61986J0197

ACORDAO DO TRIBUNAL DE 21 DE JUNHO DE 1988. - STEVEN MALCOLM BROWN CONTRA SECRETARY OF STATE FOR SCOTLAND. - PEDIDO DE DECISAO PREJUDICIAL APRESENTADO PELO COURT OF SESSION DA ESCOCIA. - NAO DISCRIMINACAO - ACESSO AO ENSINO UNIVERSITARIO - AUXILIO A FORMACAO. - PROCESSO 197/86.

Colectânea da Jurisprudência 1988 página 03205
Edição especial sueca página 00489
Edição especial finlandesa página 00495


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


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1. Livre circulação de pessoas - Trabalhadores - Igualdade de tratamento - Ensino nas escolas profissionais - Noção - Ensino universitário - Exclusão

(Tratado CEE, artigo 128.°; Regulamento n.° 1612/68 do Conselho, artigo 7.°, n.° 3)

2. Tratado CEE - Âmbito de aplicação - Auxílio concedido aos estudantes para subsistência e formação - Inaplicabilidade das disposições do Tratado - Limites - Despesas de acesso ao ensino

(Tratado CEE, artigos 7.° e 128.°)

3. Livre circulação de pessoas - Trabalhador - Noção - Actividade profissional de duração limitada exercida com o objectivo de em seguida efectuar estudos universitários no mesmo sector - Inclusão - Benefícios sociais - Concessão condicionada à duração da actividade profissional - Inadmissibilidade

(Tratado CEE, artigo 48.°; Regulamento n.° 1612/68 do Conselho, artigo 7.°, n.° 2)

4. Livre circulação de pessoas - Trabalhadores - Igualdade de tratamento - Benefícios sociais - Noção - Ajuda concedida para a manutenção e a formação tendo em vista a realização de estudos universitários com objectivo profissional - Inclusão - Limites

(Regulamento n.° 1612/68 do Conselho, artigo 7.°, n.° 2)

5. Livre circulação de pessoas - Trabalhadores - Direito dos filhos de um trabalhador de aceder ao ensino fornecido pelo Estado de acolhimento - Filho nascido numa época em que os seus pais já não residiam no Estado de acolhimento - Exclusão

(Regulamento n.° 1612/68 do Conselho, artigo 7.°, n.° 2)

Sumário


1. Os estudos universitários que habilitam para o exercício de uma profissão ou emprego específico ou conferem aptidão particular para exercer essa profissão ou emprego estão incluídos no âmbito da formação profissional. No entanto, as universidades não devem ser consideradas "escolas profissionais", na acepção do n.° 3 do artigo 7.° do Regulamento n.° 1612/68, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade. Com efeito, a noção de escola profissional, na acepção desta disposição, não compreende toda e qualquer instituição de ensino em que se ministre determinada formação profissional. Tal noção refere-se exclusivamente às instituições que apenas ministram um ensino intercalado numa actividade profissional ou estreitamente ligado a esta, nomeadamente durante a aprendizagem. Não é esse o caso das universidades.

2. Embora as condições de acesso à formação profissional, incluindo os estudos universitários na sua generalidade, estejam abrangidas no âmbito de aplicação do Tratado, na acepção do seu artigo 7.°, um auxílio concedido por um Estado-membro aos seus nacionais quando estes efectuam tais estudos escapa ao referido âmbito de aplicação, no estádio actual da evolução do direito comunitário, salvo na medida em que o auxílio tenha por objecto cobrir as despesas de inscrição ou outros encargos, nomeadamente de escolaridade, exigidos pelo acesso ao ensino.

3. A noção de trabalhador, na acepção do artigo 48.° do Tratado e do Regulamento n.° 1612/68, possui alcance comunitário. Deve considerar-se trabalhador qualquer pessoa que exerça actividades reais e efectivas, com exclusão de actividades de tal modo reduzidas que se afigurem como puramente marginais e acessórias. A característica essencial da relação laboral é a circunstância de uma pessoa realizar durante um certo tempo, em favor de outrem e sob a direcção deste, prestações em contrapartida dos quais recebe uma remuneração. O direito comunitário não coloca condições suplementares para que alguém possa ser considerado trabalhador. Assim, os Estados-membros não podem subordinar unilateralmente a concessão dos benefícios sociais previstos pelo artigo 7.°, n.° 2, do referido regulamento, a um certo período de actividade profissional.

O nacional de um Estado-membro que inicia uma relação laboral noutro Estado-membro por um período de oito meses com o objectivo de aí realizar em seguida estudos universitários no mesmo domínio profissional, e que não teria sido contratado pela entidade patronal se não tivesse já sido admitido pela universidade, deve pois ser considerado trabalhador, na acepção do artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1612/68.

4. Um auxílio concedido para a manutenção e formação com vista à prossecução de estudos universitários que conferem uma qualificação profissional constitui um benefício social ao qual pode ter acesso, ao abrigo do artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1612/68, um nacional de outro Estado-membro que iniciou, no Estado-membro de acolhimento, depois de aí ter realizado actividades profissionais, estudos que, pelo seu objecto, estão relacionados com a actividade profissional anterior.

Não pode no entanto concluir-se que o nacional de um Estado-membro tem direito a uma bolsa de estudos graças à sua qualidade de trabalhador, quando não há dúvida de que adquiriu tal qualidade exclusivamente como consequência da sua admissão na universidade para realizar os estudos em causa. Com efeito, a relação de trabalho, única base constitutiva dos direitos que emergem do Regulamento n.° 1612/68, não é em tal caso senão um elemento acessório relativamente aos estudos que a bolsa serviria para financiar.

5. O artigo 12.° do Regulamento n.° 1612/68 deve ser interpretado no sentido de que apenas concede direitos em matéria de acesso ao ensino ao filho que tenha vivido com ambos os progenitores, ou só com um deles, num Estado-membro, numa altura em que um deles pelo menos aí residia na qualidade de trabalhador. Não pode pois criar direitos em benefício do filho de um trabalhador, nascido depois de este ter deixado de trabalhar e de residir no Estado de acolhimento.

Partes


No processo 197/86,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal, ao abrigo do artigo 177.° do Tratado CEE, pela Court of Session da Escócia e que se destina a obter, no processo pendente perante este órgão jurisdicional entre

Steven Malcolm Brown

e

The Secretary of State for Scotland,

uma decisão a título prejudicial relativa à interpretação dos artigos 7.° e 128.° do Tratado CEE, bem como dos artigos 7.° e 12.° do Regulamento (CEE) n.° 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (JO L 257, p. 2; EE 05 F1 p. 77),

O TRIBUNAL,

constituído pelos Srs. Mackenzie Stuart, presidente, J. C. Moitinho de Almeida e G. C. Rodríguez Iglesias, presidentes de secção, T. Koopmans, U. Everling, K. Bahlmann, Y. Galmot, C. Kakouris, R. Joliet, T. F. O' Higgins e F. Schockweiler, juízes,

advogado-geral: Sir Gordon Slynn

secretário: B. Pastor, administradora

considerando as observações apresentadas:

- em representação de S. M. Brown, por R. Mackay, QC, e M. G. Clarke,

- em representação da República Federal da Alemanha, por M. Zuleeg, agente,

- em representação do Reino da Dinamarca, por L. Mikaelsen, agente,

- em representação do Reino Unido, por H. R. Purse e D. Donaldson, QC, agentes,

- em representação da Comissão, por J. Currall, agente,

visto o relatório para audiência e após a realização desta em 21 de Maio de 1987,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 17 de Setembro de 1987,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por despacho de 27 de Junho de 1986, recebido no Tribunal em 31 de Julho seguinte, a Court of Session da Escócia colocou, ao abrigo do artigo 177.° do Tratado CEE, cinco questões prejudiciais que se referem, nomeadamente, à interpretação do artigo 7.° do Tratado CEE e dos artigos 7.° e 12.° do Regulamento n.° 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (JO L 257, p. 2; EE 05 F1 p. 77).

2 Estas questões foram suscitadas no âmbito de um recurso interposto por S. Brown, demandante no processo principal (adiante designado "demandante"), contra a recusa do Scottish Education Department ("SED"), uma entidade administrativa dependente do Secretary of State for Scotland, demandado no processo principal, de conceder-lhe um subsídio de estudos.

3 Resulta dos elementos do processo que o recorrente possui a dupla nacionalidade francesa e britânica. Após ter vivido em França até terminar o ensino secundário, passou a residir, no início de 1984, no Reino Unido. De 9 de Janeiro a 14 de Setembro de 1984, trabalhou para uma sociedade em Edimburgo. Este emprego é descrito na decisão de reenvio como uma "formação profissional pré-universitária". Em Outubro de 1984, iniciou o curso de engenharia electrotécnica na Universidade de Cambridge.

4 O SED recusou, por diversas razões baseadas no direito nacional, conceder ao recorrente um subsídio de estudos que compreendia, por um lado, um subsídio de manutenção cujo montante está em função do rendimento dos pais e, por outro, o pagamento directo das propinas pelo SED à universidade, independentemente dos rendimentos do estudante ou dos seus pais.

5 O recorrente admitiu não ter qualquer direito nos termos das disposições nacionais. No entanto, recorreu da decisão de recusa do SED, sustentando que tinha direito ao subsídio de estudos nos termos do direito comunitário, com base numa das seguintes quatro disposições: artigo 7.° do Tratado CEE, com a interpretação que lhe foi dada pelo Tribunal no acórdão de 13 de Fevereiro de 1985 (Gravier, 293/83, Recueil, p. 606), artigo 7.°, n.os 2 e 3, e artigo 12.° do Regulamento n.° 1612/68.

6 A requerimento de ambas as partes, o órgão jurisdicional nacional colocou ao Tribunal de Justiça as seguintes questões:

"1) A frequência, a tempo inteiro, de um curso de engenharia numa universidade, que confere um diploma que permite ao seu titular satisfazer as condições académicas exigidas para a inscrição na organização profissional dos engenheiros electrotécnicos, o que por sua vez lhe permite, obtida uma experiência profissional complementar, invocar a qualidade de engenheiro e usar o título de 'chartered engineer' , constitui:

a) uma formação profissional incluída no âmbito de aplicação do Tratado CEE, para os efeitos do seu artigo 7.°, com a interpretação que o Tribunal lhe deu nos processos 152/82, Forcheri/Reino da Bélgica, e 293/83, Gravier/Ville de Liège,

e/ou

b) uma formação numa 'escola profissional' , referida no artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento (CEE) n.° 1612/68 do Conselho?

2) A noção de acesso à formação profissional, para os efeitos do artigo 7.° do Tratado CEE, com a interpretação que lhe foi dada pelo Tribunal nos processos 152/82, Forcheri/Reino da Bélgica, e 293/83, Gravier/Ville de Liège, deve ser entendida como englobando o pagamento por um Estado-membro, por força das disposições do seu direito nacional, ao formando (ou a outrem, em seu nome), de: a) propinas de inscrição e/ou b) quantias destinadas ao seu sustento?

3) Um nacional de um Estado-membro, que residiu nesse Estado-membro e que se muda para outro Estado-membro (' Estado-membro de acolhimento' ) , deve ser considerado um trabalhador, para os efeitos do artigo 7.° do Regulamento n.° 1612/68, no caso de:

a) o interessado exercer uma actividade remunerada a tempo inteiro, abrangida por um sistema de segurança social, na qualidade de estagiário de engenharia electrotécnica, durante oito meses antes da sua entrada na universidade,

b) ainda antes da sua entrada no território do Estado-membro de acolhimento, ter feito diligências para iniciar, no fim do referido período de oito meses, estudos de engenharia a tempo inteiro numa universidade do Estado-membro de acolhimento,

c) a entidade patronal não ter contratado o interessado para exercer a função que lhe foi atribuída se este não tivesse sido admitido na universidade

e

d) o interessado ter aceite esse emprego com o objectivo de adquirir experiência profissional no sector da indústria electrotécnica?

4) No caso de deixar um emprego para iniciar - e efectivamente iniciar - estudos com o objectivo de obter um diploma em electrotecnia a fim de se tornar engenheiro e exercer essa profissão, um trabalhador tem direito, ao abrigo do artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento (CEE) n.° 1612/68, a receber um subsídio de estudos pago, nos termos do direito nacional, a estudantes, e destinado a cobrir as suas propinas e/ou pagar as suas despesas de manutenção?

5) O filho do nacional de um determinado Estado-membro que reside no território de outro Estado-membro (' Estado de acolhimento' ) pode invocar o artigo 12.° do Regulamento (CEE) n.° 1612/68 quando um dos seus progenitores, que já não trabalha nem reside no Estado de acolhimento, residiu pela última vez ou exerceu pela última vez uma actividade assalariada no Estado de acolhimento antes do nascimento do filho e quando o facto de este residir no território do Estado de acolhimento não está relacionado com o facto de o progenitor ter trabalhado nesse mesmo Estado?"

7 Para uma mais ampla exposição do quadro jurídico e da matéria de facto do processo principal, bem como das observações apresentadas ao Tribunal, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos do processo só serão adiante retomados na medida do necessário à fundamentação do Tribunal.

Sobre a primeira questão

8 Através da primeira parte da primeira questão, o órgão jurisdicional nacional pretende saber se estudos universitários como os descritos no despacho de reenvio constituem uma formação profissional, na acepção do Tratado CEE.

9 A título preliminar, deve salientar-se que, no âmbito do artigo 177.° do Tratado CEE, cabe ao Tribunal fornecer ao órgão jurisdicional nacional os critérios de interpretação necessários para lhe permitir qualificar o tipo de estudos em causa.

10 Em seguida, é necessário recordar que, como o Tribunal decidiu no citado acórdão de 13 de Fevereiro de 1985, os estudos que habilitam para o exercício de uma profissão ou um emprego específico ou que conferem a aptidão particular para o exercício dessa profissão ou emprego constituem uma formação profissional. Por outro lado, é necessário sublinhar, como o Tribunal já decidiu no acórdão de 2 de Fevereiro de 1988 (24/86, Blaizot, Colect., p. 379), que os estudos universitários correspondem, na generalidade, a estas condições, com excepção de certos programas específicos de estudos que, devido às suas características próprias, se dirigem a pessoas que pretendem mais aprofundar os seus conhecimentos gerais do que aceder à vida profissional.

11 Através da segunda parte da primeira questão, o órgão jurisdicional nacional pretende saber se as universidades que ministram uma formação profissional podem ser consideradas escolas profissionais, na acepção do n.° 3 do artigo 7.° do Regulamento n.° 1612/68.

12 Sobre esta questão, deve salientar-se que, para que um estabelecimento de ensino possa ser considerado uma escola profissional, na acepção dessa disposição, não basta que determinada formação profissional aí seja ministrada. A noção de escola profissional é mais restrita e refere-se exclusivamenteàs instituições que apenas ministram um ensino intercalado numa actividade profissional ou estreitamente ligado a esta, nomeadamente durante a aprendizagem. Tal não é o caso das universidades.

13 Assim, há que responder à primeira questão afirmando, por um lado, que os estudos universitários que habilitam para o exercício de uma profissão ou emprego específico ou conferem aptidão particular para exercer essa profissão ou emprego estão incluídos no âmbito da formação profissional e, por outro lado, que as universidades não devem ser consideradas "escolas profissionais", na acepção do n.° 3 do artigo 7.° do Regulamento n.° 1612/68.

Sobre a segunda questão

14 Pela segunda questão, o órgão jurisdicional nacional pretende saber se está compreendido no domínio de aplicação do Tratado CEE, na acepção do seu artigo 7.°, o pagamento por um Estado-membro, em benefício dos estudantes, das propinas exigidas por uma universidade e das bolsas destinadas à sua manutenção.

15 A título preliminar, recorde-se que no acórdão de 13 de Fevereiro de 1985, já citado, o Tribunal decidiu, por um lado, que um tratamento desigual em função da nacionalidade deve ser considerado como uma discriminação proibida pelo artigo 7.° do Tratado CEE sempre que se verificar no domínio de aplicação do Tratado e, por outro lado, que as condições de acesso à formação profissional estão compreendidas nesse domínio. No citado acórdão de 2 de Fevereiro de 1988, o Tribunal sublinhou que os estudos universitários respondem, na sua generalidade, às condições requeridas para se considerar que fazem parte da formação profissional, na acepção do Tratado CEE.

16 No entanto, o Tribunal, nos acórdãos citados, não teve de se pronunciar sobre a questão de saber se um nacional de outro Estado-membro tem direito, quando realiza tais estudos, ao auxílio que um Estado-membro concede aos seus nacionais.

17 Resulta do acórdão de 13 de Fevereiro de 1985, já citado, que só na medida em que tiver por objecto cobrir os custos de inscrição ou outros custos, nomeadamente de frequência, exigidos pelo acesso ao ensino, é que tal auxílio fica compreendido no âmbito de aplicação do Tratado CEE, a título de condição de acesso à formação profissional; só nesse caso, por conseguinte, é que há lugar à aplicação do princípio da não-discriminação em função da nacionalidade consagrado pelo artigo 7.° do Tratado CEE.

18 Feita esta reserva, é necessário constatar que, no estádio actual da evolução do direito comunitário, um auxílio para subsistência e formação concedido aos estudantes escapa, em princípio, ao âmbito de aplicação do Tratado CEE, na acepção do seu artigo 7.° Com efeito, insere-se, por um lado, na política de ensino, que não está submetida, enquanto tal, à competência das instituições comunitárias (ver acórdão de 13 de Fevereiro de 1985, já citado), e, por outro lado, na política social, que é do domínio da competência dos Estados-membros, na medida em que não constitui objecto de disposições particulares do Tratado CEE (ver acórdão de 9 de Julho de 1987, Alemanha e outros/Comissão, 281, 283 a 285 e 287/85 - política de migração -, Colect., p. 3203).

19 Deve pois responder-se à segunda questão afirmando que está incluído no âmbito de aplicação do Tratado CEE, na acepção do seu artigo 7.°, o pagamento por um Estado-membro, em benefício dos estudantes, das propinas exigidas por uma universidade, mas não o pagamento de subsídios destinados à sua manutenção.

Sobre a terceira questão

20 Através da terceira questão, o órgão jurisdicional nacional pretende, no essencial, saber se o nacional de outro Estado-membro, que inicie uma relação laboral no Estado de acolhimento por um período de oito meses com o objectivo de aí iniciar, em seguida, estudos universitários no mesmo domínio profissional, e que nunca teria sido contratado pela entidade patronal se não tivesse já sido admitido pela universidade, deve ser considerado um trabalhador, na acepção do n.° 2 do artigo 7.° do Regulamento n.° 1612/68.

21 Sobre esta questão é necessário sublinhar que a noção de trabalhador, na acepção do artigo 48.° do Tratado CEE e do Regulamento n.° 1612/68, possui um alcance comunitário. Ora, como o Tribunal já decidiu, deve entender-se por trabalhador qualquer pessoa que exerça actividades reais e efectivas, com exclusãode actividades de tal maneira reduzidas que se afigurem como puramente marginais e acessórias (acórdãos do Tribunal de 23 de Março de 1982, Levin, 53/81, Recueil, p. 1035, e de 3 de Junho de 1986, Kempf, 139/85, Colect., p. 1746). A característica essencial da relação laboral é a circunstância de uma pessoa realizar, durante um certo tempo, em favor de outra e sob a direcção desta, prestações em contrapartida das quais recebe uma remuneração (acórdão do Tribunal de 3 de Julho de 1986, Lawrie-Blum, 66/85, Colect., p. 2121).

22 Sublinhe-se que o direito comunitário não coloca condições suplementares para que uma pessoa possa ser considerada como trabalhador e que os Estados-membros não podem subordinar unilateralmente a concessão das vantagens sociais previstas pelo artigo 7.°, n.° 2, do referido regulamento a um certo período de actividade profissional (ver acórdão de 6 de Junho de 1985, Frascogna, 157/84, Recueil, p. 1744).

23 Por conseguinte, deve responder-se à terceira questão afirmando que o nacional de outro Estado-membro que inicia uma relação laboral no Estado de acolhimento por um período de oito meses com o objectivo de aí realizar em seguida estudos universitários no mesmo domínio profissional, e que não teria sido contratado pela entidade patronal se não tivesse já sido admitido pela universidade, deve ser considerado trabalhador, na acepção do n.° 2 do artigo 7.° do Regulamento n.° 1612/68.

Sobre a quarta questão

24 A primeira parte da quarta questão, que incide sobre as propinas, ficou desprovida de objecto, por força da resposta dada à segunda questão. A segunda parte da quarta questão tem por objecto saber se um trabalhador que se encontre nas circunstâncias particulares indicadas pelo órgão jurisdicional nacional tem o direito, por força do n.° 2 do artigo 7.° do Regulamento n.° 1612/68, de beneficiar de um subsídio concedido a estudantes e destinado a prover à sua manutenção quando efectua estudos universitários no Estado de acolhimento.

25 Recorde-se, conforme o Tribunal já julgou em acórdão proferido hoje (Lair, 39/86, Colect. 1988, p. 3161), que um auxílio para subsistência e formação, concedido com vista à realização de estudos universitários que conferem por uma qualificação profissional, constitui uma vantagem social, na acepção do n.° 2 do artigo 7.° do Regulamento n.° 1612/68.

26 No mesmo acórdão, o Tribunal declarou que se deve considerar que o nacional de outro Estado-membro que realiza no Estado de acolhimento, após aí ter efectuado actividades profissionais, estudos universitários que conferem um diploma profissional, conserva a sua qualidade de trabalhador, podendo beneficiar, enquanto tal, do disposto no n.° 2 do artigo 7.° do Regulamento n.° 1612/68, na condição de existir uma relação entre a actividade profissional anterior e os estudos em questão.

27 Não obstante, deve salientar-se que esta constatação não pode fazer com que o natural de um Estado-membro obtenha noutro Estado-membro o direito a um subsídio de estudos graças à sua qualidade de trabalhador, quando se provar que adquiriu tal qualidade exclusivamente como consequência da sua admissão na universidade para realizar os estudos em causa. Com efeito, a relação de trabalho, única base constitutiva dos direitos que emergem do Regulamento n.° 1612/68, não é em tal caso senão um elemento acessório face aos estudos que a bolsa serviria para financiar.

28 Deve pois responder-se à quarta questão afirmando que um trabalhador, nacional de um Estado-membro, que iniciou uma relação laboral por um período de oito meses com o objectivo de em seguida efectuar um curso no Estado de acolhimento, no mesmo domínio profissional, e que não teria sido contratado pela entidade patronal se não tivesse já sido admitido na universidade, não goza do direito, ao abrigo do artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1612/68, de beneficiar para os seus estudos de um subsídio concedido aos estudantes nacionais do Estado de acolhimento e destinado a prover à sua manutenção.

Sobre a quinta questão

29 Para responder à quinta questão é necessário recordar que o recorrente nasceu já depois de os seus progenitores terem deixado de trabalhar e de residir no Reino Unido. Deste modo, nunca teve neste Estado a qualidade de membro da família de um trabalhador.

30 Ora, o quinto considerando do Regulamento n.° 1612/68 salienta que é seu objectivo estabelecer a livre circulação dos trabalhadores, graças nomeadamente à eliminação dos obstáculos que se opõem à mobilidade do trabalhador, sobretudo no que respeita ao direito de se reunir à sua família e às condições de integração dessa família no país de acolhimento. Segue-se que o artigo 12.° desse Regulamento deve ser interpretado no sentido de que só concede direitos ao filho que tenha vivido com ambos os progenitores ou só com um deles num Estado-membro, numa altura em que pelo menos um dos seus progenitores aí residia na qualidade de trabalhador. Não pode pois criar direitos que aproveitem ao filho de um trabalhador nascido depois de este ter deixado de trabalhar e de residir no Estado de acolhimento.

31 Assim, deve responder-se à quinta questão afirmando que o filho de um nacional de um Estado-membro que reside no território de outro Estado-membro não pode invocar o artigo 12.° do Regulamento n.° 1612/68 quando um dos seus progenitores, que já não reside no Estado de acolhimento, aí residiu na qualidade de trabalhador pela última vez antes do nascimento do filho.

Decisão sobre as despesas


Sobre as despesas

32 As despesas efectuadas pelo Reino Unido, pela República Federal da Alemanha, pelo Reino da Dinamarca e pela Comissão das Comunidades Europeias, que submeteram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL,

pronunciando-se sobre as questões que lhe foram submetidas pela Court of Session da Escócia, por despacho de 27 de Junho de 1986, declara:

1) - Os estudos universitários que habilitam para o exercício de uma profissão ou emprego específico ou conferem aptidão particular para exercer essa profissão ou emprego estão incluídos no âmbito da formação profissional.

- As universidades não devem ser consideradas "escolas profissionais", na acepção do n.° 3 do artigo 7.° do Regulamento n.° 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade.

2) Está incluído no âmbito de aplicação do Tratado CEE, nos termos do seu artigo 7.°, o pagamento por um Estado-membro, em benefício dos estudantes, das propinas exigidas por uma universidade, mas não o pagamento de subsídios destinados à sua manutenção.

3) O nacional de um Estado-membro que inicia uma relação laboral no Estado de acolhimento por um período de oito meses com o objectivo de aí realizar em seguida estudos universitários no mesmo domínio profissional, e que não teria sido contratado pela entidade patronal se não tivesse já sido admitido pela universidade, deve ser considerado trabalhador, na acepção do artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1612/68.

4) Um trabalhador, nacional de um Estado-membro, que iniciou uma relação laboral por um período de oito meses com o objectivo de em seguida efectuar um curso no Estado de acolhimento, no mesmo domínio profissional, e que não teria sido contratado pela entidade patronal se não tivesse já sido admitido na universidade, não goza do direito, ao abrigo do artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1612/68, de beneficiar para os seus estudos de um subsídio concedido aos estudantes nacionais do Estado de acolhimento e destinado a prover à sua manutenção.

5) O filho de um nacional de um Estado-membro que reside no território de outro Estado-membro não pode invocar o artigo 12.° do Regulamento n.° 1612/68 quando um dos seus progenitores, que já não reside no Estado de acolhimento, aí residiu na qualidade de trabalhador pela última vez antes do nascimento do filho.