CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

Jean Mischo

apresentadas em 17 de Abril de 1986 ( *1 )

Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

1. Introdução

A presente acção por incumprimento é-vos apresentada quase quatro anos depois da entrega do requerimento inicial, e mais de treze anos depois da instauração do processo de infracção pela Comissão. Esta solicitou, reiteradas vezes, que não fosse marcada a audiência, devido à existência de negociações entre as partes, a fim de resolver o diferendo.

2. As infracções imputadas

Na sua petição, a Comissão acusou a República Federal da Alemanha de, ao adoptar e aplicar determinadas disposições da lei vinícola de 14 de Julho de 1971 (BGBl. 1971 I, 893) e do regulamento de aplicação de 15 de Julho de 1971 (BGBl. 1971 I, p. 926), ter violado a regulamentação comunitária sobre a organização comum do mercado vitivinícola.

Os fundamentos do incumprimento são os seguintes:

1)

violação do princípio da livre circulação de mercadorias, que serve de base para a organização comum dos mercados do vinho, ao proibir a importação de vinho não produzido em conformidade com as disposições legislativas em vigor no Es-tado-membro produtor [n.o 1, ponto 1.o, alíneas a) e b) do artigo 18.o da lei vinícola];

2)

violação do disposto no n.o 4 do artigo 43.o do Regulamento n.o 337/79, pela proibição de lotar vinhos licorosos estrangeiros com vinho licoroso proveniente de outros países (n.o 2 do artigo 23.o da lei vinícola);

3)

violação do disposto no n.o 1 do artigo 2.o do Regulamento 1698/70, ao continuar a conceder autorizações para a preparação dos vqprd fora das regiões determinadas ou das regiões situadas na proximidade imediata das regiões determinadas (artigo 64.o da lei vinícola);

4)

violação do disposto no n.o 1 do artigo 3.o do Regulamento 338/79, devido à delimitação imprecisa das regiões aptas à produção dos vqprd (parte I do anexo IV do regulamento de aplicação «vinho»).

No que respeita às infracções que constam dos pontos 1 e 2 acima referidos, a Comissão, na sua réplica, renunciou ao seu pedido de que fosse declarado o incumprimento, por entender que tinham sido sanadas pela lei de reforma de 27 de Agosto de 1982 (BGBl. 1982 I, p. 1177), persistindo, porém, no pedido de condenação da República Federal da Alemanha nas despesas do processo respeitantes a essas duas infracções. Por carta de 18 de Dezembro de 1985, a Comissão renunciou igualmente ao pedido de que fosse declarada a existência de um incumprimento no que toca à infracção contida no ponto 4.

No entanto, também quanto a este ponto, pede a condenação da República Federal da Alemanha nas despesas. Consequentemente, as minhas conclusões tratam apenas do incumprimento referido no ponto 3.

3. A legislação comunitária aplicável

O Regulamento n.o 817/70 do Conselho (JO 1970, L 99, p. 20) estabeleceu as disposições específicas relativas aos vinhos de qualidade produzidos em regiões determinadas. O segundo considerando desse regulamento prevê o desenvolvimento de uma política de qualidade:

«considerando que o desenvolvimento de uma política de qualidade no domínio agrícola e, muito especialmente, no domínio vinícola só pode contribuir para a melhoria das condições do mercado e, pela mesma razão, para o acréscimo dos mercados; que a adopção de disciplinas comuns complementares em relação ao Regulamento (CEE) n.o 816/70 e relativamente à produção e ao controlo dos vinhos de qualidade produzidos em regiões determinadas se enquadra no âmbito da política referida anteriormente e que é de modo a contribuir para a realização dos objectivos acima referidos...».

O princípio essencial dessa política é a garantia que a obtenção das uvas e a sua transformação sejam genuínas. Este princípio é definido de maneira mais clara no texto francês, que fala de «vinhos de qualidade produzidos numa região determinada», que no texto alemão, em que a expressão utilizada é «Qualitätsweine bestimmter Anbaugebiete» ( 1 ) Somente a título excepcional se podem ter em conta práticas tradicionais, como indica o quarto considerando desse regulamento:

«considerando que, embora seja necessário ter em conta as condições tradicionais de produção, deve ser feito, contudo, um esforço comum de harmonização no que respeita às exigências de qualidade...».

Relativamente à obtenção e à transformação, o artigo 5.o prevê que:

«1)

a)

Os vqprd só podem ser obtidos a partir de uvas provenientes de castas que constem da lista referida no n.o 1 do artigo 3.o e colhidas no interior da região determinada.

A disposição anterior não constitui obstáculo a que um vqprd seja obtido nas condições referidas no n.o 3 do artigo 3.o ou produzido de acordo com as práticas tradicionais;

b)

...

2)

A transformação das uvas, referidas no n.o 1, alínea a), em mostos e do mosto em vinho será assegurada no interior da região determinada em que foram coibidas.

Pode, no entanto, efectuarse fora desta região, sem prejuízo das disposições adequadas em matéria de controlo e quando a regulamentação do Estado-membro produtor o autorizar.

3)

As modalidades de aplicação do presente artigo serão adoptadas de acordo com o procedimento previsto no artigo 7.o do Regulamento n.o 24.

Essas modalidades incidem nomeadamente sobre:

as disposições de acordo com as quais os Estados-membros podem autorizar derrogações à regra em aplicação da qual a transformação de uvas em mosto e do mosto em vinho se efectua no interior da região determinada;

a lista dos vqprd que são objecto das práticas tradicionais referidas no n.o 1.»

Esta norma corresponde, em suma, ao artigo 6.o do Regulamento no 338/79 do Conselho, de 5 de Fevereiro de 1979 (JO 1979, L 54, p. 48; EE 03 F15 p. 207), que substituiu e completou o Regulamento no 817/70.

A regra contida no primeiro parágrafo di n.o 2 do artigo 5.o retomou a regulamentação, até então habitual, dos direitos francês e italiano. As modalidades de aplicação relativas à excepção prevista no segundo parágrafo foram definidas no Regulamento no 1698/70 da Comissão (JO 1971, L 150, p. 4; EE 03 F4 p. 24), relativo a algumas derrogações que dizem respeito ao fabrico dos vqprd.

O artigo 1.o desse regulamento prevê que:

«Aquando do fabrico de um vqprd, a transformação das uvas em mosto ou do mosto em vinho, nas condições previstas no n.o 2, segundo parágrafo, do artigo 5.o do Regulamento (CEE) n.o 817/70, só pode ser efectuada com autorização».

De acordo com o n.o 1 do artigo 2.o :

«A autorização da transformação referida no artigo 1.o só pode ser dada pelo organismo competente dos Estados-membros produtores aos vinicultores que trabalham com uvas ou mostos destinados a obter um vqprd nas suas instalações e situadas na proximidade da região determinada em causa.»

Estas instalações situadas na proximidade podem estar situadas em outras regiões vitícolas ou totalmente fora de regiões vitícolas. A necessidade da «proximidade (imediata)» é justificada no terceiro considerando desse regulamento pelos riscos de fraude que a transformação comporta.

4. As disposições alemãs em causa e o verdadeiro objecto do litígio

A Weingesetz (lei vinícola), no primeiro parágrafo do artigo 5.o, dispõe como segue:

«Verarbeitung zu Qualitätswein außerhalb des bestimmten Anbaugebietes

1.

Bei der Herstellung eines Qualitätsweines b. A. kann nach Maßgabe des Artikels 5 Ab-sate- 2 Unterabsatz 2 der Verordnung (EWG) Nr. 817/70 und der zu seiner Duchführung erlassenen Verordnungen des Rates oder der Kommission der Europäischen Gemeinschaften genehmigt werden, daß die Verarbeitung von Weintrauben zu Traubenmost und des Traubenmostes zu Wein auch außerhalb des bestimmten Anbaugebietes vorgenommen wird, in dem die Weintrauben geerntet worden sind. Die Landesregierungen der weinbautreibenden Länder, in deren Gebiet die Verarbeitung vorgenommen werden soll, bestimmen die für die Erteilung der Genehmigung zuständigen Stellen.»

Esta disposição pode ser traduzida da seguinte forma:

«Preparação de vinhos de qualidade fora de uma região determinada

1.

Com vista à obtenção de um vqprd, pode autorizarse, em conformidade com o disposto no n.o 2, segundo parágrafo, do artigo 5.o do Regulamento (CEE) n.o 817/70 e com os regulamentos de aplicação, aprovados pelo Conselho e pela Comissão das Comunidades Europeias, que a transformação das uvas em mosto e do mosto em vinho seja igualmente efectuada fora da região determinada em que foram colhidas as referidas uvas. Compete aos governos dos Länder vitícolas, em cujo território se deve efectuar a transformação, designar os organismos competentes para conceder a autorização.»

Aparentemente, esta disposição não está em contradição com o n.o 1 do artigo 1o do Regulamento no 1698/70, porquanto, nos seus termos, só é aplicável em conformidade (nach Maßgabe) com os regulamentos de aplicação adoptados pelo Conselho e pela Comissão.

No decurso da fase escrita do processo, a Comissão observou, no entanto, que o mesmo não acontecia na prática, devendo interpretar-se o artigo 5.o da lei vinícola alemã à luz da situação de facto pressuposta pelo artigo 64.o da mesma lei (der dem § 64 unterliegende Sachverhalts).

O artigo 64.o em questão assim dispõe:

«Verarbeitung

Bis zum 31. August 1976 kann eine Genehmigung nach § 5 bei Qualitätswein (§ 11) auch für eine Verarbeitung innerhalb des deutschen Weinanbaugebietes (§ 10 Absatz 8) erteilt werden, sofern dies traditioneller Praxis im Sinne des Artikels 5 Absatz 1 Buchstabe a zweiter Unterabsatz der Verordnung (EWG) Nr. 817/70 entspricht.»

Esta disposição pode ser traduzida da seguinte forma:

«Preparação

A autorização prevista no artigo 5.o para o vinho de qualidade (artigo 11.o) pode ser concedida, até 31 de Agosto de 1976, inclusive no caso de transformação efectuada no interior da região vitícola alemã (artigo 11.o, n.o 8) na medida em que corresponda a uma prática tradicional, na acepção do n.o 1, alínea a), segundo parágrafo, do artigo 5.o, do Regulamento (CEE) n.o 817/70.»

Aqui torna-se necessário fazer duas observações:

1)

O artigo 64.o da lei vinícola alemã está manifestamente assente numa confusão, pois associa a «preparação» do vinho fora das «regiões determinadas», prevista no artigo 5.o da mesma lei vinícola, e o critério das «práticas tradicionais», na acepção do segundo parágrafo da alínea a) do n.o 1, do artigo 5.o do Regulamento n.o 817/70. As «práticas tradicionais» em questão, de facto, não dizem respeito aos problemas da localização geográfica da transformação das uvas ou do mosto em vinho, e sim a certos métodos de obtenção.

No decurso da audiência, a República Federal declarou, aliás, não pretender limitar a preparação dos vqprd aos lugares situados fora das «regiões determinadas», em que essa preparação era feita de um modo tradicional.

Acrescentou, ainda, não pretender sequer limitar essa preparação a localidades situadas no interior da região vitícola alemã, ao contrário do que indica o artigo 64.o acima referido.

2)

A Comissão, por sua vez, declarou na audiência que o objectivo do seu pedido era que fosse declarado que, ao continuar a conceder, após a data da entrada em vigor do Regulamento (CEE) n.o 1698/70 da Comissão (isto é, 29 de Agosto de 1970) novas autorizações permitindo a elaboração dos vqprd por empresas não situadas «na proximidade imediata da região determinada em causa», a República Federal da Alemanha não tinha cumprido as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado.

As autorizações concedidas antes dessa data, portanto, não são postas em causa pela Comissão.

Resulta de tudo isto que, na minha opinião, o Tribunal não tem necessidade de examinar mais detidamente a questão das «práticas tradicionais» nem o artigo 64.o da lei vinícola alemã (que, no entanto, é nitidamente contrário ao direito comunitário) nem ainda a maneira pela qual a Comissão havia formulado a acusação no ponto 22 do seu pedido de 31 de Março de 1982 (no qual tinha indicado que pretendia que fosse declarado que a manutenção da regulamentação de excepção para os vinhos de qualidade para além de 31 de Agosto de 1976 constituía uma infracção ao Tratado).

Resta-nos examinar agora a reacção da República Federal da Alemanha ao pedido da Comissão antes analisado.

A República Federal da Alemanha alega que as derrogações concedidas estão em perfeita conformidade com o n.o 2 do artigo 5.o do Regulamento n.o 817/70.

Sustenta que o n.o 1 do artigo 2.o do Regulamento n.o 1698/70 da Comissão, que dispõe que essas derrogações só podem ser concedidas a instalações situadas na proximidade imediata da região determinada em causa, não é válido, porque:

não respeita os limites do mandato conferido à Comissão,

viola o princípio da proporcionalidade,

viola determinados direitos fundamentais da pessoa humana.

Examinemos sucessivamente estes três fundamentos.

5. Primeiro e segundo fundamento: inobservância dos limites da habilitação e violação do princípio da proporcionalidade

Na opinião da República Federal da Alemanha, o n.o 2 do artigo 5.o do Regulamento no 817/70 reserva, de maneira não limitada, para os Estados-membros a competência para autorizar a vinificação fora das regiões determinadas. A função da Comissão, por força do disposto no n.o 3 do artigo 5.o (adopção das modalidades de aplicação), consistiria unicamente em vigiar para que essa competência não fosse utilizada de forma abusiva. Assim, ao adoptar o n.o 1 do artigo 2.o do Regulamento no 1698/70, a Comissão esvaziou, em grande parte, de substância e de conteúdo essa competência dos Estados-membros, excedendo os limites dos seus poderes.

Além disso, o critério escolhido, da «proximidade imediata», não é proporcionado relativamente ao objectivo prosseguido.

O risco de fraude, resultante da distância de transporte, invocado pela Comissão para justificar tal critério, existe do mesmo modo nó interior das regiões determinadas.

No entender do Governo alemão, poderiam ter sido escolhidos outros meios, menos radicais, como um controlo reforçado das empresas em causa e dos transportes, com o fim de alcançar o objectivo pretendido.

O que pensar dessa argumentação?

A derrogação prevista no n.o 2 do artigo 5.o do Regulamento n.o 817/70 (ou no n.o 2 do artigo 6.o do Regulamento n.o 338/79, cuja redacção é diferente, mas cujo conteúdo é idêntico) deve ser examinada no contexto geral do regulamento de que faz parte.

Por meio desse regulamento, o Conselho quis pôr em prática uma política de qualidade no domínio vitivinícola, criando, para esse fim, uma categoria especial de vinhos, definidos como «vinhos de qualidade produzidos em regiões determinadas».

Se o desejasse, o Conselho poderia ter igualmente escolhido uma outra definição, como «vinhos de qualidade produzidos a partir de uvas escolhidas em uma região determinada.»

Não o fez e os Estados-membros devem respeitar esta decisão, em cuja adopção participaram.

O Conselho previu, no entanto, a possibilidade de derrogar o princípio segundo o qual a transformação das uvas em mosto e do mosto em vinho deve ser assegurada no interior da região determinada em que foram colhidas.

Agindo desse modo, evidentemente, criou um problema, pois se, numa proporção considerável, os vinhos denominados «vinhos de qualidade produzidos em uma região determinada», na realidade, não fossem produzidos na região em causa, o certificado de origem poderia ficar esvaziado, em grande parte, do seu conteúdo e o efeito que se pretendia obter junto do público poderia ser falseado.

Tendo em vista a definição e a denominação escolhidas, o consumidor, de facto, tem, normalmente, o direito de esperar que os vqprd tenham sido produzidos, efectivamente, na região em questão. Com ou sem razão, terá a tendência, inclusivamente, para associar a essa designação a imagem de uma preparação do vinho de acordo com os métodos típicos da região, até mesmo a da pequena empresa familiar, em que uma determinada tradição se transmite de pai para filho.

Se, não obstante, o Conselho previu a possibilidade de derrogar o princípio da preparação do vinho na região em que as uvas foram colhidas, isto, sem dúvida, deve-se, essencialmente, à sua intenção de proteger os interesses de empresas situadas fora dessas regiões, mas que haviam obtido, antes da adopção do Regulamento n.o 817/70, a autorização de proceder à preparação de vinhos de qualidade.

No meu entender, teria sido preferível que a Comissão tivesse feito constar uma referência expressa a essas empresas no seu Regulamento n.o 1698/70, quanto às modalidades de aplicação da derrogação. Reconheçamos, em todo o caso, que a Comissão não contesta que esses «casos antigos» tenham direito à derrogação.

Em contrapartida, o que não seria aceitável, pelas razões indicadas acima, é que os Esta-dos-membros, após a adopção do regulamento pelo Conselho, pudessem continuar a conceder essas autorizações, derrogatórias do direito comum, sem nenhuma limitação geográfica ou quantitativa.

É verdade que, dado que o texto do n.o 2, segundo parágrafo, do artigo 5.o do Regulamento n.o 817/70 não limita a possibilidade de obtenção de uma derrogação pelas empresas que tenham, por assim dizer, direitos adquiridos, não se pode excluir, em princípio, a possibilidade de concessão de novas derrogações.

No entanto, se se quiser evitar o risco de esvaziar do seu conteúdo a noção de «vinhos de qualidade produzidos numa região determinada», essa possibilidade deve ser, necessariamente, circunscrita.

Entendo que os termos da cláusula de habilitação do n.o 3 do artigo 5.o do Regulamento n.o 817/70 permitem que a Comissão adopte tal procedimento, e não apenas que «concretize» o alcance da derrogação, como sustenta a Alemanha. Recordo que essa disposição está redigida nos seguintes termos:

«As modalidades de aplicação do presente artigo serão adoptadas de acordo com o procedimento previsto no artigo 7.o do Regulamento n.o 24.

Essas modalidades incidem nomeadamente sobre:

as disposições de acordo com as quais os Estados-membros podem autorizar derrogações à regra em aplicação da qual a transformação de uvas em mosto e do mosto em vinho se efectua no interior da região determinada;

a lista dos vqprd que são objecto das práticas tradicionais referidas no n.o 1.»

A habilitação é, portanto, muito ampla, pois que cobre todas as modalidades de aplicação do artigo 5.o

O Conselho fez questão de colocar especialmente em relevo «as disposições segundo as quais os Estados-membros podem autorizar derrogações à regra», de preferência às regras de procedimento ou às medidas de controlo, repeitantes, por exemplo, ao transporte, ao registo ou ao armazenamento das uvas, medidas, aliás, que foram igualmente adoptadas pela Comissão.

É importante observar também que o segundo travessão supracitado atribui à Comissão a competência para adoptar as regras relativas ao âmbito de aplicação da outra derrogação prevista no artigo 5.o, a que figura no segundo parágrafo do n.o 1, alínea a). Este é um argumento suplementar, no sentido de provar que a habilitação referida no primeiro travessão também pode dizer respeito ao âmbito de aplicação da cláusula à qual se refere.

Tendo em conta os termos dessa habilitação e o facto de que o princípio da aplicação uniforme do direito comunitário exclui, quanto aos Estados-membros, a possibilidade de dispor de um poder discricionário, a fim de determinarem eles próprios os limites de tal derrogação, entendo que a Comissão estava habilitada a definir esses limites.

O critério adoptado por ela apresenta, designadamente, as duas vantagens seguintes:

um vinho fabricado na proximidade imediata da região determinada pode ser considerado como um vinho fabricado «quase» na região em causa; deste modo, o consumidor terá menos razões de queixa;

o risco de uma fraude quanto à origem das uvas, durante o transporte (mistura com outras uvas, por exemplo) é menor, já que, em geral, a distância percorrida, salvo em casos excepcionais, é menos longa do que quando as uvas são transformadas longe da região determinada.

Sendo assim, na minha opinião, a Comissão não ultrapassou os limites das suas atribuições e optou por uma solução razoável, proporcionada ao objectivo pretendido.

6. Terceiro fundamento: violação dos direitos fundamentais

Em último lugar, a República Federal da Alemanha alega que a medida acima'referida viola os direitos fundamentais das empresas em questão, em especial o direito de propriedade e o direito de livre escolha da actividade profissional.

Quanto ao direito de propriedade, entendo que é suficiente lembrar que a acusação da Comissão só diz respeito às autorizações posteriores a 29 de Agosto de 1970, e referir o acórdão do Tribunal no processo 44/79 (Hauer, Recueil 1979, p. 3727). Como foi dito neste acórdão, é preciso considerar uma medida, como a do caso em apreço, no contexto da organização comum de mercado. A adopção do critério de «proximidade imediata» pertence a uma política de qualidade do vinho, que é parte integrante da organização comum. Esta organização tem em vista atingir os objectivos do artigo 39.o do Tratado. Assim compreendida, uma medida como essa justifica-se pelos objectivos de interesse geral prosseguidos pela Comunidade e não afecta a essência do direito de propriedade, na forma em que é reconhecido e garantido na ordem jurídica comunitária.

No que diz respeito ao direito de livre escolha da profissão, neste caso o de fabricar os vqprd fora da região de produção das uvas, há que notar, antes de mais nada, que não se pode admitir que um particular fundamente direitos em autorizações concedidas por um Estado-membro, em violação da legislação comunitária.

Em segundo lugar, quero recordar, além do acórdão Hauer, já mencionado, o acórdão do Tribunal no processo 4/73 (Nold, Recueil 1974, p. 491), no qual foi decidido que é legítimo subordinar o direito de livre exercício do comércio, do trabalho e de outras actividades profissionais a determinados limites, justificados pel s objectivos de interesse geral prosseguidos pela Comunidade, desde que esses mesmos direitos não sejam afectados na sua essência.

No caso em apreço, as empresas que se dedicam à preparação do vinho, que não estão situadas na proximidade imediata das regiões determinadas, poderão continuar a fabricar vinhos de mesa e a armazenar, engarrafar e vender tanto os vqprd, como vinhos de mesa.

7. Conclusões

Por tudo o que ficou dito acima, proponho que:

1)

seja declarado que a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do Tratado, ao violar o disposto no n.o 1 do artigo 2.o do Regulamento n.o 1698/70 da Comissão, de 25 de Agosto de 1970, pelo facto de ter continuado a conceder, depois de 29 de Agosto de 1970, autorizações para o fabrico de vqprd fora das regiões determinadas ou das regiões situadas na proximidade imediata das mesmas;

2)

a República Federal da Alemanha seja condenada nas despesas do processo referentes às quatro infracções de que foi acusada pela Comissão no seu pedido de 31 de Março de 1982, uma vez que o incumprimento pelo Estado-membro em questão só ficou sanado, quanto à primeira, segunda e quarta infracções, depois de iniciada a instância judicial.


( *1 ) Tradução do francês.

( 1 ) A noção «vinhos produzidos em» aparece em todas as versöcs linguísticas, com excepção das versões alemã e dinamarquesa.