DESPACHO DO TRIBUNAL

26 de Janeiro de 1990 ( *1 )

No processo C-286/88,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, pelo tribunale amministrativo regionale per la Lombardia, destinado a obter, no processo pendente neste órgão jurisdicional entre

Falciola Angelo SpA

e

Comuna de Pavia,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 5.o, 177.o e 189.o, terceiro paràgrafo, do Tratado CEE,

O TRIBUNAL,

constituído pelos Srs. O. Due, presidente, Sir Gordon Slynn, C. N. Kakouris, F. A. Schockweiler e M. Zuleeg, presidentes de secção, T. Koopmans, G. F. Mancini, R. Joliét, T. F. O'Higgins, J. C. Moitinho de Almeida, G. C. Rodríguez Iglesias, F. Grévisse e M. Diez de Velasco, juízes,

advogado-geral : F. J. Jacobs

secretario: J.-G. Giraud

ouvido o advogado-geral,

profere o presente

Despacho

1

Por despacho de 24 de Setembro de 1988, entrado no Tribunal em 29 de Setembro seguinte, a primeira secção do tribunale amministrativo regionale per la Lombardia colocou ao Tribunal diversas questões prejudiciais relativas à interpretação do direito comunitário, e, designadamente, dos artigos 5.o, 177.o e 189.o, terceiro parágrafo, do Tratado CEE.

2

Estas questões foram colocadas no âmbito de um litígio que tem a sua origem num recurso interposto para aquele tribunal pela sociedade Falciola Angelo e em que solicita a anulação de uma deliberação de 29 de Julho de 1987 — e com ela a de todas as decisões conexas — pela qual o Conselho Comunal de Pavia aprovou a decisão da comissão de adjudicação, adjudicando, na sequência de um concurso público limitado, uma empreitada de obras públicas rodoviárias ao consorzio cooperative costruzioni di Bologna.

3

De acordo com o despacho de reenvio, a empreitada encontrar-se-ia sujeita, face ao valor dos trabalhos, ao disposto nas directivas 71/304/CEE do Conselho, relativa à supressão das restrições à livre prestação de serviços no domínio das empreitadas de obras públicas e à adjudicação de empreitadas de obras públicas por intermédio de agências ou de sucursais, e 71/305/CEE do Conselho, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas, ambas de 26 de Julho de 1971 (JO L 185, p. 1 e 5; EE 06 Fl p. 129 e EE 17 Fl p. 9).

4

Foi nestas condições que o tribunale colocou ao Tribunal as seguintes questões prejudiciais :

«1)

Se, além dos ordenamentos comunitário e italiano, existe hoje também um terceiro ordenamento, “o comunitário italiano”, que está ao lado dos ordenamentos comunitário inglês, comunitário alemão, etc. e que é caracterizado:

a)

pelo facto de a sua disciplina se encontrar, em via primària, nas normas comunitárias e, em via subprimária, nas normas italianas (fundindo-se as duas categorias de normas — primárias e subprimárias — num quadro normativo unitário);

b)

pelo facto de dizer respeito a interesses substanciais comunitários, realizados também através de instrumentos italianos?

2)

Se os artigos 189.o, terceiro parágrafo, 177.o e 5.o do Tratado CEE devem ser entendidos no sentido de que os Estados-membros — quando dão execução às directivas comunitárias — devem prever também os respectivos instrumentos processuais, considerados necessários para assegurar uma tutela jurisdicional adequada, com a obrigação de modificar para melhor os instrumentos jurisdicionais já existentes e, portanto, com a de não modificar para pior os instrumentos jurisdicionais já existentes?

3)

Se das disposições combinadas dos artigos 5.o, 177.o e 189.o, terceiro parágrafo, do Tratado CEE deriva necessariamente — a cargo dos Estados-membros — a obrigação de prever que as controvérsias relativas a matérias de direito “comunitário italiano” (isto é, disciplinadas em via primária por normas comunitárias e em via subprimária por normas italianas) devem ser decididas por juízes internos que, no que respeita à essência da função jurisdicional, estejam equiparados ao Tribunal (e, portanto, não sejam “menos juízes” do que aquele tribunale) ?

4)

(A título subsidiário), se, das disposições conjugadas dos artigos 5.o, 177.o e 189.o, terceiro parágrafo, do Tratado CEE, deriva necessariamente a cargos dos Estados-membros a obrigação de prever — em sede de “execução das directivas comunitárias” — que as controvérsias relativas a matéria de direito “comunitário italiano” sejam decididas por órgãos dotados de poder jurisdicional “efectivo”, e não “aparente(utilis, non inutilis jurisdictie)»

5

Tal como resulta dos fundamentos do despacho de reenvio, pelas quatro questões colocadas pelo tribunale amministrativo regionale per la Lombardia pretende-se, na verdade, que o Tribunal declare se os tribunais italianos ainda podem oferecer todas as garantias que poderá exigir o direito comunitário para que os juízes nacionais possam exercer de forma satisfatória, com toda a independência e imparcialidade, a sua função de juiz comunitário apesar da aprovação da Lei italiana n.o 117/88, de 13 de Abril de 1988, relativa à indemnização dos danos causados no exercício das funções judiciais e à responsabilidade civil dos magistrados (GURI n.o 88 de 15.4.1988, p. 3).

6

O tribunale teme, com efeito, que essa lei «não assegure a imparcialidade do juiz, dado que não parece garantir a ausência de receio de qualquer prejuízo». Daqui resultaria que, «precisamente porque pode ser chamado a responder com o seu patrimônio», o juiz italiano poderia mais não ser do que «um juiz em aparência» e «na verdade, um órgão que pode ser induzido a decidir de modo diverso do que ditam as suas ciência e consciência, e isto, em violação manifesta das normas comunitárias sobre a “essência” da função jurisdicional».

7

Tal como a Comissão sublinhou nas observações escritas que apresentou perante o Tribunal, em conformidade com o artigo 20.o do protocolo relativo ao estatuto do Tribunal de Justiça da CEE, o processo previsto no artigo 177.o do Tratado é um instrumento de cooperação entre o Tribunal e os juízes nacionais, graças ao qual o primeiro fornece aos segundos os elementos de interpretação do direito comunitário que lhes são necessários para a solução dos litígios que lhes são submetidos.

8

Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal (ver acórdão de 16 de Junho de 1981, Salonia, n.o 6, 126/80, Recueil p. 1563), o indeferimento de um pedido apresentado por um órgão jurisdicional nacional só é possível se, manifestamente, a interpretação do direito comunitário ou o exame da validade de uma regra comunitária, solicitados por esse órgão jurisdicional, não tem qualquer relação com a realidade ou o objecto do litígio principal.

9

E este o caso no presente processo, em que as questões colocadas não têm qualquer relação com o objecto do litígio no processo principal, dado que o pedido do tribunale amministrativo regionale per la Lombardia não diz respeito à interpretação das duas directivas 71/304/CEE e 71/305/CEE do Conselho, de que apenas refere ao Tribunal que terá de as aplicar no litígio que lhe foi submetido. Com efeito, resulta dos próprios termos do despacho de reenvio que o tribunale apenas se interroga sobre as reacções psicológicas que poderiam ter alguns juízes italianos em virtude da aprovação da citada lei italiana de 13 de Abril de 1988. Por conseguinte, as questões prejudiciais submetidas ao Tribunal não são relativas a uma interpretação do direito comunitário necessária para a solução do litígio principal.

10

Nestas condições, o Tribunal não tem, manifestamente, competência para responder às questões apresentadas pelo tribunale amministrativo regionale per la Lombardia.

11

Assim, deve-se aplicar o artigo 92.o do Regulamento Processual e declarar a incompetência do Tribunal.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL

declara:

 

O Tribunal não tem competência para responder às questões apresentadas pelo tribunale amministrativo regionale per la Lombardia.

 

Proferido no Luxemburgo, a 26 de Janeiro de 1990.

O secretário

J.-G. Giraud

O presidente

O. Due


( *1 ) Língua do processo: italiano.