61987C0379

Conclusões do advogado-geral Darmon apresentadas em 16 de Maio de 1989. - ANITA GROENER CONTRA MINISTER FOR EDUCATION E CITY OF DUBLIN VOCATIONAL EDUCATIONAL COMMITTEE. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL: HIGH COURT - IRLANDA. - LIVRE CIRCULACAO DOS TRABALHADORES - CONHECIMENTO DE UNA LINGUA OFICIAL DO PAIS DE ACOLHIMENTO. - PROCESSO 379/87.

Colectânea da Jurisprudência 1989 página 03967
Edição especial sueca página 00259
Edição especial finlandesa página 00275


Conclusões do Advogado-Geral


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Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

1. O processo que vos é hoje submetido, na sequência de uma questão prejudicial apresentada pelo High Court de Dublim, refere-se a um dos aspectos mais delicados da identidade cultural. E a importância da vossa resposta, as suas consequências para os Estados-membros, bem como para a diversidade de toda a Comunidade, são por demais evidentes para que seja necessário aprofundar a questão. É, com efeito, a capacidade de um Estado proteger e promover o uso de uma língua à escala nacional que está aqui em causa.

2. Os factos são os seguintes. A. Groener, demandante no processo principal, de nacionalidade neerlandesa, ensina pintura, desde Setembro de 1982 e na qualidade de professora a tempo parcial, no College of Marketing and Design, em Dublim. Este estabelecimento está sob a tutela do City of Dublim Vocational Education Committee, instituição pública encarregada da administração do ensino profissional subvencionado pelo Estado, na região de Dublim. Em Julho de 1984, A. Groener foi aprovada num concurso para obtenção de um lugar de professor a título permanente. Obteve aprovação neste exame, mas foi reprovada no exame especial de irlandês. Com efeito, a circular 28/79 do ministro da Educação irlandês obriga os candidatos a empregos permanentes de professor adjunto, professor ou de professor principal, na cidade de Dublim ou em qualquer outra comissão de ensino profissional, a fazerem prova do seu conhecimento da língua irlandesa. Esta prova pode ser feita, quer pela apresentação de um certificado ("An Ceard-Teastas Gaeilge"), quer pela aprovação num exame especial de língua irlandesa. É pacífico que esta circular se aplicava ao emprego em causa.

3. A. Groener impugnou nos órgãos jurisdicionais irlandeses a recusa da sua nomeação. Alegou que a circular 28/79 era incompatível com as disposições do artigo 48.° do Tratado CEE e com o artigo 3.° do Regulamento n.° 1612/68 do Conselho, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (daqui em diante "regulamento") (1), que proíbem as discriminações contra os nacionais comunitários.

4. O High Court de Dublim apresentou-vos, por consequência, um conjunto de questões prejudiciais que têm por fim, em substância, obter uma decisão vossa sobre a compatibilidade com os artigos 48.° do Tratado e 3.° do regulamento de uma disposição nacional que exige o conhecimento de uma das línguas oficiais de um Estado para obtenção de um emprego de professor a título permanente, quando, segundo o juiz a quo, o conhecimento dessa língua não é efectivamente necessário para o desempenho da função.

5. A medida de carácter administrativo em litígio é indistintamente aplicável aos nacionais irlandeses e comunitários. Todavia, é preciso recordar que a vossa jurisprudência, de modo geral, não tem apenas em consideração a existência de discriminações directas, antes procura também discernir, por detrás da aparência jurídica de uma disposição indistintamente aplicável, a existência de discriminações de facto, resultantes das especiais circunstâncias do domínio em causa.

6. Assim, em matéria de livre circulação de trabalhadores, este Tribunal declarou, num processo relativo à interpretação do Regulamento n.° 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971 (2), que as condições de aquisição ou manutenção do direito às prestações seriam contrárias ao direito comunitário se

"fossem definidas de tal modo que, de facto, só pudessem ser preenchidas pelos nacionais ou se as condições de perda ou suspensão do direito fossem definidas de tal forma que, de facto, ocorressem mais facilmente na esfera jurídica dos estrangeiros do que na dos nacionais do Estado-membro de que depende a instituição competente" (3) (tradução provisória).

7. No domínio vizinho da livre prestação de serviços, o Tribunal recordou que os artigos 59.° e 60.°, terceiro parágrafo, do Tratado CEE

"proíbem não apenas as discriminações evidentes em razão da nacionalidade do prestador de serviços, mas ainda todas as formas dissimuladas de discriminação que, embora baseadas em critérios aparentemente neutros, provocam de facto o mesmo resultado" (4) (tradução provisória).

8. É em conformidade com este princípio geral que o regulamento, no seu quinto considerando, declara que a igualdade de tratamento deve ser assegurada de facto e de direito e que o seu artigo 3.°, n.° 1, segundo travessão, proíbe as disposições que, "embora aplicáveis sem distinção de nacionalidade, tenham por objectivo ou efeito exclusivo ou principal afastar os nacionais dos outros Estados-membros do emprego oferecido".

9. Porém, o parágrafo seguinte exclui a aplicação desta disposição às "condições relativas aos conhecimentos linguísticos exigidos pela natureza do emprego a preencher".

10. Esta noção de "natureza do emprego a preencher" surge aqui como fundamental. Com efeito, determina a extensão da excepção assim criada ao princípio geral de não discriminação que o direito comunitário reconhece. Esta noção deve, por conseguinte, ser interpretada restritivamente.

11. Parecem ser necessários dois elementos para a aplicação desta excepção. Por um lado, a exigência linguística deve corresponder a um objectivo, por outro, deve ser estritamente necessária para o atingir. Reconhece-se aqui o princípio da proporcionalidade que a vossa jurisprudência aplica de modo geral, sempre que se trata de admitir restrições às liberdades garantidas pelo Tratado. É, pois, à luz deste princípio que será conveniente decidir quais os empregos cuja natureza pode justificar a exigência de conhecimentos linguísticos. O princípio da proporcionalidade poderá, assim, levar este Tribunal, se tal lhe for solicitado, a declarar incompatíveis medidas nacionais que imponham grandes exigências linguísticas relativamente a empregos para os quais não são estritamente necessárias.

12. O despacho de reenvio prejudicial coloca três questões que incidem, antes de mais, sobre a eventual existência de uma discriminação de facto, seguidamente, sobre a noção de emprego cuja natureza exige conhecimentos linguísticos e, finalmente, sobre a noção de ordem pública.

13. Parece lógico responder em primeiro lugar à segunda questão, a de saber se um lugar de professor de pintura é um emprego cuja natureza exige conhecimentos linguísticos, uma vez que, se for dada uma resposta positiva a esta questão, a eventual existência de uma discriminação de facto se torna, desde logo, inoperante. Mais genericamente, como observa a Comissão, se não houver discriminação, não tem que ser invocada a noção de ordem pública (5). Esta conclusão impõe-se também em caso de discriminação de facto inoperante.

14. A jurisprudência deste Tribunal não se debruçou ainda sobre estas dificuldades. O único acórdão proferido sobre a interpretação do artigo 3.° do regulamento não se refere às condições relativas aos conhecimentos linguísticos (6). A questão é, por conseguinte, nova para vós.

15. Recordemos as circunstâncias do caso. O irlandês é a língua nacional e a primeira língua constitucional da Irlanda. O inglês é a segunda língua constitucional. Segundo o despacho de reenvio, 33,6 % da população deste Estado declara falar correntemente a língua irlandesa. Desde os anos 50, o Governo da Irlanda prossegue activamente os objectivos de salvaguarda e de restauração da língua irlandesa, como testemunham a criação, em 1956, de um ministério encarregado de encorajar a expansão do irlandês como língua vernácula e a circular ministerial de 1979 que está em litígio no presente processo. O Governo irlandês, nas suas observações, desenvolveu amplamente os detalhes da acção de grande envergadura empreendida para a salvaguarda da língua irlandesa. Parece, no entanto, que, no College of Marketing and Design de Dublim, a maior parte dos professores e estudantes se expressam habitualmente em inglês. A. Groener alega que as funções a tempo inteiro que pretende desempenhar não diferem sensivelmente das funções a título temporário que exerce sem ter conhecimento da língua irlandesa.

16. Não nos parece necessário, todavia, fazer uma análise complexa para saber se, de facto, a ignorância do irlandês é susceptível de criar dificuldades ao bom funcionamento do ensino em causa. Com efeito, e estamos aqui no centro do debate, trata-se de traçar a linha que separa as competências comunitárias das dos Estados e de decidir se a defesa e promoção de uma língua podem ou não ser prosseguidas à luz das exigências do direito comunitário. O regulamento tentou conciliar estes imperativos, aparentemente contrários, ao excluir do campo de aplicação do princípio da não discriminação as condições relativas aos conhecimentos linguísticos, quando a natureza do emprego a prover exija esses conhecimentos. Pode a vontade de um Estado em promover uma das suas línguas ser, a este propósito, tomada em consideração?

17. Esta questão não esteve ausente das preocupações das instituições comunitárias. O Parlamento Europeu adoptou, em 1981, uma resolução sobre uma carta comunitária das línguas e culturas regionais e sobre uma carta das minorias étnicas e, em 30 de Outubro de 1987, uma resolução sobre as línguas e culturas das minorias regionais e étnicas na Comunidade Europeia, com base no relatório do Sr. Kuijpers. O primeiro destes textos pede aos governos nacionais que "tenham em conta, para dar satisfação às necessidades expressas pela população, o ensino nas línguas regionais, nos diversos ramos do ensino e nos seus diversos graus". A Comissão, de resto, criou, em 1982, o secretariado europeu das línguas da menor difusão, cuja sede é em Dublim. Assim se mostra de que forma é considerado essencial salvaguardar a riqueza cultural da Europa e assegurar a diversidade do seu património linguístico.

18. É certo que não se pode classificar o irlandês como uma língua regional. Aliás, a Constituição irlandesa confere-lhe o estatuto de língua nacional. Ora, esta língua, porque é minoritária, não se pode manter sem a adopção de medidas voluntaristas e constritivas. Qualquer fenómeno minoritário, em todo e qualquer domínio, não pode muitas vezes sobreviver sem disposições adequadas.

19. A defesa da língua inclui-se nestas questões de princípio que não se podem ignorar sem atingir o próprio cerne da identidade cultural. Compete, pois, à Comunidade decidir se esta ou aquela língua têm o direito de sobreviver? Cabe-lhe fixar o património linguístico da Europa no seu estado actual, numa palavra, fossilizá-lo?

20. Cada Estado, parece-nos, tem o direito de procurar assegurar a diversidade do seu património cultural e, por conseguinte, de possuir os meios para realizar essa política, meios que dizem respeito, em primeira mão, ao serviço público do ensino. Cada Estado tem também o direito de determinar a importância que deseja conferir ao seu património cultural. O facto de o irlandês ser considerado língua oficial pela Constituição testemunha, neste caso, a vontade de o Estado irlandês atribuir à defesa desse património uma importância primordial.

21. Quando uma constituição - quer dizer o conjunto dos valores superiores a que uma nação declara solenemente aderir - reconhece a existência de duas línguas oficiais, sem limitar o seu uso a determinadas partes do seu território ou a determinadas ocasiões, cada cidadão tem o direito de beneficiar do ensino nessas duas línguas. O facto de apenas 36% dos cidadãos irlandeses utilizarem a língua irlandesa não autoriza que se faça tábua rasa desse direito, porque a soberania não se mede apenas pelo seu uso, mas também pelo possibilidade de preservar o seu eventual exercício.

22. Por conseguinte, e sem que isso viole de modo algum o princípio da proporcionalidade, deve conceber-se esta exigência linguística como não se limitando apenas aos lugares de docentes de literatura ou de cultura irlandesas. Seja-nos permitido citar aqui a obra de Roland Barthes, Le degré zéro de l' écriture: "il n' y a pas de pensée sans langage", diz o autor, após ter escrito: "la langue... est l' aire d' une action, la définition et l' attente d' un possible". Limitar a exigência do conhecimento de irlandês apenas aos empregos em que o irlandês é efectivamente ensinado, seria tratá-lo como língua morta, a título idêntico ao do grego clássico ou do latim, como uma língua já desprovida de qualquer evolução ou, pelo menos, como uma língua secreta, reservada a um círculo restrito de iniciados.

23. Todos os irlandeses têm direito - consagrado, como vimos, na mais alta norma jurídica do seu Estado - a que lhes seja ministrado em irlandês, se o desejarem, o ensino de qualquer disciplina, incluindo o desenho. Qualquer que seja a língua oficial praticada num estabelecimento de ensino, um Estado tem o direito de garantir que todos os cidadãos nele se possam expressar e ser compreendidos numa outra língua, também ela oficial, receptáculo e veículo de um património cultural comum.

24. Os empregos no ensino parecem-nos, portanto, por natureza, fazer parte de um domínio essencial à prossecução de uma política de salvaguarda e promoção de uma língua.

25. Observamos, finalmente, que são possíveis derrogações para empregos a tempo inteiro quando não se apresente qualquer outro candidato qualificado e que os conhecimentos exigidos não são de um nível tal que se torne impossível a um estrangeiro passar no exame. Com efeito, prevê-se um estágio intensivo de apenas um mês para poder obter aprovação nesse exame. Em seis candidatos não irlandeses, quatro passaram à primeira tentativa e um à segunda. Finalmente, a leitura dos documentos anexos às observações da recorrente no processo principal mostra que o exame a que se submeteu se baseava em questões de actualidade e não apresentava alto grau de dificuldade. A medida em litígio, que prevê diversas hipóteses, parece-nos limitada ao estritamente necessário.

26. A possibilidade de uma medida menos estrita consistente, por exemplo, em exigir ao docente que, uma vez nomeado, frequente cursos de irlandês não parece corresponder satisfatoriamente ao objectivo em questão. Com efeito, por um lado, a aprendizagem da língua não seria imediata, por outro, a necessidade de saber irlandês estaria, sem dúvida, menos presente no espírito dos docentes em causa.

27. Não se verifica, portanto, que a medida em causa viole o princípio da proporcionalidade.

28. Propomo-vos, por consequência, que este Tribunal dê à segunda questão uma resposta no sentido de que os empregos no ensino se encontram, por natureza, entre aqueles em relação aos quais um Estado-membro, que prossegue uma política de salvaguarda e de promoção de uma língua de dimensão nacional, pode exigir um conhecimento suficiente dessa língua.

29. Se essa for também a vossa posição, parece-nos, pelas razões acima indicadas, não ser necessário responder nem à primeira nem à terceira questões. Se, no entanto, não compartilhardes da nossa opinião, que interpretação deverá ser dada ao artigo 3.°, n.° 1, segundo travessão, do regulamento, para os efeitos pretendidos pelo juiz a quo?

30. Tem a disposição nacional em questão por objectivo, ou por efeito exclusivo ou principal, afastar os nacionais dos outros Estados-membros do emprego oferecido? Por outras palavras, constitui ela uma discriminação indirecta?

31. Parece-nos que a resposta deve ser matizada. Ninguém nega que esta medida não tem por objectivo afastar os estrangeiros dos empregos em questão. Com efeito, e ainda que actualizada em 1979, a política seguida pelo Governo irlandês no que respeita à salvaguarda e promoção da língua irlandesa é antiga, como recordámos, e, em todo o caso, muito anterior à adesão da Irlanda aos tratados comunitários. Esta política parece, de resto, ter dado os seus frutos, já que as estatísticas elaboradas na sequência do recenseamento de 1981 mostram uma progressão do uso do irlandês em certas regiões entre 1926 e 1981, de 9,4 para 28,2 % (Leinster), de 21,6 para 34,6 % (Munster), de 33,3 para 38,8 % (Connaught) (7). Não se trata, portanto, de modo algum, de uma medida que tenha por objectivo afastar os nacionais dos outros Estados-membros dos empregos no ensino.

32. Quanto ao efeito exclusivo ou principal da medida, parece ser mais o de obrigar os nacionais irlandeses que desejem obter um lugar de docente a tempo inteiro a aprender essa língua do que o de afastar os estrangeiros. A Comissão indica, de resto, que o irlandês pode ser estudado em Paris, Bona, Rennes, Brest e Aberystwyth. Notamos ainda que A. Groener é, até ao presente, parece, a única nacional comunitária não irlandesa a ter sido reprovada no exame especial de irlandês. Finalmente, a proporção de professores nacionais de outro Estado-membro em relação ao número de docentes de nacionalidade irlandesa (189 para 1 723) não nos parece provar, antes pelo contrário, a existência de um efeito dissuasor em relação aos nacionais comunitários não irlandeses.

33. No entanto, a medida seria manifestamente discriminatória se, em caso de equivalência reconhecida, as condições de obtenção do certificado de competência em irlandês fossem diferentes em função do lugar em que os estudos de irlandês foram feitos. As respostas dadas pela Irlanda às perguntas do Tribunal não são, a este respeito, suficientemente explícitas. Com efeito, a obtenção do certificado pressupõe a aprovação nas provas escritas e orais. Podem ser dispensados da prova escrita os candidatos que, em substância, tenham cumprido a sua escolaridade e passado exames de irlandês, os que tenham estudado irlandês pelo menos durante três anos e obtido o correspondente diploma, e os que, sendo titulares de um "degree", obtiveram aprovação na prova de irlandês. Podem ser dispensados da prova oral os candidatos que tenham sido aprovados no exame oral feito com o objectivo de serem nomeados professores do ensino secundário. É certo que muitos irlandeses fazem todos os seus estudos em inglês e não beneficiam destas derrogações. De resto, um exame especial de irlandês tal como aquele a que se submeteu A. Groener supre a falta de certificado. Todavia, foi precisado pelo Governo irlandês na audiência que os diplomas obtidos por nacionais comunitários que aprendam o irlandês fora da Irlanda, nas cidades em que esse ensino é ministrado e que acima referimos, não conferem direito a beneficiar das derrogações instituídas para quem tenha obtido esses diplomas na Irlanda. Ora, a vossa jurisprudência, desde o acórdão Thieffry (8), considera como restrição injustificada a recusa de aceitação de um diploma reconhecido como equivalente a um diploma nacional. Tratava-se, neste caso, da liberdade de estabelecimento, mas essa jurisprudência é igualmente aplicável à livre circulação de trabalhadores.

34. Parece-nos, portanto, que este Tribunal poderia, se necessário, declarar que devem ser tomados em consideração os diplomas obtidos fora de um Estado-membro e por este reconhecidos como equivalentes, para beneficiar das derrogações instituídas para obtenção de um certificado de aptidão linguística. É neste sentido que vos propomos que respondais à primeira questão no caso, recordemo-lo, de não concordardes com a interpretação da última frase do artigo 5.° que vos sugerimos.

35. Limitar-nos-emos a algumas notas quanto à terceira questão, relativa à noção de ordem pública, entendida na acepção do artigo 48.°. Parece-nos que esta excepção não pode aplicar-se ao acesso ao emprego. Com efeito, esta reserva consta do n.° 3 do artigo 48.° que visa, de algum modo, a liberdade de os trabalhadores se deslocarem na Comunidade e de nela residirem, quer dizer, noutros termos, o aspecto político da livre circulação. Em contrapartida, a reserva de ordem pública não é referida no n.° 2 do mesmo artigo, que diz respeito à abolição das discriminações em matéria de emprego, remuneração e outras condições de trabalho, quer dizer, o aspecto económico da livre circulação. Vemos, de resto, que o regulamento, adoptado em aplicação do artigo 48.°, previu excepções ao princípio da não discriminação, essencialmente em matéria linguística, como vimos, o que exclui, parece, a possibilidade de lhe adicionar uma excepção com fundamento na ordem pública, que não consta nem do regulamento nem do número do artigo 48.° consagrado às condições de trabalho.

36. Recordemos, finalmente, que, no vosso acórdão Johnston, declarastes que

"o Tratado só prevê derrogações aplicáveis no caso de situações susceptíveis de pôr em causa a segurança pública nos artigos 36.°, 48.°, 56.°, 223.° e 224.°, os quais se referem a hipóteses excepcionais bem delimitadas. Em consequência do seu carácter excepcional, estes artigos não se prestam a uma interpretação extensiva e não permitem a dedução de uma reserva geral implícita no Tratado, para qualquer medida tomada com base na segurança pública" (9).

37. Parece-me, portanto, e pelas mesmas razões, que a reserva de ordem pública não é aplicável no caso em apreço e que não é necessário responder à terceira questão.

38. Concluímos que deveis declarar:

"1) O emprego de professor a tempo inteiro de qualquer disciplina pertence ao número daqueles a cuja natureza se refere o artigo 3.°, n.° 1, última frase, do Regulamento n.° 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade.

Com o objectivo de promover uma das suas línguas de dimensão nacional, um Estado-membro pode, portanto, basear-se nesta disposição para exigir a todos os candidatos a esse emprego conhecimentos suficientes da língua em causa.

2) Subsidiariamente: o artigo 3.°, n.° 1, primeiro parágrafo, segundo travessão, do mesmo regulamento deve ser interpretado no sentido de que não proíbe disposições nacionais que subordinam o acesso a um emprego à condição de conhecimento suficiente de uma das línguas oficiais de um Estado-membro, desde que as condições para essa exigência, que seja considerada satisfeita, não sejam mais favoráveis a quem fez os seus estudos linguísticos nesse Estado-membro do que a quem, sendo titular de diploma por ele reconhecido como equivalente, fez os mesmos estudos noutro Estado-membro.

3) Não há que dar resposta à terceira questão".

(*) Língua original: francês.

(1) JO L 257/2, de 19.10.1968.

(2) Relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade (JO L 149/2 de 5.7.1971; EE 5 F1 p. 98).

(3) 1/78, Kenny, acórdão de 28 de Junho de 1978, Recueil, p. 1489, n.° 17 (o sublinhado é nosso); ver também 41/84, Pinna, acórdão de 15 de Janeiro de 1986, Colect., p. 1, n.° 23.

(4) 62 e 63/81, Seco, acórdão de 3 de Fevereiro de 1982, Recueil, p. 223, n.° 8 (o sublinhado é nosso).

(5) Observações da Comissão, n.° 22 (p. 17 da tradução francesa).

(6) 131/85, Guel, acórdão de 7 de Maio de 1986, Colect., p. 1573.

(7) Observações da Irlanda, anexo I.

(8) 71/76, acórdão de 28 de Abril de 1977, Recueil, p. 765.

(9) 222/84, acórdão de 15 de Maio de 1986, Colect., p. 1651, n.° 26.