ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

21 de Fevereiro de 1973 ( *1 )

No processo 6/72,

Europemballage Corporation, Bruxelas (Bélgica), e Continental Can Company Inc., New York (EUA), representadas por Alfred Gleiss, Helmuth Lutz, Christian Hootz, Martin Hirsch e associados, advogados do foro de Stuttgart, e por Jean Loyrette, advogado do foro de Paris, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Georges Reuter, 7, avenue de l'Arsenal,

recorrentes,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Bastiaan Van der Esch e Jochen Thiesing, consultores jurídicos, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete do seu consultor jurídico Emile Reuter, 4, boulevard Royal,

recorrida,

que tem por objecto a anulação da decisão da Comissão de 9 de Dezembro de 1971 relativa a um processo de execução do artigo 86.o do Tratado — «Processo IV/26 811 — Europemballage Corporation» (JO 1972, L 7),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: R. Lecourt, presidente, R. Monaco e P. Pescatore, presidentes de secção, A. M. Donner e H. Kutscher, juízes,

advogado-geral: K. Roemer

secretário: A. Van Houtte

profere o presente

Acórdão

(A parte relativa à matéria de facto não é reproduzida)

Fundamentos da decisão

1

Por recurso interposto em 9 de Fevereiro de 1972, as recorrentes pediram a anulação da decisão da Comissão de 9 de Dezembro de 1971, que acusa a Continental Can Company Inc. (a seguir «Continental») de ter cometido uma infracção ao artigo 86.o do Tratado CEE, nomeadamente, ao adquirir, por intermédio da Europemballage Corporation (a seguir «Europemballage»), cerca de 80 % das acções e obrigações convertíveis da empresa Thomassen & Drijfer Verblifa NV (a seguir «TDV»).

A — Quanto à irregularidade do processo administrativo

2

a)

As recorrentes afirmam que a decisão em questão é irregular, por a Continental não ter tido ocasião de exprimir o seu ponto de vista no decurso do processo administrativo, como está previsto no artigo 19.o do Regulamento n.o 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962 (JO 1962, p. 204; EE 08 F1 p. 22), e no artigo 7.o do Regulamento n.o 99/63 /CEE da Comissão, de 25 de Julho de 1963 (JO 1963, 127, p. 2268; EE 08 F1 p. 62).

Assim, os direitos de defesa foram prejudicados.

3

É pacífico que, por carta de 14 de Maio de 1970, as recorrentes, agindo por intermédio do seu representante, convidaram a Comissão, que anteriormente tinha dirigido à Continental questões relativas à aquisição das acções e obrigações TDV, a dirigi-las, daí em diante, à Europemballage.

Resulta também da acta da audição das partes em 21 de Setembro de 1971, aprovada pelas recorrentes, que, entre as pessoas que participaram nessa audição, figurava Charles B. Stauffacher, na qualidade de membro do conselho de administração de ambas as recorrentes.

Nestas circunstâncias, torna-se evidente que a Continental teve ocasião de exprimir o seu ponto de vista no decurso do processo administrativo.

4

b)

As recorrentes afirmam que a exposição de acusações de 15 de Março de 1971 está insuficientemente fundamentada, uma vez que a Comissão se limitou a enunciar as acusações formuladas, sem apresentar razões susceptíveis de as justificar.

A decisão impugnada está ainda insuficientemente fundamentada por se limitar a reproduzir a exposição de acusações de 15 de Março de 1971, sem ter em conta a resposta dada pelas interessadas em 9 de Agosto de 1971, e também sem indicar as razões que justificam as acusações formuladas.

5

No que diz respeito à primeira acusação, o artigo 4.o do Regulamento n.o 99/63 prevê que, nas suas decisões, a Comissão apenas terá em conta as acusações relativamente às quais o destinatário do acto tenha tido oportunidade de se pronunciar.

A exposição de acusações satisfaz esta exigência quando enuncia, ainda que sumariamente, mas de forma clara, os factos essenciais em que a Comissão se baseia.

Na sua comunicação de 15 de Março de 1971, a Comissão expôs claramente os factos essenciais em que baseavam as acusações formuladas e referiu em que medida a Continental detinha uma posição dominante e a tinha utilizado abusivamente.

Assim, as críticas formuladas em relação à exposição de acusações não têm fundamento.

6

No que diz respeito à segunda acusação, embora a Comissão seja obrigada a fundamentar a sua decisão, não é todavia obrigada a refutar todos os argumentos apresentados no decurso do processo administrativo.

7

c)

As recorrente consideram ser irregular a decisão em questão pelo facto de o processo em causa ser intitulado, no Jornal Oficial das Comunidades Europeias de 8.1.1972, «Continental Can Company», ao passo que o texto francês da decisão, único a fazer fé, tem por título «Europemballage Cooporation».

8

Dado o vínculo económico e jurídico existente entre a Continental e a Europemballage, essa circunstância não é susceptível de afectar a validade do acto em questão.

9

d)

As recorrentes afirmam ainda que a decisão em questão é irregular por não ter sido legalmente notificada à Continental.

Esta empresa recebeu, durante o mês de Dezembro de 1971, uma ou duas cartas da Comissão, por via postal, quando a decisão em questão lhe deveria ter sido notificada por via diplomática.

10

Uma decisão é devidamente notificada, na acepção do Tratado, quando é comunicada ao destinatário e este está em condições de tomar conhecimento dela.

Assim sucedeu no caso em apreço, tendo a decisão em litígio sido efectivamente comunicada à Continental e não podendo esta, para privar de efeito essa comunicação, invocar a sua própria recusa em dela tomar conhecimento.

11

e)

As recorrentes alegam finalmente que a Comissão violou o artigo 3.o do Regulamento n.o 1/58 do Conselho, que estabelece o regime linguístico da Comunidade Económica Europeia, por ter designado como fazendo fé o texto francês e não o texto alemão da decisão em litígio.

12

Nos termos do artigo 3.o deste regulamento, os textos dirigidos pelas instituições da Comunidade a uma pessoa sujeita à jurisdição de um Estado-membro serão redigidos na língua deste Estado.

Uma vez que as recorrentes têm sede num país terceiro, a escolha da língua oficial da decisão devia ter em conta a relação estabelecida por cada recorrente, no interior do mercado comum, com um Estado-membro da Comunidade.

A Europemballage tinha aberto um escritório em Bruxelas e tinha redigido em francês as suas observações escritas no decurso do processo administrativo.

À luz destes elementos, a escolha da língua francesa como língua oficial da decisão não é contrária ao artigo 3.o do Regulamento n.o 1 do Conselho, de 15 de Abril de 1958 (JO 1958, p. 385; EE 01 F1 p. 8).

13

Portanto, os argumentos baseados na irregularidade do processo administrativos não podem ser acolhidos.

B — Quanto à competência da Comissão

14

As recorrentes afirmam que, segundo os princípios gerais do direito internacional, a Continental, cuja sede se situa fora da Comunidade, não está sujeita à autoridade administrativa da Comissão, nem à jurisdição do Tribunal de Justiça.

Assim, a Comissão não tinha competência para adoptar em relação à Continental a decisão em litígio, nem para lhe dirigir a ordem que consta do artigo 2.o dessa decisão.

Além disso, a actuação ilícita apontada pela Comissão não é directamente imputável à Continental, mas sim à Europemballage.

15

As recorrentes não podem contestar que a Europemballage, constituída pela Continental em 20 de Fevereiro de 1970, é uma filial desta.

A circunstância de uma filial ter personalidade jurídica distinta não basta para afastar a possibilidade de o seu comportamento ser imputado à sociedade-mãe.

Pode ser esse o caso, nomeadamente, quando a filial não determina de forma autónoma o seu comportamento no mercado, antes aplica no essencial as instruções que lhe são dadas pela sociedade-mãe.

16

É pacífico que a Continental levou a Europemballage a fazer, nos Países Baixos, uma oferta de compra aos accionistas da TVD, pondo à sua disposição os fundos necessários para esse efeito.

Em 8 de Abril de 1970, a Europemballage procedeu à compra das acções e obrigações TDV disponíveis nessa data.

Portanto, essa operação, devido à qual a Comissão adoptou a decisão em questão, deve ser imputada não apenas à Europemballage mas também e em primeiro lugar à Continental.

Uma vez que essa compra afecta as condições de mercado no interior da Comunidade, o direito comunitário é-lhe aplicável.

O facto de a Continental não estar estabelecida no território de um dos Estados-membros da Comunidade não basta para a subtrair à aplicação desse direito.

17

Assim, o fundamento de incompetência deve ser rejeitado.

C — Quanto ao artigo 86.o do Tratado e à exploração abusiva de posição dominante

18

Os artigos 1.o e 2.o da decisão da Comissão de 9 de Dezembro de 1971 acusam a Continental de ter cometido uma infracção ao artigo 86.o do Tratado CEE, por esta empresa ter explorado de forma abusiva a posição dominante que detinha, por intermédio da Schmalbach-Lubeca-Werke AG, de Brunnswick (a seguir «SLW»), numa parte substancial do mercado comum, no mercado das embalagens ligeiras para conservas de carne, de salsicharia, de peixe e de crustáceos, bem como no das tampas metálicas para frascos de vidro.

Segundo o artigo 1.o, esta exploração abusiva consiste no facto de a Continental, em Abril de 1970, ter adquirido, através da sua filial Europemballage, cerca de 80 % das acções e obrigações convertíveis da TDV.

Essa aquisição teve por efeito eliminar praticamente a concorrência relativamente aos citados produtos de embalagem num parte substancial do mercado comum.

19

As recorrentes afirmam que a Comissão tenta assim, através de uma interpretação errada do artigo 86.o e ultrapassando os limites dos seus poderes, instituir, no quadro desta disposição, um controlo sobre as concentrações de empresas.

Essa tentativa vai contra a vontade dos autores do Tratado, como resulta não apenas de uma interpretação literal do artigo 86.o mas também de uma análise comparativa do Tratado CEE com o Tratado CECA e com as legislações nacionais dos Estados-membros.

Os exemplos de exploração abusiva de posição dominante citados no artigo 86.o confirmam esta conclusão, uma vez que demonstram que o Tratado só se refere às práticas que têm incidência no mercado e que provocam prejuízo para os consumidores ou para os parceiros comerciais.

Além disso, resulta do artigo 86.o que a utilização da força económica conferida por uma posição dominante só se traduz numa exploração abusiva dessa posição se constituir um meio através do qual é realizado o abuso.

Pelo contrário, as medidas estruturais das empresas, como o reforço de uma posição dominante através de uma concentração, não se incluem na noção de exploração abusiva dessa posição, na acepção do artigo 86.o do Tratado.

Afirmam, portanto, que a decisão em questão é nula por estar desprovida da base legal necessária.

20

O artigo 86.o, primeiro parágrafo, do Tratado declara «incompatível com o mercado comum e proibido, na medida em que tal seja susceptível de afectar o comércio entre os Estados-membros, o facto de uma ou mais empresas explorarem de forma abusiva uma posição dominante no mercado comum ou numa parte substancial destes».

Trata-se de saber se, com a expressão «explorarem de forma abusiva», o artigo 86.o se refere apenas aos comportamentos das empresas susceptíveis de afectar directamente o mercado, prejudiciais à produção e à distribuição, aos utilizadores ou aos. consumidores, ou se se refere também às modificações estruturais da empresa que tenham por efeito alterar gravemente a concorrência numa parte substancial do mercado.

21

A distinção entre as medidas que afectam a estrutura da empresa e as práticas com incidência no mercado não é determinante, uma vez que qualquer medida estrutural é susceptível, a partir do momento em que aumenta as dimensões e a potência económica da empresa, de ter incidência nas condições do mercado.

22

Para resolver este problema, devem considerar-se ao mesmo tempo o espírito, a economia e a letra do artigo 86.o, tendo em conta o sistema do Tratado e as finalidades que lhe são próprias.

Assim, a comparação entre este artigo e determinadas disposições do Tratado CECA não é pertinente em relação aos problemas em causa.

23

O artigo 36.o inclui-se no capítulo consagrado às normas comuns que definem a política da Comunidade no domínio da concorrência.

Esta política resulta do artigo 3.o, alínea f), do Tratado, que prevê que a acção da Comunidade implica o estabelecimento de um regime que garanta que a concorrência não seja falseada no mercado comum.

A argumentação das recorrentes, segundo a qual esta disposição contém apenas um programa geral desprovido de efeitos jurídicos, ignora que o artigo 3.o considera a prossecução dos objectivos que enuncia indispensável para cumprimento das missões confiadas à Comunidade.

No que diz respeito, mais especialmente, à alínea 0, trata-se de um objectivo que encontra aplicação em várias disposições do Tratado, para cuja interpretação é determinante.

24

Ao prever a instituição de um regime que garanta que a concorrência não seja falseada no mercado comum, o artigo 3.o, alínea 0, exige, por maioria de razão, que a concorrência não seja eliminada.

Esta exigência é tão essencial que, sem ela, numerosas disposições do Tratado não teriam objecto.

Responde também aos imperativos do artigo 2.o do Tratado, que atribui à Comunidade a missão de «promover… um desenvolvimento harmonioso das actividades económicas no seio da Comunidade».

Assim, as restrições à concorrência que o Tratado admite em certas condições, por razões relativas à necessidade de conciliar os vários objectivos a prosseguir, encontram nas exigências dos artigos 2.o e 3.o o limite para além do qual o enfraquecimento do jogo da concorrência poderia prejudicar as finalidades do mercado comum.

25

Para respeitar os princípios e atingir os objectivos enunciados nos artigos 2.o e 3.o do Tratado, os artigos 85.o a 90.o prevêem normas gerais aplicáveis às empresas.

O artigo 85.o aplica-se aos acordos entre empresas, decisões de associação de empresas e práticas concertadas, ao passo que o artigo 86.o se refere à acção unilateral de uma ou várias empresas.

Em planos diferentes, os artigos 85.o e 86.o têm a mesma finalidade, a saber, a manutenção de uma concorrência efectiva no mercado comum.

A alteração da concorrência, sendo proibida quando resulte de comportamentos abrangidos pelo artigo 85.o, não pode tornar-se lícita quando esses comportamentos, levados a cabo sob a acção de uma empresa dominante, conseguem matérializar-se numa integração de empresas entre si.

Na ausência de disposições expressas, não é possível supor que o Tratado, tendo proibido, no artigo 85. o, determinadas decisões de simples associação de empresas que alteram a concorrência sem a suprimir, admita no entanto como lícita, no artigo 86.o, que empresas, após terem realizado uma unidade orgânica, possam atingir uma potência dominante tal que qualquer possibilidade séria de concorrência seria, na prática, afastada.

Semelhante diversidade de tratamento jurídico abriria no conjunto das normas de concorrência uma brecha susceptível de comprometer o funcionamento correcto do mercado comum.

Com efeito, se, para eludir as proibições do artigo 85.o, bastasse proceder de forma a que os acordos atingissem um tal grau de aproximação entre as empresas que estas escapassem à aplicação deste artigo sem serem atingidos pelo artigo 86.o, tomar-se-ia lícito isolar uma parte substancial do mercado comum, em contradição com os princípios fundamentais deste.

A preocupação dos autores do Tratado em conservar no mercado, nos casos em que são admitidas restrições da concorrência, as possibilidades de uma concorrência efectiva ou potencial está expressamente referida no artigo 85.o, n.o 3, alínea b), do Tratado.

Se o artigo 86.o não contém a mesma referência explícita, é porque o regime que institui para as posições dominantes não admite, contrariamente ao artigo 85.o, n.o 3, excepções à proibição.

Nesse regime, a submissão aos objectivos fundamentais do Tratado, nomeadamente ao referido no artigo 3.o, alínea 0, resulta da força imperativa inerente a esses objectivos.

Em todo o caso, os artigos 85.o e 86.o não podem ser interpretados em sentidos contraditórios, uma vez que procuram atingir um mesmo objectivo.

26

É à luz destas considerações que deve ser interpretada a condição imposta pelo artigo 86.o segundo a qual, para ser proibida, a exploração de uma posição dominante deve ter sido exercida de forma abusiva.

Esta disposição enuncia um determinado número das práticas abusivas que proíbe.

Trata-se de uma enumeração a título exemplificativo, que não esgota as formas de exploração abusiva de posição dominante proibidas pelo Tratado.

Além disso, como resulta das alíneas c) e d) do n.o 2, esta disposição não se refere apenas às práticas susceptíveis de causar um prejuízo imediato aos consumidores, mas também àquelas que lhes causam prejuízo por impedirem uma estrutura de concorrência efectiva, tal como se refere no artigo 3.o, alínea 0, do Tratado.

Assim, o facto de uma empresa em posição dominante reforçar essa posição ao ponto de o grau de domínio assim atingido prejudicar substancialmente a concorrência, ou seja, deixar subsistir apenas empresas dependentes, no seu comportamento, da empresa dominante, pode constituir um abuso.

27

Sendo esses o sentido e o alcance do artigo 86.o do Tratado, o problema, invocado pelas recorrentes, do nexo de causalidade que, em sua opinião, deve existir entre a posição dominante e a sua exploração abusiva não tem interesse, uma vez que o reforço da posição detida pela empresa pode ser abusivo e proibido pelo artigo 86.o do Tratado, quaisquer que sejam os meios ou processos utilizados para esse efeito, desde que tenha os efeitos acima descritos.

D — Quanto aos elementos materiais da fundamentação da decisão

28

Em apoio da sua decisão, a Comissão considerou que a compra de uma participação maioritária numa empresa concorrente por uma empresa ou grupo de empresas que detém já uma posição dominante podia, em determinadas circunstâncias, constituir uma exploração abusiva dessa posição.

Assim sucede quando uma empresa em posição dominante a reforça por via de concentração, se . concorrência efectiva ou potencial entre os produtos em causa for praticamente eliminada numa parte substancial do mercado comum.

29

Com efeito, para além de, indepedentemente de qualquer infracção, poder ser considerada abusiva, a detenção de uma posição dominante levada a um ponto tal que os objectivos do Tratado sejam prejudicados por uma modificação tão substancial da estrutura da oferta que a liberdade de comportamento do consumidor no mercado seja gravemente comprometida, a eliminação prática de qualquer concorrência entra necessariamente nesse quadro.

Ainda que uma condição tão restritiva como a eliminação de toda a concorrência não seja exigida em todos os casos, uma vez que a Comissão adoptou a sua decisão com base nessa éliminação, compete-lhe justificá-la suficientemente ou, pelo menos', provar que a concorrência foi afectada de tal forma que os competidores residuais não podiam constituir um contrapeso suficiente.

30

A fim de justificar a sua tese, a Comissão examinou as consequências da concentração em litígio sob vários aspectos.

A este respeito, há que distinguir na fundamentação da sua decisão quatro elementos essenciais, a saber: a) a parte do mercado dos produtos em causa actualmente detida pelas empresas concentradas; b) as proporções relativas da nova unidade constituída pela integração e dos eventuais competidores nesse mercado; c) a força económica da clientela face à nova unidade e d) a concorrência potencial por parte, quer de fabricantes dos mesmos produtos situados em mercados geograficamente diferentes, quer de fabricantes de outros produtos situados no mercado comum.

Examinando estes diferentes elementos, a decisão baseou-se, respectivamente, na percentagem muito elevada da parte do mercado das embalagens metálicas já detida pela SLW, na fraca posição competitiva dos concorrentes que continuam no mercado, na fraqueza económica da maioria dos utilizadores em relação à nova unidade e nos múltiplos vínculos de direito e de facto entre a Continental e os eventuais concorrentes, por um lado, e nas dificuldades financeiras e técnicas de entrada no mercado caracterizado por uma forte concentração, por outro.

31

As recorrentes contestam a exactidão dos dados em que a Comissão baseou a sua decisão.

Da circunstância da parte do mercado detida pela SLW ser já de 70 a 80 % para as embalagens destinadas às conservas de produtos de carne, de 80 a 90 % para as embalagens destinadas aos produtos da pesca e de 50 a 55 % para as tampas metálicas com excepção das cápsulas metálicas, percentagens que, aliás, são demasiado elevadas e que a recorrida não pôde provar, não pode concluir-se que esta empresa domina o mercado das embalagens metálicas ligeiras.

Além disso, a decisão não considerou as possibilidades de concorrência através de produtos de substituição (embalagens de vidro e de matéria plástica), baseando-se em considerações que não resistem a exame.

Por conseguinte, os argumentos relativos às possibilidades de concorrência efectiva ou potencial e à situação pretensamente falsa dos utilizadores não são pertinentes.

32

Tanto na apreciação da posição dominante da SLW como na das consequências da concentração em causa, a delimitação do mercado em questão é de importância essencial, por as possibilidades de concorrência só poderem ser apreciadas em função das características dos produtos em causa, devido às quais esses produtos estão particularmente aptos a satisfazer necessidades constantes e são pouco intermutáveis com outros produtos.

33

Neste aspecto, a decisão, nos considerandos 5 a 7 da segunda parte, refere-se, um após outro, a um «mercado das embalagens ligeiras destinadas às conservas de produtos de carne», um «mercado das embalagens ligeiras destinadas às conservas de produtos da pesca» e um «mercado das tampas metálicas com excepção das cápsulas metálicas destinadas à indústria das conservas», todos dominados pela SLW e nos quais a concentração em litígio tende a eliminar a concorrência.

No entanto, não esclareceu quais as particularidades que distinguem esses três mercados uns dos outros devendo, portanto, ser considerados separadamente.

Além disso, também não indicou quais as particularidades pelas quais esses três mercados se distinguem do mercado geral das embalagens ligeiras, nomeadamente no que diz respeito às embalagens metálicas para conservas de frutos e produtos hortícolas, leite condensado, azeite, sumos de fruta e produtos técnico-químicos.

Com efeito, para poderem ser considerados como um mercado distinto, os produtos em causa devem individualizar-se não apenas pela sua utilização na embalagem de determinados produtos, mas ainda por características particulares de produção que os tornam especificamente aptos para essa função.

Assim, a detenção de uma posição dominante no mercado das embalagens metálicas ligeiras destinadas às conservas de carne e de peixe não pode ser decisiva enquanto não for demonstrado que os concorrentes noutros sectores do mercado das embalagens metálicas ligeiras não podem, através de uma simples adaptação, concorrer nesse mercado com força suficiente para constituir um contrapeso sério.

34

Aliás, a própria decisão contém elementos susceptíveis de pôr em dúvida que os três mercados constituam mercados distintos de outros mercados de embalagens metálicas ligeiras e antes levam a pensar que fazem parte de um mercado mais amplo.

Na primeira parte da fundamentação, ao considerar, na letra J, os principais concorrentes da SLW na Alemanha, e da TDV no Benelux, a decisão refere uma empresa alemã, que detém uma parte da produção das embalagens metálicas ligeiras destinadas às conservas de frutos e de produtos hortícolas maior do que a da SLW, e uma outra empresa que satisfaz 38 a 40 % da procura alemã de cápsulas, o que parece confirmar que a produção de embalagens metálicas para conservas de carne e de peixe não pode ser tida em consideração isolando-a da produção de embalagens metálicas para outros fins e que a produção de tampas metálicas não pode ser considerada sem ter em conta a das cápsulas metálicas.

Seguidamente, ao considerar, na segunda parte, alínea 16), as possibilidades de uma concorrência de substituição, a decisão, em vez de se limitar aos três «mercados», refere também o mercado das embalagens metálicas ligeiras com outros fins, para alegar que as embalagens não metálicas só são intermutáveis com estas dentro de limites restritos.

A circunstância de, no decurso do processo, a Comissão não ter conseguido manter esta alegação perante os factos invocados pela recorrente demonstra por si só a necessidade de uma delimitação suficientemente precisa do mercado a tomar em consideração, para permitir a avaliação da força comparada das empresas nesse mercado.

35

Não tendo precisado as características das embalagens metálicas destinadas às conservas de carne e aos produtos da pesca e as das embalagens metálicas, com excepção das cápsulas metálicas, destinadas à indústria das conservas, pelas quais esses produtos constituem outros tantos mercados próprios, que podem ser dominados pelo produtor que detenha a maior parte desses mercados, a decisão está afectada de uma incerteza fundamental que se repercute noutros elementos com base nos quais conclui pela inexistência de concorrência, efectiva ou potencial, no mercado em causa.

No que diz respeito, nomeadamente, à concorrência dos outros fabricantes de embalagens metálicas, a Comissão afirmou no decurso do processo que os concessionários da Continental «acordaram estabelecer entre si restrições à concorrência no quadro do chamado acordo de troca de informações» descrito no considerando d), 4, alínea b), mas afirma, por outro lado, que TDV e a SLW tinham «a possibilidade de concorrer mutuamente».

O argumento invocado rio considerando 19, de que as fábricas de determinados produtores situadas nos países limítrofes da Alemanha estão demasiado afastadas da maior parte dos utilizadores alemães para que estes últimos decidam confiar-lhes de forma permanente o seu abastecimento não foi justificado e é, aliás, dificilmente conciliável com a afirmação do considerando 25 a), segundo a qual os limites de rentabilidade económica dos transportes de embalagens vazias se situam entre 150 km e 300 km para as embalagens relativamente volumosas e entre 500 km e 1000 km para as embalagens mais pequenas.

Além disso, no caso das tampas metálicas, é pacífico que as despesas de transporte não desempenham um papel importante.

36

De resto, no que se refere à concorrência potencial dos grandes compradores susceptíveis de se tornarem autoprodutores, a decisão em questão afirma, no considerando 18, que essa concorrência é afastada pela importância dos investimentos necessários a um fabrico integrado e pelo avanço tecnológico do grupo Continental nesse domínio, ao passo que no considerando J, n.o 3, último parágrafo, precisa que, no mercado belga, a fábrica de conserva Marie-Thumas fabrica, por intermédio da sua filial Eurocan, embalagens metálicas para seu próprio uso e para venda a outros utilizadores.

Esta contradição confirma a incerteza da Comissão quanto à delimitação do ou dos mercados em causa.

A decisão indica também no considerando 30, alínea e), que «abstração feita da Marie-Thumas Eurocan, os autoprodutores não fabricam mais do que consomem e não oferecem embalagens metálicas vazias no mercado», ao passo que no considerando K, n.o 2, segundo parágrafo, refere que alguns autoprodutores alemães começaram, no entanto, a comercializar os seus excedentes de produção de embalagens metálicas.

Resulta destes elementos que algumas empresas, que efectuam já o fabrico integrado de embalagens, podem ultrapassar as dificuldades relativas aos obstáculos tecnológicos, sem que seja possível retirar da decisão elementos de apreciação sobre a capacidade concorrencial dessas empresas.

Desses considerandos resultam, portanto, novas contradições que viciam também a validade da decisão em questão.

37

Resulta das considerações que precedem que esta decisão não provou suficientemente os factos e apreciações em que se baseia.

Portanto, a decisão deve ser anulada.

Quanto às despesas

38

Nos termos do n.o 2 do artigo 69.o do Regulamento Processual, a parte vencida deve ser condenada nas despesas. A recorrida foi vencida.

 

Pelos fundamentos expostos,

vistos os autos,

visto o relatório do juiz-relator,

ouvidas as alegações das partes,

ouvidas as conclusões do advogado-geral,

visto o Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia, nomeadamente os artigos 2.o, 3.o, 85.o e 86.o,

visto o Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça da Comunidade Económica Europeia,

visto o Regulamento Processual do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

decide:

 

1)

A decisão da Comissão de 9 de Dezembro de 1971, relativa a um processo de execução do artigo 86.o do Tratado CEE (IV/26 811 Europemballage Corporation), é anulada.

 

2)

A recorrida é condenada nas despesas.

 

Lecourt

Monaco

Pescatore

Donner

Kutscher

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 21 de Fevereiro de 1973.

O secretário

A. Van Houtte

O presidente

R. Lecourt


( *1 ) Língua do processo: alemão.