61988C0093

Conclusões do advogado-geral Mischo apresentadas em 27 de Abril de 1989. - WISSELINK & CO BV E ABEMIJ BV E HART NIBBRIG EN GREEVE BV E OUTROS CONTRA STAATSSECRETARIS VAN FINANCIEN. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL: HOGE RAAD - PAISES BAIXOS. - PRIMEIRA, SEGUNDA E SEXTA DIRECTIVAS RESPEITANTES AO IMPOSTO SOBRE O VOLUME DE NEGOCIOS - IMPOSTO DE CONSUMO EXTRAORDINARIO SOBRE AS VIATURAS DE TURISMO. - PROCESSOS APENSOS 93/88 E 94/88.

Colectânea da Jurisprudência 1989 página 02671


Conclusões do Advogado-Geral


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Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

1. Os dois processos objecto das presentes conclusões dizem respeito à questão de saber se a cobrança, paralelamente ao imposto sobre o valor acrescentado (a seguir "IVA"), de um imposto extraordinário sobre a entrega e a importação de veículos automóveis ligeiros de passageiros é compatível ou não com o sistema comunitário do IVA.

2. Nos Países Baixos é, com efeito, aplicado um "imposto de consumo extraordinário sobre os veículos automóveis ligeiros de passageiros" ("Bijzondere Verbruiksbelasting van personenauto' s", a seguir designado "imposto extraordinário ou o BVB"), cujas principais características são a seguir referidas. Os factos geradores do imposto são a entrega de veículos automóveis ligeiros de passageiros pelo fabricante no interior do território dos Países Baixos e a sua importação para esse país. A base de tributação é o preço de catálogo sem IVA em vigor no momento da emissão do certificado de matrícula. Entende-se por preço de catálogo o preço aconselhado pelo fabricante ou pelo importador aos seus revendedores para a venda ao cliente final. No que respeita aos veículos automóveis ligeiros de passageiros em segunda mão, a base de tributação corresponde a uma certa percentagem desse preço. O BVB eleva-se actualmente a 18,2%

para a parte do preço de catálogo inferior ou igual a 10 000 HFL e a 27,3% para a que ultrapasse 10 000 HFL. Há uma tarifa de 0% para os veículos automóveis ligeiros de passageiros novos fabricados nos Países Baixos directamente exportados por um empresário. O imposto é cobrado uma única vez, ou seja, no estádio que acabo de indicar, e é, em seguida, integralmente repercutido no estádio de comercialização seguinte, sem que haja nova tributação. O reembolso do BVB é possível em determinadas condições se o veículo importado for em seguida reexportado no estado de novo. Mas, desde que seja matriculado nos Países Baixos é considerado como tendo sido colocado em circulação e não pode dar origem ao reembolso do BVB. A factura de compra não menciona o montante do BVB, mas o do IVA, quando devido. O IVA é calculado sobre o total do preço de venda líquido e do BVB.

3. Como a Comissão assinalou justificadamente, o BVB não é um imposto de matrícula, porque o facto gerador é a entrega pelo fabricante nos Países Baixos, ou a importação, e não a matrícula do veículo. De qualquer modo, o BVB não incide sobre os veículos usados revendidos no interior do país.

4. No que respeita às circunstâncias em que surgiu o litígio que opõe a sociedade Wisselink e a entidade fiscal Abemij ao Staatssecretaris van Financiën dos Países Baixos, remeto para o relatório para audiência.

5. O litígio diz essencialmente respeito à questão de saber se o imposto extraordinário apresenta, não obstante a sua denominação, as características de um imposto sobre o volume de negócios e deve, por

isso, ser considerado proibido pelo artigo 33.° da sexta directiva do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (Directiva 77/388, JO L 145; EE 09 F1 p. 54), que tem a seguinte redacção:

"Salvo o disposto noutras normas comunitárias, as disposições da presente directiva não impedem um Estado-membro de manter ou introduzir impostos sobre os contratos de seguros, sobre jogos e apostas, sobre consumos específicos, direitos de registo e, em geral, todos os impostos, direitos e taxas que não tenham a natureza de impostos sobre o volume de negócios".

I - Quanto à primeira questão

6. A primeira questão apresentada pelo Hoge Raad, que é idêntica nos dois processos, está redigida da forma seguinte:

"As disposições constantes da primeira, segunda e sexta directivas constituem impedimento à cobrança de um imposto de consumo extraordinário sobre os veículos automóveis ligeiros de passageiros, tal como é definido no pedido prejudicial?"

A - Quanto aos argumentos tirados da base jurídica do BVB e das circunstâncias nas quais foi adoptado

7. Referindo-se aos trabalhaos preparatórios da lei neerlandesa relativa ao imposto sobre o volume de negócios de 1968, que introduziu o sistema do IVA, as recorrentes no processo principal alegam que o BVB deve ser considerado como a manutenção parcial do imposto sobre o volume de negócios segundo o sistema dos impostos

cumulativos em cascata aplicável antes da adopção dessa lei. O BVB mais não seria que uma forma disfarçada do antigo imposto sobre o volume de negócios. Que dizer do assunto?

8. É um facto que sob o regime da lei neerlandesa relativa ao imposto sobre o volume de negócios de 1954, a entrega e a importação de veículos automóveis ligeiros de passageiros estavam sujeitas à aplicação do imposto sobre o volume de negócios à taxa agravada de 25%, chamada taxa de luxo. Como a nova lei não prevê qualquer taxa de IVA agravada, é a taxa normal do IVA de (na altura) 12% que se tornou aplicável aos veículos automóveis ligeiros de passageiros.

9. A fim de compensar a diferença entre o gravame fiscal que incidia sobre os veículos automóveis ligeiros de passageiros antes de 1 de Janeiro de 1969 e a taxa de IVA de 12%, o Governo neerlandês propôs ao Parlamento que introduzisse, através de um artigo do mesmo projecto de lei, um imposto chamado de "igualização" sobre as entregas pelo fabricante e sobre as importações de veículos automóveis ligeiros de passageiros, aplicável paralelamente ao IVA. Face a determinadas observações feitas pelos membros do Parlamento que tinham dúvidas quanto à compatibilidade desse imposto com o sistema do IVA, a denominação "imposto de igualização" foi transformada em "imposto de consumo extraordinário sobre os veículos automóveis ligeiros de passageiros". A alteração de nome não foi, no entanto, acompanhada de qualquer modificação material. A base jurídica do BVB encontra-se efectivamente no artigo 50.° da nova lei relativa ao imposto sobre o volume de negócios, cujas outras disposições dizem respeito ao IVA, e não numa lei específica. Este método permite, através de simples remissão, aplicar, por analogia,

ao BVB toda uma série de definições e de modalidades de tributação previstas por essa lei relativamente ao IVA. As recorrentes consideram que resulta já do conjunto desses elementos que o BVB é apenas um tipo especial de imposto sobre o volume de negócios.

10. No entanto, a esta afirmação deve responder-se, como o fez o Reino Unido nas suas observações, que as razões e as circunstâncias da introdução do imposto extraordinário não têm qualquer utilidade para determinar a natureza objectiva desse imposto. A sua natureza não depende, nem da sua designação, nem dos meios legislativos nacionais pelos quais foi introduzido. A circunstância de as disposições relativas à aplicação do IVA terem igualmente sido utilizadas para criar o imposto extraordinário e o facto de determinadas disposições da lei nacional serem aplicáveis a esses dois tipos de impostos não constituem elementos bastantes para afirmar que, ao criarem o referido imposto, os Países Baixos violavam as obrigações que lhe incumbem por força das directivas relativas ao IVA.

11. Em apoio da sua tese as recorrentes invocam ainda os acórdãos proferidos pelo Tribunal nos processos 324/82 e 391/85, que opunham a Comissão ao Reino da Bélgica. No primeiro destes acórdãos (1), o Tribunal tinha declarado, essencialmente, que ao manter como base de tributação do IVA no sector dos veículos automóveis ligeiros de passageiros, o preço de catálogo em vez do preço efectivamente pago pelo comprador, a Bélgica não tinha aplicado correctamente a sexta directiva.

12. Em consequência deste acórdão a Bélgica alterou a sua legislação no sentido de o IVA passar a ser calculado não a partir do preço de catálogo mas do preço realmente acordado entre o comprador e o vendedor. Mas, paralelamente a esta modificação legislativa, a Bélgica tinha também sujeito os veículos automóveis ligeiros de passageiros novos a um imposto de matrícula cobrado sobre o preço de catálogo. A taxa de cobrança destes dois impostos era idêntica e o montante pago a título do IVA deduzido do montante a pagar a título do imposto de matrícula. Submetida ao Tribunal uma nova acção por incumprimento, intentada pela Comissão, o Tribunal salientou no acórdão de 4 de Fevereiro de 1988 (391/85, Colect., p. 579) que a legislação belga estabelecia uma ligação directa entre esse imposto de matrícula e o imposto sobre o volume de negócios na medida em que previa que, quando o imposto sobre o valor acrescentado tivesse sido pago aquando da entrega ou da importação, o comprador beneficiava de uma isenção do imposto de matrícula até ao montante que tinha servido de base de tributação ao imposto sobre o valor acrescentado. O Tribunal concluiu daí que esse novo imposto, no referente ao seu montante, e mesmo à sua própria existência, não constituía um imposto independente, mas era função do IVA a pagar sobre o mesmo veículo. Numa outra passagem do acórdão o Tribunal observou que existia uma relação indissociável e complementar (2) entre o IVA e o imposto de matrícula.

13. Consequentemente o Tribunal considerou que a Bélgica, ao manter, de facto, na sua legislação, o preço de catálogo como base de tributação para veículos automóveis ligeiros de passageiros novos,

não tinha tomado as medidas decorrentes da execução do acórdão do Tribunal e não tinha cumprido as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado.

14. No entanto afigura-se que não existe entre o IVA e o imposto extraordinário neerlandês qualquer ligação comparável à verificada a propósito dos impostos belgas. O IVA e o BVB são verdadeiramente independentes um do outro e nunca são objecto de compensação. Lembremos também que o BVB não é mencionado na factura mas faz parte do custo do veículo, e que o IVA é aplicado à soma total representada pelo preço do veículo automóvel ligeiro de passageiros e o imposto extraordinário. Nestas condições o raciocínio seguido pelo Tribunal no processo 391/85 não pode aplicar-se neste caso.

15. Aliás, há que observar que o imposto extraordinário só incide sobre duas categorias de produtos, ou seja, os veículos automóveis ligeiros de passageiros e os motociclos, nenhum entrando no fabrico do outro, e que só é cobrado uma vez, num estádio bem específico da sua cadeia de fabrico ou de distribuição. Este imposto não pode, portanto, ser considerado a manutenção parcial do antigo imposto cumulativo em cascata. Assim, não é contrário à primeira directiva do Conselho, de 11 de Abril de 1967, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios (JO L de 14.4.1967, p. 1301; EE 09 F1 p. 3), que tinha por objecto a eliminação dos sistemas de impostos cumulativos em cascata e a adopção, por parte de todos os Estados-membros, de um sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado.

16. Quanto à segunda directiva, adoptada pelo Conselho no mesmo dia, ela define a estrutura e modalidades de aplicação do sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (mesmo JO, p. 1303; EE 09 F1 p. 6) e, deste modo, não é aqui relevante. Aliás foi substituída pela sexta directiva do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, já citada.

17. Mas as recorrentes alegam também que o imposto extraordinário é contrário à "ratio legis" do sistema do IVA e incompatível com a vontade afirmada pelo Conselho de prosseguir a liberalização efectiva da circulação das pessoas, dos bens, dos serviços, dos capitais e a integração das economias (terceiro considerando da sexta directiva). Analisemos assim o imposto extraordinário sob esta perspectiva.

B - O imposto extraordinário e o comércio intracomunitário

18. Resulta quer dos considerandos da primeira directiva do Conselho, de 11 de Abril de 1967, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios, quer dos artigos 1.° e 4.° dessa directiva (ainda em vigor) que, pela introdução do IVA, o Conselho pretendia presseguir dois objectivos.

19. O objectivo prioritário era eliminar os sistemas de impostos cumulativos em cascata e, assim, pôr termo às medidas de compensação em montante fixo na importação ou na exportação, a título de impostos sobre o volume de negócios que provocam restrições às trocas comerciais e distorções de concorrência entre os Estados-membros.

20. Os antigos impostos cumulativos em cascata não permitiam, com efeito, saber exactamente qual a carga fiscal que as mercadorias tinham realmente sofrido tendo percorrido várias etapas de fabrico ou de distribuição. Os Estados-membros tinham, deste modo, previsto isenções fixas na exportação que poderiam incluir uma subvenção, e imposições compensatórias na importação, susceptíveis de onerar mais os produtos importados do que os de fabrico nacional. O sistema do IVA, tornando transparente a carga sofrida por cada produto, elimina este problema. Conduz, com efeito, a uma neutralidade concorrencial, no sentido de que, no interior de cada país, as mercadorias semelhantes suportam a mesma carga fiscal, independentemente da extensão do circuito de produção e de distribuição. E, uma vez que é então possível conhecer o montante da carga suportada pelas mercadorias de origem nacional, torna-se possível compensar exactamente esse encargo aquando das importações e das exportações. As mercadorias importadas são, com efeito, oneradas com taxa de IVA igual à das fabricadas no Estado-membro importador e as exportadas são isentas exactamente até ao mmontante do IVA que as onerou.

21. Ora, as distorções de concorrência acima descritas não podem ocorrer no respeitante a um imposto não "cumulativo em cascata", quer dizer, cuja incidência pode ser calculada com exactidão porque só onerou a mercadoria uma vez e num estádio bem específico. Dado que, como vimos, o BVB apresenta essa característica, não contraria, por isso, o primeiro objectivo prosseguido pela Comunidade com a instituição do sistema do IVA.

22. Só os veículos automóveis ligeiros de passageiros importados e reexportados sem terem sido utilizados podem ser objecto de restituição do BVB que é igual ao montante do imposto. Assim, não inclui qualquer elemento fixo que possa ser considerado auxílio à exportação. Contrariamente, um veículo automóvel ligeiro de passageiros fabricado num outro Estado-membro ficará sujeito, na importação para os Países Baixos, ao mesmo imposto extraordinário que os veículos automóveis ligeiros de passageiros de fabrico nacional. Essa tributação não inclui, deste modo, qualquer efeito protector e, assim, não é contrária ao artigo 95.° do Tratado.

23. As recorrentes no processo principal alegam, no entanto, que os veículos automóveis ligeiros de passageiros usados que um proprietário neerlandês deseje vender num outro Estado-membro sofreriam uma desvantagem concorrencial porque o BVB pago aquando da sua aquisição não poderia ser objecto de reembolso segundo a legislação neerlandesa. Por outro lado, uma vez que não se trata do IVA, as autoridades fiscais do país de importação não são obrigadas a tomar em consideração a parte do BVB ainda contida no preço de venda desse veículo (3).

24. A este respeito convém, no entanto, recordar o acórdão Hulst (4), de onde resulta que:

"um imposto interno sobre as vendas de um produto é incompatível com as proibições de discriminação resultante do Tratado CEE quando onere mais fortemente as vendas para a exportação do que as vendas no mercado nacional, ou quando o produto do imposto se destine a favorecer os produtos nacionais".

Manifestamente, não é este o caso do BVB.

25. O acórdão Statens Kontrol é igualmente interessante neste contexto (5). Por último, recordemos que, no que respeita às importações, quer dizer, a situação inversa da aqui em causa, o Tribunal declarou no acórdão Peureux (6) que:

"se o artigo 95.° proíbe a cada Estado-membro que onere mais fortemente os produtos importados dos outros Estados-membros do que os nacionais, não proíbe que se onerem mais fortemente os produtos nacionais do que os importados; as disparidades desta natureza não fazem parte do âmbito de aplicação do artigo 95.°, mas resultam das especificidades das legislações nacionais não harmonizadas em domínios da competência dos Estados-membros".

No caso em apreço, é o mesmo tipo de disparidade entre as legislações dos Estados-membros que torna inevitável a desvantagem dos neerlandeses que desejem vender veículos automóveis ligeiros de passageiros usados nos outros Estados-membros.

26. As recorrentes alegam ainda que os que se dedicam, nos Países Baixos, à locação de veículos automóveis ligeiros de passageiros a turistas estrangeiros são também vítimas de distorções de

concorrência. Por causa do imposto extraordinário, os locadores neerlandeses têm um preço de custo muito mais elevado que os dos outros Estados-membros. Esta diferença faz-se principalmente sentir quando locadores dos diferentes Estados-membros operam no mesmo mercado, nomeadamente no mercado americano. As fórmulas de viagens na Europa de montante previamente fixado oferecidas aos turistas e homens de negócios americanos e nas quais está incluída a locação de um veículo automóvel ligeiro de passageiros ou de uma viatura de campismo (sobre que o imposto extraordinário sobre os veículos automóveis ligeiros de passageiros é, igualmente, cobrado) são muito mais baratas quando provêm de outros Estados-membros do que dos Países Baixos, o que representa uma perturbação da livre circulação dos bens e dos serviços que resulta unicamente da cobrança do imposto extraordinário sobre os veículos automóveis ligeiros de passageiros.

27. A este argumento só se pode responder que se trata de uma outra consequência inevitável da disparidade das legislações nacionais. Por outro lado, as diferenças entre as taxas de IVA aplicadas pelos Estados-membros sobre os veículos automóveis ligeiros de passageiros, que vão de 12% no Luxemburgo a 38% em Itália, podem criar também distorções de concorrência do mesmo tipo no domínio da locação de veículos automóveis ligeiros de passageiros.

28. Assim, o imposto extraordinário neerlandês não cria obstáculos ilícitos à livre circulação das mercadorias.

29. O segundo objectivo que as instituições da Comunidade prosseguiram com a instauração do sistema do IVA, melhor dizendo, o objectivo final, é atingir um dia a supressão da tributação na importação e isenções na exportação em relação às trocas comerciais entre os Estados-membros (artigo 4.° da primeira directiva). Ora, não se pode negar que a existência, ao lado do IVA de impostos como o imposto extraordinário, tornará certamente mais difícil a criação de um "mercado comum que... apresente características análogas às de um mercado interno" (primeiro considerando da primeira directiva). Supondo que as taxas do IVA dos Estados-membros sejam um dia harmonizadas, a subsistência de impostos especiais como o BVB continuará, com efeito, a ocasionar tributações na importação e isenções na exportação.

30. As instituições políticas da Comunidade continuarão, deste modo, confrontadas com um problema de harmonização, tanto mais difícil que em três quartos dos Estados-membros esses impostos não existem. Mas, este problema não pode influenciar a apreciação a fazer da natureza jurídica do BVB. Trata-se de um obstáculo à realização do mercado interno semelhante ao que resulta das divergências entre os impostos sobre consumos específicos, mas não um obstáculo ao funcionamento normal do sistema do IVA.

31. Deste modo posso concluir que o BVB não está em conflito nem com a "ratio legis" das directivas relativas ao sistema comum de IVA,

nem com a regra de não discriminação subjacente ao artigo 95.° do Tratado. Mas, o imposto extraordinário deve, apesar disso, ser condenado porque viola a sexta directiva?

C - O IVA pode ser cobrado cumulativamente com outro imposto indirecto?

32. As recorrentes no processo principal alegam, em primeiro lugar, que não é permitido aos Estados-membros acrescentar ao IVA outras modalidades de impostos sobre o volume de negócios ou sobre o consumo que onerem os mesmos bens ou serviços, excepção feita à derrogação expressa inscrita no artigo 33.° da sexta directiva. Esta afirmação necessita de esclarecimentos.

33. Como a Comissão recordou na suas observações (p. 14),

"a harmonização comunitária só diz respeito actualmente ao imposto sobre o volume de negócios. Os outros impostos indirectos sobre o consumo relevam da soberania dos Estados-membros na medida em que não existem disposições comunitárias específicas".

34. No âmbito da Directiva 83/183 do Conselho, de 28 de Março de 1983, relativa às isenções fiscais aplicáveis às importações definitivas de bens pessoais de particulares provenientes de um Estado-membro (JO L 105, p 64; EE 09 F1 p. 161), o próprio legislador comunitário previu a cumulação do IVA com outras imposições, uma vez que a isenção fiscal aplicável à importação definitiva de bens pessoais por um particular, instituída por essa directiva, não abrange determinado número de direitos e impostos entre os quais

"os direitos e imposições específicas e/ou periódicas respeitantes à utilização desses bens no interior do país, tais como, por exemplo, os direitos cobrados aquando do registo de veículos automóveis".

35. A Comissão acrescenta, justificadamente, que a sexta directiva também não deixa subsistir qualquer dúvida sobre o facto de o cúmulo de imposições nacionais com o IVA não ser excluído a priori. A Comissão remete, a este propósito, para as disposições do n.° 3, da alínea a) da letra B, artigo 11.°, e da letra B do artigo 13.° dessa directiva.

36. Por último, no acórdão de 8 de Julho de 1986, processo 73/85, Kerrutt/Finanzamt Moenchengladbach-Mitte (Colect., p. 2219), o Tribunal afirmou muito claramente que resulta do artigo 33.° da sexta directiva que o direito comunitário não inclui no seu estádio actual qualquer disposição específica destinada a excluir ou a limitar a competência de os Estados-membros introduzirem impostos diferentes do imposto sobre o volume de negócios e que admite, deste modo, que esses impostos possam igualmente ser cobrados quando a sua cobrança possa conduzir a um cúmulo com o imposto sobre o valor acrescentado relativamente a uma única e mesma operação. Não podendo, por isso, ser posto em causa o princípio do cúmulo, tudo depende da questão de saber se o imposto em questão, devido às suas característica específicas, pode ser considerado um dos tipos de imposto enumerados no artigo 33.° da sexta directiva cuja manutenção ou introdução continuam a ser permitidas aos Estados-membros.

D - Quanto a saber se o BVB constitui ou não um imposto sobre consumos específicos

37. As recorrentes no processo principal consideram que há que determinar se o BVB constitui ou não um imposto sobre consumos específicos, caso em que a cobrança é autorizada. De contrário, tratar-se-ia de um imposto com a característica de um imposto sobre o volume de negócios proibido pelo artigo 33.° da sexta directiva. Na opinião delas, a expressão "consumos específicos" que figura no artigo 33.° visa unicamente os consumos específicos no sentido formal. A este respeito, só uma interpretação restrita se pode inserir no âmbito de uma harmonização dos impostos sobre o volume de negócios. Ora, embora o direito fiscal neerlandês preveja efectivamente impostos sobre consumos específicos, o "imposto de consumo extraordinário sobre os veículos automóveis ligeiros de passageiros" nunca é enumerado entre eles. Assim, não é um imposto sobre consumo específico no sentido formal do termo.

38. Por outro lado, o imposto extraordinário também não é um imposto sobre consumos específicos no sentido material do termo. Tais impostos só podem, com efeito, incidir sobre os bens de utilização não duradouros, e o modo de cobrança do imposto extraordinário (imposto ad valorem) é diferente do modo de cobrança daqueles impostos (imposto específico).

39. A Comissão, o Governo neerlandês e o Governo britânico, pelo contrário, alegam que, embora a maior parte dos impostos sobre consumos específicos onerem efectivamente bens que desaparecem no seu consumo (por exemplo: cerveja, outras bebidas alcoólicas, açúcar, gasolina, produtos de perfumaria) e embora a sua taxa seja calculada geralmente em função da quantidade ou do peso da mercadoria ou do seu teor alcoólico, existem, no entanto, também impostos sobre consumos específicos constituídos, pelo menos em parte, por um imposto ad valorem. É o caso, nomeadamente, dos impostos sobre o consumo de

tabacos manufacturados que, através da Directiva 72/464 do Conselho, de 19 de Dezembro de 1972, relativa aos impostos que incidem sobre o consumo de tabacos manufacturados com excepção dos impostos sobre o volume de negócios (7), foram objecto de uma harmonização a nível comunitário no respeitante à sua estrutura. Estes impostos sobre consumos específicos compõem-se, com efeito, de dois elementos: um imposto específico pelo número de cigarros e um imposto ad valorem sobre o preço de venda a retalho.

40. Por outro lado, a Comissão assinala que existem na Dinamarca, na Grécia e em Itália impostos cobrados sobre determinados aparelhos fotográficos, aparelhos de gravação e de reprodução do som, televisores, etc., portanto, bens de consumo duradouro, que têm o nome de impostos sobre consumos específicos e são calculados ad valorem.

41. Os governos dos Países Baixos e do Reino Unido consideram, deste modo, que o imposto extraordinário neerlandês pode ser equiparado a um imposto sobre consumos específicos.

42. No que respeita ao argumento extraído do facto de o BVB não ser considerado, no direito neerlandês, um imposto sobre consumos específicos na acepção formal do termo, direi que a expressão "impostos sobre consumos específicos" utilizada no artigo 33.° da sexta directiva deve ter carácter comunitário, senão não seria garantida a aplicação uniforme dessa disposição em todos os Estados-membros. Bastaria, com efeito, que um Estado-membro qualificasse um imposto como imposto sobre consumos específicos para o afastar da proibição enunciada na última parte desse artigo. Por outro lado, não compreendo o sentido da declaração na acta do Conselho, relativa ao artigo 33.°, assinalada pela Comissão. Segundo

essa declaração, "o Conselho e a Comissão declaram que essa disposição não impede a manutenção ou a introdução por um Estado-membro de impostos sobre consumos específicos diversos dos aí expressamente mencionados". Com o efeito, o artigo 33.° não menciona qualquer tipo de impostos sobre consumos específicos, mas refere-se, de um modo geral, aos "impostos sobre consumos específicos". Se este texto significa que os Estados-membros podem ainda adoptar novos impostos sobre consumos específicos não acrescenta nada de novo ao artigo 33.° Se significa, pelo contrário, que os Estados-membros são livres de chamar "imposto sobre consumos específicos" a qualquer imposto que possam adoptar, vai contra a objecção exposta acima.

43. A expressão "impostos sobre consumos específicos" do artigo 33.° não pode ser considerada referida a qualquer imposto qualificado como tal pelo direito nacional de um Estado-membro. Só pode visar os impostos sobre consumos específicos que o direito comunitário considere como tais devido à sua natureza intrínseca. Ora, sei que não existe ainda essa definição.

44. Ora, se for necessário fixá-la no âmbito dos presentes processos, proponho ao Tribunal que acolha a acepção tradicionalmente dada a essa noção e declare que constituem impostos sobre consumos específicos os que incidem, num estádio único, sobre bens de consumo não duradouros bem determinados e são constituídos no todo ou em parte por um imposto específico, quer dizer, calculado em função da quantidade, do peso ou do teor alcoólico de uma mercadoria.

45. Mas não penso que seja indispensável decidir este assunto porque o artigo 33.° da sexta directiva permite a manutenção ou criação não apenas de impostos sobre consumos específicos, sobre os contratos de seguro, sobre jogos e apostas e de direitos de registo, mas também "de todos os impostos, direitos e taxas que não tenham a natureza de impostos sobre o volume de negócios".

46. Deste modo é suficiente, nos presentes processos, examinar se o imposto extraordinário neerlandês constitui ou não um imposto sobre o volume de negócios.

E - Quanto à natureza jurídica do imposto extraordinário

47. No Lexique des termes juridiques publicado nas edições Daloz (1988, p. 440) pode-se encontrar a seguinte definição dos impostos sobre o volume de negócios:

"Denominação genérica designando, num sentido lato, um conjunto de impostos indirectos - e mesmo impostos parafiscais - com a característica comum de serem calculados em percentagem do preço dos produtos e dos serviços tributados. O IVA é, de longe, o mais importante. Utilizado no singular, o termo é, por vezes, utilizado nos meios de negócios como sinónimo do próprio IVA."

48. A história dos impostos indirectos em França (8), anterior à introdução do IVA em 1954-1955, demonstra, aliás, de modo eloquente que o imposto sobre o volume de negócios pode assumir formas diferentes. Pode incidir sobre todas as transacções em todos ss estádios sucessivos das trocas comerciais, salvo as isenções expressamente previstas, mas pode também ser cobrado uma única vez num único estádio da cadeia de produção ou de distribuição.

49. Se o imposto incidir sobre vários estádios, pode ser cumulativo (imposto chamado "em cascata") ou não cumulativo (dedução do imposto pago pelo próprio produtor). Por último, pode dizer respeito a produtos bem determinados ou, em princípio, a todos os produtos ou a toda uma categoria de produtos.

50. Deste modo pode concluir-se que nem o número de estádios de comercialização tributáveis, nem a existência ou a falta de um direito à dedução, nem o âmbito de aplicação são pertinentes para a questão de saber se um imposto pode ser qualificado ou não de imposto sobre o volume de negócios.

51. Como o BVB é calculado em percentagem do preço dos veículos automóveis ligeiros de passageiros entregues por um fabricante ou por um importador e está, deste modo, ligado ao seu volume de negócios, considero que constitui efectivamente um imposto sobre o volume de negócios na acepção corrente desta expressão.

52. Resta saber se o artigo 33.° da sexta directiva se refere a todos os impostos que podem ser qualificados de impostos sobre o volume de negócios ou se dá a esta noção um alcance mais restrito. No processo 295/84, Rousseau Wilmot (9), o Tribunal devia decidir se impostos como a contribuição social de solidariedade e o imposto de socorro mútuo francês cuja taxa é calculada com base no volume de negócios de uma sociedade eram proibidas pelo artigo 33.° Ora, o Tribunal considerou que a questão consistia em saber se esses impostos tinham a natureza de impostos sobre o volume de negócios na acepção da sexta directiva (n.° 9 do acórdão). O Tribunal considerou

que a noção de "imposto sobre o volume de negócios" revestia, no âmbito do artigo 33.° da sexta directiva, um alcance especial. Declarou que, para decidir o problema apresentado, o alcance do artigo 33.° devia ser determinado à luz da sua função no âmbito do sistema harmonizado do imposto sobre o volume de negócios sob a forma do sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado (n.° 14 do acórdão).

53. Assim, analisou o princípio desse sistema observando (no n.° 15) que resulta do artigo 2.° da primeira directiva que esse princípio consiste em aplicar aos bens e aos serviços um imposto geral (10 )sobre o consumo, exactamente proporcional ao preço dos bens e dos serviços, independentemente do número de transacções ocorridas no processo de produção e de distribuição anterior a esse estádio de tributação. Depois de ter feito referência ao mecanismo da dedução, o Tribunal concluiu, no n.° 16 desse acórdão, da forma seguinte:

"O artigo 33.° da sexta directiva, ao deixar a liberdade aos Estados-membros de manterem ou de introduzirem determinados impostos indirectos, tais como os impostos sobre consumos específicos, desde que não se trate de impostos "que tenham a natureza de impostos sobre o volume de negócios", tem por objectivo impedir que o funcionamento do sistema comum do IVA seja comprometido por medidas fiscais de um Estado-membro que onerem a circulação dos bens e dos serviços e as transacções comerciais de modo comparável ao que caracteriza o IVA" 10.

54. No acórdão de 3 de Março de 1988, no processo 252/86, Bergandi, Colect., p. 1343, o Tribunal decidiu de modo análogo. Depois de ter recordado que a noção de impostos que têm a natureza de impostos sobre o volume de negócios tem carácter comunitário, uma vez que

intervém na realização do objectivo prosseguido pelo artigo 33.° que é assegurar o pleno efeito do sistema comum de IVA, o Tribunal retomou no n.° 14 desse acórdão, os mesmos critérios que figuram na passagem do acórdão Rousseau Wilmot já citado.

55. Proponho ao Tribunal que proceda do mesmo modo no presente processo, verificando se o BVB apresenta as características definidas no âmbito daqueles dois acórdãos.

56. Ora, deve observar-se que o BVB embora seja proporcional aos preços dos veículos automóveis ligeiros de passageiros, não constitui, todavia, um imposto geral, uma vez que apenas incide sobre duas categorias de produtos, ou seja, os veículos automóveis ligeiros de passageiros e os motociclos. Por outro lado, não se pode dizer que onere a circulação dos bens e serviços e que incida sobre as transacções comerciais de modo comparável ao IVA, dado que só é aplicado uma vez no estádio da entrega pelo fabricante ou da importação. Os automóveis usados, que não sejam os importados, não estão sujeitos ao BVB. Por outro lado, vimos que o BVB não compromete o funcionamento do sistema comum do IVA.

57. Deste modo, proponho ao Tribunal que responda à primeira questão colocada nos dois processos pelo Hoge Raad do seguinte modo:

"As disposições constantes das primeira, segunda e sexta directivas não se opõem à cobrança de um imposto de consumo extraordinário sobre os veículos automóveis ligeiros de passageiros, tal como ele é definido no pedido prejudicial."

II - Quanto às segundas questões

58. A segunda questão no processo 93/88 (Wisselink) está redigida do seguinte modo:

"Deve inferir-se de uma resposta afirmativa à primeira questão que um sujeito passivo está autorizado a deduzir do imposto de que é devedor, em conformidade com o artigo 17.° da sexta directiva, um imposto de consumo extraordinário sobre os veículos automóveis ligeiros de passageiros que lhe é imputado do modo descrito no pedido prejudicial, mesmo quando a legislação nacional não preveja uma tal dedução?"

59. Quanto à segunda questão apresentada no âmbito do processo 94/88 (Abemij e outros) tem a seguinte redação:

"Deve inferir-se de uma resposta afirmativa à primeira questão que um imposto de consumo extraordinário sobre os veículos automóveis ligeiros de passageiros, tal como aquele de que o interessado é devedor em razão da importação desses veículos durante o período em causa não pode ser cobrado ou deve ser cobrado noutros termos?"

60. Como proponho ao Tribunal que responda negativamente à primeira questão, as segundas ficam necessariamente sem objecto.

61. Pelo contrário, no caso de o Tribunal responder afirmativamente à primeira questão, resultaria daí que um imposto, com as características do imposto extraordinário neerlandês, violaria o direito comunitário porque faria parte do âmbito da proibição prevista no artigo 33.° da sexta directiva.

62. Nesse caso, seria necessário responder à segunda questão apresentada no processo 94/88 (Abemij e outros) que esse tipo de imposto não pode ser cobrado. Ora, se não podia ser cobrado, o problema da sua dedução, suscitado na segunda questão do processo 93/88 (Wisselink), já não se colocaria.

63. Tendo em consideração as consequências financeiras consideráveis que uma declaração da ilegalidade deste tipo de imposto podia ter nos Países Baixos, e talvez noutros Estados-membros, seria indicado que o Tribunal declarasse que essa ilegalidade não pode ser invocada para pedir o reembolso de impostos pagos antes da data do acórdão do Tribunal, excepto no respeitante às pessoas que antes dela interpuseram recurso.

(*) Língua original: francês.

(1) Acórdão de 10 de Abril de 1984, processo 324/82, Recueil, p. 1861.

(2) Não sublinhado no texto a que se faz referência.

(3) Ver acórdão Schul, de 21 de Maio de 1985, processo 47/84, Recueil, p. 1491.

(4) Acórdão de 23 de Janeiro de 1975, processo 51/74, Hulst/Produktschap voor Siergewassen, Recueil, p. 79, n.os 34 a 36.

(5) Acórdão de 26 de Junho de 1978, processo 142/77, Statens Kontrol Med Aedle Metaller/Larsen, Recueil, p. 1543.

(6) Acórdão de 13 de Março de 1979, processo 86/78, Peureux/Services fiscaux de la Haute-Saône et du territoire de Belfort, Recueil, p. 897.

(7) JO, 1972, L 303, p. 1; EE 09 F1 p. 39.

(8) L. Trotabas e J. M. Cotteret: Droit fiscal, Paris, Dalloz, 1985, p. 195.

(9) Acórdão de 27 de Novembro de 1985, Recueil, p. 3759, 3767.

(10) Não sublinhado no original.