RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

apresentado no processo C-190/89 ( *1 )

I — Matéria de facto e tramitação processual

Por telex de 23 de Janeiro de 1987, Marc Rich & Co. AG, autora no processo principal (a seguir «autora») fez uma proposta de compra de petróleo bruto iraniano franco a bordo à Società Italiana Impianti PA, ré no processo principal (a seguir «ré»). Em 25 de Janeiro, a ré aceitou esta proposta, sujeita a certas condições suplementares. Em 26 de Janeiro, a autora confirmou a aceitação das condições suplementares, enviando de seguida, em 28 de Janeiro, um novo telex que especificava os termos do contrato, e mencionava a seguinte cláusula:

«Lei aplicável e arbitragem

As questões relativas à interpretação, à validade e à execução do presente contrato serão resolvidas segundo o direito inglês. Em caso de litígio entre o comprador e o vendedor, será o mesmo resolvido por três árbitros em Londres. Cada uma das partes designará um árbitro e o terceiro será escolhido por estes dois, sendo a decisão deles, ou de dois deles, definitiva e obrigando ambas as partes.»

Não houve resposta a este telex. O carregamento do navio indicado pela autora terminou em 6 de Fevereiro. No mesmo dia, a autora afirmou que a carga estava gravemente deteriorada. Pediu uma indemnização de mais de 7 milhões de USD. A ré declina qualquer responsabilidade.

Em 18 de Fevereiro de 1988, a interpôs em Itália uma acção contra a autora destinada a obter uma declaração judicial libe-rando-a da sua responsabilidade em relação àquela. A autora foi notificada da propositura da acção em 29 de Fevereiro de 1988. Em 4 de Outubro de 1988, a autora apresentou a sua defesa, acompanhada de um pedido reconvencional em que invocava a cláusula compromissória para contestar a competência do órgão jurisdicional italiano.

Foi também em 29 de Fevereiro de 1988 que a autora deu início em Londres ao processo de arbitragem, no qual a ré se recusou a participar. Em 20 de Maio de 1988, a autora intentou perante a High Court of Justice em Londres uma acção em que pedia àquele tribunal que designasse um árbitro em nome da ré, nos termos do artigo 10.°, n.° 3, do Arbitration Act de 1950. A High Court, em decisão de 19 de Maio de 1988, tinha autorizado a notificação do requerimento inicial à ré em Itália.

Em 8 de Julho de 1988, a ré pediu a anulação desta última decisão.

A ré entende que o litígio deve ser decidido em Itália, por se enquadrar na Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial (a seguir «Convenção»).

A High Court decidiu, em 5 de Novembro de 1988, que a Convenção não se aplicava, que o contrato celebrado entre as partes se regia pelo direito inglês e que podia ser autorizada a notificação no estrangeiro.

A Court of Appeal, perante a qual foi interposto recurso daquela decisão, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais :

«1)

A excepção prevista no ponto 4 do artigo 1.° da Convenção abrange:

a)

todo e qualquer litígio ou decisão e, em caso afirmativo,

b)

os litígios ou decisões em que é contestada a existência de uma Convenção arbitral?

2)

No caso de o presente litígio ser abrangido pela Convenção, e não pela excepção à Convenção, os compradores podem não obstante ser sujeitos à jurisdição inglesa nos termos:

a)

do ponto 1 do artigo 5.° da Convenção, e/ou

b)

do artigo 17.° da Convenção?

3)

No caso de os compradores poderem estar sujeitos à jurisdição inglesa por qualquer outra razão que não a do ponto 2 supra,

a)

este Tribunal deve declarar-se incompetente ou deve sobrestar na decisão nos termos do artigo 21.° da Convenção, ou, em alternativa,

b)

deve sobrestar na decisão, nos termos do artigo 22.° da Convenção, com fundamento em que o órgão jurisdicional italiano foi demandado em primeiro lugar?»

A decisão da Court of Appeal foi registada na Secretaria do Tribunal em 31 de Maio de 1989.

Nos termos do artigo 20.° do Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, foram apresentadas alegações escritas pela sociedade Marc Rich, autora no processo principal, representada por Iain Milligan, advogado em Londres, pela sociedade Italiana Impianti, ré no processo principal, representada por Peter Gross, advogado em Londres, pelo Governo do Reino Unido, representado por John E. Collins, na qualidade de agente, pelo Governo alemão, representado por Christof Böhmer, na qualidade de agente, pelo Governo francês, representado por Edwige Belliard, na qualidade de agente, e Claude Chavance, na qualidade de agente suplente, e pela Comissão das Comunidades Europeias, representada por John Forman, consultor jurídico, e Adam Blomefield, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes.

O Tribunal, com base no relatório preliminar do juiz relator, ouvido o advogado-geral, decidiu iniciar a fase oral sem instrução prévia.

II — Enquadramento jurídico

Nos termos do artigo 1.°, segundo parágrafo, ponto 4, da Convenção, a arbitragem está excluída do campo de aplicação da Convenção. O relatório apresentado pelo comité de peritos que elaborou o texto da Convenção, denominado relatório Jenard (JO 1979, C 59, p. 1; ver versão portuguesa no JO 1990, C 189, p. 122), ao qual as partes se referem para interpretar esta disposição, salienta a este respeito (capítulo III, secção IV, ponto D):

«Existem numerosos acordos internacionais que regulam já a arbitragem, igualmente mencionada no artigo 220.° do Tratado de Roma. Além disso, o Conselho da Europa elaborou uma Convenção Europeia sobre a lei uniforme em matéria de arbitragem, que será certamente acompanhada de um protocolo destinado a facilitar, mais do que o faz a Convenção de Nova Iorque, o reconhecimento e a execução de sentenças arbitrais. Por isso, pareceu preferível excluir a matéria da arbitragem. A Convenção não se aplica nem no que se refere ao reconhecimento e à execução de sentenças arbitrais (ver também a definição do artigo 25.°), nem para determinar a competência dos tribunais em matéria de diferendos relativos a arbitragens, por exemplo as acções de anulação de uma sentença arbitral, nem tão-pouco no que se refere ao reconhecimento de decisões proferidas nessas acções.»

O campo de aplicação da exclusão que decorre do artigo 1.°, segundo parágrafo, ponto 4, da Convenção foi examinado de novo aquando das negociações relativas à adesão da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido à Comunidade Económica Europeia. O relatório de peritos elaborado nessa ocasião, denominado relatório Schlosser, sublinha o seguinte a propósito da arbitragem (JO 1979, C 59, p. 71, n.° 61; ver versão portuguesa no JO 1990, C 189, p. 184):

«A delegação do Reino Unido solicitou esclarecimentos, que não pôde obter no relatório Jenard, no que se refere ao alcance da exclusão da arbitragem do âmbito de aplicação da Convenção. Ao longo dos debates relativos à interpretação das disposições do segundo parágrafo, ponto 4, do artigo 1.°, a análise desta questão suscitou duas tomadas de posição diferentes e inconciliáveis. Segundo o primeiro ponto de vista, defendido essencialmente pela delegação do Reino Unido, esta disposição abrange todos os litígios para cuja resolução foi validamente acordada a competência de um tribunal de arbitragem, incluindo todos os litígios secundários referentes ao processo de arbitragem previsto. De acordo com o outro ponto de vista, subscrito pelos Estados-membros originários, a arbitragem só abrange os processos que transitam perante os tribunais dos Estados no caso de esses processos se referirem a processos de arbitragem, quer tais processos se encontrem já encerrados, em curso ou se trate de processos futuros. Chegou-se, no entanto, a um acordo sobre o facto de que não se afigurava conveniente proceder a uma alteração do texto. Seja como for, só num único caso estas diferenças fundamentais de interpretação conduzem, na prática, a resultados diferentes» (decisão sobre o mérito da causa proferida por um tribunal nacional apesar da existência de um compromisso de arbitragem).

O relatório sublinha, por outro lado, no n.° 64:

«A Convenção não é aplicável aos processos judiciais que se destinam a dar início a um processo de arbitragem, tais como os processos de designação ou de recusa de um árbitro, de determinação do lugar de arbitragem e de prorrogação do prazo fixado para a pronúncia da sentença ou as decisões prejudiciais sobre questões de fundo, tais como existem no direito inglês, sob a forma de “statement of special case” (artigo 21.° do Arbitration Act de 1950). Do mesmo modo, a Convenção não é aplicável às decisões judiciais que verificam a validade ou nulidade de um compromisso de arbitragem ou que ordenam que as partes não dêem continuidade a um processo de arbitragem devido à sua invalidade».

III — Resumo das alegações escritas apresentadas ao Tribunal

Quanto à primeira questão

1.

O Governo alemão observa, a título preliminar, que a questão prejudicial 1, alínea a), está redigida em termos demasiado amplos. Tratar-se-ia, no processo em causa, de um pedido de designação de um árbitro, colocando-se em particular a questão de saber se é admissível a notificação da ré, em Itália, num processo sumário. Nestas circunstâncias, a questão prejudicial devia ter sido reduzida ao ponto de saber se a Convenção se aplica a processos judiciais para a designação de um árbitro. A esta questão teria que ser dada uma resposta claramente negativa (ver o n.° 64 do relatório Schlosser).

2.

A autora sustenta que a Convenção não se aplica aos litígios ou decisões cujo objecto seja, a título principal ou acessório, a arbitragem e quer esteja ou não em causa a existência de uma convenção de arbitragem, pelo menos quando não possa ser afastada desde logo a existência de tal convenção. A este respeito, refere-se, nomeadamente, à Convenção Europeia relativa à lei uniforme sobre a arbitragem, assinada em Estrasburgo em 20 de Janeiro de 1966 (série des traités européens, n.° 56, ainda não entrada em vigor), nos termos da qual a autoridade judiciária conheceria da validade da convenção de arbitragem numa e só numa fase, a saber, quando fosse apresentado um pedido de anulação de uma sentença arbitrai. Antes disso, a autoridade judiciária podia e devia exercer as suas funções, por exemplo, proceder à nomeação dos árbitros sem tomar em consideração a validade da convenção de arbitragem, deixando esta questão aos próprios árbitros.

O Governo fiancés subscreve esta tese. Em seu entender, o conceito de arbitragem abrange o caso de ser dirigido um pedido a um tribunal nacional em violação de um compromisso arbitrai. Com efeito, a evolução do direito da arbitragem teria conduzido à atribuição aos árbitros do poder de se pronunciarem sobre a validade da cláusula compromissória, bem como sobre a regularidade da sua designação. A competência do juiz nacional a este respeito seria apenas residual, reduzida à hipótese de a convenção de arbitragem ser manifestamente inexistente, nula ou caduca.

No entender do Governo do Reino Unido, um litígio respeitante à existência da convenção de arbitragem é abrangido pela excepção prevista no artigo 1.°, segundo parágrafo, ponto 4, da Convenção, pelo que esta não se aplica. As jurisdições dos Estados signatários deviam manter em qualquer caso a sua competência para aplicar as cláusulas compromissórias, e a existência de acções judiciais noutros Estados-membros não devia, nos termos do artigo 21.° da Convenção, ter o efeito de impedir as jurisdições do local da arbitragem de aplicar uma cláusula compromissória.

O Governo alemão entende que a questão de saber se um litígio relativo à validade de uma convenção de arbitragem releva do campo de aplicação da Convenção só pode ser resolvida pela interpretação do artigo 1.°, segundo parágrafo, ponto 4, daquela Convenção, se esta questão for o objecto principal do litígio. Nesta hipótese, seria necessário responder pela negativa. No caso em apreciação, no qual está em causa a designação de um árbitro por um juiz, a questão teria sido suscitada a título prévio. Ora, em princípio, as questões prévias devem ser decididas pelo juiz competente para decidir quanto ao mérito. Assim, o problema de saber se um tribunal cuja competência não decorre da Convenção pode decidir a título prévio sobre a validade de uma convenção de arbitragem não relevaria do artigo 1.°, segundo parágrafo, ponto 4, da Convenção, mas sim do direito processual interno da jurisdição à qual foi submetida a questão principal.

3.

A ré sustenta que as finalidades do artigo 220.°, quarto travessão, do Tratado CEE e da Convenção são melhor realizadas se se entender que a excepção referida no artigo 1.°, segundo parágrafo, ponto 4, se limita à «arbitragem», ou seja, não é extensiva nem aos litígios, nem às decisões. Refere, a este respeito, um parecer «reactualizado» elaborado em Janeiro de 1989, a pedido da ré, pelo professor Schlosser, no qual este contradiz certas conclusões do «relatório Schlosser», tal como foi publicado no Jornal Oficial, nomeadamente no que respeita ao n.° 64 do relatório. Nesta nova interpretação, o artigo 1.°, segundo parágrafo, ponto 4, teria caracter puramente declaratório.

Subsidiariamente, a ré no processo principal emende que a exclusão estipulada no artigo l.°, segundo parágrafo, ponto 4, da Convenção não abrange os processos ou decisões judiciais relativos à existência inicial de uma convenção de arbitragem. Refere a esse respeito um parecer de Jenard, de Outubro de 1989, segundo o qual resulta do acórdão do Tribunal de 4 de Março de 1982, Effer//Kantner (38/81, Recueil, p. 825), que um juiz a quem tenha sido submetido um litígio que só releva da Convenção se existir uma cláusula compromissória, é competente para decidir a questão relativa à existência dessa cláusula.

Mais subsidiariamente, a ré afirma que a excepção refenda no artigo 1.°, segundo parágrafo, ponto 4, da Convenção não se aplica quando a arbitragem for não o objecto essencial do processo, mas apenas um ponto acessório ou incidental. A verdadeira questão, no caso em juízo, consistiria em saber qual o teor do acordo entre as partes; a questão da arbitragem obrigatória teria apenas um carácter incidental.

Finalmente, e ainda mais subsidiariamente, a ré sustenta que a excepção prevista no artigo 1.°, ponto 4, da Convenção não se aplica no caso em que, embora sendo o objecto principal do processo perante uma jurisdição sujeita à Convenção, a arbitragem seja apenas uma questão acessória ou incidental num outro processo, com a mesma causa de pedir e as mesmas partes, ou no âmbito de pedidos conexos apresentados numa outra jurisdição sujeita à Convenção.

As teses invocadas subsidiariamente baseiam-se numa «opinião reactualizada» expressa por Jenard em Outubro de 1989, a pedido da ré, relativa à interpretação de algumas passagens sobre a arbitragem que constam do «relatório Jenard», tal como foi publicado no Jornal Oficial.

A Comissão entende que a excepção prevista no artigo 1.°, segundo parágrafo, ponto 4, da Convenção não pode impedir a aplicação da Convenção a um litígio no qual esteja em causa a validade de uma cláusula compromissória.

Quanto à segunda questão

A autora sustenta que, nos termos do artigo 5.°, ponto 1, da Convenção, tinha razão em considerar competentes os tribunais ingleses para a sua acção contra a ré. A «obrigação que está na base do pedido» é a arbitragem, pois foi nesta obrigação que baseou a propositura da acção em Inglaterra, ou seja, uma acção para a designação de um árbitro, nos termos do artigo 10.°, n.° 3, do Arbitration Act de 1950. Refere, a este respeito, o acórdão do Tribunal de 15 de Janeiro de 1987, Shenavai/Kreischer (266/85, Colect., p. 239). De acordo com a lei inglesa, enquanto lei considerada aplicável (acórdão do Tribunal de 26 de Maio de 1982, Ivenel//Schwab (133/81, Recueil, p. 1891) ou, de qualquer modo, de acordo com qualquer outra ordem jurídica, esta obrigação devia ser executada em Inglaterra. A escolha, nestas circunstâncias, do lugar de execução seria válida para este efeito (acórdão do Tribunal de 17 de Janeiro de 1980, Zelger/Salinitri, 56/79, Recueil, p. 89). Pouco importa que seja discutida a existência de uma convenção de arbitragem (acórdão de 4 de Março de 1982, Effer/Kantner, acima citado).

No que respeita à aplicação do artigo 17.° da Convenção, a autora entende que resulta implicitamente de qualquer convenção de arbitragem que o tribunal do lugar da arbitragem deve ter competência para julgar litígios relacionados com a mesma. Se surgir um litígio deste tipo, que incida sobre a existência de uma convenção, conviria escolher uma solução idêntica à do artigo 5.°, ponto 1, ou seja, os tribunais do presumido local da arbitragem deviam ter competência exclusiva por força do artigo 17.°, desde que houvesse pelo menos alguns indícios da existência de uma convenção de arbitragem.

A contesta que seja validamente possível retirar argumentos do artigo 5.°, ponto 1, da Convenção. No seu entender, a jurisprudência comunitária indica que, quando estiver em questão um certo número de obrigações contratuais, «a obrigação que concretamente serve de base à acção judicial» é a principal (acórdão de 15 de Janeiro de 1987, Shenavai/Kreischer, acima citado). A autora entende, por analogia, que a obrigação contratual que serve de base à acção judicial respeita ao contrato principal, dito de outra forma, ao contrato de venda — mesmo que o contrato principal e a convenção de arbitragem devam ser considerados contratos distintos. Neste caso, a questão controvertida consistiria em saber definitivamente quais os termos exactos do contrato. A ré nega que deva ser executada em Inglaterra qualquer obrigação decorrente deste contrato.

Além disso, a ré entende que a existência e a validade da convenção de arbitragem são uma condição para o exercício da competência, nos termos do artigo 5.°, ponto 1, da Convenção. Tendo em conta a jurisprudência Effer/Kantner, já citada, por um lado, e Zelger/Salinitri, já citada, por outro, não se pode considerar que, quanto a este ponto, o direito esteja definitivamente fixado. Em qualquer caso, enquanto não se tiver por provada a existência de uma convenção de arbitragem válida, não pode ser praticada com base nesta qualquer medida de execução em Inglaterra.

A ré afirma ainda que não foi celebrado entre as partes no processo principal qualquer pacto ou acordo, na acepção do artigo 17.° ou qualquer outra convenção sobre os factos do presente processo, que atribua competência aos tribunais ingleses.

Para a Comissão, parece difícil sustentar simultaneamente que a cláusula compromissória exclui a aplicação da Convenção mas que, nos termos dessa mesma Convenção, aquela pode ser invocada para atribuir competência a um tribunal inglês, sabendo nomeadamente que a mencionada cláusula não comporta menção alguma a qualquer «tribunal».

Os governos alemão, fiancés e do Reino Unido entendem que a posição adoptada em relação à primeira questão exclui a apresentação de observações em relação às segunda e terceira questões.

Quanto à terceira questão

A autora entende que o pedido e a causa de pedir, na acepção do artigo 21.° da Convenção, são diferentes, nas acções submetidas aos tribunais ingleses e italianos, embora as partes sejam as mesmas. Perante o tribunal inglês, o pedido e a causa de pedir ba-sear-se-iam na existência de uma convenção de arbitragem distinta e destacável do contrato em causa, relativo à venda de petróleo bruto. Nesta primeira acção, a autora pretenderia que fosse designado um árbitro, de modo que um tribunal arbitral se possa pronunciar sobre o mérito dos pedidos que formula, em aplicação do contrato em causa. Na acção intentada em Itália, o pedido e a causa de pedir basear-se-iam no contrato em causa. Nesta segunda acção, a ré pretende que, em aplicação do contrato em causa, seja declarada a sua não responsabilidade, e que sejam apresentados certos documentos. O pedido e a causa de pedir não dependem de forma alguma da existência ou inexistência de uma convenção de arbitragem: apenas a competência do tribunal italiano dependeria da mesma.

A autora sustenta subsidiariamente que, mesmo que neste processo os pedidos e as causas de pedir fossem os mesmos, foi perante o tribunal inglês que este pedido e esta causa de pedir foram apresentados em primeiro lugar. Para que os pedidos e causas de pedir sejam os mesmos, seria necessário que incluíssem a contestação relativa à existência de uma convenção de arbitragem. No processo a correr em Inglaterra, a contestação relativa à competência teria sido suscitada pela ré nas suas conclusões de 8 de Julho de 1988. No processo a correr em Itália, a contestação relativa à competência teria sido apresentada pela autora na defesa entregue em 4 de Outubro de 1988. Neste último processo, enquanto a competência não fosse contestada, não existiria qualquer pedido ou causa de pedir baseado na existência ou inexistência de um compromisso arbitrai. Nestas condições, não teria aplicação o segundo parágrafo do artigo 21.°, enquanto a competência do primeiro tribunal não fosse contestada: seria só nesse momento que o primeiro tribunal seria solicitado a pronunciar-se sobre um litígio deste tipo.

Pelas mesmas razões, a autora entende que até ao momento da apresentação das conclusões de defesa no processo a correr em Itália, em 4 de Outubro de 1988, os pedidos não eram conexos, na acepção do artigo 22.° da Convenção. Antes daquela data não teria existido qualquer risco de serem proferidas decisões contraditórias nos processos a correr em Inglaterra e Itália. A questão que podia dar origem ao risco de existência de contradição de julgados, ou seja, a de saber se existia ou não uma convenção de arbitragem, teria sido apresentada em primeiro lugar perante um tribunal inglês. Em consequência, seria o tribunal italiano a ter a possibilidade de suspender a instância em relação ao pedido que lhe foi apresentado, nos termos do artigo 22.°, o que ele deveria fazer para evitar o risco de contradição de julgados.

A sustenta que o presente processo respeita ao campo de aplicação do artigo 21.° da Convenção. No seu entender, a autora invoca em Londres uma convenção de arbitragem cuja existência é negada pela ré. Assim, teria sido suscitada precisamente a mesma questão nos processos inglês e italiano. Aliás, de acordo com a jurisprudência recente do Tribunal de Justiça (acórdão de 8 de Dezembro de 1987, Gubisch/Palumbo, 144/86, Colect., p. 4861), a noção empregue no artigo 21.° não poderia ser restringida à identidade formal das duas acções.

No entender da ré, a questão de saber qual o tribunal «a que a acção foi submetida em primeiro lugar» depende das legislações nacionais dos Estados envolvidos. Neste caso, a acção só teria sido submetida ao tribunal inglês no momento da propositura da acção pela autora através do requerimento inicial de 20 de Maio de 1988. Entretanto, àquela data a questão já tinha sido submetida aos tribunais italianos (em 29 de Fevereiro de 1988).

A ré entende, enfim, que, se o processo não respeita ao campo de aplicação do artigo 21.° da Convenção, entra, manifestamente, no campo de aplicação do artigo 22.°, pois os processos italiano e inglês são manifestamente conexos. Assim, a jurisdição inglesa deveria suspender a instância.

A Comissão entende que o artigo 21.° da Convenção não se aplica no caso presente, por os dois processos serem de natureza fundamentalmente diferente. Com efeito, os tribunais ingleses seriam chamados a pronunciar-se sobre um aspecto processual respeitante a saber se deveria ser dado andamento ao processo de arbitragem, enquanto os tribunais italianos teriam que conhecer de um pedido directamente respeitante à obrigação principal prevista no contrato, a saber, a responsabilidade decorrente de uma garantia expressa ou tácita sobre o petróleo bruto fornecido pela Italiana Impianti à Marc Rich.

No que respeita ao artigo 22.° da Convenção, a Comissão sustenta que os pedidos formulados em Inglaterra e em Itália são efectivamente conexos. Com efeito, os dois pedidos estariam «ligados entre si por uma relação tão estreita que convém instruí-los e julgá-los simultaneamente», precisamente para evitar o perigo que a Convenção tem por fim evitar, ou seja, que sejam proferidas decisões divergentes e não executórias em acções intentadas pelas mesmas partes e fundadas no mesmo litígio fundamental, nomeadamente um diferendo quanto à qualidade e ao valor de certas mercadorias.

M. Zuleeg

Juiz relator


( *1 ) Lingua do processo: ingles.


ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

25 de Julho de 1991 ( *1 )

No processo C-190/89,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal, nos termos do protocolo de 3 de Junho de 1971, relativo à interpretação pelo Tribunal de Justiça da Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial, pela Court of Appeal (Londres), destinado a obter, no processo pendente neste órgão jurisdicional entre

Marc Rich and Co. AG

e

Società Italiana Impianti PA,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 1.°, segundo parágrafo, ponto 4, da Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968 relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: O. Due, presidente, G. F. Mancini, T. F. O'Higgins, G. C. Rodríguez Iglesias, presidentes de secção, Sir Gordon Slynn, R. Joliét, F. A. Schockweiler, F. Grévisse e M. Zuleeg, juízes,

advogado-geral : M. Darmon

secretário: D. Louterman, administradora principal

vistas as alegações escritas apresentadas:

em representação da sociedade Marc Rich, por Iain Milligan, barrister,

em representação da Società Italiana Impianti, por Peter Gross, QC,

em representação do Governo do Reino Unido, por John E. Collins, na qualidade de agente,

em representação do Governo alemão, pelo professor Christof Böhmer, na qualidade de agente,

em representação do Governo francês, por Edwige Belliard e Claude Chavanee, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por John Forman e Adam Blomefield, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações da autora no processo principal, da ré no processo principal, do Governo do Reino Unido, representado por John E. Collins e Van Vechten Veeder, QC, e da Comissão, na audiência de 17 de Outubro de 1990,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 19 de Fevereiro de 1991,

profere o presente

Acórdão

1

Por decisão de 26 de Janeiro de 1989, que deu entrada no Tribunal em 31 de Maio seguinte, a Court of Appeal (Londres) colocou, nos termos do protocolo de 3 de Junho de 1971 relativo à interpretação pelo Tribunal de Justiça da Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial (a seguir «Convenção»), três questões prejudiciais relativas à interpretação de determinadas disposições dessa Convenção.

2

Essas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio pendente nesse órgão jurisdicional entre Marc Rich & Co. AG, sociedade com sede em Zug, Suíça (a seguir «Marc Rich»), por um lado, e a Società Italiana Impianti PA, com sede em Genova, Italia (a seguir «Impianti»), por outro.

3

Dos autos enviados ao Tribunal resulta que, por telex de 23 de Janeiro de 1987, Marc Rich fez urna proposta de compra de petróleo bruto iraniano franco a bordo à Impianti. Em 25 do mesmo mês, esta ùltima aceitou esta proposta, sob reserva de determinadas condições suplementares. Em 26 de Janeiro, Marc Rich confirmou que aceitava essas condições suplementares antes de enviar, em 28 de Janeiro, um novo telex que especificava os termos do contrato e continha a seguinte cláusula:

«Lei aplicável e arbitragem

As questões relativas à interpretação, à validade e à execução do presente contrato serão resolvidas segundo o direito inglês. Em caso de litígio entre o comprador e o vendedor, será o mesmo resolvido por três árbitros em Londres. Cada uma das partes designará um árbitro e o terceiro será escolhido por estes dois, sendo a decisão deles, ou de dois deles, definitiva e obrigando ambas as partes.»

4

O carregamento do petróleo no navio indicado por Marc Rich terminou em 6 de Fevereiro. No mesmo dia, Marc Rich afirmou que a carga estava gravemente deteriorada, causando um prejuízo que seria superior a 7 milhões de USD.

5

Em 18 de Fevereiro de 1988, a Impianti intentou uma acção contra Marc Rich perante o tribunal de Gênova (Itália) com vista a obter uma declaração liberando-a de toda e qualquer responsabilidade a seu respeito. A acção foi notificada em 29 de Fevereiro de 1988 à sociedade Marc Rich, a qual alegou, em 4 de Outubro de 1988, a falta de competência do órgão jurisdicional italiano invocando a existência da cláusula compromissória.

6

Foi igualmente em 29 de Fevereiro de 1988 que Marc Rich deu início em Londres ao processo de arbitragem, no qual a Impianti se recusou a participar. Em 20 de Maio de 1988, Marc Rich intentou perante a High Court em Londres uma acção em que pedia que fosse designado um árbitro nos termos do artigo 10.°, n.° 3, do Arbitration Act de 1950. Por decisão de 19 de Maio de 1988, a High Court tinha autorizado a notificação do requerimento inicial à Impianti em Itália.

7

Em 8 de Julho de 1988, a Impianti solicitou a anulação desta autorização alegando que o litígio real entre as partes está ligado à questão de saber se o contrato em causa contém ou não uma cláusula de arbitragem. Tal litígio releva do âmbito de aplicação da Convenção e deveria, por conseguinte, ser julgado em Itália. De acordo com Marc Rich, pelo contrário, este litígio está, em conformidade com o artigo 1.° da Convenção, fora do âmbito de aplicação desta.

8

A High Court considerou, em 5 de Novembro de 1988, que a Convenção não se aplicava, que o contrato celebrado entre as partes se regia pelo direito inglês e que era autorizada a notificação no estrangeiro.

9

A Court of Appeal, perante a qual foi interposto recurso daquela decisão, decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal as seguintes questões prejudiciais:

«1)

A excepção prevista no ponto 4 do artigo 1.° da Convenção abrange:

a)

todo e qualquer litígio ou decisão e, em caso afirmativo,

b)

os litígios ou decisões em que é contestada a existência de um compromisso arbitral?

2)

No caso de o presente litígio ser abrangido pela Convenção, e näo pela excepção à Convenção, os compradores podem não obstante ser sujeitos à jurisdição inglesa nos termos :

a)

do ponto 1 do artigo 5.° da Convenção, e/ou

b)

do artigo 17.° da Convenção?

3)

No caso de os compradores poderem estar sujeitos à jurisdição inglesa por qualquer outra razão que não a do ponto 2 supra,

a)

este Tribunal deve declarar-se incompetente ou deve sobrestar na decisão nos termos do artigo 21.° da Convenção, ou, em alternativa,

b)

deve sobrestar na decisão, nos termos do artigo 22.° da Convenção, com fundamento em que o órgão jurisdicional italiano foi demandado em primeiro lugar?»

10

Para mais ampla exposição dos factos do processo principal, da tramitação do processo e das alegações escritas apresentadas ao Tribunal, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

Quanto à primeira questão

11

Através da primeira questão colocada, o órgão jurisdicional nacional pretende essencialmente saber se o artigo 1.°, segundo parágrafo, ponto 4, da Convenção deve ser interpretado no sentido de que a exclusão nele prevista abrange um litígio pendente num órgão jurisdicional estadual que tem por objecto a designação de um árbitro e, caso a resposta seja afirmativa, se essa exclusão se aplica igualmente quando num litígio desse tipo é suscitada como questão prévia a questão da existência ou da validade de uma convenção de arbitragem. Estes dois pontos serão sucessivamente examinados.

12

O artigo l.° da Convenção estabelece no seu primeiro parágrafo que esta se aplica em matéria civil e comercial independentemente da natureza da jurisdição. De acordo com o segundo parágrafo deste artigo, são excluídos do âmbito de aplicação da Convenção:

1)

...

4)

a arbitragem».

No que se refere à exclusão do âmbito de aplicação da Convenção dos litígios que têm por objecto a designação de um árbitro

13

A Impianti entende que a exclusão prevista no artigo 1.°, ponto 4, da Convenção não se aplica aos processos instaurados perante os órgãos jurisdicionais estaduais, nem às decisões proferidas por estes últimos. Sustenta que, falando estritamente, «a arbitragem» se refere aos processos submetidos a entidades privadas a quem as partes conferiram poderes para decidir o seu litígio. A Impianti baseia esta tese essencialmente no objectivo do artigo 220.° do Tratado, que visa estabelecer um sistema completo para a livre circulação das decisões que solucionam um litígio. Por conseguinte, seria legítimo atribuir ao artigo 1.°, segundo parágrafo, ponto 4, da Convenção um alcance que evite lacunas no sistema jurídico da livre circulação das decisões que põem termo a um litígio.

14

Marc Rich e os governos que apresentaram alegações sustentam uma interpretação ampla da noção de arbitragem, excluindo, de qualquer modo, do âmbito de aplicação da Convenção um diferendo relativo à designação de um árbitro.

15

A Convenção visa, de acordo com o seu preâmbulo, dar execução às disposições do artigo 220.° do Tratado CEE, relativas ao reconhecimento e à execução recíproca das decisões judiciais. Nos termos do artigo 220.°, quarto parágrafo, do Tratado, os Estados-membros entabularão entre si, sempre que necessário, negociações destinadas a garantir, em benefício dos seus nacionais, a simplificação das formalidades a que se encontram subordinados o reconhecimento e a execução recíprocos tanto das decisões judiciais como das decisões arbitrais.

16

Ao referir-se às decisões judiciais e às decisões arbitrais, o artigo 220.° do Tratado visa portanto ao mesmo tempo processos instaurados perante órgãos jurisdicionais estaduais que se terminam por uma decisão judicial, e os que são submetidos a árbitros privados e que se terminam por decisões arbitrais. Todavia, daqui não decorre que a Convenção, cujo objecto é designadamente o reconhecimento e a execução recíprocos das decisões judiciais, deve necessariamente ser aplicada de uma forma ampla. Com efeito, o artigo 220.°, ao incitar os Estados-membros a entabularem negociações «sempre que necessário», atribui-lhes competência para determinar o alcance do acordo.

17

Relativamente à exclusão da arbitragem do âmbito de aplicação da Convenção, o relatório de peritos apresentado aquando da elaboração da Convenção (JO 1979, C 59, p. 1; ver versão portuguesa no JO 1990, C 189, p. 122) explica que:

«Existem numerosos acordos internacionais que regulam já a arbitragem, igualmente mencionada no artigo 220.° do Tratado de Roma. Além disso, o Conselho da Europa elaborou uma Convenção Europeia sobre a lei uniforme em matéria de arbitragem, que será certamente acompanhada de um protocolo destinado a facilitar, mais do que o faz a Convenção de Nova Iorque, o reconhecimento e a execução de sentenças arbitrais. Por isso, pareceu preferível excluir a matéria da arbitragem.»

18

Ora, os acordos internacionais e designadamente a Convenção para o Reconhecimento e a Execução das Sentenças Arbitrais Estrangeiras (feita em Nova Iorque, em 10 de Junho de 1958, Recueil des traités des Nations unies, vol. 330, p. 3) a que se faz deste modo referencia estabelecem regras que devem ser respeitadas não pelos próprios árbitros, mas pelos órgãos jurisdicionais dos Estados contratantes. Essas regras dizem respeito, por exemplo, à sujeição das partes num litígio à arbitragem ou a reconhecimento e execução das sentenças arbitrais. Daqui decorre que, ao excluir do âmbito de aplicação da Convenção a matéria da arbitragem por esta ser já objecto de convenções internacionais, as partes contratantes pretenderam excluir a arbitragem enquanto matéria no seu conjunto, aí se incluindo os processos instaurados perante os órgãos jurisdicionais estaduais.

19

No que se refere em especial à designação de um árbitro por um órgão jurisdicional estadual, deve-se observar que se trata de uma medida estadual destinada a pôr em execução um processo de arbitragem. Esta medida releva, portanto, da matéria da arbitragem e, assim, é abrangida pela exclusão do artigo 1.°, segundo parágrafo, ponto 4, da Convenção.

20

Esta interpretação não pode ser posta em causa pelo facto de os acordos internacionais em questão não terem sido assinados por todos os Estados-membros e não abrangerem todos os aspectos da matéria da arbitragem e, designadamente, o processo relativo à designação dos árbitros.

21

É, por outro lado, corroborada pelo parecer dos peritos que figura no relatório elaborado aquando da adesão da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido à Convenção, por força do qual a Convenção não se aplica aos processos judiciais que se destinam a dar início ao processo de arbitragem, tais como os processos de designação ou de recusa de um árbitro (JO 1979, C 59, p. 95; ver versão portuguesa no JO 1990, C 189, p. 184). Do mesmo modo, no relatório elaborado por ocasião da adesão da Grécia à Convenção, os peritos consideraram que a intervenção de um tribunal para a constituição de um órgão de arbitragem não releva do âmbito de aplicação da Convenção (JO 1986, C 298, p. 1; ver versão portuguesa no JO 1990, C 189, p. 257).

No que se refere à incidência de uma questão prévia relativa à existência ou à validade da convenção de arbitragem sobre a aplicação da Convenção ao litígio em causa

22

A Impianti sustenta a este respeito que a exclusão prevista no artigo 1.°, segundo parágrafo, ponto 4, da Convenção não abrange os litígios ou decisões judiciais relativos à existência ou à validade de uma convenção de arbitragem. Esta exclusão também não seria de aplicar quando a arbitragem não constitui o objecto principal, mas apenas uma questão acessória ou incidental do processo.

23

Impianti considera que, se não se adoptar esta interpretação, a simples alegação por uma das partes da existência de uma cláusula de arbitragem permitiria a essa parte afastar a aplicação da Convenção.

24

De qualquer modo, a excepção constante do artigo 1.°, segundo parágrafo, ponto 4, da Convenção, não pode, de acordo com a Impianti, ser aplicada na hipótese em que a existência ou validade de uma convenção de arbitragem seja objecto de um litígio perante diferentes órgãos jurisdicionais sujeitos à Convenção, independentemente da questão de saber se a questão foi suscitada a título principal ou a título prévio.

25

A Comissão partilha a opinião da Impianti considerando que a questão da existência da validade de uma convenção de arbitragem se coloca a título prévio.

26

Estas interpretações não podem ser aceites. Para determinar se um litígio releva do âmbito de aplicação da Convenção, só o objecto desse litígio deve ser tomado em consideração. Se, pelo seu objecto, como a designação de um árbitro, um litígio é excluído do âmbito de aplicação da Convenção, a existência de uma questão prévia, sobre a qual o juiz se deve pronunciar para decidir esse litígio, não pode, seja qual for o conteúdo dessa questão, justificar a aplicação da Convenção.

27

Seria, aliás, contrário ao princípio da segurança jurídica, que constitui um dos objectivos da Convenção (ver acórdão de 4 de Março de 1982, Effer, n.° 6, 38/81, Recueil, p. 825), que a aplicabilidade da exclusão prevista pelo artigo l.°, segundo parágrafo, ponto 4, possa variar ao sabor da existência de uma questão prévia, que pode ser suscitada a qualquer momento pelas partes.

28

Daqui resulta que, no caso a que se refere o presente processo prejudicial, a circunstancia de uma questão prévia incidir sobre a existencia ou sobre a validade da convenção de arbitragem não tem qualquer relevância para a exclusão, do âmbito de aplicação da Convenção, de um litígio cujo objecto é a designação de um árbitro.

29

Nestas condições, convém responder que o artigo 1.°, segundo parágrafo, ponto 4, da Convenção deve ser interpretado no sentido de que a exclusão nele prevista abrange um litígio pendente num órgão jurisdicional estadual que tem por objecto a designação de um árbitro, mesmo que este litígio suscite previamente a questão da existência ou da validade de uma convenção de arbitragem.

Quanto às segunda e terceira questões

30

Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, as segunda e terceira questões ficaram sem objecto.

Quanto às despesas

31

As despesas efectuadas pelos governos alemão, francês e do Reino Unido e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre as questões que lhe foram submetidas pela Court of Appeal (Londres), por decisão de 26 de Janeiro de 1989, declara:

 

O artigo l.°, segundo parágrafo, ponto 4, da Convenção deve ser interpretado no sentido de que a exclusão nele prevista abrange um litígio pendente num órgão jurisdicional estadual que tem por objecto a designação de um árbitro, mesmo que este litígio suscite previamente a questão da existência ou da validade de uma convenção de arbitragem.

 

Due

Mancini

O'Higgins

Rodríguez Iglesias

Slynn

Joliét

Schockweiler

Grévisse

Zuleeg

Proferido em audiencia pública no Luxemburgo, em 25 de Julho de 1991.

O secretário

J.-G. Giraud

O presidente

O. Due


( *1 ) Língua do processo: inglês.