ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

12 de Dezembro de 1967 ( *1 )

No processo 23/67,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.o do Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia, pelo tribunal de commerce de Liège, destinado a obter, no processo pendente neste órgão jurisdicional entre

SA Brasserie de Haecht

e

Casal Wilkin-Janssen,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do n.o 1 do artigo 85 o do Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: R. Lecourt, presidente, A. M. Donner e W. Strauß, presidentes de secção, A. Trabucchi, R. Monaco, J. Mertens de Wilmars e P. Pescatore, juízes,

advogado-geral: K. Roemer

secretário: A. Van Houtte

profere o presente

Acórdão

(A parte relativa à matéria de facto não é reproduzida)

Fundamentos da decisão

Por decisão de 8 de Maio de 1967, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 27 de Junho seguinte, o tribunal de commerce de Liège submeteu ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.o do Tratado que institui a CEE, uma questão prejudicial sobre a interpretação do n.o 1 do artigo 85.o do referido Tratado.

O Tribunal de Justiça é convidado a declarar se, «para apreciar se os contratos em litígio são proibidos pelo n.o 1 do artigo 85.o do Tratado CEE, há que ter em conta o contexto económico e o conjunto do mercado, isto é, no caso vertente, a existência simultânea de um grande número de contratos do mesmo tipo, impostos por um número reduzido de fabricantes de cerveja belgas a uma fracção muito importante dos retalhistas de bebidas», ou se apenas é necessário «proceder à análise dos efeitos exercidos no mercado pelos referidos acordos considerados isoladamente».

A referida questão tem por objecto, segundo os termos dessa decisão, acordos por força dos quais os comerciantes se comprometem a, durante um determinado período de tempo, se abastecerem apenas junto de determinado fornecedor, com exclusão de todos os outros.

A proibição do n.o 1 do artigo 85.o do Tratado assenta sobre três elementos essenciais à solução da questão submetida.

Delimitando, antes do mais, o âmbito de aplicação da proibição, o n.o 1 do artigo 85.o menciona os acordos, decisões e práticas.

Visando desse modo, simultaneamente, os acordos entre empresas, as decisões de associações de empresas e as práticas concertadas, que podem dizer respeito a numerosos participantes, o n.o 1 do artigo 85 o implica a possibilidade de ter em consideração o conjunto dos elementos constitutivos dos referidos acordos, decisões e práticas.

Por outro lado, ao proibir os acordos, decisões ou práticas, em razão não apenas do seu objecto, mas também dos efeitos que produzem na concorrência, o n.o 1 do artigo 85.o implica a necessidade de observar esses efeitos no quadro em que se produzem, isto é, no contexto económico e jurídico no qual esses acordos, decisões ou práticas se inserem e onde podem concorrer, com outros, para a produção de um efeito cumulativo sobre o jogo da concorrência.

Seria vão, com efeito, proibir um acordo, uma decisão ou uma prática devido aos seus efeitos, se estes devessem ser separados do mercado em que se manifestam e apenas pudessem ser analisados separados do feixe de efeitos, convergentes ou não, no seio dos quais se produzem.

Para se apreciar se está abrangido pela proibição do n.o 1 do artigo 85 o um acordo não pode, portanto, ser isolado desse contexto, isto é, das circunstâncias de facto ou de direito de que resultem ter este por efeito impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência.

Em relação a esse objectivo, a existência de contratos similares pode ser tida em consideração, na medida em que o conjunto dos contratos desse tipo seja de natureza a restringir a liberdade de comércio.

Finalmente, é apenas na medida em que os acordos, decisões ou práticas possam afectar o comércio entre os Estados-membros que a alteração do jogo da concorrência se inclui no âmbito das proibições comunitárias.

Para preencher essa condição, o acordo, a decisão ou a prática deve, com base num conjunto de elementos objectivos de direito ou de facto, permitir concluir que é susceptível de eventualmente exercer uma influência directa ou indirecta nos fluxos comerciais entre os Estados-membros, de contribuir para a compartimentação do mercado e de tornar mais difícil a interpenetração económica desejada pelo Tratado.

Portanto, para a apreciação desse elemento, o acordo, a decisão ou a prática também não pode ser separado de todos os outros no conjunto dos quais se insere.

A existência de contratos similares é uma circunstância que, com outras, pode formar o todo que constitui o contexto económico e jurídico no qual o contrato deve ser apreciado.

Embora essa situação deva, portanto, ser tida em consideração, não pode, contudo, ser por si só considerada como determinante.

Com efeito, apenas se trata aí de um elemento, entre outros, para se saber se, por meio de uma eventual alteração do jogo da concorrência, o comércio entre os Estados-membros é susceptível de ser afectado.

Quanto às despesas

As despesas efectuadas pela Comissão da CEE, que apresentou observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes no processo principal, a natureza de incidente suscitado perante o tribunal de commerce de Liège, compete a este decidir quanto às despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

vistos os autos,

visto o relatório do juiz-relator,

ouvidas as alegações da Comissão das Comunidades Europeias e das partes no processo principal,

ouvidas as conclusões do advogado-geral,

visto o Tratado que institui a CEE, nomeadamente os artigos 85 o e 86.o, bem como o artigo 177.o,

visto o Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça da CEE, nomeadamente o artigo 20.o,

visto o Regulamento n.o 67/67 da CEE, de 22 de Março de 1967,

visto o acórdão do Tribunal no processo 56/65, de 30 de Junho de 1967,

visto o Regulamento Processual do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias;

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre a questão que lhe foi submetida pelo tribunal de commerce de Liège, declara:

 

Os acordos pelos quais uma empresa se compromete a se abastecer apenas junto de uma outra empresa com exclusão de qualquer outra não reúnem, apenas por sua natureza, os elementos constitutivos da incompatibilidade com o mercado comum previstos no n.o 1 do artigo 85.o do Tratado. Podem, contudo, reuni-los quando, seja isoladamente seja em conjunto com outros, no contexto económico e juridico em que foram celebrados e com base num conjunto de elementos objectivos de direito e de facto, são susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados-membros e tenham, por objecto ou por efeito, impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência.

 

Compete ao tribunal de commerce de Liège decidir quanto às despesas do presente processo.

 

Lecourt

Donner

Strauß

Trabucchi

Monaco

Wilmars

Pescatore

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 12 de Dezembro de 1967.

O secretário

A. Van Houtte

O presidente

R. Lecourt


( *1 ) Língua do processo: francês.