direitos.

23

Daqui decorre que, enquanto a directiva não estiver correctamente transposta, o Estado-membro não pode invocar a extemporaneidade de um pedido apresentado por um particular com vista à protecção dos direitos que lhe são reconhecidos pelas disposições da directiva e que um prazo processual nacional só pode começar a correr a partir desse momento.

24

Por conseguinte, há que responder à questão prejudicial que o direito comunitário obsta a que as autoridades competentes de um Estado-membro invoquem normas processuais nacionais relativas aos prazos no âmbito de um pedido de um particular perante os órgãos jurisdicionais nacionais no sentido de obter a protecção dos direitos que lhe são directamente conferidos pelo artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 79/7, enquanto esse Estado-membro não tiver transposto correctamente as disposições dessa directiva para a ordem jurídica interna.

Quanto às despesas

25

As despesas efectuadas pelos governos irlandês, neerlandês e do Reino Unido, bem como pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram alegações ao Tribunal de Justiça, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre a questão que lhe foi submetida pela High Court da Irlanda, por despacho de 22 de Junho de 1990, declara:

 

O direito comunitário obsta a que as autoridades competentes de um Estado-membro invoquem normas processuais nacionais relativas aos prazos no âmbito de um pedido de um particular perante os órgãos jurisdicionais nacionais no sentido de obter a protecção dos direitos que lhe são directamente conferidos pelo artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 79/7/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1978, relativa à realização progressiva do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social, enquanto esse Estado-membro não tiver transposto correctamente as disposições dessa directiva para a ordem jurídica interna.

 

Due

O'Higgins

Rodríguez Iglesias

Diez de Velasco

Slynn

Kakouris

Joliét

Schockweiler

Kapteyn

Proferido em audiencia pública no Luxemburgo, em 25 de Julho de 1991.

O secretário

J.-G. Giraud

O presidente

O. Due


( *1 ) lingua do processo: inglês.