Bruxelas, 23.3.2022

COM(2022) 133 final

COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO EUROPEU, AO CONSELHO, AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU E AO COMITÉ DAS REGIÕES

Preservar a segurança alimentar e reforçar a resiliência dos sistemas alimentares





1.Introdução

A invasão não provocada da Ucrânia pela Rússia desestabilizou mais ainda os já frágeis mercados agrícolas. A pandemia de COVID-19 e as alterações climáticas colocam sob pressão a agricultura mundial. O relatório mais recente do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (PIAC) mostra como se estão já a tornar reais as ameaças à segurança alimentar e à nutrição decorrentes de secas, de inundações e de vagas de calor, bem como da subida do nível do mar, ameaças que se agravarão devido ao aquecimento global e que afetam especialmente as regiões vulneráveis 1 .

Já antes da invasão, assistia-se nos mercados dos produtos de base a um aumento súbito e significativo dos preços, que os mercados agrícolas sentiram ao nível dos custos da energia e dos adubos e que se repercutiu num aumento dos preços agrícolas. Os preços dos produtos alimentares na UE aumentaram 5,6 % em comparação com fevereiro passado.

Neste momento, o abastecimento alimentar na UE não está em risco. A UE é amplamente autossuficiente em produtos agrícolas essenciais — é um dos principais exportadores de trigo e cevada e tem capacidade para cobrir em grande medida o seu consumo de outras culturas de base, como o milho ou o açúcar. É também amplamente autossuficiente em produtos animais, incluindo os laticínios e a carne, com a exceção notória dos produtos do mar.

Todavia, a invasão da Ucrânia e a escalada dos preços dos produtos de base em todo o mundo estão a provocar a subida dos preços nos mercados dos produtos agrícolas e dos produtos do mar e a expor as vulnerabilidades do nosso sistema alimentar, concretamente, a nossa dependência das importações de, por exemplo, energia, adubos e alimentos para animais. Esta situação conduz ao aumento dos custos para os produtores e afeta o preço dos alimentos, suscitando inquietações quanto ao poder de compra dos consumidores e ao rendimento dos produtores.

A perturbação do comércio causa também sérias preocupações no respeitante à segurança alimentar mundial, devido ao impacto a curto prazo da guerra e às incertezas a mais longo prazo que a acompanham. As cidades ucranianas sitiadas deparam-se com uma enorme escassez de alimentos. Os importantes fluxos comerciais de cereais e oleaginosas provenientes do mar Negro praticamente cessaram.

A guerra na Ucrânia mudou drasticamente as expectativas dos mercados, afetando os preços de todos os produtos de base, incluindo de matérias-primas agroalimentares. As preocupações no tocante à segurança alimentar incidem principalmente no mercado mundial do trigo. Desde a invasão, os preços nos mercados de futuros de trigo aumentaram 70 %. A produção mundial de trigo está em risco em consequência de um duplo choque — ao nível da oferta, dado o peso da Ucrânia e da Rússia nos mercados do trigo, e ao nível dos custos dos fatores de produção, especialmente do gás natural, dos adubos azotados e do oxigénio. Para satisfazer as necessidades alimentares à escala mundial na campanha em curso e na próxima 2 , seria necessário substituir até 25 milhões de toneladas.

Mais do que nunca é altura de demonstrar solidariedade. A presente comunicação traça a resposta da Comissão ao convite do Conselho Europeu na sua Declaração de Versalhes, de 10 e 11 de março de 2022, no sentido de apresentar opções para fazer face ao aumento dos preços dos alimentos e à questão da segurança alimentar mundial. Baseia-se numa avaliação da situação (anexo 1) e na visão da Comissão de um sistema alimentar justo, saudável e respeitador do ambiente, delineada no Pacto Ecológico Europeu e na Estratégia do Prado ao Prato. Inclui medidas a curto prazo para apoiar a segurança alimentar e a agricultura na Ucrânia, a segurança alimentar à escala mundial, bem como os produtores e os consumidores na UE. Apela igualmente a que as lacunas que a atual crise revelou sejam colmatadas de formas que favoreçam a transição para sistemas alimentares sustentáveis, resilientes e justos na UE e à escala mundial.

2.Segurança alimentar mundial

A invasão da Ucrânia pela Rússia comporta o risco de graves consequências para a segurança alimentar, não só na Ucrânia, como também em muitos países com défice alimentar de África (incluindo a África Subsariana), do Médio Oriente e dos Balcãs Ocidentais. Esta situação, combinada com a subida dos preços dos produtos alimentares, conduzirá provavelmente a um aumento da pobreza e da instabilidade nesses países.

A segurança alimentar numa Ucrânia devastada pela guerra é extremamente inquietante, sobretudo porque a Rússia parece estar a visar e a destruir deliberadamente as reservas alimentares e os locais de armazenagem. De acordo com o apelo das Nações Unidas, estima-se que serão afetadas até 18 milhões de pessoas na Ucrânia, incluindo até 6,7 milhões de pessoas recentemente deslocadas no interior do país. Face à penúria alimentar nas cidades e aos milhões de refugiados e pessoas deslocadas, a ajuda alimentar à Ucrânia é urgente. Os intervenientes humanitários, como o Programa Alimentar Mundial, estão a prestar assistência alimentar e a intensificar as operações. A UE está a mobilizar ajuda por meio dos seus mecanismos humanitários e de proteção civil. A ajuda humanitária da UE, já operacional, ascende a 93 milhões de EUR para a Ucrânia e a Moldávia e inclui assistência alimentar e apoio para as necessidades básicas.

A colheita de 2022 na Ucrânia, conhecida como o celeiro da Europa, será substancialmente afetada pela guerra e pela turbulência geral. Para assegurar a produção, os agricultores ucranianos precisam de sementes, gasóleo, adubos e produtos fitossanitários. A Comissão está a ajudar a Ucrânia a preparar e aplicar uma estratégia de segurança alimentar a curto e a médio prazo, para garantir que os fatores de produção chegam às explorações agrícolas quando possível e que as infraestruturas de transporte e armazenagem são mantidas para permitir a este país alimentar os seus cidadãos e, a prazo, recuperar os seus mercados de exportação. No oeste da Ucrânia, a Comissão colabora com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) para apoiar as pequenas explorações e garantir a produção agrícola. Além disso, a pedido das autoridades agrícolas ucranianas, a Comissão assegurará que o acesso aos mercados da UE seja preservado e facilitado, com flexibilidade, tanto relativamente às importações para os mercados ucranianos como às exportações provenientes desses mercados. O Governo ucraniano tenciona financiar os juros dos empréstimos concedidos aos agricultores ao abrigo de um programa no valor de 25 mil milhões de hryvnias (760 milhões de EUR), no âmbito de um conjunto de novas medidas destinadas a atenuar o choque económico da guerra. Por último, mas igualmente importante, as organizações agrícolas da UE têm vindo a prestar assistência e apoio aos agricultores ucranianos.

A guerra afeta diretamente os preços mundiais dos recursos alimentares (nomeadamente trigo, milho, cevada e óleo de girassol) e dos adubos, bem como os preços da energia. Os atuais aumentos de preços vêm agravar uma situação socioeconómica já difícil devido à COVID-19, às secas e a outros conflitos. Em setembro de 2021, mais de 161 milhões de pessoas em 42 países encontravam-se em situação de insegurança alimentar aguda. Quase uma em cada três pessoas no mundo não tem acesso a uma alimentação adequada e cerca de 3 000 milhões de pessoas não têm capacidade para custear uma alimentação saudável. Há o risco de estes números continuarem a aumentar, afastando‑nos do fito de realizar, até 2030, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. De acordo com a análise inicial da FAO, prevê-se um aumento do número de pessoas subnutridas em todo o mundo: entre 7,6 milhões (cenário de choque moderado) e 13,1 milhões (cenário de choque grave).

Para muitos países de baixo rendimento e mesmo para países de rendimento médio‑baixo, estas circunstâncias implicam uma fatura das importações (alimentares) mais alta, num momento marcado pelo aumento da dívida e pela pressão sobre as taxas de câmbio. Os países que importam da Rússia e da Ucrânia grande parte dos seus alimentos, nomeadamente trigo, que é um importante bem essencial (é o caso, por exemplo, de países de África, do Médio Oriente e dos Balcãs Ocidentais), são fortemente afetados e podem ser palco de tensões crescentes que conduzam à agitação social, à radicalização e à instabilidade. Os países em que uma parte importante da produção agrícola depende da importação de adubos, alguns dos quais também dependentes da importação de trigo, ver-se-ão a braços com custos cada vez mais altos, que podem tornar-se insustentáveis e levar a um círculo vicioso, ameaçando gravemente a produção alimentar durante as próximas colheitas.

É provável que tanto as necessidades como os custos humanitários aumentem e exerçam uma pressão adicional sobre a ajuda humanitária. Por exemplo, o Programa Alimentar Mundial estima que os seus custos operacionais aumentarão 26,1 milhões de EUR por mês, comparativamente aos níveis atuais, em consequência do efeito combinado dos aumentos dos preços dos alimentos e dos combustíveis. Por referência aos níveis anteriores à pandemia, esses custos adicionais elevam-se a 63,8 milhões de EUR por mês.

A UE, um dos principais intervenientes em termos de ação humanitária e de desenvolvimento no domínio da segurança alimentar e nutricional, presta um apoio financeiro e estratégico substancial. Desde 2015, a UE dedica à assistência alimentar humanitária, no mínimo, 350 milhões de EUR por ano. Além disso, no período 2014‑2020, a UE autorizou mais de 10 mil milhões de EUR no quadro da cooperação para o desenvolvimento, a fim de melhorar a segurança alimentar dos mais pobres e mais vulneráveis, ajudar a erradicar a fome e combater melhor todas as formas de subnutrição. Para o período 2021–2024, a UE comprometeu-se a contribuir para a cooperação internacional com objetivos nutricionais com, pelo menos, 2 500 milhões de EUR (1 400 milhões de EUR de ajuda ao desenvolvimento e 1 100 milhões de EUR de ajuda humanitária). Ao abrigo do programa de cooperação internacional 2021–2027, a UE apoiará os sistemas alimentares em cerca de 70 países parceiros.

O aumento assimétrico dos preços dos futuros desde a invasão da Ucrânia pela Rússia demonstra que é principalmente no mercado do trigo que se concentram as preocupações mundiais em matéria de segurança alimentar. Numa perspetiva geoestratégica, é fundamental que a UE contribua para colmatar o défice de produção, a fim de fazer face à esperada escassez mundial de trigo. A UE não é unicamente um importante exportador líquido de trigo — é o exportador com os rendimentos mais elevados à escala mundial 3 . Desde o verão passado, a UE exportou 19 milhões de toneladas de trigo, prevendo-se mais 13 milhões de toneladas até ao final de junho. Esta quantidade poderá aumentar ligeiramente em resposta aos elevados preços que incentivam as vendas de exportação. As perspetivas para a colheita de trigo de inverno na UE em 2022 são boas, uma vez que as superfícies aumentaram 1 % em comparação com o ano passado e que as culturas não foram afetadas por intempéries durante o inverno nos principais Estados-Membros produtores.

A curto prazo, a Comissão assegura o acompanhamento e análise regulares dos preços dos produtos alimentares e da insegurança alimentar, o que deve ser coordenado com outros intervenientes no plano mundial, incluindo os níveis das reservas à escala nacional e regional com base no Sistema de Informação sobre Mercados Agrícolas (SIMA), sempre que possível. Acompanha as necessidades dos produtos de base cujas reservas à escala mundial são baixas, a fim de dar os sinais adequados do mercado para estimular a produção utilizando práticas sustentáveis. É necessário intensificar a ajuda humanitária, tratando a situação dos países com défice alimentar, bem como dos países afetados por conflitos no Norte de África e no Médio Oriente, na Ásia e na África Subsariana. Onde tal for pertinente, a assistência deve assentar numa abordagem que correlacione a ajuda humanitária, o desenvolvimento e a paz e alargar aos planos nacional e local o trabalho da Rede Mundial contra as Crises Alimentares. Além disso, no primeiro Fórum Humanitário Europeu (21–23 de março de 2022) foi lançado um apelo à ação no sentido de trabalhar em conjunto, enquanto Equipa Europa, para superar a crise humanitária mundial em matéria de segurança alimentar. Graças à sua ação coletiva, a UE e os seus Estados-Membros podem, em conjunto, intensificar a ajuda humanitária de emergência e reabilitação.

O programa de apoio de emergência da UE a favor da Ucrânia proposto (330 milhões de EUR) visa contribuir para atenuar o sofrimento da população ucraniana causado pela invasão russa, garantindo o acesso a bens e serviços básicos, bem como a proteção. O programa contribuirá igualmente para reforçar a resiliência do país, inclusive contra ameaças híbridas, aumentando a capacidade das instituições governamentais, dos agentes económicos, dos meios de comunicação social e da sociedade civil para resistir ao impacto da crise e contribuir para a recuperação do país. A tónica será igualmente colocada na reconstrução e no planeamento estratégico de infraestruturas civis de pequena escala, bem como na segurança energética.

As medidas acima expostas podem ser complementadas por apoio macroeconómico, se os requisitos de elegibilidade forem satisfeitos, para medidas de atenuação destinadas a apoiar os grupos mais afetados pelo aumento dos preços (dos produtos alimentares), bem como pela elaboração de mecanismos de proteção social. A UE pode também continuar a integrar o alívio da dívida num diálogo mais amplo e nas estratégias e ações de financiamento, para apoiar a recuperação ecológica. Devem ser criados mecanismos de antecipação, a fim de prevenir a ocorrência de futuros choques e reduzir o seu impacto sempre que se venham a verificar, em vez de reagir às suas consequências.

Por outro lado, a UE continuará a defender veementemente, inclusive nas instâncias internacionais, a necessidade de evitar as restrições e proibições de exportação de produtos alimentares, uma vez que os resultados obtidos com elas são desastrosos, como amplamente demonstrado durante a crise de 2007–2008 em várias partes do mundo. A coordenação da OMC será essencial. A fim de aumentar a resiliência, os países importadores são incentivados a assegurar uma melhor diversificação das fontes de abastecimento alimentar. Acresce que o bom funcionamento à escala mundial das cadeias de abastecimento e da logística são essenciais para a segurança alimentar global.

A médio prazo, a UE continuará a apoiar os países na transição para sistemas alimentares de origem agrícola e aquática resilientes e sustentáveis. Aqui se inclui um apoio analítico e estratégico, elaborado no contexto do seguimento da cimeira sobre Sistemas Alimentares e da cimeira Nutrição para o Crescimento, que tiveram lugar em 2021. Neste contexto, a UE intensificará a sua cooperação internacional em matéria de investigação e inovação no domínio alimentar, nomeadamente assumindo um papel de liderança no Grupo Consultivo para a Investigação Agrícola Internacional, em especial no que se refere à adaptação às alterações climáticas e atenuação dos seus efeitos e à proteção e gestão sustentável dos recursos naturais, aplicando abordagens como a agroecologia, a gestão da paisagem e a agrossilvicultura, a diversificação dos fluxos comerciais e dos sistemas de produção e a redução das perdas e desperdício alimentares. Além disso, a UE reforçará a sua cooperação internacional no respeitante à nutrição e a regimes alimentares saudáveis, incluindo através da ajuda humanitária, bem como em matéria de cadeias de valor resilientes e inclusivas. No tocante a África, o Programa de Ação UA-UE para a Transformação Rural, acordado em 2019, serve de base para uma cooperação reforçada.

A UE está pronta a identificar, em colaboração com as organizações internacionais e no contexto do processo em curso do G7, as expectativas dos países que são importadores líquidos de produtos alimentares, e, se necessário, a responder por meio de um apoio específico e alinhado às agendas nacionais (consonante com, por exemplo, as linhas de atuação nacionais ligadas à cimeira sobre Sistemas Alimentares e com os planos do Programa Integrado para o Desenvolvimento da Agricultura em África).

A UE está a mobilizar ativamente a comunidade internacional para intensificar urgentemente a ação multilateral para além da ajuda humanitária. Tal inclui garantir que os organismos das Nações Unidas cujos mandatos se prendem com a segurança alimentar tenham capacidade para tomar as medidas necessárias. Por exemplo, a segurança alimentar está no âmago do mandato da FAO, que tem um papel crucial a desempenhar na análise e resolução dos impactos que a invasão da Ucrânia pela Rússia está a ter nos sistemas alimentares internacionais e na prevenção de uma maior deterioração, com especial destaque para a proteção dos mais vulneráveis. A UE está também a trabalhar no sentido de assegurar a integração da segurança alimentar nos esforços de todo o sistema das Nações Unidas, incluindo o Conselho de Segurança e a Assembleia Geral, para reafirmar a paz e a segurança internacionais.

A Comissão propõe e incentiva os Estados-Membros a:

·Demonstrar solidariedade com a Ucrânia, prestando ajuda alimentar, ajuda humanitária e apoio aos seu setores da agricultura e das pescas, em estreita cooperação com os parceiros internacionais.

·Continuar a integrar o alívio da dívida num diálogo mais amplo e nas estratégias e ações de financiamento, para apoiar a recuperação ecológica.

·Assegurar o acompanhamento e análise regulares dos preços dos produtos alimentares e da insegurança alimentar, o que deve ser coordenado com outros intervenientes no plano mundial, incluindo os níveis das reservas à escala nacional e regional e a disponibilização de reservas aos países que delas necessitem.

·Continuar a apoiar os países na transição para sistemas alimentares de origem agrícola e aquática resilientes e sustentáveis.

·Intensificar a ajuda humanitária às regiões e aos grupos populacionais mais afetados pela insegurança alimentar.

·Considerar o apoio macroeconómico aos países em desenvolvimento de baixo rendimento com défice alimentar, se os requisitos de elegibilidade forem satisfeitos, para medidas de atenuação destinadas a apoiar os grupos mais afetados pelo aumento dos preços (dos produtos alimentares).

·Defender, inclusive nas instâncias internacionais, uma posição contrária às restrições e proibições de exportação de produtos alimentares e favorável ao bom funcionamento de um mercado único.

3.Segurança alimentar na UE

3.1.Disponibilidade e acessibilidade económica dos produtos alimentares

Na UE, a disponibilidade de alimentos não está em risco; o mesmo não é válido para a acessibilidade económica dos produtos alimentares para as pessoas com baixos rendimentos.

A UE é amplamente autossuficiente em muitos produtos agrícolas e um exportador líquido de trigo. Todavia, é um grande importador líquido de produtos específicos que podem ser difíceis de substituir (rapidamente), como as proteaginosas para a alimentação animal, o óleo de girassol e os produtos do mar. Não há risco de escassez generalizada para os consumidores. Embora a estabilidade do aprovisionamento alimentar na UE não esteja posta em causa, estas vulnerabilidades, acrescidas aos custos cada vez mais altos dos fatores de produção na cadeia de abastecimento alimentar, estão a fazer subir ainda mais os preços dos produtos alimentares. Se os custos de produção significativamente mais elevados ao nível das explorações agrícolas não forem compensados por um aumento dos preços, poderão surgir incertezas quanto à oferta.

Neste contexto, a Comissão criou recentemente um novo Mecanismo Europeu de Preparação e Resposta a Crises de Segurança Alimentar 4 , que visa melhorar os esforços de coordenação por parte das administrações europeias e nacionais, bem como dos países terceiros pertinentes e das partes interessadas do setor privado, a fim de garantir o abastecimento e a segurança alimentares na UE em tempos de crise. Este mecanismo, que iniciou os seus trabalhos em 9 de março de 2022, procederá a um inventário exaustivo dos riscos e vulnerabilidades da cadeia de abastecimento alimentar da UE, seguido de recomendações e de medidas de atenuação adequadas.

O bom funcionamento do mercado único é a base da segurança alimentar e da segurança dos alimentos da UE, inclusivamente no contexto da atual crise. As nossas cadeias de abastecimento são interdependentes e qualquer restrição injustificada ao mercado único pode ter consequências indesejadas, suscetíveis de comprometer o abastecimento de alimentos seguros. A Comissão opõe-se firmemente às medidas dos Estados-Membros destinadas a proteger o abastecimento nacional de produtos alimentares evitando as exportações. Tais medidas de distorção do comércio são, a priori, incompatíveis com o mercado único e, em última análise, terão um impacto negativo na segurança alimentar. É importante que os Estados-Membros coordenem as medidas, com vista a melhorar os fluxos comerciais e a encaminhar os produtos de base e os alimentos para onde são mais necessários. A criação do Instrumento de Emergência do Mercado Único reforçará a preparação da União e as suas capacidades de coordenação e reduzirá os riscos de restrições injustificadas. A Comissão e os Estados-Membros estão a analisar o investimento direto estrangeiro (IDE) no quadro do Regulamento (UE) 2019/452, nos termos do qual podem considerar os efeitos potenciais do IDE sobre o aprovisionamento em fatores de produção críticos, bem como sobre a segurança alimentar. Os novos casos serão submetidos a uma avaliação aprofundada, tendo em conta o seu possível impacto no abastecimento alimentar e nos preços dos produtos alimentares.

Deve ser dada especial atenção aos mais vulneráveis, nomeadamente os refugiados ucranianos, bem como às pessoas com baixos rendimentos que já são afetadas pelos elevados preços da energia e que continuam a sofrer com o choque socioeconómico causado pela pandemia de COVID-19. Os estudos demonstraram que, após o aumento dos preços dos produtos alimentares em 2008, os agregados familiares compraram, em média, menos fruta e produtos hortícolas e optaram por alimentos mais baratos, que tendem a ser ricos em calorias e pobres em nutrientes (ou seja, com falta de vitaminas, minerais e fibras que são essenciais para a saúde).

Num contexto pautado pelo aumento dos preços dos alimentos, as medidas de política social são importantes para proteger da insegurança alimentar os cidadãos mais vulneráveis e para garantir a todos, em especial aos grupos vulneráveis, como as famílias com crianças, os mais idosos e as pessoas com baixos rendimentos, a possibilidade de adquirirem quantidades suficientes de alimentos saudáveis e nutritivos. Estas medidas devem ser inseridas numa abordagem integrada para combater as causas profundas da pobreza e da exclusão social. Além disso, a Garantia Europeia para a Infância dá aos Estados-Membros orientações para garantir o acesso efetivo por parte das crianças necessitadas a uma alimentação suficiente e saudável, incluindo, pelo menos, uma refeição saudável gratuita por dia letivo.

Os Estados-Membros podem recorrer a fundos da UE, como o Fundo de Auxílio Europeu às Pessoas mais Carenciadas (FEAD), que apoia as ações dos países da UE que visam fornecer alimentos e/ou prestar assistência material de base às pessoas mais carenciadas e que permite a 15 milhões de pessoas beneficiar de ajuda alimentar. Os Estados-Membros podem complementar os seus recursos mobilizando a Assistência à Recuperação para a Coesão e os Territórios da Europa (REACT-EU) e podem, no âmbito dos programas ao abrigo do FEAD, tirar o melhor partido possível das flexibilidades proporcionadas pela Ação da Coesão a favor dos Refugiados na Europa (CARE), como recentemente proposto pela Comissão.

Para atenuar o impacto dos preços elevados dos produtos alimentares nos mais vulneráveis, os Estados-Membros podem aplicar taxas reduzidas de imposto sobre o valor acrescentado e incentivar os operadores económicos a baixar os preços para os consumidores. Em dezembro de 2021, o Conselho chegou a acordo sobre uma reforma das taxas do IVA à escala da UE, que permite aos Estados-Membros reduzir ainda mais as suas taxas, até 0 %, sobre certos bens e serviços que satisfazem necessidades básicas, nomeadamente os alimentos. Os Estados-Membros podem já recorrer a esta possibilidade, bem como efetuar transferências de montantes fixos para os agregados familiares, solução eficiente para tratar o problema da acessibilidade económica.

3.2.Estabilizar os mercados agrícolas da UE e apoiar os produtores

A dinâmica do mercado está a influenciar as escolhas dos produtores. Para aliviar a pressão resultante dos preços elevados, certos ajustamentos a curto prazo permitiriam reduzir a procura de combustíveis e a utilização de alimentos para animais, bem como aumentar a oferta, incentivando o aumento das plantações de trigo de primavera. Cada vez mais os agricultores adotam práticas sustentáveis, o que deve ser incentivado.

A política agrícola comum (PAC) e a política comum das pescas (PCP) preveem uma série de medidas, incluindo uma rede de segurança em matéria de preços e a possibilidade de adotar medidas excecionais. Estas medidas podem ser aplicadas para assegurar a estabilidade dos mercados e fazer face a circunstâncias excecionais. É necessário conceder apoio específico aos produtores confrontados com o aumento dos custos dos fatores de produção, mas esse apoio não deve comprometer os objetivos a longo prazo de um sistema alimentar mais resiliente e sustentável.

A Comissão está a seguir atentamente a situação atual por meio dos instrumentos de informação sobre o mercado criados desde 2008 5 . A fim de acompanhar melhor os níveis das reservas neste contexto marcado pelos preços elevados e por uma incerteza percetível quanto ao abastecimento, a Comissão proporá que os Estados-Membros comuniquem mensalmente dados sobre as reservas privadas de produtos essenciais para a alimentação humana e a alimentação dos animais, a fim de obter uma panorâmica atempada e exata da sua disponibilidade.

À luz da atual situação excecional, a Comissão propôs um pacote de apoio de 500 milhões de EUR, inclusivamente utilizando a reserva para crises, a fim de apoiar os produtores mais afetados pelas graves consequências da guerra na Ucrânia. Nesta base, os Estados-Membros poderão prestar apoio financeiro aos agricultores para contribuir para a segurança alimentar mundial ou para fazer face às perturbações do mercado resultantes do aumento dos custos dos fatores de produção ou das restrições comerciais. Deve ser dada prioridade ao apoio aos agricultores empenhados em práticas sustentáveis, assegurando simultaneamente que as medidas sejam orientadas para os setores e os agricultores mais afetados pela crise. Para fazer face a eventuais dificuldades de tesouraria no outono, a Comissão permitirá que, a partir de 16 de outubro de 2022, os Estados-Membros aumentem os adiantamentos aos agricultores por pagamentos diretos e por medidas de desenvolvimento rural ligadas à superfície e aos animais.

A capacidade de resposta da UE em matéria de aprovisionamento é limitada pela disponibilidade de terrenos férteis. Para aumentar a capacidade de produção da UE, a Comissão adotou hoje um ato de execução para permitir que, a título excecional e temporário, os Estados-Membros derroguem determinadas obrigações de ecologização. Em particular, podem permitir a produção de quaisquer culturas destinadas à alimentação humana e animal em terras em pousio que constituam superfícies de interesse ecológico em 2022, mantendo simultaneamente o nível total do pagamento por ecologização. Esta flexibilidade temporária permitirá que este ano os agricultores ajustem e expandam os seus planos de cultivo.

A Comissão apoia o recurso dos Estados-Membros às possibilidades de reduzir a proporção de biocombustíveis misturados, que pode levar a uma diminuição das terras agrícolas da UE dedicadas à produção de matérias-primas para biocombustíveis, atenuando assim a pressão sobre os mercados dos produtos destinados à alimentação humana e animal.

Quanto aos operadores do setor das pescas, a Comissão está a ponderar a ativação do mecanismo de crise do FEAMPA 6 , concebido para acontecimentos excecionais que provocam uma perturbação significativa dos mercados. Ao abrigo deste mecanismo, os Estados-Membros podem conceder compensações aos operadores pela perda de rendimentos e por perdas económicas, bem como às organizações e associações de organizações de produtores reconhecidas que armazenam produtos da pesca 7 .

Para permitir que os Estados-Membros corrijam as graves perturbações económicas resultantes da guerra na Ucrânia, a Comissão adotou, em 23 de março de 2022, um novo quadro temporário de crise autónomo. Este quadro permite apoiar as empresas direta ou indiretamente afetadas pela crise, incluindo os agricultores e os pescadores, sob a forma de apoio à liquidez e de auxílios ligados ao aumento dos custos do gás e da eletricidade. O quadro permite auxílios, incluindo subvenções diretas, a agricultores afetados pela crise (por exemplo, os afetados por aumentos significativos dos custos dos fatores de produção, em especial dos alimentos para animais e dos adubos), bem como auxílios a empresas com utilização intensiva de energia (como os fabricantes de adubos e o setor da transformação).

A curto prazo, a disponibilidade de alimentos para animais é também motivo de preocupação. Os produtores pecuários e aquícolas já estão a procurar outras fontes de abastecimento para substituir os fornecimentos perdidos devido à guerra. Alguns Estados-Membros decidiram, a título excecional e temporário, utilizar a flexibilidade prevista na legislação da UE 8 para as importações em casos devidamente justificados que não comprometam a segurança alimentar nem a saúde dos consumidores. A Comissão segue de perto essas medidas nacionais. Por último, são aplicadas medidas do tipo rede de segurança para apoiar o mercado da carne de suíno, atentas as dificuldades específicas deste setor.

Os elevados preços dos adubos incentivam a uma utilização mais eficiente e à inovação mediante o recurso a alternativas mais sustentáveis, o que contribui para a meta de reduzir as perdas de nutrientes em 50 % até 2030 inscrita na Estratégia do Prado ao Prato. A agricultura biológica, por exemplo, utiliza quantidades limitadas de adubos minerais, pelo que está menos exposta ao aumento dos preços. Contudo, a curto prazo, na pendência da transição para a utilização de tipos sustentáveis de adubos ou métodos de fertilização, o custo e a disponibilidade dos adubos minerais devem continuar a ser uma prioridade. A indústria de adubos na UE deve ter acesso às importações necessárias, incluindo de gás, para produzir adubos dentro da UE. Os preços dos adubos e os abastecimentos dos agricultores serão objeto de acompanhamento para garantir que as previsões das colheitas da UE não sejam postas em risco.

4.Assegurar a resiliência do sistema alimentar

4.1.Sistemas alimentares sustentáveis

As medidas de apoio de emergência a curto prazo, apesar de imprescindíveis, não põem em causa a importância de reorientar o setor agrícola a longo prazo para a sustentabilidade e a resiliência.

A sustentabilidade alimentar é fundamental para a segurança alimentar. Sem a transição delineada na Estratégia do Prado ao Prato e na Estratégia de Biodiversidade, a segurança alimentar estará seriamente em risco a médio e longo prazo, com impactos irreversíveis à escala mundial. Com a aplicação destas estratégias, a Comissão pretende garantir que a produtividade global do setor agrícola da UE, tal como a sua produção de pescado e produtos do mar, não seja prejudicada.

Plenamente consciente das inter-relações entre a saúde, os ecossistemas, as cadeias de abastecimento, os padrões de consumo e os limites do planeta, a Comissão apresentou, na Estratégia do Prado ao Prato, a sua visão de um sistema alimentar justo, saudável e respeitador do ambiente. Nesta estratégia, a Comissão sublinhou a importância da resiliência do sistema alimentar da UE, com vista a garantir aos cidadãos um abastecimento suficiente de produtos alimentares a preços acessíveis em todas as circunstâncias e a transitar de um modo justo e democrático para sistemas alimentares sustentáveis, em consonância com o Pilar Europeu dos Direitos Sociais.

A crise atual deixa claramente visível a dependência do sistema alimentar da UE de fatores de produção importados, como os combustíveis fósseis, os adubos, os alimentos para animais e as matérias-primas. Confirma assim a necessidade de uma reorientação fundamental da agricultura da UE e dos seus sistemas alimentares para a sustentabilidade, em consonância com o Pacto Ecológico e com a PAC reformada, reorientação facilitada pelas ações propostas na Comunicação relativa a uma visão a longo prazo para as zonas rurais 9 .

A transição para uma agricultura sustentável assenta numa utilização mais eficiente e reduzida dos fatores de produção (nutrientes, pesticidas), bem como na agricultura biológica (que depende menos desses fatores de produção). Pôr termo à prática das devoluções inúteis ao mar e combater a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada permitirá reconduzir as unidades populacionais de peixes para níveis sustentáveis. A atual crise mostra claramente o preço da inação, nomeadamente a urgência de fazer face às dificuldades em termos de produtividade agrícola e as consequências ambientais das alterações indiretas do uso do solo, incluindo em países terceiros.

Graças à inovação, através da investigação, do conhecimento, da tecnologia, da agroecologia e da adoção de boas práticas, a pressão sobre os custos dos fatores de produção pode ser atenuada sem prejudicar a capacidade de produção, o que a longo prazo permite progressos em termos de produtividade para realizar a transição ecológica. Mais importante ainda, a inovação contribuirá para uma mudança fundamental na sociedade, reduzindo o desperdício alimentar, incentivando regimes alimentares mais à base de plantas e criando parcerias com países terceiros para o desenvolvimento de sistemas alimentares sustentáveis. Uma melhor informação sobre a sustentabilidade dos nossos alimentos permitirá aos consumidores fazer escolhas sustentáveis. A luta contra as perdas e o desperdício alimentares reduz a pressão sobre os recursos naturais limitados e permite poupanças, ao passo que a redistribuição dos excedentes alimentares beneficia as pessoas necessitadas.

É necessário dar prioridade às ações que aumentem os rendimentos de forma sustentável, graças a uma inovação tecnológica e agroecológica. A Comissão proporá novas regras para facilitar a colocação no mercado de produtos fitofarmacêuticos que contenham substâncias ativas biológicas. Está também a estudar outras regras sobre novas técnicas genómicas, que têm potencial para criar variedades vegetais menos sensíveis às variações de temperatura e às ameaças climáticas, mais resistentes às pragas vegetais e mais eficientes na utilização de adubos. Para salvaguardar a fertilidade dos solos, a missão «Pacto Europeu para os Solos» do Horizonte Europa visa criar 100 laboratórios vivos e estruturas de referência para liderar a transição para solos saudáveis.

A crise dramática que estamos a atravessar confirma que é necessário acelerar a transição do sistema alimentar para a sustentabilidade, a fim de melhor nos prepararmos para futuras crises. No seguimento da cimeira das Nações Unidas sobre Sistemas Alimentares de 2021, a Comissão participará em oito coligações 10 que visam a transformação do sistema alimentar, a resiliência e o crescimento sustentável da produtividade.

Os planos estratégicos da PAC para o período 2023–2027 desempenham um papel crucial para apoiar a transição para práticas agrícolas sustentáveis e sistemas de produção resilientes, nomeadamente através da combinação de um quadro de ação mais orientado para os resultados e de um conjunto mais eficaz de instrumentos e mecanismos. Será com este foco que a Comissão tecerá as suas observações sobre os projetos de planos dos Estados-Membros.

A Comissão apela aos Estados-Membros para que assegurem uma distribuição mais justa do apoio ao rendimento, a fim de reforçar, em especial, a resiliência das pequenas e médias explorações agrícolas vulneráveis à volatilidade dos mercados, o que pode ameaçar a continuidade das atividades. A Comissão incentiva igualmente os Estados‑Membros a recorrerem mais ao fundo de desenvolvimento rural para financiar instrumentos de gestão dos riscos, a fim de ajudarem os agricultores a fazer face às perdas de receitas e de rendimentos e apoiarem o desenvolvimento de cadeias de abastecimento curtas e outros tipos de diversificação do rendimento agrícola. Do mesmo modo, acolhe favoravelmente os planos destinados a facilitar o acesso ao crédito para os agricultores, a fim de lhes permitir investir em métodos de produção sustentáveis, incluindo, por exemplo, a produção e a utilização de energias renováveis.

Neste contexto, a Comissão espera igualmente que os Estados-Membros definam e apliquem o novo mecanismo de condicionalidade de forma a maximizar os objetivos climáticos e ambientais, minimizando simultaneamente o seu potencial impacto a curto prazo na capacidade de produção. Por exemplo, a determinação da percentagem mínima de terras aráveis a afetar à biodiversidade deve centrar-se mais na manutenção e na implantação de elementos não produtivos, como elementos paisagísticos (por exemplo, sebes e árvores), do que na colocação de terras em pousio (o que limitaria o potencial de produção da UE).

É urgente que os Estados-Membros revejam os seus planos estratégicos da PAC, a fim de apoiarem os agricultores na adoção de práticas que otimizem a eficiência dos adubos, reduzindo assim a sua utilização. Se tal pode ser feito especificamente através da agricultura de precisão, a agricultura biológica, a agroecologia e uma utilização mais eficiente graças a aconselhamento e a formação em gestão de nutrientes assumem também um papel importante. Os Estados-Membros devem tirar pelo partido das possibilidades dos respetivos planos estratégicos da PAC neste particular, bem como otimizar e reduzir a utilização de outros fatores de produção, como antibióticos e pesticidas, e promover o sequestro de carbono nos solos agrícolas.

4.2.Reforçar a resiliência reduzindo a dependência dos combustíveis fósseis e dos fatores de produção importados

A resiliência do setor alimentar da UE requer a diversificação das fontes de importação e das possibilidades de comercialização através de uma estratégia comercial ambiciosa e robusta, tanto ao nível multilateral como graças a acordos comerciais. A guerra na Ucrânia e a reação dos mercados deixaram clara a necessidade de tratar a dependência dos setores da agricultura e das pescas europeus relativamente à energia e às importações com utilização intensiva de energia.

Reduzir a dependência de adubos minerais produzidos a partir de combustíveis fósseis é um objetivo particularmente importante. Os adubos azotados são produzidos principalmente com gás natural (utilizado enquanto fonte de energia e enquanto reagente). Os investimentos na bioeconomia circular contribuem para substituir os produtos, as matérias e a energia que têm por base os combustíveis fósseis, ajudando assim a descarbonizar a economia 11 . A produção de adubos minerais com tecnologias limpas é um domínio importante da inovação. A Comissão está a apoiar a transição para o amoníaco renovável 12 , por exemplo, por parte dos produtores de adubos, através da adoção do hidrogénio limpo, conforme previsto na sua estratégia para o hidrogénio 13 , com o apoio da Aliança para o Hidrogénio Limpo e 800 milhões de EUR de investimento.

O fosfato e a potassa são nutrientes essenciais para garantir um bom rendimento das culturas arvenses de elevada qualidade. Uma vez que a maior parte das reservas de ambos se situam em países terceiros, incluindo a Rússia, a China, Marrocos e a Bielorrússia, há uma forte dependência das importações. As exportações de potassa da Rússia e da Bielorrússia representam 40 % do comércio mundial. Em resultado das sanções recentemente adotadas, a UE terá de substituir por outras fontes a parte das importações destes dois países, respetivamente 60 % para a potassa e 35 % para os fosfatos. O acordo de comércio livre já em vigor pode facilitar o aprovisionamento destes fatores de produção a partir de outras origens. A Comissão acompanhará atentamente a situação para antecipar eventuais situações de escassez e, se necessário, tomará medidas corretivas temporárias para facilitar este aprovisionamento.

A União, através do Horizonte Europa, reforçará o investimento na investigação e inovação para substituir a utilização de adubos sintéticos e acelerar a transição para sistemas alimentares sustentáveis, circulares e eficientes em termos de recursos na UE. No âmbito de um dos programas de trabalho do Horizonte Europa para 2021–2022, será afetado um orçamento substancial de 268,5 milhões de EUR para os setores da economia circular e da bioeconomia. Além disso, a Parceria Europeia para uma Europa Circular de Base Biológica terá uma dotação de até mil milhões de EUR por um período de sete anos, em que a posição dos produtores primários será reforçada. Desta forma, apoiarseão vias promissoras identificadas na Estratégia para a Bioeconomia, como o aumento da utilização sustentável da biomassa, a recuperação de nutrientes valiosos (incluindo fosfatos 14 e nutrientes provenientes do estrume animal) e a produção de alternativas de base biológica (incluindo através da utilização de subprodutos, resíduos e fluxos de resíduos), para fechar o ciclo de nutrientes, protegendo simultaneamente a qualidade da água, do ar e dos solos. Facilitar-se-á o acesso ao mercado interno de produtos provenientes da economia circular 15 . A Comissão continuará a estudar novas medidas regulamentares seguras para alargar as possibilidades de utilização de nutrientes recuperados do estrume animal. Ademais, Comissão elaborará, juntamente com os Estados-Membros, um plano de ação para a gestão integrada dos nutrientes destinado a tratar a questão da poluição causada pelos nutrientes na fonte e a tornar mais sustentável o setor pecuário.

A utilização de energia na produção agrícola e de produtos do mar já está a diminuir nos países industrializados devido a ganhos de eficiência 16 , que podem ser aumentados graças a uma utilização mais eficiente do azoto, à valorização da biomassa e à redução do desperdício alimentar. A investigação e a inovação orientadas visarão o melhoramento da eficiência na aplicação de adubos ao nível das explorações, nomeadamente através da implantação de técnicas da agricultura de precisão. Além disso, o financiamento da UE promove a investigação sobre sistemas de produção alimentar sustentáveis, incluindo a policultura, a agroecologia e a agricultura biológica. As culturas leguminosas, que fixam o azoto e utilizam menos adubos azotados, desempenham um papel importante nesses sistemas de produção e serão objeto de uma atenção especial. A utilização de gasóleo para tratores poderia diminuir mediante uma inovação que reduza a utilização de produtos fitofarmacêuticos e a monda mecânica.

A gestão sustentável das unidades populacionais de peixes, combinada com navios de pesca mais eficientes do ponto de vista energético, contribuirá igualmente para reduzir a utilização de combustíveis fósseis na produção de produtos do mar.

Acelerar a produção e a utilização de energias renováveis é outra prioridade para a qual contribuem os planos estratégicos da PAC, o FEAMPA 17 e o financiamento do NextGenerationEU. A produção de eletricidade nas explorações agrícolas através da energia eólica, da energia solar ou do biogás não só reforçará a resiliência dessas explorações, como contribuirá para a segurança e a sustentabilidade do aprovisionamento energético europeu. Nesta crise, temos de evitar o aumento da utilização de culturas alimentares para consumo humano e animal como matéria-prima para biocombustíveis. A Comissão convida os Estados-Membros a reforçarem os investimentos em biogás produzido em explorações agrícolas ou em cooperativas agrícolas a partir de fontes de biomassa sustentáveis, em especial detritos e resíduos agrícolas e aquícolas, ancorando assim a criação de valor na economia rural.

A redução da dependência em relação às importações de alimentos para animais insere-se na vasta transformação do sistema alimentar da UE, designadamente a transição para regimes alimentares mais à base de plantas e garantindo um sistema alimentar mais resiliente e autónomo. Na sua Declaração de Versalhes, o Conselho Europeu apelou ao reforço da produção de proteínas vegetais na UE.

Pelo menos 19 Estados-Membros tencionam recorrer às possibilidades de proporcionar «apoio associado» às proteaginosas nos seus planos estratégicos da PAC para 20232027. A Comissão convida os Estados-Membros a utilizarem igualmente outras possibilidades para apoiarem a produção de proteínas vegetais, incluindo intervenções setoriais específicas, como parte de sistemas agrícolas sustentáveis baseados em fontes diversificadas de alimentos para animais. A Comissão prestará especial atenção às culturas de proteaginosas quando da elaboração do relatório de síntese dos planos estratégicos da PAC dos Estados-Membros 18 , e reexaminará a estratégia identificada no seu relatório sobre o desenvolvimento das proteínas vegetais na UE, publicado em 2018 19 .

A Comissão:

Os Estados-Membros são incentivados a:

·Apoiará, através do Fundo de Auxílio Europeu às Pessoas mais Carenciadas (FEAD), as ações realizadas pelos países da UE para prestar assistência alimentar e/ou material às pessoas mais carenciadas.

·Disponibilizará um pacote de 500 milhões de EUR para apoiar os agricultores mais afetados.

·Aplicará medidas do tipo rede de segurança para apoiar mercados específicos e permitirá o aumento dos adiantamentos sobre pagamentos diretos ainda este ano.

·Aplicará um novo quadro temporário de crise autónomo relativo a auxílios estatais.

·Permitirá que os Estados-Membros derroguem determinadas obrigações de ecologização em 2022, a fim de introduzir mais terras agrícolas na produção.

·Utilizar os novos planos estratégicos da PAC para dar prioridade a investimentos que reduzam a dependência do gás, dos combustíveis e de fatores de produção como os pesticidas e os fertilizantes, por exemplo:

oinvestimentos na produção sustentável de biogás, reduzindo a dependência do gás russo,

oinvestimentos na agricultura de precisão, reduzindo a dependência dos adubos sintéticos e minerais, bem como dos pesticidas químicos,

oapoio ao sequestro de carbono nos solos agrícolas, à redução das emissões de gases com efeito de estufa e à melhoria do rendimento para os agricultores,

oapoio a práticas agroecológicas, reduzindo a dependência de fatores de produção químicos e garantindo uma segurança alimentar duradoura.

·Assegurar a eficácia e a cobertura dos sistemas de proteção social, bem como o acesso a serviços essenciais para as pessoas necessitadas.

5.Observações finais

Uma guerra não provocada no continente europeu trouxe novamente insegurança alimentar à Ucrânia, um país com alguns dos solos mais férteis da Europa.

A Declaração de Versalhes do Conselho Europeu convida a Comissão a agir rapidamente no sentido de apresentar opções para fazer face ao aumento dos preços dos alimentos e à questão da segurança alimentar mundial. A presente comunicação delineia as ações imediatas e em curso para apoiar a segurança alimentar dos cidadãos da Ucrânia, bem como a segurança alimentar nos países com défice alimentar. Aborda o problema da acessibilidade económica dos alimentos na UE e os desafios específicos a curto prazo para os produtores que se deparam com os custos elevados dos fatores de produção. Recorda o compromisso da Comissão para com o Pacto Ecológico e a Estratégia do Prado ao Prato e define ações a médio prazo para apoiar a transição para um sistema alimentar sustentável.

A Comissão apela aos Estados-Membros a mobilizarem-se ativamente e a implementarem com rapidez as medidas necessárias para dar resposta aos problemas prementes e às vulnerabilidades a longo prazo. Os Estados-Membros estão em condições de pôr em prática muitas destas medidas sem que seja necessário um novo quadro regulamentar à escala da UE. Mais especificamente, a Comissão convida os Estados‑Membros a reverem os seus planos da PAC sempre que necessário para assegurar a resiliência do sistema alimentar.

Ao mesmo tempo, a Comissão intensificará os seus esforços e a sua cooperação com as organizações internacionais e outros intervenientes fundamentais para fazer face, em tempo útil e de forma eficaz, às consequências da invasão da Ucrânia pela Rússia para a segurança alimentar mundial.

(1)   Climate Change 2022: Impacts, Adaptation and Vulnerability | Climate Change 2022: Impacts, Adaptation and Vulnerability (ipcc.ch) .
(2)    A quantidade de trigo que a Ucrânia não poderá exportar até ao final de junho de 2022 está estimada em cerca de 5 milhões de toneladas. A esta quantidade somam-se 20 milhões de toneladas de exportações ucranianas de trigo que estavam previstas para a campanha de comercialização de 2022/2023, mas que poderão não ter lugar. Estas quantidades não têm em conta os efeitos sobre as exportações de trigo da Rússia.
(3)    O rendimento médio da produção de trigo na UE é de 5,3 toneladas/hectare, contra 4,3 t/ha na Ucrânia e perto de 3 t/ha, ou menos, no resto do mundo.
(4)    COM(2021) 689 de 12.11.2021, intitulada «Plano de contingência para garantir o abastecimento alimentar e a segurança alimentar em tempos de crise».
(5)    Observatórios dos mercados agroalimentares da UE: https://ec.europa.eu/info/food-farming-fisheries/farming/facts-and-figures/markets/overviews/market-observatories_en .
Observatório do Mercado Europeu dos Produtos da Pesca e da Aquicultura (
EUMOFA) https://www.eumofa.eu/.
«Short term market outlook for agricultural products», próxima edição prevista para 4 de abril de 2022:
https://ec.europa.eu/info/food-farming-fisheries/farming/facts-and-figures/markets/outlook/short-term_pt#arablecrops .
(6)    Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos, das Pescas e da Aquicultura (FEAMPA), nos termos do artigo 26.º, n.º 2, do Regulamento (UE) 2021/1139.
(7)    Em conformidade com o mecanismo de armazenagem previsto nos artigos 30.º e 31.º do Regulamento (UE) n.º 1379/2013 que estabelece a organização comum dos mercados dos produtos da pesca e da aquicultura.
(8)    Regulamento (CE) n.º 396/2005 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de fevereiro de 2005, relativo aos limites máximos de resíduos de pesticidas no interior e à superfície dos géneros alimentícios e dos alimentos para animais, de origem vegetal ou animal, e que altera a Diretiva 91/414/CEE do Conselho.
(9)    Uma visão a longo prazo para as zonas rurais da UE – Para zonas rurais mais fortes, interligadas, resilientes e prósperas, até 2040, COM/2021/345 final.
(10)    As oito coligações em que a Comissão participará são as seguintes: «Food is never waste», «Healthy Diets from Sustainable Food Systems for Children & all», «School Meals Coalition», «Aquatic and Blue foods», «Agroecology», «Zero Hunger», «Fighting food crises along the HDP nexus», «Sustainable Productivity Growth» (alimentos nunca são desperdícios, regimes alimentares saudáveis com base em sistemas alimentares sustentáveis para as crianças e para todos, refeições escolares, alimentos aquáticos e azuis, agroecologia, erradicar a fome, luta contra as crises alimentares ao longo do nexo ação humanitária – desenvolvimento – paz e crescimento sustentável da produtividade). Mais informações: https://foodsystems.community/coalitions/.
(11)    https://ec.europa.eu/info/sites/default/files/food-farming-fisheries/farming/documents/factsheet-agri-value-chains_en.pdfhttps://ec.europa.eu/info/sites/default/files/food-farming-fisheries/farming/documents/factsheet-agri-water-nutrients-waste_en.pdf.
(12)    A curto e médio prazo, poderão estar operacionais projetos na ordem dos 30 –35 mil milhões de EUR, por exemplo, em Espanha, nos Países Baixos, na Áustria e na Suécia.
(13)    COM(2020)301 final.
(14)    Por exemplo: «Phos4You deploying phosphorus recycling from wastewater in North-West Europe»  Phos4You - PHOSphorus Recovery from waste water FOR YOUr Life | Interreg NWE (nweurope.eu)
(15)    Na sequência da entrada em vigor, em 15 de julho de 2022, do Regulamento (UE) 2019/1009 relativo à disponibilização no mercado de produtos fertilizantes UE.
(16)    Crippa et al. (2021) Nature Food. http://www.nature.com/articles/s43016-021-00225-9 .
(17)    Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos, das Pescas e da Aquicultura.
(18)    Artigo 141.º, n.º 2, do Regulamento (UE) 2021/2115.
(19)    COM(2018) 757 final.

Bruxelas, 23.3.2022

COM(2022) 133 final

ANEXOS

da

COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO EUROPEU, AO CONSELHO, AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU E AO COMITÉ DAS REGIÕES

Preservar a segurança alimentar e reforçar a resiliência dos sistemas alimentares




Anexo 1

Segurança alimentar mundial e cadeia agroalimentar da UE

Situação na UE

A UE é amplamente autossuficiente em produtos alimentares essenciais. É um dos principais exportadores de trigo e cevada e cobre em grande medida o seu consumo de outras culturas de base, como o milho ou o açúcar. É também amplamente autossuficiente em produtos animais, incluindo os laticínios e a carne (exceto carne de ovino e caprino e produtos do mar), fruta e produtos hortícolas (pêssegos, nectarinas, maçãs, tomate e laranjas).

No entanto, em relação a determinados produtos específicos, a UE é claramente um importador líquido. Em certos casos, os produtos importados são difíceis de substituir, seja em termos de volume, de fontes de importação, de qualidade ou de custos. É o caso dos produtos tropicais (frutos tropicais, café, cacau), dos produtos da pesca, dos alimentos para animais e de vários aditivos, como vitaminas e aminoácidos, que são essenciais para a produção de alimentos para animais ou de géneros alimentícios. Em particular, em 20212022, 22 % das proteínas para alimentação animal são de origem não comunitária, mas este rácio atinge 75 % no caso das farinhas oleaginosas 1 (principalmente soja).

Impacto da escalada mundial dos preços dos produtos de base

O aumento súbito geral dos preços dos produtos de base tem algumas semelhanças com o forte aumento dos preços dos produtos alimentares em 2008: crise generalizada de alto nível, correlação entre as variações dos preços e elevada volatilidade de todos os preços dos produtos de base. Agora, como em 2008, o aumento dos preços dos fatores de produção agrícola é equivalente a várias vezes o aumento dos preços dos produtos alimentares e deixa manifesto, uma vez mais, o problema com que se deparam os produtores, isto é, estrangulamentos e desfasamentos temporais na transmissão dos preços ao longo da cadeia alimentar, continuando a resultar em importantes aumentos dos preços dos produtos alimentares.

Gráfico 1: Variações dos preços dos produtos de base

Contudo, há algumas diferenças importantes entre os dois episódios. No presente, os níveis relativos das reservas dos principais produtos de base agrícolas são mais altos. Apesar de as reservas de produtos de primeira necessidade terem diminuído ligeiramente nos últimos quatro anos, os rácios reservas/utilização estão longe do nível registado antes do aumento dos preços de 2008‑2010, mesmo tendo em conta que a Ucrânia e a Rússia não poderão abastecer plenamente os mercados durante esta campanha de comercialização.

A regulamentação e a transparência dos mercados dos produtos de base foram consideravelmente reforçadas desde a Comunicação relativa aos preços dos géneros alimentícios na Europa 2 , redigida em 2008, na sequência do aumento súbito dos preços dos produtos alimentares de 20072008. Na altura, a Comissão recomendou a promoção da competitividade da cadeia de abastecimento alimentar, o controlo rigoroso da aplicação das regras de concorrência e de proteção dos consumidores, o reexame e, se necessário, a melhoria da regulamentação sobre o funcionamento da cadeia de abastecimento alimentar, a melhoria da informação aos consumidores e o desencorajamento da especulação nos mercados de produtos agrícolas de base e de derivados. Todas estas recomendações foram traduzidas em medidas legislativas e estratégicas (ver anexo 2), que constituem um ponto de partida sólido para enfrentar a turbulência atual.

Impacto dos elevados preços da energia na agricultura e nas pescas da UE

Para além de estar diretamente exposto ao aumento súbito dos preços da energia, o setor alimentar está também sujeito aos efeitos inflacionistas de uma série de produtos e serviços. É o principal consumidor de adubos e produtos fitossanitários, mas também de máquinas e materiais de embalagem alimentar, e é afetado pela escalada dos custos de transporte.

O impacto do aumento dos custos dos adubos é particularmente acentuado. Os adubos representam 18 % dos custos dos fatores de produção das explorações de culturas arvenses (média de 2017‑2019). O gás natural é o principal fator determinante do preço dos adubos azotados, em cuja produção representa 60‑80 % dos custos variáveis dos fatores de produção. Os elevados preços grossistas do gás natural refletem-se nos preços elevados dos adubos (para os adubos azotados como a ureia, os preços atingiram um pico com níveis semelhantes aos observados durante a crise financeira de 2007‑2008). Alguns produtores de adubos da UE suspenderam temporariamente a produção por os custos da energia serem demasiado elevados. Os preços dos adubos minerais (fosfatos e, mais ainda, potássio) estão menos ligados aos preços da energia, mas estão também sob pressão devido ao peso da Rússia e da Bielorrússia na produção mundial.

Embora a UE importe da Rússia adubos no valor de 3 mil milhões de EUR, a dependência em relação às importações de adubos azotados continua a ser limitada, já que mais de 90 % do consumo da UE é assegurado pela sua própria indústria. Todavia, esta indústria está fortemente dependente do gás de origem russa.

O setor das pescas é também fortemente afetado pelo aumento do preço dos combustíveis navais. O preço atual do combustível naval atingiu o nível mais alto das últimas duas décadas, com um aumento de 100 % em comparação com o preço médio em 2021. A este nível, a maioria dos segmentos da frota da UE estão abaixo do seu limiar de rentabilidade e não cobrem os seus custos operacionais. O aumento dos custos da eletricidade gera grande preocupação para o setor da aquicultura (bombagem e circulação de água) e para os setores da transformação (linhas de produção e instalações de armazenamento/congelação).

Situação do rendimento agrícola

Os bons níveis de produção e os preços da agricultura da UE resultaram numa melhoria do seu rendimento agrícola por trabalhador em 2021, em comparação com a média de 2017‑2019. O drástico aumento dos custos dos fatores de produção exerce pressão sobre as margens, em especial no caso dos produtores pecuários, nomeadamente de carne de suíno, e dos produtores aquícolas, que estão já a braços com a forte subida dos preços dos alimentos para animais. Por conseguinte, prevê-se que o rendimento agrícola médio por trabalhador diminua em 2022 e 2023, anulando os ganhos obtidos em 2020 e 2021, com uma diminuição mais acentuada para os produtores pecuários.

Aumento dos custos logísticos e de outros fatores de produção

Os fabricantes, comerciantes e retalhistas do setor alimentar enfrentam custos acrescidos de transporte e logística (a granel, em contentores ou por via aérea). A crise desencadeada pelo surto de COVID-19 e o dinamismo do posterior relançamento económico resultaram no congestionamento das capacidades de transporte marítimo de mercadorias. Com as novas perturbações no mar Negro, o transporte marítimo de mercadorias ficará sob maior pressão. O aumento dos custos afeta igualmente outros fatores de produção: é o caso, por exemplo, dos custos de embalagem (recipientes em madeira +37 %, em papel e pasta de papel +26 %, em plástico +13 %) 3 . Outro fator importante é a escassez de mão de obra e as dificuldades de recrutamento na indústria alimentar da UE (+62 % de postos de trabalho vagos na indústria transformadora).

Aumento dos preços dos produtos alimentares na UE

Por último, mas não menos importante, há que assinalar o aumento, desde o verão de 2021, dos preços dos produtos alimentares no consumidor, que em fevereiro de 2022 atingiram 5,6 % numa base anual, isto é, a taxa mais elevada desde o início da pandemia de COVID-19. Os produtos alimentares são uma componente importante da taxa de inflação global (IHPC 4 ), representando uma parte de 16 %, em média, na UE-27, à qual se pode acrescentar mais 6 % para a restauração. Em comparação, os custos energéticos da habitação e dos transportes representam 10 % do cabaz médio das famílias.

Os Estados-Membros são afetados de forma diferente, em função do respetivo contexto económico nacional, da estrutura das suas cadeias de abastecimento alimentar e dos padrões nacionais de procura dos consumidores.

Gráfico 2: Inflação dos preços dos produtos alimentares por Estado-Membro

Fonte: Eurostat (Estados-Membros selecionados).

Ucrânia, Rússia e segurança alimentar mundial

A invasão da Ucrânia pela Rússia veio somar-se aos já tensos mercados de produtos de base (energia) e às pressões inflacionistas 5 e tem efeitos na segurança alimentar mundial: a Ucrânia e a Rússia são intervenientes importantes no mercado mundial dos cereais e das oleaginosas. A Ucrânia representa 10 % do mercado mundial do trigo, 13 % do mercado da cevada e 15 % do mercado do milho e é o principal interveniente do mercado do óleo de girassol (mais de 50 % do comércio mundial). Relativamente à Rússia, estes valores são, respetivamente, 24 % (trigo), 14 % (cevada) e 23 % (óleo de girassol). A Rússia é também um importante exportador de peixe branco, em especial de escamudodo-alasca destinado à indústria transformadora (16 % da oferta).

Mais de 50 % das necessidades cerealíferas do Norte de África e do Médio Oriente são cobertas por importações provenientes da Ucrânia e da Rússia. Os países da África Oriental importam 72 % dos seus cereais da Rússia e 18 % da Ucrânia. A Ucrânia é também um importante fornecedor de milho (para a alimentação dos animais) para a União Europeia e para a China.

A Ucrânia é o quarto maior fornecedor de produtos alimentares da UE e uma importante fonte de cereais (52 % das importações de milho da UE, 19 % de trigo-mole), óleos vegetais (23 % das importações da UE) e oleaginosas (22 % das importações da UE, em particular 72 % das suas importações de colza). A Rússia exporta menos para a UE.

Dado o peso da Ucrânia no comércio internacional, a perturbação da logística e da produção agrícola deste país, a par do aumento dos custos do transporte de mercadorias e dos seguros, tem repercussões importantes nos mercados mundiais e, por conseguinte, nos preços dos cereais. Desde o início do conflito, já se registou um aumento acentuado dos preços mundiais dos cereais, superior aos preços de 2007‑2008. Esta situação não só põe em risco o abastecimento alimentar da população ucraniana, como também a segurança alimentar dos países terceiros que dependem das importações de produtos de base provenientes da Ucrânia.

O potencial de produção agrícola da Ucrânia está fortemente afetado pela invasão do país pela Rússia. Para além do custo em termos de vidas humanas, da destruição e dos perigos da guerra, escasseia a mão de obra para trabalhar nas explorações agrícolas e nos campos, incluindo nos Estados-Membros vizinhos. Os fatores de produção essenciais são raros e é difícil ou impossível obtê-los. Na Ucrânia, em 2022 será decisiva a capacidade de semear culturas de primavera e de realizar as colheitas das culturas de primavera e de inverno e é provável que o impacto da guerra se faça sentir durante vários anos, tendo em conta os danos nas infraestruturas e nas instalações logísticas causados pela guerra. Na Rússia, embora a produção não seja prejudicada pela guerra, subsistem incertezas quanto à capacidade do país para exportar grandes quantidades através do mar Negro.

Segurança alimentar num contexto global

A segurança alimentar continua a gerar uma preocupação crescente no planeta. As Nações Unidas salientaram que as alterações climáticas e a perda de biodiversidade constituem a principal ameaça mundial à segurança alimentar 6 . De acordo com a FAO, 811 milhões de pessoas continuam a ser vítimas de subnutrição crónica e o progresso no sentido da realização do objetivo de desenvolvimento sustentável n.º 2 — «Erradicar a Fome» — está a ser travado por uma combinação de fatores. Sem medidas eficazes de atenuação e adaptação, as alterações climáticas deverão agravar a situação. O aumento dos preços dos produtos alimentares tem um efeito imediato nos cidadãos dos países em desenvolvimento e dos países menos desenvolvidos que dependem da compra de alimentos. O índice de preços dos alimentos da FAO, que acompanha as variações mensais dos preços internacionais dos produtos de base, revela uma situação cada vez mais difícil: em fevereiro de 2022 situava-se, em média, em 140,7 pontos, o nível mais elevado de sempre, 3,1 pontos acima do anterior topo, registado em fevereiro de 2011.

Embora os principais clientes para o trigo ucraniano e russo afirmem ter reservas para alguns meses, os aumentos de preços já se fazem sentir em países que se encontram numa situação precária, como a Síria e o Líbano, bem como a Argélia.

Em 2021, a insegurança alimentar mundial alcançou níveis sem precedentes, com mais de 161 milhões de pessoas a necessitar de assistência alimentar urgente e quase 0,6 milhões a viver em condições características de uma situação de fome. Esta situação poderá deteriorar-se ainda mais se os preços dos produtos alimentares continuarem a aumentar.



Anexo 2

Seguimento da Comunicação de 2008 da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Conselho Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões - Preços dos géneros alimentícios na Europa [COM(2008) 0821 final].

Recomendações da Comunicação de 2008

Seguimento

Promover o funcionamento da cadeia de abastecimento alimentar

Reformas sucessivas da PAC (2008, 2013, 2021)

Fórum de alto nível sobre a melhoria do funcionamento da cadeia de abastecimento alimentar (2010‑2019)

Acordos de comércio livre (por exemplo, Japão, Vietname, Singapura, Canadá, México, Acordo de Parceria Económica da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral) que resultaram na abertura dos mercados e na redução das barreiras não pautais às exportações de produtos alimentares

Fiscalização do mercado e criação do grupo de trabalho para o cumprimento das regras do mercado único

InvestEU: apoio às PME agroalimentares através da rede EEN e do acesso a instrumentos de financiamento

Parceria da UE para as competências no setor agroalimentar

Código de Conduta da UE para práticas empresariais e comerciais responsáveis do setor alimentar

Garantir a aplicação rigorosa e coerente, por parte da Comissão Europeia e das autoridades nacionais, da legislação no domínio da concorrência e da proteção dos consumidores, aos mercados de abastecimento alimentar

Intervenção da Comissão nos mercados de produtos alimentares, e imposição de sanções em alguns casos de restrições ao comércio paralelo

Suspensão pela Comissão e pelas autoridades nacionais da concorrência de uma série de iniciativas nacionais protecionistas no domínio dos produtos alimentares

Autorização pela Comissão de algumas concentrações em setores como os fatores de produção agrícola (por exemplo, produtos fitofarmacêuticos) e alguns produtos alimentares e bebidas (por exemplo, produtos lácteos, cerveja), sujeitas a medidas de correção para proteger a concorrência ao nível dos preços e a escolha, bem como a inovação

Estudo exaustivo da Comissão sobre a concentração do setor retalhista moderno e sobre a evolução da escolha e da inovação de produtos à disposição dos consumidores no período 20042012 I  

Revisão nacional e/ou comunitária, consoante a necessidade, de regulamentação potencialmente problemática para o funcionamento da cadeia de abastecimento alimentar

Relatório do Grupo de Missão para os Mercados Agrícolas intitulado «Improving market outcomes – enhancing the position of farmers in the supply chain» (2016) II

Clarificação das disposições do Regulamento OCM III (organização comum dos mercados) relativas à concorrência, 2018, 2021

Diretiva (UE) 2019/633 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de abril de 2019, relativa a práticas comerciais desleais nas relações entre empresas na cadeia de abastecimento agrícola e alimentar

Simplificação da regulamentação sobre segurança dos alimentos, incluindo o balanço de qualidade da legislação alimentar geral

Prestar melhor informação aos consumidores, às autoridades públicas e aos operadores do mercado através da criação permanente de um instrumento europeu de vigilância dos preços e da cadeia de abastecimento alimentar

Criação de seis observatórios para os mercados agrícolas IV e de um portal de dados agroalimentares

Publicação de relatórios periódicos sobre as perspetivas a curto prazo V

Criação do instrumento do Eurostat para a vigilância dos preços dos produtos alimentares VI

Melhoria das disposições em termos de transparência do mercado para os produtos agrícolas (Regulamento (UE) 2019/1746 da Comissão; alterações de 2021 à OMC1)

Criação do Sistema de Informação sobre Mercados Agrícolas [(SIMA) — ver secção 3]: dados do Eurostat sobre os preços dos produtos alimentares

Examinar medidas para dissuadir a especulação em detrimento dos agentes comerciais dos mercados dos produtos agrícolas de base

Diretiva 2014/65/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, que reforça a proteção dos investidores e melhora o funcionamento dos mercados financeiros, tornando-os mais eficientes, resilientes e transparentes

Diretiva (UE) 2021/338 do Parlamento Europeu e do Conselho, que altera a Diretiva 2014/65/UE, a fim de contribuir para a recuperação na sequência da crise da COVID-19

Regulamento (UE) n.º 596/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao abuso de mercado

Regulamento (UE) n.º 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo aos derivados do mercado de balcão, às contrapartes centrais e aos repositórios de transações, que se aplica a uma vasta gama de derivados do mercado de balcão, incluindo certos derivados de mercadorias de base, que aumentam a transparência dos derivados de mercadorias negociados no mercado de balcão

(1)      «EU protein feed balance sheet», DG AGRI.
(2)      COM(2008) 821 final.
(3)       https://www.fooddrinkeurope.eu/wp-content/uploads/2022/03/Economic-Bulletin-on-Input-Costs-NovDec-2021-FINAL-public-version.pdf
(4)      Índices harmonizados de preços no consumidor (IHPC).
(5)    Pode encontrar-se uma análise exaustiva na nota informativa da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura «The importance of Ukraine and the Russian Federation for global agricultural markets and the risks associated with the current conflict», de 11 de março de 2022,  https://www.fao.org/3/cb9013en/cb9013en.pdf , ou em «The Ukraine Conflict and Global Food Price Scares», R. Vos, J. Glauber, M. Hernandez, e D. Laborde, 1 de março de 2022, https://www.foodsecurityportal.org/node/1921.
(6)     https://www.ipcc.ch/srccl/chapter/chapter-5/ , https://www.fao.org/documents/card/en/c/ca3129en/ .
(I)

     https://ec.europa.eu/competition/sectors/agriculture/retail_study_report_en.pdf.

(II)

     https://ec.europa.eu/info/sites/default/files/food-farming-fisheries/farming/documents/amtf-report-improving-markets-outcomes_en.pdf

(III)

     Regulamento (UE) n.º 1308/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, que estabelece uma organização comum dos mercados dos produtos agrícolas

(IV)   https://ec.europa.eu/info/food-farming-fisheries/farming/facts-and-figures/markets/overviews/market-observatories_pt
(V)

      https://ec.europa.eu/info/food-farming-fisheries/farming/facts-and-figures/markets/outlook/short-term_en

(VI)

      https://ec.europa.eu/growth/sectors/food-and-drink-industry/competitiveness-european-food-industry/european-food-prices-monitoring-tool_en