RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

apresentado no processo C-292/89 ( *1 )

I — Factos e tramitação processual

1. Enquadramento jurídico comunitário

Nos termos do artigo 48.° do Tratado:

«1.

A livre circulação dos trabalhadores deve ficar assegurada, na Comunidade, o mais tardar no termo do período de transição.

2.

A livre circulação dos trabalhadores implica a abolição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade, entre os trabalhadores dos Estados-membros, no que diz respeito ao emprego, à remuneração e demais condições de trabalho.

3.

A livre circulação dos trabalhadores compreende, sem prejuízo das limitações justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública, o direito de:

a)

responder a ofertas de emprego efectivamente feitas;

b)

deslocar-se livremente, para o efeito, no território dos Estados-membros;

c)

residir num dos Estados-membros a fim de nele exercer uma actividade laboral, em conformidade com as disposições legislativas, regulamentares e administrativas que regem o emprego dos trabalhadores nacionais;

d)

permanecer no território de um Estado-membro depois de nele ter exercido uma actividade laboral, nas condições que serão objecto de regulamentos de execução a estabelecer pela Comissão.

4.

O disposto no presente artigo não é aplicável aos empregos na administração pública.»

Nos termos do artigo 49.°, e para concretizar a livre circulação dos trabalhadores, o Conselho adoptou o Regulamento (CEE) n.° 1612/68, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (JO L 257, p. 2; EE 05 Fl p. 77).

Nos termos dos artigos l.° e 5.° deste regulamento:

«Artigo 1.°

1.   Os nacionais de um Estado-membro, independentemente do local da sua residência, têm o direito de aceder a uma actividade assalariada e de a exercer no territòrio de outro Estado-membro, em conformidade com as disposições legislativas, regulamentares e administrativas que regem o emprego dos trabalhadores nacionais deste Estado.

2.   Beneficiarão, nomeadamente, no território de outro Estado-membro, da mesma prioridade que os nacionais deste Estado no acesso aos empregos disponíveis.

...

Artigo 5.°

Os nacionais de um Estado-membro que procurem emprego no território de outro Estado-membro devem aí receber o mesmo apoio que os serviços de emprego deste Estado concedem aos seus nacionais que procuram emprego.»

Nesse mesmo dia, o Conselho adoptou a Directiva 68/360/CEE, relativa à supressão das restrições à deslocação e permanência dos trabalhadores dos Estados-membros e suas famílias na Comunidade (JO L 257, p. 13; EE 05 Fl p. 88), cujos artigos 4.°, 6.°, 7° e 8.° têm a seguinte redacção:

«Artigo 4.°

1.   Os Estados-membros reconhecerão o direito de permanência no seu território às pessoas abrangidas pelo artigo 1.° que possam apresentar os documentos referidos no n.° 3.

2.   O direito de permanência é confirmado pela emissão de um documento denominado “Cartão de Residência de Nacional de um Estado-membro da CEE”. Este documento deve conter a menção de que foi emitido nos termos do Regulamento (CEE) n.° 1612/68 e das disposições adoptadas pelos Estados-membros em aplicação da presente directiva. O texto desta menção consta do anexo da presente directiva.

3.   Para a emissão do Cartão de Residência de Nacional de um Estado-membro da CEE, os Estados-membros apenas podem exigir a apresentação dos seguintes documentos :

ao trabalhador:

a)

o documento ao abrigo do qual entrou no seu território;

b)

uma declaração de contrato passada pelo empregador ou um certificado de trabalho;

aos familiares:

c)

o documento ao abrigo do qual entraram no seu território;

d)

um documento emitido pela autoridade competente do Estado de origem ou de proveniência provando o seu vínculo de parentesco;

e)

nos casos previstos nos n. os 1 e 2 do artigo 10.° do Regulamento (CEE) n.° 1612/68, um documento emitido pela autoridade competente do Estado de origem ou de proveniência atestando que estão a cargo do trabalhador ou que vivem, nesse país, sob o mesmo tecto desse trabalhador.

4.   Quando um familiar não possua a nacionalidade de um Estado-membro ser-lhe-á dado um documento de residência que terá a mesma validade que o concedido ao trabalhador de que depende.

...

Artigo 6.°

1.   O cartão de residência:

a)

deve ser válido para a totalidade do território do Estado-membro que o emitiu;

b)

deve ter um período de validade de, pelo menos, cinco anos a contar da data de emissão e ser automaticamente renovável.

2.   As interrupções de residência que não ultrapassem seis meses consecutivos e as ausências motivadas pelo cumprimento de obrigações militares não afectam a validade do cartão de residência.

3.   Quando o trabalhador ocupar um emprego durante um período superior a três meses e inferior a um ano ao serviço de um empregador do Estado de acolhimento ou por conta de um prestador de serviços, o Estado-membro de acolhimento emitirá em seu favor uma autorização temporária de residência cujo prazo de validade pode ser limitado à duração prevista para o emprego.

Sem prejuízo do disposto no n.° 1, alínea c), do artigo 8.°, será igualmente emitida uma autorização temporária de residência em favor do trabalhador sazonal que ocupar um emprego por um período superior a três meses. A duração do emprego deve ser indicada nos documentos previstos no n.° 3, alínea b), do artigo 4.°

Artigo 7.°

1.   O cartão de residência válido não pode ser retirado ao trabalhador pelo simples facto de ele já não ocupar um emprego, quer por o interessado ter ficado temporariamente incapacitado para o trabalho por motivo de doença ou acidente, quer por se encontrar em situação de desemprego involuntário devidamente comprovada pelo serviço de emprego competente.

2.   Aquando da primeira renovação, o prazo de validade do cartão de residência pode ser limitado se o trabalhador se encontrar há mais de doze meses consecutivos numa situação de desemprego involuntário no Estado de acolhimento. Esse prazo de validade não pode, porém, ser inferior a doze meses.

Artigo 8.°

1.   Os Estados-membros reconhecem o direito de permanência no seu território, sem que haja lugar à emissão do cartão de residência:

a)

ao trabalhador que exerça uma actividade assalariada com uma duração prevista não superior a três meses. O documento ao abrigo do qual o interessado entrou no território e uma declaração da entidade patronal indicando o período previsto de trabalho serão considerados títulos suficientes para a permanência. Porém, não será exigida a declaração da entidade patronal no caso dos trabalhadores beneficiários da directiva do Conselho de 25 de Fevereiro de 1964 relativa à realização da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços para as actividades dos intermediários do comércio, da indústria e do artesanato;

b)

ao trabalhador que, mantendo a sua residência num dos Estados-membros aonde regressa, em princípio, diariamente ou, pelo menos, uma vez por semana, trabalhe noutro Estado-membro. A autoridade competente do Estado de emprego pode emitir em favor deste trabalhador um cartão especial, válido por cinco anos e renovável automaticamente;

c)

ao trabalhador sazonal que seja titular de um contrato de trabalho visado pela autoridade competente do Estado-membro no qual vem exercer a sua actividade.

2.   Em todos os casos previstos no n.° 1, as autoridades competentes do Estado de acolhimento podem exigir ao trabalhador que lhes participe a sua presença no território.»

Da acta da sessão do Conselho em que a citada directiva foi aprovada consta a seguinte declaração relativa aos seus artigos 3.° e 4.°:

«Os nacionais de um Estado-membro referidos no artigo 1.° que se desloquem a outro Estado-membro para nele procurar emprego dispõem, para esse efeito, de um prazo mínimo de três meses; no caso de, decorrido esse prazo, não terem encontrado emprego, poderá ser posto fim à sua permanência no território do segundo Estado.

Contudo, se as pessoas acima referidas tiverem, no período citado, de ser postas a cargo da assistência pública (segurança social) do segundo Estado, podem ser convidadas a abandonar o seu território.»

2. Enquadramento jurídico nacional

Nos termos da secção 3 (1) do Immigration Act 1971 (a seguir «lei de 1971»), quem não tenha a nacionalidade britânica não pode entrar no Reino Unido sem autorização. A secção 3 (2) determina que o Secretary of State deve entregar no Parlamento, em determinadas datas, uma declaração contendo as regras quanto à prática a seguir para a aplicação da lei de 1971, no que se refere à entrada e residência, no território do Reino Unido, das pessoas cuja entrada está sujeita a autorização.

O Statement of Changes in Immigration Rules HC 169 era o aplicável ao caso em análise; os seus números 67, 140, 141 e 143 estabelecem :

«67.

Os nacionais de um Estado-membro da Comunidade Europeia têm o direito de entrar no território para nele trabalhar ou procurar emprego, para abrir um estabelecimento comercial, para exercer uma actividade por conta própria, ou de qualquer outra forma exercer o direito de estabelecimento ou os direitos relacionados com a prestação ou o recebimento de serviços, de acordo com as disposições do direito comunitário.

...

140.

Quem esteja autorizado (a entrar no Reino Unido nos termos do n.° 67) pode, regra geral, permanecer no Reino Unido durante seis meses antes de solicitar o «Cartão de Residência de Nacional de um Estado-membro da ÇEE». Esse cartão de residência é concedido caso o interessado:

a)

tenha obtido um emprego; ou

b)

tenha aberto estabelecimento comercial ou exerça uma actividade não assalariada ou outra actividade conforme com as disposições comunitárias relativas ao direito de estabelecimento e aos direitos relacionados com a prestação e o recebimento de serviços; ou

c)

seja membro da família... de uma pessoa abrangida pela alínea a) ou b). Neste caso, ser-lhe-á concedida uma autorização de residência se ele próprio for nacional da Comunidade ou uma prorrogação de residência se o não for, nas mesmas condições aplicáveis ao cônjuge ou às pessoas de que depende.

141.

Na hipótese das pessoas abrangidas pela alínea a) do n.° 140, a.autorização de residência deve ser limitada à duração do emprego, caso se preveja que ela seja superior a três meses e inferior a doze meses; fora disso, o prazo de validade da autorização de residência é, normalmente, de cinco anos. Regra geral, não será concedida autorização de residência se o interessado não tiver obtido emprego no prazo de seis meses a partir da data de entrada no Reino Unido ou se, durante esse período, tiver ficado a cargo dos fundos públicos.

...

143.

Uma pessoa pode ser obrigada a abandonar o territorio do Reino Unido, sem prejuízo do direito de recurso, se estiver a cargo dos fundos públicos antes que lhe seja concedida a primeira autorização de residência, ou se, decorridos seis meses sobre a sua admissão no território, não preencher as condições referidas nas alíneas a) ou b) do n.° 140. Após advertência escrita, a duração da autorização de residência pode ser reduzida, sem prejuízo de recurso, caso seja manifesto que o seu titular deixou de preencher as condições da alínea a), b) ou c) do n.° 140. Contudo, a duração da autorização de residência concedida a um trabalhador não pode ser reduzida pelo simples facto de não estar em actividade, se essa situação se dever a incapacidade temporária para o trabalho por motivo de doença ou acidente ou a desemprego involuntário.»

3. O processo principal e as questões prejudiciais

Gustaff Desiderius Antonissen, de nacionalidade belga, chegou ao Reino Unido em Outubro de 1984. Procurou trabalho em vão e, em 30 de Março de 1987, foi condenado por posse ilegal de cocaína e posse dessa droga com intenção de a revender, a seis meses de prisão, pela primeira infracção, e a dois anos de prisão, pela segunda. Saiu em liberdade condicional em 21 de Dezembro de 1987.

Em 27 de Novembro de 1987, o Secretary of State decidiu expulsar G. Antonissen com base na secção 3 (5) (b) da lei de 1971, que autoriza a expulsão caso o ministro a considere de interesse geral. G. Antonissen interpôs recurso para o Immigration Appeal Tribunal, que lhe negou provimento em 18 de Maio de 1988.

Tendo sido deferido o pedido de fiscalização da legalidade, a High Court of Justice, Queen's Bench Division, suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Para efeitos de determinar se um nacional de um Estado-membro deve ser tido como “trabalhador”, na acepção do artigo 48.° do Tratado CEE, quando procura emprego no território de outro Estado-membro, de modo a apenas poder ser objecto de expulsão nos termos do disposto na Directiva 64/221 do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1964, a legislação do segundo Estado-membro pode estabelecer que esse nacional seja obrigado a abandonar o território desse Estado (sem prejuízo do seu direito de recurso) se, seis meses após a sua entrada nesse território, não tiver conseguido obter emprego?

2)

Para a resposta à questão anterior, que importância devem os órgãos jurisdicionais de um Estado-membro atribuir à declaração constante das actas da reunião do Conselho em que foi aprovada a Directiva 68/360?»

Cabe salientar que G. Antonissen deixou o território do Reino Unido, para se instalar de novo na Bélgica, no dia em que foi pronunciada a decisão de reenvio (14 de Junho de 1989).

4. Processo no Tribunal de Justiça

A decisão de reenvio da High Court of Justice, Queen's Bench Division, deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 21 de Setembro de 1989.

Nos termos do artigo 20.° do Protocolo relativo ao Tribunal de Justiça da CEE, foram apresentadas observações escritas: em representação do recorrente no processo principal, por Richard Plender, QC, e Geraldine Clark, barrister, mandatados por Winstan-ley-Burgess and Co.; em representação do Reino Unido, por J. E. Collins, do Treasury Solicitor's Department, na qualidade de agente, assistido por David Pannick, barrister; em representação do Governo da República Federal da Alemanha, por Ernest Roder e Joachim Karl, na qualidade de agentes; em representação do Conselho das Comunidades Europeias, por Marta Arpio, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente; em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por António Caeiro, consultor jurídico, e Nicholas Khan, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes.

Com base no relatório preliminar do juiz-relator e ouvido o advogado-geral, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução.

II — Observações escritas apresentadas ao Tribunal

Quanto à primeira questão

O recorrente no processo principal observa antes de mais que, nos termos da jurisprudência do Tribunal de Justiça, os trabalhadores, ainda que não tenham recebido uma oferta de emprego, têm direito a circular livremente noutro Estado-membro para aí procurar emprego. Menciona, a este respeito, os acórdãos de 8 de Abril de 1976, Royer (48/75, Recueil, p. 497), de 23 de Março de 1982, Levin (53/81, Recueil, p. 1035), e de 18 de Junho de 1987, Lebon (316/85, Colect., p. 2811).

Como o Tratado não prevê qualquer derrogação a este direito, conclui-se, na opinião do recorrente no processo principal, que os Estados-membros não o podem limitar a seis meses ou a qualquer outro prazo. Uma vez que as derrogações à livre circulação dos trabalhadores previstas no n.° 4 do artigo 48.° do Tratado devem, nos termos da jurisprudência do Tribunal de Justiça, ser estritamente interpretadas, os Estados-membros não podem, a fortiori, introduzi-las eles próprios nos casos em que se não encontra prevista qualquer derrogação.

Além disso, a faculdade de os Estados-membros estabelecerem uma limitação no tempo do direito de livre circulação para a procura de emprego é incompatível com o princípio da aplicação uniforme do direito comunitário de que o Tribunal de Justiça se socorreu quando decidiu que o conceito de trabalhador é um conceito comunitário (ver o referido acórdão Levin e os acórdãos de 19 de Março de 1964, Unger, 75/63, Recueil, p. 347; de 3 de Junho de 1986, Kempf, 139/85, Colect., p. 1741; e de 3 de Julho de 1986, Lawrie-Blum, 66/85, Colect., p. 2121).

O recorrente no processo principal argumenta, em seguida, que a faculdade de um Estado-membro limitar o período em que os nacionais de outros Estados-membros, que procurem emprego, podem permanecer no território desse Estado para esse efeito é contrária ao objecto e finalidade do artigo 48.° do Tratado, que visa prosseguir o objectivo definido na alínea c) do artigo 3.°, a saber, «a abolição, entre os Estados-membros, dos obstáculos à livre circulação de pessoas...». Esta disposição constitui simultaneamente um objectivo da Comunidade e uma forma de realizar outros objectivos, e designadamente «uma expansão económica contínua e equilibrada, um maior grau de estabilidade, um aumento acelerado do nível de vida e relações mais estreitas entre os Estados que as integram», a que se refere o artigo 2.°

A limitação em causa constitui, por um lado, um obstáculo à livre circulação de pessoas e, assim, ao objectivo enunciado na alínea c) do artigo 3.°, e, por outro, impede a realização dos objectivos enunciados no artigo 2.° Com efeito, esses objectivos são favorecidos pela livre circulação de pessoas através, entre outras coisas, da criação de um mercado de trabalho equilibrado, o que pressupõe a constituição de um mercado livre em que a oferta e a procura de emprego se entrecruzem nas melhores condições, em que as pessoas que procuram emprego estão libertas de qualquer entrave à liberdade de escolha do local em que o farão. Qualquer restrição a essa liberdade afecta o equilíbrio entre a oferta e a procura.

De acordo com o recorrente no processo principal, a limitação em causa é, ademais, contrária ao princípio da igualdade de tratamento em matéria de acesso ao emprego, princípio de que beneficiam todos os que procuram trabalho (ver o referido acórdão de 18 de Junho de 1987).

O recorrente no processo principal observa, por fim, que as disposições da Directiva 68/360 relativas ao cartão de residência (n.° 3 do artigo 4.°) ou à limitação da duração da residência em caso de desemprego involuntário não podem ser invocadas para restringir direitos instituídos pelo Tratado.

Com base nestas considerações, o recorrente no processo principal propõe que se responda à primeira questão dizendo que, para determinar se um nacional de um Estado-membro deve ser tratado como «trabalhador», na acepção do artigo 48.° do Tratado CEE, quando procura emprego noutro Es-tado-membro, por forma a não poder ser objecto de expulsão, excepto nas condições previstas na Directiva 64/221/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1964, o legislador do segundo Estado-membro não pode dispor que esse nacional possa ser obrigado a abandonar o território desse Estado (sem prejuízo de recurso) caso não tenha ainda encontrado emprego seis meses após a sua admissão no território.

O Governo do Reino Unido admite o direito de os trabalhadores nacionais de um Estado-membro circularem livremente noutro Estado-membro para aí procurarem emprego. Tal direito decorre implicitamente do artigo 1.° do Regulamento n.° 1612/68, que confere o direito «de aceder a uma actividade assalariada e de a exercer». A obrigação de os Estados-membros autorizarem a residência sem limitações para garantir o exercício desse direito é, contudo, contrária a determinadas disposições da Directiva 68/360.

O Governo do Reino Unido cita, a este respeito, os artigos 6.°, n.° 3, e 8.°, que contêm disposições relativas a pessoas que exercem uma actividade temporária e sazonal, e a pessoas que obtiveram o cartão de residência enquanto trabalhadores, vindo posteriormente a encontrar-se na situação de desemprego involuntário. E inadmissível que essas pessoas, cujo direito de residência é objecto de determinadas limitações, sejam tratadas menos favoravelmente do que as que jamais tiveram emprego, e cujo direito de residência seria ilimitado.

O Governo do Reino Unido refere ainda o n.° 3 do artigo 4.° da mesma directiva, observando que quem procura emprego não está em condições de apresentar os documentos aí enumerados para efeitos de obtenção do cartão de residência.

De acordo com o Governo do Reino Unido, decorre das citadas disposições poder ser estabelecido um limite à duração da residência das pessoas que procuram emprego. Uma vez que esse limite não é fixado no direito comunitário, compete aos Esta-dos-membros prever um limite razoável e adequado em todas as circunstâncias.

O Governo do Reino Unido propõe que se responda à primeira questão dizendo que, quando um nacional de um Estado-membro entra no território de outro Estado-membro para aí procurar emprego, o segundo Estado tem o direito de obrigar o interessado a abandonar o seu território caso não tenha encontrado emprego dentro de um prazo razoável. Compete ao segundo Estado determinar em que consiste um prazo razoável (com observância das exigências comunitárias em matéria de proporcionalidade). Este Estado-membro pode razoavelmente encarar a possibilidade de solicitar a essa pessoa que abandone o seu território quando tenham decorrido seis meses desde a sua chegada parą procurar emprego, sem que o tenha encontrado durante esse período.

O Governo da República Federal da Alemanha entende que só os nacionais dos Esta-dos-membros na posse de uma declaração de contrato da entidade patronal, ou de um certificado de trabalho, beneficiam do direito de residência noutro Estado-membro (n.° 3 do artigo 4.° da Directiva 68/360).

O Conselho não apresentou observações sobre esta matéria, por ela dizer respeito à interpretação de uma disposição do Tratado CEE e à conformidade da legislação de um Estado-membro com o direito comunitário.

A Comissão considera que decorre do referido acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Abril de 1976 que o nacional de um Estado-membro que procura emprego noutro Estado-membro é titular de um direito de residência. Admite, contudo, ser possível fixar um limite à duração desse direito.

Baseia-se, para o efeito, no artigo 4.° da Directiva 68/360, nos termos do qual os nacionais dos Estados-membros apenas beneficiam do direito de residência noutro Estado-membro quando estejam em condições de apresentar os documentos referidos no n.° 3. Este número exige a apresentação do documento ao abrigo do qual o trabalhador entrou no território do Estado-membro de acolhimento e de uma declaração de contrato passada pelo empregador, ou de um certificado de trabalho. O direito de se ser admitido no território de outro Estado-membro e o direito de um Estado-membro exigir uma declaração de contrato aos nacionais de outros Estados-membros que nele queiram residir devem ser tornados compatíveis por uma interpretação que confira aos nacionais da Comunidade hipóteses razoáveis de exercer os seus direitos sem relegar para segundo plano o direito de os Estados-membros porem em prática as condições do artigo 4. sem esvaziarem de conteúdo esta disposição.

A Comissão invoca, a este respeito, o referido acórdão de 18 de Junho de 1987, de acordo com o qual quem procura emprego não é «trabalhador», com direito aos benefícios que para os trabalhadores decorrem do direito comunitário, com excepção do direito de igualdade no acesso ao emprego. Invoca, além disso, o n.° 1, alínea c), do artigo 69.° do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade (JO L 149, p. 2; EE 05 Fl p. 98), que dispõe que o trabalhador em situação de desemprego completo que tenha adquirido direito às prestações num Estado-membro e que se desloca a outro Estado-membro para aí procurar emprego conserva o direito a essas prestações durante um período máximo de três meses, caso esteja no estrangeiro. Ainda que o paralelismo entre o direito fundamental à livre circulação dos trabalhadores e as normas comunitárias em matéria de segurança social não deva ser considerado decisivo no caso vertente, dado que as normas comunitárias em matéria de segurança social consistem essencialmente na coordenação de normas nacionais, mais do que num verdadeiro sistema comunitário, tal não impede que, na prática, quem esteja em situação de desemprego possa ficar dependente das prestações da segurança social.

Atendendo às considerações precedentes, a Comissão propõe que se responda à primeira questão dizendo que o nacional de um Estado-membro, que entre no território de outro Estado-membro para aí procurar emprego, não deve ser considerado como continuando a estar abrangido por tempo indeterminado pela noção de «trabalhador», na acepção do artigo 48.° do Tratado.

Quanto à segunda questão

Para o reconente no processo principal, a declaração em causa não pode ser invocada perante um órgão jurisdicional nacional.

A este respeito, argumenta, em primeiro lugar, que os tratados não podem ser interpretados à luz de elementos externos, incluindo as declarações feitas pelos Estados-membros, cujo objectivo consiste em fornecer a interpretação de certas disposições feita em dado momento pelos Estados-membros. Como foi referido pelo advo-gado-geral Henri Mayras nas conclusões apresentadas no processo 2/74, Reyners (Recueil 1974, p. 631 e 666).

«os próprios Estados signatarios do Tratado de Roma excluíram qualquer recurso aos trabalhos preparatorios e é muito duvidoso que as reservas e declarações invocadas, aliás não concordantes, possam ser consideradas verdadeiros trabalhos preparatórios. Da mesma forma, e por força do acto de adesão, tais declarações não seriam oponíveis aos novos membros da Comunidade alargada.

Mas sobretudo, e por diversas vezes, este mesmo Tribunal excluiu o recurso ao referido método de interpretação, fazendo prevalecer o conteúdo e finalidades das disposições do Tratado».

O raciocínio deve conduzir, a fortiori, à exclusão da possibilidade de recurso aos trabalhos preparatórios de uma directiva posterior como meio de interpretação do Tratado.

O Tratado CEE não é idêntico aos resultantes das relações clássicas entre os Estados. Na medida em que, no caso do Tratado CEE, os beneficiários dos direitos que ele institui são não apenas as partes no Tratado, mas também os particulares, as partes no Tratado não podem limitar o seu sentido através de uma declaração posterior. Além disso, o recurso a uma declaração como forma de interpretação do Tratado traduzir-se-ia no «congelamento» dos respectivos termos, quando estes devem ser interpretados como fazendo parte de um texto vivo.

O recorrente no processo principal refere, em segundo lugar, que, caso fosse possível utilizar uma declaração como forma de interpretação do Tratado, haveria uma possibilidade de se chegar dessa maneira a uma interpretação diversa da que se atingiria por outra forma. O que significaria uma modificação do Tratado sem o respeito das garantias processuais exigidas, em caso de revisão, pelo artigo 236.°

O recorrente no processo principal salienta, em terceiro lugar, o facto de a declaração em causa não ter sido publicada. Nos termos do regulamento interno do Conselho (JO 1979, L 268, p. 1; EE Ol F3 p. 12), a referida declaração só podia ter sido apresentada com o consentimento desta instituição. Ora, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça (acórdãos de 13 de Junho de 1958, Meroni, 9/56, Recueil, p. 9, e Meroni, 10/56, Recueil, p. 51) que as actas do Conselho não podem servir como meio de interpretação, dado que não são publicadas.

Esta prática justifica-se por três razões. Em primeiro lugar, não é conforme como o interesse da segurança jurídica que uma medida seja interpretada por referência a elementos que não podem ser obtidos por quem seja titular de direitos por ela afectados. Em segundo lugar, o facto de se autorizar os órgãos jurisdicionais nacionais a socorrerem-se de tais declarações violaria o princípio da igualdade de armas, na medida em que, nessa hipótese, elas apenas poderiam ser obtidas pelos Estados-membros, e não pelos particulares, que com eles podem estar em litígio. Em terceiro lugar, tais declarações resultam normalmente da actividade diplomática, e não jurídica, e a sua utilização, em especial por órgãos jurisdicionais inferiores dos Estados-membros, é susceptível de provocar algumas dificuldades. Pode ser difícil, designadamente para os órgãos jurisdicionais inferiores, apreciar a importância a atribuir a um documento que lhes é apresentado como declaração, bem como a sua natureza autêntica, enquanto expressão dos pontos de vista actuais dos Estados-membros.

O recorrente no processo principal refere, em quarto lugar, que o texto da declaração em causa foi elaborado por juristas-lingüistas, segundo a sua compreensão do acordo dos delegados. Esse texto, que não foi objecto de sucessivas deliberações por parte de diversas instituições comunitárias, não pode afectar o significado dos termos do próprio Tratado CEE.

Com base nas considerações precedentes, o recorrente no processo principal propõe que se responda à segunda questão dizendo que, no âmbito da resposta à questão anterior, um órgão jurisdicional de um Estado-membro não deve atender à declaração constante das actas da sessão do Conselho em que foi aprovada a Directiva 68/360.

O Governo do Reino Unido entende que a declaração em causa emana de todos os Estados-membros. Não é uma declaração unilateral do género da que foi examinada pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 30 de Janeiro de 1985, Comissão/Reino da Dinamarca (143/83, Recueil, p. 427).

Entende que a declaração em causa esclarece a concepção que os Estados-membros tinham das obrigações que para eles decorriam da Directiva 68/360, e faz parte do contexto em que esta directiva foi adoptada. Conclui, assim, que ela deve ser considerada como elemento a tomar em consideração para a adequada interpretação das obrigações estabelecidas pela directiva.

O Governo do Reino Unido propõe que se responda à segunda questão dizendo que a declaração constante das actas da sessão do Conselho em que foi aprovada a Directiva 68/360 constitui um elemento útil para a interpretação pelo Tribunal de Justiça das obrigações impostas aos Estados-membros pela Directiva 68/360.

O Governo da República Federal da Alemanha considera não ser necessário responder à segunda questão. Com efeito, ainda que a declaração em causa vinculasse os Estados-membros, esse efeito obrigatório apenas abrangeria uma duração de três meses. Ora, o órgão jurisdicional de reenvio coloca a questão da validade de uma regulamentação que prevê um direito de residência de seis meses.

O Conselho considera que a declaração em causa tem natureza interna. Constitui um compromisso, que apenas produz efeitos entre os seus autores, de conceder a quem procure emprego um direito de residência mínimo de três meses, que não decorre nem do Tratado nem da Directiva 68/360. O direito de os trabalhadores se deslocarem livremente no território dos Estados-membros deve apenas permitir-lhes responder à oferta efectiva de empregos e o direito de residir num Estado-membro apenas é concedido para nele exercerem um emprego.

A Comissão observa que a declaração em causa pode ser considerada como um acordo político entre signatários, que não cria qualquer direito cuja execução possa ser solicitada em juízo. Conclui que tal declaração não pode ser considerada por um órgão jurisdicional nacional como interpretativa da Directiva 68/360.

A Comissão propõe, assim, que se responda à segunda questão dizendo que a declaração constante das actas da sessão do Conselho em que foi aprovada a Directiva 68/360 não deve, enquanto tal, ser considerada por um órgão jurisdicional nacional como interpretativa do Directiva 68/360.

J. C. Moitinho de Almeida

Juiz-relator


( *1 ) Língua do processo: inglês.


ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

26 de Fevereiro de 1991 ( *1 )

No processo C-292/89,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, pela High Court of Justice, Queen's Bench Division, Londres, destinado a obter, no processo pendente neste órgão jurisdicional entre

The Queen

e

Immigration Appeal Tribunal, ex parte: Gustaff Desiderius Antonissen,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação das disposições de direito comunitário que regem a livre circulação de trabalhadores relativa ao alcance do direito de residência dos nacionais dos Estados-membros que procuram emprego noutro Estado-membro,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por O. Due, presidente, G. F. Mancini, J. C. Moitinho de Almeida, G. C. Rodrigues Iglesias e M. Diez de Velasco, presidentes de secção, Sir Gordon Slynn, C. N. Kakouris, R. Joliét, F. A. Schockweiler, F. Grévisse e M. Zuleeg, juízes,

advogado-geral: M. Darmon

secretano: H. A. Rühi, administrador principal

vistas as observações escritas apresentadas:

em representação do recorrente no processo principal, por Richard Plender, QC, e Geraldine Clark, barrister, mandatados por Winstanley-Burgess and Co.,

em representação do Governo do Reino Unido, por J. E. Gollins, do Treasury Solicitor's Department, na qualidade de agente, assistido por David Pannick, barrister,

em representação do Governo da República Federal da Alemanha, por Ernest Roder e Joachim Karl, respectivamente Regierungsdirektor e Oberregierungsrat no Ministério Federal da Economia, na qualidade de agentes,

em representação do Conselho das Comunidades Europeias, por Marta Arpio, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por António Caeiro, consultor jurídico, e Nicholas Khan, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações do recorrente no processo principal, do Reino Unido, do Conselho e da Comissão, na audiência de 25 de Setembro de 1990,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 8 de Novembro de 1990,

profere o presente

Acórdão

1

Por decisão de 14 de Junho de 1989, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 21 de Setembro seguinte, a High Court of Justice, Queen's Bench Division, submeteu, nos termos do artigo 177.° do Tratado CEE, duas questões prejudiciais relativas à interpretação das disposições de direito comunitário que regem a livre circulação de trabalhadores, relativas ao alcance do direito de residência dos nacionais dos Estados-membros que procurem emprego noutro Estado-membro.

2

Essas questões foram suscitadas no âmbito de um processo entre Gustaff Desiderius Antonissen, de nacionalidade belga, e o Secretary of State for Home Affairs, que em 27 de Novembro de 1987 decidiu expulsá-lo do território do Reino Unido.

3

G. Antonissen, que chegou ao Reino Unido em Outubro de 1984, ainda não conseguira aí emprego quando, em 30 de Maio de 1987, foi condenado pela Crown Court de Liverpool a duas penas de prisão por posse ilegal de cocaína e posse dessa droga com intenção de a revender. Saiu em liberdade condicional em 21 de Dezembro de 1987.

4

A expulsão foi ordenada com base na secção 3 (5) (b) do Immigration Act 1971 (a seguir «lei de 1971»), que autoriza o Secretary of State a expulsar nacionais estrangeiros quando essa expulsão «seja do interesse público».

5

G. Antonissen interpôs recurso da referida decisão do Secretary of State para o Immigration Appeal Tribunal. G. Antonissen argumentou, perante este órgão jurisdicional, que, sendo nacional comunitário, beneficiava da protecção estabelecida pela Directiva 64/821/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1984, para a coordenação de medidas especiais relativas aos estrangeiros em matéria de deslocação e estada justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública (JO 56, p. 850; EE 05 FI p. 36). Aquele órgão jurisdicional entendeu que, visto encontrar-se à procura de emprego em território britânico há mais de seis meses, deixara de poder ser equiparado a um trabalhador comunitário e de ter direito à aplicação da citada directiva. O órgão jurisdicional nacional baseou-se, para esse efeito, no n.° 143 do Statement of Changes in Immigration Rules, adoptado em execução do Immigration Act, que autoriza a expulsão dos nacionais de Estados-membros que, seis meses após a sua admissão no território britânico, não tenham ainda encontrado emprego e não exerçam outra actividade profissional.

6

Tendo sido negado provimento ao seu recurso, G. Antonissen recorreu, pedindo a fiscalização da legalidade da decisão, para a High Court of Justice, Queenn's Bench Division, que suspendeu a instância para submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais :

«1)

Para efeitos de determinar se um nacional de um Estado-membro deve ser tido como “trabalhador”, na acepção do artigo 48.° do Tratado CEE, quando procura emprego no território de outro Estado-membro, de modo a apenas poder ser objecto de expulsão nos termos-do disposto na Directiva 64/221 do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1964, a legislação do segundo Estado-membro pode estabelecer que esse nacional seja obrigado a abandonar o território desse Estado (sem prejuízo do seu direito de recurso) se, seis meses após a sua entrada nesse território, não tiver conseguido obter emprego?

2)

Para a resposta à questão anterior, que importância devem os órgãos jurisdicionais de um Estado-membro atribuir à declaração constante das actas da reunião do Conselho em que foi aprovada a Directiva 68/360?»

7

Para mais ampla exposição dos factos do processo principal, da regulamentação aplicável, bem como das observações escritas apresentadas ao Tribunal de Justiça, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

8

O órgão jurisdicional nacional pretende, no essencial, saber, através das questões prejudiciais, se as disposições de direito comunitário que regem a livre circulação de trabalhadores obstam a que a legislação de um Estado-membro preveja que um nacional de outro Estado-membro, que entrou no seu território para aí procurar emprego, possa ser obrigado, sem prejuízo do direito de recurso, a abandonar esse território, caso nele não tenha encontrado emprego ao fim de seis meses.

9

A este respeito, foi já defendido que, atendendo-se exclusivamente à letra do artigo 48.° do Tratado, o direito dos nacionais comunitários de se deslocarem livremente no território dos Estados-membros apenas é concedido para responder a ofertas de emprego efectivamente feitas [alíneas a) e b) do n.° 3], enquanto o de residencia no territorio desses Estados está dependente do exercício de uma actividade laboral [alínea c) do n.° 3].

10

Esta interpretação, que exclui o direito de os nacionais de um Estado-membro se deslocarem livremente e de residirem no territòrio de outros Estados-membros para efeitos de nele procurarem emprego, não pode ser acolhida.

11

Com efeito, de acordo com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a livre circulação de trabalhadores faz parte dos fundamentos da Comunidade e, assim sendo, as disposições que consagram essa liberdade devem ser interpretadas de forma lata (ver, entre outros, o acórdão de 3 de Julho de 1986, Kempf, n.° 13, 139/85, Colect., p. 1741).

12

Além disso, uma interpretação estrita do n.° 3 do artigo 48.° comprometeria as possibilidades reais de o nacional de um Estado-membro que procura emprego vir a obtê-lo nos outros Estados-membros, privando assim aquela disposição do seu efeito útil.

13

Pelo que o n.° 3 do artigo 48.° deve ser interpretado no sentido de que enuncia de forma não limitativa determinados direitos de que beneficiam os nacionais dos Estados-membros no âmbito da livre circulação dos trabalhadores e que essa liberdade implica também o direito de os nacionais dos Estados-membros circularem livremente no território dos outros Estados-membros e aí residirem para procurar emprego.

14

Esta interpretação do Tratado corresponde, aliás, à do legislador comunitário, como indicam as disposições adoptadas para dar aplicação ao princípio da livre circulação, designadamente os artigos 1.° e 5.° do Regulamento (CEE) n.° 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (JO L 257, p. 2; EE 05 Fl p. 77), que pressupõe o direito de os nacionais comunitários se deslocarem para procurar emprego noutro Estado-membro e, consequentemente, o direito de aí residirem.

15

Em seguida, há que verificar se o direito de residência para efeitos de procura de emprego, como decorre do artigo 48.° e das disposições do Regulamento n.° 1612/68, pode ser objecto de uma limitação temporal.

16

Deve salientar-se a este respeito, e antes de mais, que o efeito útil do artigo 48.° fica garantido na medida em que a legislação comunitária, ou, na sua falta, a legislação de um Estado-membro, conceda aos interessados um prazo razoável que lhes permita tomar conhecimento, no território do Estado-membro em causa, das ofertas de emprego correspondentes às suas qualificações profissionais, e tomar, eventualmente, as medidas necessárias para serem contratados.

17

O órgão jurisdicional nacional refere a declaração constante da acta do Conselho aquando da aprovação do Regulamento n.° 1612/68, já referido, e da Directiva 68/360/CEE, do mesmo dia, relativa à supressão das restrições à deslocação e permanência dos trabalhadores dos Estados-membros e suas famílias na Comunidade (JO L 257, p. 13; EE 05 Fl p. 88), que tem a seguinte redacção:

«Os nacionais de um Estado-membro referidos no artigo l.° (da directiva) que se desloquem a outro Estado-membro para nele procurar emprego dispõem, para esse efeito, de um prazo mínimo de três meses; no caso de, decorrido esse prazo, não v terem encontrado emprego, poderá ser posto fim à sua permanência no território do segundo Estado.

Contudo, se as pessoas acima referidas tiverem, no período citado, de ser postas a cargo da assistência pública (segurança social) do segundo Estado, podem ser convidadas a abandonar o seu território.»

18

Esta declaração não pode, contudo, ser considerada para efeitos de interpretação de uma disposição de direito derivado quando, como no presente processo, o seu conteúdo não encontre qualquer expressão no texto da disposição em causa, não tendo, assim, relevância jurídica.

19

Por seu lado, o Governo britânico e a Comissão referem que resulta do n.° 1 do artigo 69.° do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 do Conselho, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade [cuja versão codificada consta do Regulamento (CEE) n.° 2001/83 do Conselho, de 2 de Junho de 1983 (JO L 230, p. 6; EE 05 F3 p. 53)], que os Estados-membros podem limitar a três meses a residencia no seu territòrio dos nacionais de outro Estado-membro que procurem emprego. Segundo a referida disposição, um trabalhador na situação de desemprego que tenha adquirido direito às prestações num Estado-membro e que se desloque a outro Estado-membro para aí procurar emprego mantém o direito a essas prestações durante um período máximo de três meses.

20

Este argumento não pode ser acolhido. Como referiu, com razão, o advogado-geral, não existe necessariamente uma ligação entre o direito às prestações de desemprego no Estado-membro de origem e o direito de residência no Estado-membro de acolhimento.

21

Na ausência de uma disposição comunitária que fixe um prazo para a residência dos nacionais comunitários que procuram emprego num Estado-membro, um prazo de seis meses, como o fixado pela legislação nacional em causa no processo principal, não se revela, em princípio, como insuficiente para permitir aos interessados tomar conhecimento, no Estado-membro de acolhimento, das ofertas de emprego correspondentes às suas qualificações profissionais e tomarem, eventualmente, as medidas necessárias para serem contratados, e, assim, tal prazo não põe em causa o efeito útil do princípio da livre circulação. Se, após decorrido o prazo em causa, o interessado provar que continua a procurar emprego e que tem efectivamente possibilidades de ser contratado, não poderá ser obrigado a abandonar o território do Estado-membro acolhimento.

22

Deve, pois, responder-se às questões submetidas pelo órgão jurisdicional nacional dizendo que as disposições de direito comunitário que regem a livre circulação de trabalhadores não obstam a que a legislação de um Estado-membro preveja que um nacional de outro Estado-membro, entrado no seu território para aí procurar emprego, possa ser obrigado, sem prejuízo do seu direito de recurso, a abandonar o território se não tiver aí conseguido emprego decorridos seis meses, excepto se o interessado provar que continua a procurar emprego e que tem efectivamente possibilidades de ser contratado.

Quanto às despesas

23

As despesas efectuadas pelos governos britânico e alemão, bem como pelo Conselho e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre as questões que lhe foram submetidas pela High Court of Justice, Queen's Bench Division, por decisão de 14 de Junho de 1989, declara:

 

As disposições de direito comunitário que regem a livre circulação de trabalhadores não obstam a que a legislação de um Estado-membro preveja que um nacional de outro Estado-membro, entrado no seu território para aí procurar emprego, possa ser obrigado, sem prejuízo do seu direito de recurso, a abandonar o território se aí não tiver conseguido emprego decorridos seis meses, excepto se o interessado provar que continua a procurar emprego e que tem efectivamente possibilidades de ser contratado.

 

Due

Mancini

Moitinho de Almeida

Rodríguez Iglesias

Diez de Velasco

Slynn

Kakouris

Joliét

Schockweiler

Grévisse

Zuleeg

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 26 de Fevereiro de 1991.

O secretário

J.-G. Giraud

O presidente

O. Due


( *1 ) Lingua do processo: inglês.