61985C0415

Conclusões do advogado-geral Darmon apresentadas em 2 de Dezembro de 1987. - COMISSAO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS CONTRA IRLANDA. - IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO - TRIBUTACAO A TAXA ZERO. - PROCESSO 415/85.

Colectânea da Jurisprudência 1988 página 03097


Conclusões do Advogado-Geral


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Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

1. A presente acção por incumprimento, em que a demandada é a República da Irlanda, diz respeito aos critérios de aplicação do artigo 28.° da sexta directiva 77/388 do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios (1) (adiante "directiva"). Em suma, a República da Irlanda é acusada de aplicar a certas categorias de bens ou prestações de serviços (2) que figuram na lista estabelecida pelo Value Added Tax Act de 1972 (3) uma "taxa zero" que não se justifica por "razões de interesse social bem definidas e a favor dos consumidores finais", como exige o artigo 17.°, último travessão, da segunda directiva do Conselho de 11 de Abril de 1967 (4) (adiante "artigo 17.°"), para o qual remete o artigo 28.°, n.° 2, da sexta directiva.

2. Este texto insere-se num processo de harmonização iniciado em Abril de 1967, quando foram adoptadas as duas primeiras directivas (5) relativas à harmonização das legislações em matéria de imposto sobre o volume de negócios. Foi assim instituído, ainda que "sem a harmonização simultânea das taxas e das isenções" (6), um "imposto geral sobre o consumo" (7). Dez anos mais tarde, a directiva (8) prosseguiu um objectivo essencial, a criação de recursos próprios das Comunidades "que incluem, entre outros, os recursos provenientes do imposto sobre o valor acrescentado, obtidos mediante a aplicação de uma taxa comum a uma matéria colectável determinada de modo uniforme, de acordo com as normas comunitárias" (9).

3. "A fim de que os recursos próprios sejam cobrados de modo uniforme em todos os Estados-membros" (10), dos artigos 13.° a 16.° da directiva consta uma lista de isenções comuns a todos os Estados. Além disso, a título transitório, o artigo 28.° da directiva autoriza-os designadamente a manter, sob determinadas condições, as taxas reduzidas e as isenções existentes em 31 de Dezembro de 1975 e que correspondam aos critérios mencionados no artigo 17.° Esta última possibilidade foi adoptada por se ter revelado "indispensável prever um período de transição que pemita uma adaptação progressiva das legislações nacionais em determinados domínios" (11).

4. Adoptado ao abrigo do artigo 28.°, n.° 2, o sistema de taxa zero em causa distingue-se, no entanto, do mecanismo de isenção previsto por esta disposição. Com efeito, este refere "isenções com reembolso dos impostos pagos no estádio anterior" que se realizam aquando da venda a retalho. No estádio anterior, todos os sujeitos passivos definidos pelo artigo 4.° da directiva aplicam o imposto. Só o retalhista, que vende ao "consumidor final" um produto que beneficia de isenção, não factura o IVA que pagou e obtém o seu reembolso da administração fiscal. O sistema da taxa zero provém de uma concepção diferente. Uma série de bens e serviços, determinados pelo legislador nacional, é objecto de uma tributação teórica e nula que se traduz pela inexistência de qualquer cobrança efectiva de IVA tanto no momento da entrega como nos estádios anteriores de comercialização. Evidentemente, não há então lugar a reembolso a favor do retalhista. Segundo a Comissão, a taxa zero abrange cerca de 33% do consumo privado na República da Irlanda, que refuta essa percentagem calculando-a em 25%. Esse número é de 35% no Reino Unido. Três outros Estados utilizam também a técnica da taxa zero, embora em muito pequena escala, designadamente no domínio da imprensa.

5. Refira-se desde já que o princípio deste sistema não é contestado pela Comissão, que o considera equivalente ao das isenções com reembolso. Todavia, a Comissão critica as aplicações da taxa zero aos bens ou serviços acima mencionados (12), por não corresponderem aos critérios do artigo 17.° Embora admita que a taxa zero não tem incidência sobre os recursos próprios, a Comissão indica que "na óptica da realização do mercado interno, da abolição das fronteiras fiscais...", o seu objectivo é "limitar a utilização da taxa zero às operações que correspondem aos critérios fixados pelo artigo 28.°, n.° 2, da directiva, e isto no quadro da sua política fiscal geral que é conseguir a eliminação total do conjunto das taxas zero e das isenções com reembolso". A Comissão considera que "a aplicação das taxas zero constitui uma das dificuldades na via da uniformização das taxas do IVA".

6. Na opinião da demandante, para determinar até que ponto da cadeia comercial é aplicável uma taxa zero, de forma a proporcionar uma vantagem ao consumidor final, deve atender-se apenas aos estádios que correspondem a "verdadeiros inputs" na produção ou distribuição de um produto final susceptível de isenção por aplicação dos critérios do artigo 28.°, n.° 2. Afirma que os fornecimentos destinados à produção agrícola em causa não se destinam ao consumidor final e apenas podem ser considerados como factores indirectos de produção agrícola. Além disso, sustenta que apenas quem adquire bens ou serviços sem direito a dedução pode ser qualificado como consumidor final.

7. O Governo da República da Irlanda, nas peças que apresentou, não contestou a definição de consumidor final adoptada pela Comissão, ainda que, no decurso da fase administrativa, a sua carta de 23 de Julho de 1982 a tenha considerado demasiado restrita e "não necessariamente correcta". Afirma que a aplicação da taxa zero se justifica quando, considerando as circunstâncias comerciais, daí resulta uma vantagem, ainda que indirecta, para o consumidor final. De qualquer forma, no que diz respeito aos factores de produção agrícola em causa, existe uma vantagem directa para os produtores que consomem os produtos da sua exploração. A República da Irlanda afirma também que dispõe de um poder de apreciação discricionário para determinar quais as medidas que respondem a razões de interesse social bem definidas. Observa que o exercício da fiscalização do Tribunal neste aspecto resulta "muito difícil". A Comissão não contesta a existência dessa prerrogativa do Estado demandado. No entanto, afirma que compete ao Tribunal definir o conteúdo comunitário das "razões de interesse social bem definidas" e apreciar a compatibilidade das medidas adoptadas com essa noção.

8. Mas a República da Irlanda invoca em sua defesa, a título principal, o disposto no artigo 27.°, n.° 5, da sexta directiva (adiante "artigo 27.°"). Este texto, remetendo para o n.° 1 do mesmo artigo, autoriza os Estados-membros a manterem medidas especiais derrogatórias, para "simplificar a cobrança do imposto ou para evitar certas fraudes ou evasões fiscais", desde que notificadas à Comissão antes de 1 de Janeiro de 1978. Para o Governo demandado, este texto permite justificar a aplicação da taxa zero aos factores de produção agrícola e, subsidiariamente, aos fornecimentos de electricidade. A Comissão considera, em suma, que, ratione materiae, deve ser excluída a aplicação cumulativa dos artigos 27.° e 28.°, n.° 2, e, em particular, que o primeiro desses textos não deve permitir o não cumprimento das regras impostas pelo segundo.

9. Finalmente, a República da Irlanda, na tréplica, acusou a Comissão de utilizar uma acção por incumprimento para, na realidade, tentar tornear o disposto no artigo 28.°, segundo o qual compete ao Conselho, deliberando por unanimidade, decidir a supressão das isenções previstas nesse mesmo texto. O Governo demandado sublinha que a Comissão afirmou que o método irlandês da taxa zero "impede... qualquer progresso em direcção de uma maior harmonização do IVA", e vê nessa formulação um argumento de natureza política. Afirma também que, até à data em que foi intentada a acção, a Comissão não tinha proposto ao Conselho qualquer programa de supressão. A este respeito, é de referir que essas propostas foram apresentadas no decurso do processo (13).

10. Diga-se desde já que as objecções relativas às eventuais motivações da acção parecem estranhas à função do Tribunal. Será necessário recordar que, em qualquer dos casos, a Comissão, guardiã dos Tratados, dispõe de total liberdade de apreciação para intentar uma acção por incumprimento e que lhe "compete... apreciar a escolha do momento em que intenta uma acção no Tribunal" (14) (tradução provisória)? Além disso, e sobretudo, a função do Tribunal consiste aqui em apreciar os eventuais incumprimentos das obrigações de um Estado-membro, definidas pelo direito positivo. Neste aspecto, é de lembrar que, no processo Parlamento/Conselho, em que este último sustentava que a instituição demandante utilizava a acção por omissão como instrumento de prossecução de objectivos políticos, o Tribunal afirmou que:

"não pode restringir-se para uma delas (as instituições comunitárias) o exercício desta faculdade (a acção por omissão) sem prejudicar a sua posição institucional pretendida pelo Tratado" (15) (tradução provisória).

O Tribunal afastou assim a excepção de inadmissibilidade deduzida pelo Conselho, de acordo com as conclusões do advogado-geral, que tinha indicado:

"não compete ao Tribunal pronunciar-se sobre a questão de saber se uma acção prossegue objectivos políticos. O Tribunal é chamado a pronunciar-se, no quadro das regras processuais, sobre um litígio que diz respeito a uma questão de direito, a saber, a extensão das obrigações que incumbem a uma instituição comunitária. Esse litígio deve ser decidido com base nas disposições aplicáveis, ou seja, as do Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia, de 25 de Março de 1957.

A acção é intentada no interesse da Comunidade e da sua ordem jurídica, que determina a extensão dos direitos e deveres das partes no litígio" (16) (tradução provisória).

Este princípio, agora relembrado, que sublinha o carácter objectivo das acções intentadas neste Tribunal, permite apreciar na sua justa medida o alcance dos argumentos invocados neste ponto pelo Governo demandado. E se a instituição demandante utilizou, no caso em apreço, certas formulações gerais respeitantes aos interesses que considera estarem em causa, não é menos verdade que a sua acção tem por objecto, sem qualquer ambiguidade, um incumprimento do artigo 28.° da sexta directiva, conjugado com o artigo 17.° da segunda directiva. E, evidentemente sob reserva do alcance do artigo 27.°, são essas as únicas disposições que permitirão ao Tribunal declarar se existe ou não um incumprimento por parte do Estado demandado, isto porque, embora a sexta directiva preveja expressamente que compete ao Conselho suprimir as derrogações instituídas ao abrigo do artigo 28.°, a sua manutenção até ser adoptada essa decisão implica a sua conformidade com esse texto. Portanto, é a esse exame que se deve proceder agora.

I - As razões de interesse social bem definidas e a favor dos consumidores finais

11. Sublinhemos desde já que "razões de interesse social bem definidas" e vantagem do consumidor final não são condições alternativas. Com efeito, uma diz respeito ao objectivo das medidas em causa e a outra aos beneficiários destas. São, portanto, cumulativas. Além disso, nada autoriza a proceder a uma interpretação extensiva de uma disposição que cria uma excepção à aplicação das regras da matéria colectável uniforme do IVA.

A - As "razões de interesse social bem definidas"

12. Neste aspecto, as partes estão de acordo em reconhecer aos Estados-membros um poder discricionário na determinação da sua política social. Todavia, a Comissão considera que compete ao Tribunal dar um conteúdo comunitário à noção de "razões de interesse social bem definidas", e, eventualmente, declarar que as medidas adoptadas são insuficientemente definidas ou injustificadas ou ainda desproporcionadas em relação às razões invocadas.

13. A aplicação da taxa zero pode tender para uma diminuição da carga fiscal sobre as camadas sociais mais desfavorecidas. Mas pode igualmente conceber-se que os Estados-membros utilizem o instrumento fiscal para melhor satisfazerem as necessidades da grande maioria da população. E não cremos, tratando-se do conceito em causa, que caiba ao Tribunal apreciar a oportunidade das escolhas efectuadas pelos Estados-membros. Recorde-se que o Tribunal considerou, a propósito da reserva de moralidade pública em matéria de livre circulação de mercadorias, que:

"em princípio, compete a cada Estado-membro determinar as exigências da moralidade pública no seu território segundo a sua própria escala de valores, e da forma que escolher" (17) (tradução provisória).

Propomos ao Tribunal que transponha para o presente caso esta solução. Com efeito, se os Estados-membros podem colocar uma limitação à referida liberdade fundamental, deve poder ser-lhes reconhecida, sem maior perigo para a coerência da ordem jurídica comunitária, uma latitude análoga no que diz respeito às derrogações provisórias à uniformidade da matéria colectável do IVA.

14. No entanto, o respeito da directiva em causa exige que o Tribunal possa intervir no caso em que o exercício pelos Estados-membros dos seus poderes na matéria, não podendo de forma alguma relacionar-se com o domínio em questão, ponha em causa o próprio texto comunitário. Portanto, sugerimos ao Tribunal que reserve a sua censura para os casos em que o objectivo das medidas adoptadas seja manifestamente estranho à satisfação das necessidades fundamentais, individuais ou colectivas, da população do Estado-membro.

B - O consumidor final

15. Pela nossa parte, consideramos que o consumidor final deve ser definido como aquele que adquire um bem ou serviço para uso pessoal, desligado de uma actividade económica, que o artigo 4.° da directiva utiliza como critério para caracterizar o sujeito passivo. Sujeito passivo e consumidor final distinguem-se pelo facto de o primeiro efectuar operações a título oneroso e o segundo aquisições para uso próprio. E essa distinção comporta consequências fiscais essenciais: em princípio, o sujeito passivo deduz o montante do IVA enquanto o consumidor final, "não havendo transacções posteriores que incluam um preço" (18) (tradução provisória), suporta esse imposto. Esta última consequência não pode serignorada quando se trata de uma taxa zero. Nesse caso, o consumidor final é o mesmo que suportaria, sem lhe ser possível qualquer dedução, uma taxa positiva. Longe de proceder de uma abordagem estreita, esta definição parece-nos corresponder estritamente a uma acepção fiscal, a única que, no quadro das disposições relativas ao IVA, está em conformidade com as categorias instituídas por esse imposto. Além disso, é a que figura no artigo 3.° da proposta da décima sexta directiva em matéria de IVA (19):

"Para efeitos da presente directiva, entende-se por:

a) consumidor final:

1) uma pessoa que não é considerada, na operação de importação dos bens referidos no artigo 2.°, como um sujeito passivo na acepção do artigo 4.° da Directiva 77/388/CEE do Conselho;

2) um sujeito passivo que não teve direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado aquando da aquisição de um bem."

C - "A favor" do consumidor final: a noção de vantagem

16. Resta examinar a noção de vantagem que o artigo 17.° utiliza ao mencionar as isenções "a favor dos consumidores finais". No quadro da isenção "normal", a vantagem resulta da não aplicação do IVA no estádio do comércio a retalho. Em suma, a vantagem é estritamente idêntica no sistema da taxa zero: o consumidor nãopaga o IVA. A aplicação da taxa zero em estádios anteriores da comercialização não proporciona qualquer vantagem fiscal suplementar ao consumidor porque, de qualquer forma, este não suporta o IVA. No entanto, tal como a Comissão, pode admitir-se uma taxa zero a montante desde que ela se aplique ao próprio produto que se destina a ser adquirido à taxa zero pelo consumidor final.

17. Poder-se-ia, indo mais longe, considerar a vantagem indirecta que resultaria, segundo o Governo demandado, da aplicação da taxa zero a factores de produção de bens já sujeitos a uma taxa zero? Sublinhemos que, fiscalmente, esta vantagem não existe quando é concedida uma taxa zero ao consumidor final. Com efeito, a multiplicação de taxas zero a montante não tem incidência na carga fiscal do consumidor, de qualquer das formas beneficiário de uma taxa nula. Portanto, a única vantagem para o consumidor seria a resultante de uma eventual redução do custo do produto, resultante da diminuição de encargos de tesouraria e de despesas gerais na ausência de taxas positivas sobre os produtos em causa. Essas consequências, reveladas pela análise económica, parecem-nos, no entanto, dever ser consideradas com certa prudência, na medida em que variam consoante os prazos de dedução previstos, a dimensão e a estrutura dos produtores ou intermediários em causa, as suas relações de crédito entre empresas, etc. A complexidade desses efeitos exige, em nossa opinião, que se tomem certas precauções no exame de uma vantagem "a favor do consumidor final", na acepção do artigo 17.° No entanto, na medida em que a própria existência de uma diminuição dos custos de revenda é susceptível de proporcionaruma vantagem, ainda que variável, ao consumidor final, propomos ao Tribunal que não afaste o princípio de uma taxa zero aplicável apenas aos factores de produção directos e exclusivos de um produto legalmente sujeito à taxa zero.

18. Tendo sido definidas as condições impostas pelo texto em apreço, há agora que verificar se as medidas em litígio o respeitaram.

II - Apreciação das taxas zero impugnadas

A - Os factores de produção agrícola

19. Trata-se, lembremo-lo, de alimentos para animais que não animais domésticos, de medicamentos administrados por via oral aos mesmos animais, da maior parte dos adubos fornecidos em lotes de pelo menos 10 kg e de sementes ou outros produtos destinados a serem semeados para produzir alimentos.

20. Os géneros alimentícios beneficiam de uma taxa zero sem que isso seja contestado. A República da Irlanda indicou que a população agrícola representa praticamente um quarto da sua população total e que os bens cuja tributação à taxa zero está em causa entram directamente na produção de alimentos em parte autoconsumidos. Admitimos que essa utilização, estimada em 9% pela República da Irlanda, é tanto mais verosímil por a dimensão das explorações ser frequentemente reduzida. Não nos parece contestável que uma tributação positiva tenha, para essa parte do consumo final, um efeito certo de aumento de custos. Além disso, o Governo demandado afirmou que, no caso de IVA positivo sobre os produtos em causa, existiria o risco de os produtores aumentarem os preços de venda, tentando, designadamente, compensar as perdasde liquidez provocadas pela espera do pagamento da compensação fixa. Esta consequência, no seu princípio, não pode ser excluída. E, tratando-se de factores de produção de alimentação, em nossa opinião directos e exclusivos, propomos ao Tribunal que admita a vantagem indirecta que a taxa zero é susceptível de proporcionar ao consumidor final, tendo em conta o carácter "sensível" dos preços a retalho dos bens alimentares. Portanto, sugerimos ao Tribunal que não declare o incumprimento no que diz respeito a estes produtos.

B - A electricidade

21. Está aqui em causa a aplicação de uma taxa zero aos fornecimentos de electricidade efectuados a outros destinatários que não o consumidor final.

22. Essencialmente, a República da Irlanda afirma que a tributação, para efeitos do IVA, dos fornecimentos destinados a uso doméstico, que representa 41% do consumo de electricidade na Irlanda, não é separável da dos destinados a outra utilização. A utilização para fins domésticos é suficientemente importante para permitir submeter à taxa zero a totalidade desses fornecimentos. Ainda segundo o Governo demandado, uma tributação diferente de um mesmo produto seria impraticável do ponto de vista fiscal e, aliás, não haveria grande interesse em tributar os consumidores contribuintes do IVA, quer a electricidade esteja sujeita a uma taxa positiva ou uma taxa nula. Esta última afirmação prende-se sem dúvida com a indicação dada pela República da Irlanda segundo a qual, mesmo em caso de aplicação de uma taxa positiva aosfornecimentos em causa, 80% do consumo da electricidade beneficiaria ou de taxa zero ou de um desagravamento fiscal.

23. Esta argumentação não pode ser acolhida. O sector industrial e comercial não pode ser equiparado ao consumidor final. É certo que, devido à taxa zero aplicável ao uso industrial, o consumidor não suportará o IVA relativo à electricidade necessária à fabricação de produtos acabados sujeitos à taxa normal. Mas, mesmo sem referir que se descortinam muito dificilmente as razões de interesse social que poderiam justificar a taxa zero neste caso, verifica-se que a vantagem aqui é demasiado indirecta e longínqua. Além disso, embora seja possível, como a Comissão faz, aceitar que seja admitida uma taxa zero se ela beneficiar apenas acessoriamente uma categoria de bens ou de utilizadores que não têm, em princípio, direito a essa medida, não pode ser esse o caso quando se trata, designadamente, de fornecimentos de electricidade a todo o sector industrial de um Estado-membro. E não parece ser de forma alguma impossível distinguir as categorias de utilizadores de um mesmo produto e sujeitá-las, consoante o seu estatuto, a diferentes taxas de IVA. Portanto, os critérios de aplicação do artigo 28.°, n.° 2, não nos parecem preenchidos neste caso. Mas, tendo a República da Irlanda alegado, a título subsidiário, que a taxa zero para todos os fornecimentos de electricidade pode justificar-se ao abrigo do artigo 27.°, deve proceder-se agora à apreciação deste texto.

III - O artigo 27.° da sexta directiva

24. Desde já, é de referir que o artigo 27.°, que figura na directiva sob o título "medidas de simplificação", é uma disposição permanente que não parece susceptível de permitir uma isenção. Com efeito, por um lado, os artigos 13.° a 16.° incluem uma lista comum e exaustiva das isenções permanentes, e, por outro, a segunda frase do n.° 1 da disposição em causa prevê expressamente que as medidas de simplificação não podem "influir, a não ser de modo insignificante, sobre o montante do imposto devido no estádio de consumo final" (20). Embora esta última condição não pareça pôr-se para as medidas destinadas a evitar fraudes, observe-se que o Governo irlandês insistiu também no carácter simplificador das medidas criticadas. Assim, não pode admitir-se que uma medida permanente, que não pode permitir a adopção de uma isenção permanente, justifique o princípio de uma isenção provisória. Deve, portanto, excluir-se a aplicação de uma taxa zero à electricidade fornecida à indústria, que permitiria suprimir a carga do IVA relativo a esse fornecimento aquando da aquisição dos produtos acabados pelo consumidor final.

25. Além do mais, o artigo 28.°, que prevê as isenções provisórias, tem ele próprio carácter exaustivo. Portanto, instituir uma isenção provisória não prevista recorrendo abusivamente ao artigo 27.° seria ignorar as disposições do artigo 28.° Consideramos, por conseguinte, que os fornecimentos de electricidade ao sector industrial não podem beneficiar de uma taxa zero com base no artigo 27.° Acrescente-se, se o Tribunal considerar que os factores de produção agrícola não eramsusceptíveis de satisfazer os critérios do artigo 28.°, n.° 2, que, considerando o já referido carácter exaustivo, dever-se-ia recusar-lhes qualquer justificação com base no artigo 27.°, referindo também que a taxa zero elimina qualquer imposto para os produtos autoconsumidos.

26. Concluímos, portanto, propondo que o Tribunal declare que, ao aplicar uma taxa zero aos fornecimentos de electricidade a outros utilizadores que não os consumidores finais, a República da Irlanda não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado CEE e do artigo 28.°, n.° 2, da sexta directiva 77/388 do Conselho, de 17 de Maio de 1977, e que julgue improcedente a acção quanto ao restante. Por esta última razão, sugerimos que as partes suportem as respectivas despesas.

(*) Tradução do francês.

(1) - "Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme", JO L 145 de 13.6.1977, p. 1; EE 09 F1 p. 54.

(2) - Esta acção refere-se, por um lado, a certos factores de produção agrícola (alimentos destinados aos animais não domésticos, certas rações em lotes de pelo menos 10 kg, medicamentos para animais não domésticos administrados por via oral, sementes ou outros produtos destinados a serem semeados para produzir alimentos), e, por outro, aos fornecimentos de electricidade que não os feitos ao consumidor final.

(3) - Várias vezes modificado, em último lugar pelo Finance Act de 1985.

(4) - Directiva 67/228, relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - "Estrutura e modalidades de aplicação do sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado" (adiante "IVA"), JO 71 de 14.4.1967, p. 1303; EE 09 F1 p. 6, adiante "segunda directiva".

(5) - Primeira directiva 67/227 do Conselho, de 11 de Abril de 1967, "relativa à harmonização das legislações dos Estados-membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios), JO de 14.4.1967; EE 09 F1 p. 3; segunda directiva, já citada.

(6) - Oitavo considerando da primeira directiva.

(7) - Artigo 2.°, primeiro parágrafo, da primeira directiva.

(8) - As terceira, quarta e quinta directivas tinham apenas por objecto prorrogar a data de implementação do sistema comum do IVA.

(9) - Ver o segundo considerando da sexta directiva (sublinhado nosso).

(10) - Décimo primeiro considerando da sexta directiva.

(11) - Décimo nono e último considerando da sexta directiva (sublinhado nosso).

(12) - Ver acima nota 2.

(13) - JO C 250 de 18.9.1987, p. 2.

(14) - Processo 7/68, acórdão de 10 de Dezembro de 1968, Recueil, p. 625.

(15) - Processo 13/83, acórdão de 22 de Maio de 1985, Recueil, p. 1556.

(16) - Conclusões do advogado-geral C. O. Lenz apresentadas em 7 de Fevereiro de 1985, 13/83, Recueil, p. 1513, 1515.

(17) - Regina/Henn e Derby, acórdão de 14 de Dezembro de 1979, Recueil, p. 3795.

(18) - Staats Secretaris van Financiën/Hong Kong Trade Development Council, acórdão de 1 de Abril de 1982, Recueil, p. 1277, n.° 9.

(19) - JO C 226 de 28.8.1984, p. 2.

(20) - Sublinhado nosso.