ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

12 de Novembro de 1969 ( *1 )

No processo 29/69,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, pelo Verwaltungsgericht Stuttgart, destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Erich Stauder, 79 Ulm, Marienweg 15,

demandante,

e

Cidade de Ulm — Sozialamt

demandada,

uma decisão a título prejudicial sobre a seguinte questão:

«Pode considerar-se compatível com os princípios gerais do direito comunitário vigentes o facto de a Decisão 69/71/CEE da Comissão das Comunidades Europeias, de 12 de Fevereiro de 1969, implicar que a oferta de manteiga a preço reduzido aos beneficiários de determinados regimes de assistência social depende da divulgação aos vendedores do nome do beneficiário?»,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: R. Lecourt, presidente, R. Monaco e P. Pescatore, presidentes de secção, A. M. Donner, W. Strauß, A. Trabucchi e J. Mertens de Wilmars, juízes,

advogado-geral: K. Roemer

secretário: A. Van Houtte

profere o presente

Acórdão

(A parte relativa à matéria de facto não é reproduzida)

Fundamentos da decisão

1

Por despacho de 18 de Junho de 1969, entrado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 26 de Junho de 1969, o Verwaltungsgericht Stuttgart apresentou, ao abrigo do artigo 177.o do Tratado CEE, a questão de saber se pode ser considerado compatível com os princípios gerais do direito comunitário vigente o facto de o artigo 4o da Decisão 69/71/CEE da Comissão das Comunidades Europeias, de 12 de Fevereiro de 1969, implicar que a oferta de manteiga a preço reduzido aos beneficiários de determinados regimes de pensões de assistência social depende da divulgação ao vendedor do nome do beneficiário.

2

A referida decisão, dirigida a todos os Estados-membros, autoriza os mesmos, a fim de facilitar o escoamento de manteiga excedentária no mercado comum, a colocar à disposição de determinadas categorias de consumidores, beneficiários da assistência social, manteiga a um preço inferior ao preço normal.

Tal autorização contém determinadas modalidades destinadas, nomeadamente, a assegurar que o produto assim colocado no mercado não seja desviado do seu destino.

Para este efeito, o artigo 4.o da Decisão 69/71 estabelece em duas das suas versões, entre as quais a versão alemã, que os Estados devem tomar todas as medidas para que os beneficiários apenas possam comprar o produto em questão sob a apresentação de uma «senha com o seu nome», enquanto que nas outras versões linguísticas apenas se exige a apresentação de uma «senha individualizada» que permite assim a aplicação de meios de controlo diferentes de uma designação nominativa do beneficiário.

Deve, por conseguinte, concretizar-se primeiramente o alcance exacto da disposição controvertida.

3

Quando uma decisão única é dirigida a todos os Estados-membros, a necessidade de uma aplicação e, por conseguinte, de uma interpretação uniformes exclui que ela seja considerada isoladamente numa das suas versões, antes se exigindo que seja interpretada em função quer da vontade efectiva do seu autor quer do fim por ele pretendido, com base nomeadamente nas versões em todas as línguas.

4

Num caso como o presente deve prevalecer a interpretação menos restritiva, quando ela for suficiente para alcançar os objectivos propostos pela decisão em causa.

Além disso, não se pode admitir que os autores da decisão tenham pretendido, em determinados Estados-membros, impor obrigações mais estritas que em outros.

5

Esta interpretação é, aliás, confirmada pela declaração da Comissão, nos termos da qual uma modificação destinada a fazer desaparecer a exigência de uma senha nominativa foi proposta pelo Comité de Gestão ao qual o projecto de Decisão 69/71 fora submetido para parecer, resultando ainda do último considerando desta decisão que a Comissão teve a intenção de adoptar a modificação proposta.

6

Por conseguinte, a disposição controvertida deve ser interpretada no sentido de não impor — sem, todavia, proibir — a identificação nominativa dos beneficiários.

A Comissão publicou, assim, em 29 de Julho de 1969, uma decisão rectificativa neste sentido.

Portanto, cada um dos Estados-membros se encontra em condições de escolher entre os vários métodos de individualização.

7

Interpretada desta forma, a disposição controvertida não revela qualquer elemento susceptível de colocar em causa os direitos fundamentais individuais compreendidos nos princípios gerais do direito comunitário, cuja observância é assegurada pelo Tribunal.

Quanto às despesas

8

As despesas efectuadas pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentou observações ao Tribunal de Justiça, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o Verwaltungsgericht Stuttgart, compete a este decidir quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

vistos os autos,

visto o relatório do juiz-relator,

ouvidas as alegações da Comissão das Comunidades Europeias,

ouvidas as conclusões do advogado-geral,

visto o Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia, nomeadamente os artigos 7.o, 40.o e 177.o,

visto o Regulamento n.o 804/68 do Conselho, de 27 de Junho de 1968,

vistas as Decisões 69/71, de 12 de Fevereiro de 1969, e 69/244, de 29 de Julho de 1969, da Comissão das Comunidades Europeias,

visto o Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça da Comunidade Económica Europeia, nomeadamente o artigo 20o,

visto o Regulamento Processual do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre a questão submetida pelo Verwaltungsgericht Stuttgart, por despacho de 18 de Junho de 1969, declara:

 

1)

O segundo travessão do artigo 4.o da Decisão 69/71/CEE, de 12 de Fevereiro de 1969, rectificada pela Decisão 69/244/CEE, deve ser interpretado no sentido de impor apenas a individualização dos beneficiários das medidas por ela previstas, sem todavia impor ou proibir a sua identificação nominativa para fins de controlo.

 

2)

A apreciação da questão apresentada ao Tribunal de Justiça pelo Verwaltungsgericht Stuttgart não revela qualquer elemento susceptível de afectar a validade da disposição em causa.

 

Lecourt

Monaco

Pescatore

Donner

Trabucchi

Strauß

Mertens de Wilmars

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 12 de Novembro de 1969.

O secretário

A. Van Houtte

O presidente

R. Lecourt


( *1 ) Língua do processo: alemão.