RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

apresentado no processo C-202/90 ( *1 )

I — Enquadramento jurídico

1.

O artigo 4.°, n.° 1, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 Fl p. 54) define como sujeito passivo desse imposto qualquer pessoa que exerça «de modo independente, em qualquer lugar, uma das actividades económicas referidas no n.° 2, independentemente do fim ou do resultado dessa actividade».

O n.° 2 do referido artigo descreve de modo extensivo as actividades económicas que determinam a sujeição ao imposto. O n.° 4 especifica a expressão «de modo independente» da seguinte maneira:

«A expressão “de modo independente”, utilizada no n.° 1, exclui da tributação os assalariados e outras pessoas, na medida em que se encontrem vinculados à entidade patronal por um contrato de trabalho ou por qualquer outra relação jurídica que estabeleça vínculos de subordinação no que diz respeito às condições de trabalho e de remuneração e à responsabilidade da entidade patronal.»

No que diz respeito à isenção de organismos de direito público relativamente às actividades ou operações que exerçam enquanto autoridades públicas, o artigo 4.°, n.° 5, dispõe que:

«Os Estados, as autarquias territoriais e outros organismos de direito público não serão considerados sujeitos passivos relativamente às actividades ou operações que exerçam na qualidade de autoridades públicas, mesmo quando em conexão com essas mesmas actividades ou operações cobrem direitos, taxas, quotizações ou remunerações.»

2.

O artigo 3.°, n.° 1 da Lei espanhola n.° 30, de 20 de Agosto de 1985, relativa ao imposto sobre o valor acrescentado (BOE de 9.8.1985), limita o facto tributável do seguinte modo:

«Estão sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado as entregas de bens e as prestações de serviços efectuadas a título oneroso, de modo habitual ou ocasional, no desenvolvimento da sua actividade empresarial ou profissional.»

A seguir, a mencionada lei, no artigo 4.°, n.° 2, especifica que, para efeitos da mesma, são considerados empresários ou profissionais as pessoas colectivas ou singulares que realizem habitualmente actividades empresariais ou profissionais.

O n.° 3 do mesmo artigo presume a habitualidade quando, para a realização das operações a que se refere o citado artigo 3.°, se exija o pagamento da «Licencia Fiscal de Actividades Comerciales e Industriales o de Actividades Profesionales y Artísticas».

Ao limitar negativamente o facto sujeito a imposto, o artigo 8.° do regulamento espanhol relativo ao imposto sobre o valor acrescentado, adoptado pelo Decreto real n.° 2028, de 30 de Outubro de 1985 (BOE de 31.10.1985), dispõe, no seu n.° 6, que não estão sujeitos ao imposto:

«os serviços prestados por pessoas singulares no âmbito de um regime de dependência decorrente de relações laborais ou administrativas».

Por último, o n.° 9 do mesmo artigo exclui da tributação:

«as entregas de bens e prestações de serviços efectuadas directamente pelo Estado, pelas autarquias territoriais e seus organismos autónomos, quando forem efectuadas sem contrapartida ou mediante uma contrapartida de natureza fiscal».

3.

A cobrança dos impostos do Estado era materialmente assegurada pelo conjunto de órgãos que o Estatuto Orgânico de la Función Recaudatoria y del Personal Recaudador (a seguir «estatuto orgànico»), aprovado pelo Decreto n.° 3286, de 19 de Dezembro 1969 (BO do Ministério das Finanças espanhol de 30.12.1969), reagrupava sob a denominação de pessoal cobrador e era formado pelos cobradores de finanças, deputados provinciais e cobradores de zona.

A reforma da cobrança de impostos levada a cabo pelo Decreto real n.° 1327, de 13 de Junho de 1986, relativo à cobrança por meio de execução das dívidas da fazenda pública (BOE de 2.7.1986), previu a tomada a cargo directa por parte das delegações e administrações das finanças, da gestão da cobrança dos direitos e créditos do Estado e dos organismos autónomos. Ao mesmo tempo, fez cessar os serviços de cobrança concedidos aos deputados provinciais ou comunidades autónomas uniprovinciais e dos cobradores de finanças e de zona como órgãos de cobrança dos referidos direitos e créditos.

O Decreto real n.° 1451, de 27 de Novembro de 1987, que regulamentou a supressão das concessões do serviço de cobrança e dos cobradores de finanças e de zona (BOE de 28.11.1987) autorizou o ministro da Economia e Finanças a fixar a data da referida supressão, o que fez em 31 de Dezembro de 1987, por despacho de 23 de Novembro do mesmo ano (BOE de 1.12.1987).

Por conseguinte, a figura do cobrador desapareceu no que diz respeito aos créditos e direitos do Estado. Todavia, o mesmo não se passa relativamente às autarquias locais que optaram por assumir a cobrança de determinados impostos, e que são obrigadas nessa hipótese, nos termos do artigo 193.° do texto refundido da Ley de Régimen local, aprovado pelo Decreto real n.° 781, de 18 de Abril de 1986 (BOE de 22.4.1986 e 23.4.1986, a seguir «texto refundido»), a nomear os cobradores e agentes executivos sujeitando-os ao regime aplicável ao pessoal que está ao seu serviço e fixando-lhes a caução que devem prestar.

Deste modo, do denominado pessoal cobrador só restam os cobradores de zona e isto unicamente na medida em que a gestão da cobrança dos impostos locais lhes foi dada em concessão.

Uma vez que, de qualquer modo, a Ley de Haciendas Locales (lei espanhola das finanças locais n.° 39, de 28 de Dezembro de 1988, BOE de 30.12.1988) se limita a fixar preceitos genéricos relativos à cobrança de impostos, que o citado texto refundido só enuncia algumas normas de base na matéria, e o Reglamento de Haciendas Locales de 4 de Agosto de 1952 (BOE de 7.10.1952, a seguir «regulamento relativo às finanças locais») não desenvolve de modo completo a figura do cobrador, é ainda necessário recorrer ao estatuto orgânico que, embora revogado pela primeira disposição final do Decreto real n.° 1451/87, pode ser utilizado como complemento da regulamentação local, na medida em que não foi posto termo aos cobradores de zona relativamente aos impostos locais (primeira disposição transitória do Decreto real n.° 1451/87).

De acordo com estas normas, os aspectos fundamentais do regime jurídico dos cobradores de zona são os seguintes:

1)

Os cobradores são nomeados pela própria autarquia local e devem prestar a caução por esta fixada (artigo 193.°, n.° 2, do texto refundido e artigo 256.°, n.° 1, do regulamento relativo às finanças locais).

2)

No plano funcional, os cobradores dependem, no cumprimento das suas funções, da tesouraria da autarquia local que os designou [artigo 193.°, n.° 1, do texto refundido e artigo 177.°, n.° 1, alínea a), da lei das finanças locais; artigo 36.° do estatuto orgânico e artigo 255.° do regulamento relativo às finanças locais].

3)

Os cobradores beneficiam no exercício das suas funções dos direitos e prerrogativas inerentes à qualidade de «autoridade», podendo exigir o respeito que lhes é devido a esse título, bem como o exercício da acção pública penal nos crimes e contravenções de que sejam vítimas (ver as disposições do artigo 36.° conjugadas com os artigos 39.°, n.° 4, e 28.°, n.os 9 e 11 do estatuto orgânico).

4)

Os cobradores recebem uma remuneração sob a forma de prêmio de cobrança voluntária, que consiste numa percentagem sobre as importâncias cobradas não coercivamente e uma participação nos acréscimos aplicados no caso de cobrança coerciva (artigos 39.°, n.os 1 e 2 do estatuto orgânico, e 256.° do regulamento relativo às finanças locais).

5)

Os cobradores têm direito a nomear o pessoal auxiliar da sua zona (artigo 39.°, n.° 4, do estatuto orgânico).

II — Os factos e a tramitação processual

4.

Os Recaudadores de las Zonas primera y segunda (os cobradores das primeira e segunda zonas), ao procederem à liquidação do prémio de cobrança ao Ayuntamiento de Sevilha, aumentaram o seu montante com o imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA»). Perante esta repercussão, o Ayuntamiento apresentou a correspondente reclamação económico-administrativa perante o Tribunal Económico Administrativo Provincial de Sevilha que, nos termos da doutrina administrativa estabelecida pela direcção-geral dos impostos, foi indeferida por decisão de 31 de Outubro de 1988, na medida em que os cobradores devem ser considerados como profissionais independentes sujeitos ao imposto, uma vez que realizam as suas operações de modo habitual, por sua própria conta e mediante o pagamento de um preço.

Em 16 de Dezembro de 1988, o Ayuntamiento de Sevilha interpôs um recurso contencioso administrativo contra esta decisão perante o Tribunal Superior de Justicia de Andalucía, que, por decisão de 11 de Julho de 1990, suspendeu a instância para apresentar ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«a)

O artigo 4.°, n.os 1 e 4, da Directiva 77/388/CEE deve ser interpretado no sentido de que a actividade exercida pelos cobradores de impostos constitui, devido ao conjunto das suas características, uma actividade profissional prestada de modo independente, remunerada a esse título, e por conseguinte sujeita ao imposto?

b)

No caso de a actividade de um cobrador constituir efectivamente uma actividade exercida de modo independente, a aplicação de um imposto deve, apesar disso, ser excluída pela razão de se tratarem de actividades ou de operações efectuadas na qualidade de autoridade pública, na acepção do artigo 4.°, n.° 5, da mesma directiva?»

5.

O despacho do Tribunal Superior de Justicia de Andalucía foi registado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 2 de Julho de 1990.

6.

Nos termos do artigo 20.° do Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça, foram apresentadas observações escritas:

em nome do demandante no processo principal, o Ayuntamiento de Sevilha, por E. Barrero, advogado do Ayuntamiento,

em nome do Governo espanhol, por Antonio Hierro, abogado del Estado, na qualidade de agente,

em nome da Comissão das Comunidades Europeias, por D. Calleja y Crespo, membro do seu Serviço Jurídico, na qualidade de agente.

7.

Com base no relatório preliminar do juiz relator, ouvido o advogado-geral, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução prévia. Por decisão de 6 de Fevereiro de 1991, nos termos do artigo 95.°, n.os 1 e 2 do Regulamento de Processo, o processo foi atribuído à Quinta Secção.

III — Observações escritas apresentadas perante o Tribunal de Justiça

Os cobradores exercem as suas actividades de um modo independente ou não?

8.

O demandante começa por precisar que nem a legislação espanhola nem a legislação comunitária fazem depender a isenção por causa da dependência da existência de uma relação de trabalho no âmbito da função pública em sentido estrito.

Acrescenta que, em caso nenhum, o cobrador pode ser considerado um empresário livre que gere os seus negócios por conta própria, uma vez que é nomeado pelo Ayuntamiento através de um concurso e que adquire, por essa forma, uma situação orgânica e estatutária específica. Inclusivamente no ordenamento jurídico espanhol é considerado funcionário para determinados efeitos, por exemplo os penais.

Por outro lado, está hierarquicamente vinculado à organização municipal no exercício das suas funções e não é responsável no que diz respeito ao êxito da sua gestão, uma vez que, se um imposto é incobrável, limita-se a devolver o título de cobrança respectivo.

9.

O Governo espanhol considera que os cobradores cumprem as suas funções com total independência para efeitos da sua sujeição ao imposto. Em apoio das suas conclusões invoca o acórdão de 26 de Março de 1987, Comissão/Países Baixos (235/85, Colect., p. 1471), onde se declarou que realizam as suas actividades de forma independente os profissionais que as exerçam por conta própria e sob a sua própria responsabilidade, organizando o seu trabalho e recebendo eles próprios os emolumentos que constituem os seus rendimentos, sem que essa independência possa ser posta em causa pela razão de que estão sujeitos a um controlo disciplinar ou que as suas remunerações são determinadas pela lei.

Nesse sentido — especifica — os cobradores são profissionais que operam por conta própria, recebem emolumentos à margem dos orçamentos da autarquia local e organizam os seus serviços de modo independente, assumindo as suas próprias despesas, recrutando o seu próprio pessoal e estando sujeitos ao imposto profissional.

A dependência funcional em que se encontram em relação à autarquia local e o controlo exercido por esta última não alteram em nada a liberdade de decisão dos cobradores.

10.

A Comissão examina, à luz da definição negativa de independência dada no artigo 4.°, n.° 4, da Directiva 77/388, se as não sujeições referidas nessa disposição são aplicáveis aos cobradores. Depois de rejeitar que os cobradores podem ser considerados assalariados ou vinculados por um contrato de trabalho, analisa a sua possível subordinação ao Ayuntamiento.

A este respeito, a Comissão afirma que os cobradores são terceiros a quem a administração encomendou a prestação de serviços, isto é, são agentes auxiliares situados fora da estrutura administrativa.

A sua actividade caracteriza-se por uma grande liberdade de acção, na medida em que dispõem de um poder de organização e de aplicação de recursos humanos e materiais, como o demonstra o facto de terem de prestar caução.

Por outro lado, o seu sistema de remuneração é uma confirmação da sua independência, ao revelar que o que lhes é exigido é uma obrigação de resultado.

Por último, o facto de se tratar de uma profissão regulamentada ou de estarem sujeitos a um poder disciplinar ou a determinados controlos no exercício das suas funções, e mesmo o facto de a sua remuneração ser fixada pela lei, não constituem elementos suficientes para os considerar suma relação de subordinação. A Comissão apoia-se a este respeito no acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça em 26 de Março de 1987, Comissão/Países Baixos, já referido.

A cobrança de impostos é uma actividade exercida na qualidade de autoridade pública na acepção do artigo 4.°, n.° 5, da Directiva 77/38 8/CEE?

11.

O demandante afirma que a cobrança de impostos é uma actividade típica de uma autoridade pública. Começa por assinalar que, na sua opinião, o conceito de actividade exercida na qualidade de autoridade pública, tal como é utilizada na directiva, é um conceito lato, referindo-se a todas as prestações da administração, mesmo que se cobre um preço ou taxa pela sua efectuação; acrescenta que esta noção deve ser oposta à noção mais restrita de «serviço público».

Em seguida, o demandante sublinha que a cobrança constitui nesse sentido uma função tipicamente administrativa, uma vez que, diferentemente das actividades industriais, que podem ser exercidas paralelamente por particulares, a cobrança de impostos é um monopólio do Estado e das autarquias.

Sendo esta actividade incontestavelmente uma actividade de autoridade pública, o demandante afirma que a questão que se coloca é a de saber se a isenção referida pela directiva pode ser excluída pelo facto de o Ayuntamiento proceder à cobrança por intermédio de um cobrador que utiliza uma pequena «organização» no desenvolvimento da sua função e que age por interesse.

Sem prejuízo do facto de a resposta negativa poder ser determinada pelo carácter dependente da sua actividade, o demandante considera que, se a directiva não faz qualquer distinção entre o exercício directo ou indirecto de uma actividade exercida na qualidade de autoridade pública, não há que fazer a distinção, de modo que a isenção deve ser considerada como abrangendo todas as actividades exercidas na qualidade de autoridade pública.

De qualquer modo, segundo o demandante, a natureza da actividade exercida na qualidade de autoridade pública não pode ser alterada pela escolha feita pelo ente público de uma ou outra das formas legais de gestão, ainda que essa gestão seja assegurada por intermédio de um terceiro.

12.

O Governo espanhol sublinha que, de acordo com o acórdão de 26 de Março de 1987, Comissão/Países Baixos, atrás referido, a isenção dos organismos públicos deve ser colocada no contexto geral do sistema comum do IVA, que se caracteriza pela generalidade do seu âmbito de aplicação e pelo facto de todas as isenções deverem ser expressas e precisas. Portanto, a isenção dos organismos públicos exige a reunião de duas circunstâncias: o exercício directo das actividades por parte de um organismo público e o seu exercício na qualidade de autoridade pública.

Ora, estas condições não estão preenchidas pelos cobradores cuja actividade não é imputável unicamente ao demandante, uma vez que não estão plenamente integrados na sua organização administrativa. A este respeito, o Governo espanhol invoca o acórdão de 11 de Julho de 1985, Comissão/Alemanha (107/84, Recueil, p. 2655), que retém unicamente o critério orgânico para interpretar o artigo 4.°, n.° 5, da Sexta Directiva, excluindo o critério funcional.

O Governo espanhol recorda que o acórdão de 17 de Outubro de 1989, Comune di Carpaneto Piacentino e outros (213/87 e 129/88, Colect., p. 3233), confirmado pelo acórdão de 15 de Maio de 1990, Comune di Carpaneto Piacentino (C-4/89, Colect., p. I-1869), declara que o objectivo principal da Sexta Directiva, ou seja, assegurar a perfeita neutralidade do imposto, obriga a estabelecer uma derrogação à regra da não sujeição para todos os casos em que os organismos de direito público exerçam, no âmbito do regime jurídico que lhes é próprio, actividades que possam também ser realizadas, em concorrência com eles, pelos particulares, inclusivamente na base de concessões administrativas.

O Governo espanhol deduz desta doutrina que as actividades desenvolvidas pelos particulares em regime de concessão, mesmo que façam parte do exercício de funções públicas, devem ser sujeitas ao imposto. Ainda que os cobradores näo sejam concessionários, para efeitos fiscais, pode considerar-se que têm um certo número de traços em comum, uma vez que prestam serviços de forma independente sem subordinação ao município.

13.

A Comissão deduz dos acórdãos de 11 de Julho de 1985, Comissão/Alemanha, de 26 de Março de 1987, Comissão/Países Baixos, já referidos, bem como de 17 de Outubro de 1989, Comune di Carpando di Piacentino e outros, que uma actividade exercida por um particular não é automaticamente isenta do IVA pelo facto de consistir na realização de actos derivados de prerrogativas inerentes à autoridade pública.

A actividade dos cobradores — que é incontestavelmente uma actividade de autoridade pública — só não seria sujeita ao IVA se os poderes públicos a exercessem directamente. Em contrapartida, a não sujeição fica excluída quando os referidos poderes públicos escolhem confiar as funções de cobrança a um terceiro, para que as exerça a título oneroso e de modo independente.

G. C. Rodríguez Iglesias

Juiz relator


( *1 ) Língua do processo: espanhol.


ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

25 de Julho de 1991 ( *1 )

No processo C-202/90,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, pelo Tribunal Superior de Justicia de Andalucía (secção do contencioso administrativo) e destinado a obter, no processo pendente neste órgão jurisdicional entre

Ayuntamiento de Sevilla

e

Recaudadores de Tributos de las Zonas primera y segunda,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 4.°, n. os 1, 4 e 5 da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 Fl p. 54),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: J. C. Moitinho de Almeida, presidente de secção, G. C. Rodríguez Iglesias, Sir Gordon Slynn, F. Grévisse e M. Zuleeg, juízes,

advogado-geral : G. Tesauro

secretario: D. Louterman, administradora principal

considerando as observações escritas apresentadas:

em representação do Ayuntamiento de Sevilha, por E. Barrero González, membro do Serviço Jurídico do Ayuntamiento, na qualidade de agente,

em representação do Governo espanhol, por Carlos Bastarreche Sagües, direc-tor-geral da Coordenação Jurídica Comunitária, e Antonio Hierro Hernández-Mora, abogado del Estado, na qualidade de agentes,

em representação das Comunidades Europeias, por D. Calleja y Crespo, membro do seu Serviço Jurídico, na qualidade de agente,

visto o relatório para audiencia,

ouvidas as alegações do Ayuntamiento de Sevilha, do Governo espanhol, representado por Rosario Silva de Lapuerta, abogado del Estado, na qualidade de agente, e da Comissão, na audiencia de 2 de Maio de 1991,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiencia de 4 de Junho de 1991,

profere o presente

Acórdão

1

Por decisão de 11 de Junho de 1990, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 2 de Julho seguinte, o Tribunal Superior de Justicia de Andalucía submeteu, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, duas questões prejudicais relativas à interpretação do artigo 4.°, n.os 1, 4 e 5 da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1, a seguir «Sexta Directiva»).

2

Estas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio que opõe o Ayuntamiento de Sevilha (município de Sevilha) aos Recaudadores de las Zonas primera y segunda (cobradores das primeira e segunda zonas)

3

Resulta dos autos que, segundo a legislação espanhola, os cobradores de zona (a seguir «cobradores») são nomeados pela autarquia local cujos impostos cobram, e devem prestar a caução fixada por esta última. Desempenham a sua função sob a dependência funcional dessa autarquia local. Têm direito a uma remuneração sob a forma de um prémio de cobrança voluntária, que consiste numa percentagem sobre as somas cobradas não coercivamente, e de uma participação nos acréscimos aplicados em caso de cobrança coerciva. Por último, dispõem de instalações próprias e contratam o seu pessoal auxiliar.

4

Aquando da liquidação do prémio de cobrança, os cobradores das primeira e segunda zonas adicionaram ao seu montante o do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA»). O Ayuntamiento de Sevilha opôs-se a essa liquidação com uma reclamação económico-administrativa perante o Tribunal Económico Administrativo Provincial de Sevilha, que a indeferiu por decisão de 31 de Outubro de 1988.

5

Interposto recurso contra essa decisão, o Tribunal Superior de Justicia de Andalucía decidiu suspender a instância e apresentar ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais :

«a)

O artigo 4.°, n.os 1 e 4 da Directiva 77/388/CEE deve ser interpretado no sentido de que a actividade exercida pelos cobradores de impostos constitui, devido ao conjunto das suas características, uma actividade profissional prestada de modo independente, remunerada a esse título, e por conseguinte sujeita a um imposto?

b)

No caso da actividade de um cobrador constituir efectivamente uma actividade exercida de modo independente, a aplicação de um imposto deve, apesar disso, ser excluída pela razão de se tratarem de actividades ou de operações efectuadas na qualidade de autoridade pública, na acepção do artigo 4.°, n.° 5, da mesma directiva?»

6

Para mais ampla exposição dos factos no processo principal, da tramitação do processo, bem como das observações escritas apresentadas ao Tribunal, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

Quanto à primeira questão

7

Nos termos do artigo 4.°, n.° 1, da Sexta Directiva:

«Por “sujeito passivo”, entende-se qualquer pessoa que exerça de modo independente, em qualquer lugar, uma das actividades económicas referidas no n.° 2, independentemente do fim ou do resultado dessa actividade.»

8

O órgão jurisdicional nacional interroga-se quanto aos elementos a ter em consideração para determinar se uma actividade como a dos cobradores de impostos deve ser considerada ou não como exercida de modo independente na acepção desta disposição.

9

A este respeito, o artigo 4.°, n.° 4, primeiro parágrafo, dispõe que:

«A expressão “de modo independente”, utilizada no n.° 1, exclui da tributação os assalariados e outras pessoas, na medida em que se encontrem vinculados à entidade patronal por um contrato de trabalho ou por qualquer outra relação jurídica que estabeleça vínculos de subordinação no que diz respeito às condições de trabalho e de remuneração e à responsabilidade da entidade patronal.»

10

Resulta dos autos que os cobradores de impostos não recebem um salário e que não estão vinculados ao Ayuntamiento por um contrato de trabalho. Assim, há que examinar se a relação jurídica com o Ayuntamiento cria, apesar disso, os vínculos de subordinação referidos no artigo 4.°, n.° 4, da directiva.

11

No que diz respeito, em primeiro lugar, às condições de trabalho, não existe vínculo de subordinação, uma vez que os cobradores de impostos exercem e organizam de modo autônomo, no âmbito dos limites previstos pela lei, os meios necessários em pessoal e em material ao exercício das suas actividades.

12

Nestas condições, a dependência funcional dos cobradores de impostos em relação à autoridade da autarquia, que lhes pode dar instruções, bem como a sua sujeição a um controlo disciplinar por parte dessa autoridade, não parecem determinantes para a qualificação da sua relação jurídica com o Ayuntamiento nos termos do artigo 4.°, n.° 4, da directiva (ver, relativamente ao controlo disciplinar, o acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Março de 1987, Comissão/Países Baixos, n.° 14, 235/85, Colect., p. 1471).

13

Em segundo lugar, no que diz respeito às condições de remuneração, não existe vínculo de subordinação, uma vez que os cobradores de impostos suportam o risco económico da sua actividade, na medida em que o lucro que daí retiram depende não apenas do montante dos impostos cobrados, mas também das despesas ligadas à organização dos recursos humanos e em material da sua actividade.

14

Por último, no que se refere à responsabilidade do empregador, o facto de o Ayuntamiento poder ser considerado responsável pelos comportamentos dos cobradores de impostos quando actuam na qualidade de delegados da autoridade pública não é suficiente para provar a existência de vínculos de subordinação.

15

O critério decisivo a este respeito é o da responsabilidade que decorre das relações contratuais estabelecidas pelos cobradores no exercício da sua actividade, bem como a sua responsabilidade pelos prejuízos causados a terceiros, quando não actuam na qualidade de delegados da autoridade pública.

16

Assim, há que responder à primeira questão que o artigo 4.°, n.os 1 e 4, da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que uma actividade tal como a dos cobradores de impostos deve ser considerada como exercida de modo independente.

Quanto à segunda questão

17

A segunda questão diz respeito à interpretação do artigo 4.°, n.° 5, da Sexta Directiva, cujo primeiro parágrafo dispõe que:

«Os Estados, as colectividades territoriais e outros organismos de direito público não serão considerados sujeitos passivos relativamente às actividades ou operações que exerçam na qualidade de autoridades públicas, mesmo quando em conexão com essas mesmas actividades ou operações cobrem direitos, taxas, quotizações ou remunerações.»

18

Como o Tribunal já várias vezes decidiu, a análise deste texto, à luz dos objectivos da directiva, põe em evidência o facto de que devem ser preenchidas cumulativamente duas condições para que a regra da não sujeição seja aplicada, ou seja, o exercício de actividades por um organismo público e o exercício de actividades efectuadas na qualidade de autoridade pública (acórdãos de 11 de Julho de 1985, Comissão/Alemanha, n.° 11, 107/84, Recueil, p. 2655; de 26 de Março de 1987, Comissão/Países Baixos, atrás referido, n.° 21; de 17 de Outubro de 1989, Comune di Carpaneto Piacentino e outros, n.° 12, 231/87 e 129/88, Colect., p. 3233).

19

No respeitante à primeira destas duas condições, o Tribunal já declarou no acórdão de 26 de Março de 1987, atrás referido, n.° 21, que uma actividade exercida por um particular não está isenta de IVA pelo simples facto de consistir na prática de actos cuja execução se integra nos da autoridade pública.

20

Daqui resulta que, quando uma autarquia confia a actividade de cobrança do imposto a um terceiro independente, a exclusão prevista pela disposição atrás referida não é aplicável.

21

Assim, há que responder à segunda questão que o artigo 4.°, n.° 5, da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que não é aplicável quando a actividade de uma autoridade pública não é exercida directamente, mas está confiada a um terceiro independente.

Quanto às despesas

22

As despesas efectuadas pelo Governo espanhol e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

pronunciando-se sobre as questões que lhe foram submetidas pelo Tribunal Superior de Justicia de Andalucía, por decisão de 11 de Junho de 1990, declara:

 

1)

O artigo 4°, n.os 1 e 4, da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que uma actividade tal como a dos cobradores de impostos deve ser considerada como exercida de modo independente.

 

2)

O artigo 4.°, n.° 5, da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que não é aplicável quando a actividade de uma autoridade pública não é exercida directamente, mas está confiada a um terceiro independente.

 

Moitinho de Almeida

Rodríguez Iglesias

Slynn

Grévisse

Zuleeg

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 25 de Julho de 1991.

O secretário

J.-G. Giraud

O presidente da Quinta Secção

J. C. Moitinho de Almeida


( *1 ) Língua do processo: espanhol.