Bruxelas, 18.2.2021

COM(2021) 66 final

COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO, AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU E AO COMITÉ DAS REGIÕES EMPTY

Revisão da Política Comercial - Uma política comercial aberta, sustentável e decisiva


Revisão da política comercial -

Uma política comercial aberta, sustentável e decisiva

1.A política comercial europeia numa época de transformação económica e instabilidade geopolítica: Preparação para o mundo de 2030

O comércio é um dos instrumentos mais poderosos da UE. É fundamental para a competitividade e a prosperidade económica da Europa, apoiando um mercado interno dinâmico e uma ação externa decisiva. Devido à abertura do seu regime comercial, a UE é a maior potência comercial do mundo a nível de produtos agrícolas e manufaturados e de serviços, e ocupa o primeiro lugar nos investimentos internacionais de outros países e noutros países. Graças à política comercial comum, a UE fala a uma só voz no fórum internacional, o que constitui uma vantagem ímpar.

Em face dos novos desafios internos e externos e, mais concretamente, de um novo modelo de crescimento mais sustentável, definido pelo Pacto Ecológico Europeu e pela estratégia digital europeia, a UE necessita de uma nova estratégia em matéria de política comercial – uma estratégia que apoie a consecução dos objetivos das suas políticas internas e externas e que promova uma maior sustentabilidade em linha com o seu compromisso para com o pleno cumprimento dos objetivos de desenvolvimento sustentável das Nações Unidas. Importa tirar o máximo partido da política comercial para apoiar a recuperação da pandemia de COVID-19 e a transformação ecológica e digital da economia, contribuindo igualmente para a construção de uma Europa mais resiliente no mundo.

As restrições impostas em 2017-2019 já afetaram o valor do comércio mundial mais do que no período de 2009-2016, e o FMI considera que as tensões comerciais continuam a representar um grave risco para a economia mundial, numa época de grande fragilidade.

Departamento de Estratégia, Políticas e Avaliação do FMI (2020), Developments in Global Trade Policy: Broadening Conflict May Hinder Recovery, 1 de outubro de 2020.

Para fazer as escolhas certas ao conceber uma política comercial adequada ao mundo de 2030, é necessário ter em conta as recentes mudanças políticas, económicas, tecnológicas, ambientais e sociais, bem como as tendências mundiais delas emergentes 1 .

Alimentada por tensões políticas e geoeconómicas, a incerteza a nível mundial está a agravar-se. Em vez de cooperação internacional e governação multilateral, assistimos a um unilateralismo crescente, com a consequente perturbação ou afastamento das instituições multilaterais. Estas tendências têm origem em vários desenvolvimentos.

Em primeiro lugar, a globalização, a evolução tecnológica e a multiplicação de cadeias de valor mundiais tiveram um impacto dicotómico nas economias e nas sociedades. Por um lado, geraram enormes ganhos de eficiência, fomentando um crescimento económico sustentado, impulsionado pelo comércio, em muitas regiões do mundo, o que ajudou a retirar milhões de pessoas da pobreza. Por outro lado, estes desenvolvimentos tiveram, por vezes, um forte efeito subversivo, levando a um aumento das desigualdades e deixando para trás algumas pessoas e comunidades. Por vezes, os custos de ajustamento que, em princípio, seriam temporários, converteram-se em perdas permanentes nos níveis de vida, nas oportunidades de emprego, nos salários e noutras condições de trabalho. Em muitos casos, a resposta dos governos aos ajustamentos económicos e à atenuação dos seus impactos negativos tem sido considerada insuficiente 2 . Esta situação conduziu a apelos à desglobalização e à proliferação de reações introspetivas e isolacionistas.

Em segundo lugar, a rápida ascensão da China, que revela ambições à escala mundial e segue um claro modelo de capitalismo estatal, mudou profundamente a ordem política e económica mundial. Tal coloca desafios cada vez maiores ao sistema mundial de governação económica estabelecido e afeta a equidade das condições de concorrência a que as empresas europeias estão sujeitas no mercado internacional e nacional 3 .

Fonte: FMI, WEO.

Em terceiro lugar, a aceleração das alterações climáticas, juntamente com a perda de biodiversidade e a degradação ambiental, associadas a exemplos concretos dos seus efeitos devastadores, levaram ao reconhecimento da transição ecológica como o objetivo determinante da nossa era.

O Pacto Ecológico Europeu é a nova estratégia de crescimento da UE, que facilita a reconfiguração da nossa política económica para responder melhor aos desafios do século XXI. O seu objetivo global é a transição para uma economia resiliente e eficiente em termos de recursos, sustentável a nível ambiental e com impacto neutro no clima até 2050, com a ambição de reduzir as emissões de GEE em 55 % até 2030, bem como a proteção, conservação e valorização do capital natural da UE. Como tal, será o motor da nossa competitividade e conduzirá a uma transformação progressiva, mas profunda, das nossas economias, o que, por sua vez, influenciará fortemente os padrões de comércio.

A transição ecológica tem de ser acompanhada por equidade social. Em muitas regiões do mundo 4 , as cadeias de abastecimento mundiais caracterizam-se por um défice de trabalho digno persistente e profundo, que vai desde violações graves da liberdade sindical a condições de trabalho deficientes 5 . A privação dos trabalhadores dos seus direitos fundamentais reflete-se numa deterioração gradual das condições sociais a nível mundial e intensifica o desencanto das pessoas com a globalização e o comércio aberto.

Em quarto lugar, a transformação digital é outro vetor essencial do desenvolvimento sustentável, mas também um espaço de concorrência e governação multilateral inadequada. Nesta fase inicial da sua Década Digital, o apoio à transformação digital da Europa é uma prioridade tanto nas políticas internas como externas, incluindo a política e os instrumentos comerciais. Simultaneamente, a natureza do comércio continuará a evoluir. O comércio será cada vez mais impulsionado pela inovação, com o apoio da proteção da propriedade intelectual (PI), e o comércio de serviços assumirá uma importância crescente em comparação com o comércio de bens 6 . Os serviços não só contribuem diretamente para a cadeia de valor (serviços financeiros, telecomunicações, TI, transportes e logística) como também - o que, muitas vezes, é ainda mais importante - o fazem indiretamente através da sua incorporação em produtos manufaturados. O aumento da componente dos serviços na economia e o crescimento das tecnologias digitais criaram postos de trabalho bem remunerados e de elevada qualidade, tendo igualmente impulsionado o crescimento económico.

A pandemia de COVID-19 acelerou e centrou as atenções nestas mudanças, criando simultaneamente os seus próprios desafios. Colocou em destaque a interligação entre as economias, que dependem de regras internacionais estáveis e previsíveis e de canais de transporte resilientes. Expôs o risco de quebra da confiança e de rutura da cooperação a nível mundial. Suscitou igualmente questões relacionadas com a combinação certa de políticas em termos de diversificação de fontes internas e externas de abastecimento e com o reforço das reservas e capacidades de produção estratégica. Demonstrou ainda a importância de expandir a produção de produtos de saúde numa situação de crise e a necessidade de cooperação para garantir o acesso equitativo das populações mais vulneráveis. Além disso, levou a um aumento considerável do apoio e do envolvimento dos governos na economia, que é necessário para salvar empresas sãs e proteger postos de trabalho, mas que poderá não ser sustentável a longo prazo e gerar tensões.

Por último, importa ter em conta as perspetivas económicas ao nível mundial. A UE continuará a ser uma potência económica mundial e líder no domínio do crescimento sustentável. Segundo as mais recentes previsões de longo prazo da OCDE, o PIB real na área do euro aumentará 1,4 % por ano (taxa de crescimento anual composta) ao longo dos próximos 10 anos 7 . Não obstante, estas perspetivas de crescimento serão eclipsadas pela evolução noutras regiões, e a posição relativa da Europa na economia internacional sofrerá alterações. Prevê-se que, já em 2024, 85 % do crescimento do PIB mundial terá origem fora da UE. A contínua ascensão da China terá um forte impacto na evolução da economia mundial ao longo dos próximos 10 anos; a OCDE prevê que o PIB chinês aumentará 4,7 % por ano.

A política comercial da UE tem de ter em conta estas tendências e desafios mundiais para refletir a ambição política de criar «uma Europa mais forte no mundo» 8 . Deve também responder às expectativas das partes interessadas indicadas em discussões com os Estados-Membros, na resolução adotada pelo Parlamento Europeu 9 e nas opiniões expressas na consulta pública 10 .

Fonte: OCDE, Previsões do PIB real a longo prazo.

2.Uma política comercial que apoie a autonomia estratégica aberta da UE

2.1.Autonomia estratégica aberta

Uma UE mais forte e mais resiliente exige uma ação interna e externa concertada em vários domínios de intervenção, que harmonize e utilize todos os instrumentos comerciais em apoio dos interesses e objetivos estratégicos da União. Implica tirar partido dos nossos pontos fortes e, simultaneamente, promover o envolvimento com parceiros. A «autonomia estratégica aberta» responde a esta necessidade. A autonomia estratégica aberta 11 destaca a capacidade da UE para fazer as suas próprias escolhas e para moldar o mundo à sua volta através da liderança e do envolvimento, refletindo os seus valores e interesses estratégicos. Reflete a convicção profunda da UE de que, para superar os desafios atuais, é necessária mais, e não menos, cooperação a nível mundial. Significa ainda que a UE continuará a colher os benefícios de oportunidades internacionais, simultaneamente defendendo de forma categórica os seus interesses, protegendo a sua economia de práticas comerciais desleais e assegurando condições de concorrência equitativas. Por último, implica apoiar as políticas internas para reforçar a economia da UE e para ajudar a posicioná-la como líder mundial na criação de um novo sistema de governação do comércio internacional assente em regras.

A autonomia estratégica aberta é uma escolha política, mas também uma atitude a adotar pelos decisores políticos. Baseando-se na importância da abertura, evoca o compromisso da UE para com um comércio aberto e justo com cadeias de valor mundiais sustentáveis, diversificadas e funcionais. Abrange:

·resiliência e competitividade para fortalecer a economia da UE;

·sustentabilidade e equidade, refletindo a necessidade de uma ação responsável e equitativa ao nível da UE;

·determinação e cooperação assente em regras para demonstrar a preferência da UE pelo diálogo e pela cooperação internacional, mas também o seu empenho em combater práticas desleais e utilizar instrumentos autónomos para prosseguir os seus interesses, quando necessário.

2.2.Abertura e envolvimento como escolha estratégica

Em 2019, a UE exportou bens e serviços em montante superior a 3,1 biliões de EUR e importou bens e serviços no montante de 2,8 biliões de EUR. Em conjunto, estes valores fazem da UE o maior interveniente no panorama comercial mundial.

A UE assenta na abertura, tanto a nível interno como externo. É o maior exportador e importador de bens e serviços a nível mundial. Entre as grandes economias, é aquela onde o comércio representa a maior parcela da atividade económica. As exportações da UE apoiam 35 milhões de postos de trabalho na União, em comparação com 20 milhões em 2000 12 . A economia da UE baseia-se igualmente nas importações, que dão acesso a matérias-primas essenciais e a outros fatores de produção. Com efeito, 60 % das importações da UE são utilizadas para produzir bens da UE e, graças à sua crescente abertura às importações desde 1995, o seu rendimento aumentou em cerca de 550 mil milhões de EUR. A UE é também um dos principais destinos das exportações de países de rendimento baixo, especialmente da África, e dos países vizinhos da UE, contribuindo assim para fomentar o desenvolvimento e o crescimento económico em todo o mundo. Tal como aconteceu no rescaldo da última crise económica e financeira, o comércio será crucial para a recuperação ecológica da UE após a recessão económica causada pela pandemia de COVID-19.

Fonte: Eurostat, COMEXT.

Para que a UE possa reforçar a sua resiliência e apoiar a competitividade dos seus diversos setores económicos, é necessário garantir um acesso aberto e sem distorções aos mercados internacionais, incluindo o acesso a novos mercados e fluxos comerciais abertos em benefício da indústria, dos trabalhadores e dos cidadãos. Os ecossistemas industriais da UE, que abrangem todos os intervenientes na cadeia de valor, de agricultores e fabricantes a prestadores de serviços, de multinacionais globais a PME e empresas em fase de arranque, desempenham um papel fundamental na internacionalização da economia da UE.

A UE é o principal parceiro comercial de 74 países espalhados pelo mundo. É o principal parceiro comercial da Ásia, da África, dos EUA, dos Balcãs Ocidentais e da Vizinhança Europeia.

A UE é também o maior prestador de ajuda ao comércio do mundo 13 . A pandemia de COVID-19 reforçou a necessidade de implementar plenamente a estratégia conjunta da UE de Ajuda ao Comércio, de 2017. Com efeito, a UE tem um interesse estratégico em apoiar uma maior integração de países em desenvolvimento vulneráveis na economia mundial, muitos dos quais se encontram geograficamente próximos da Europa.

A UE tem de tirar o máximo partido das vantagens proporcionadas pela sua abertura e dos atrativos do seu Mercado Único. A abertura da UE e o seu envolvimento no panorama internacional fazem dela um defensor credível da cooperação internacional, do multilateralismo e da ordem assente em regras, que, por seu turno, são fundamentais para os seus interesses. A UE trabalha em conjunto com parceiros para assegurar o respeito por valores universais, especialmente a promoção e a proteção dos direitos humanos. Tal inclui normas fundamentais do trabalho e proteção social consentâneas com o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, a igualdade de género 14 , bem como a luta contra as alterações climáticas e a perda de biodiversidade.

Só é possível combater as alterações climáticas e responder a outros desafios ambientais através da abertura, do envolvimento à escala mundial e da cooperação. A UE não poderá vencer a luta contra as alterações climáticas se agir isoladamente. Para ser bem-sucedida, é importante sensibilizar os seus parceiros para o facto de que a transformação ecológica não é apenas uma necessidade a médio prazo, constituindo já, neste momento, uma política económica inteligente. A UE precisa de tirar partido da sua abertura e mobilizar os seus parceiros, sobretudo os maiores emissores e poluidores, para que deem um contributo justo para a atenuação das alterações climáticas. Do mesmo modo, a conservação da biodiversidade é um desafio mundial que exige esforços à escala mundial.

A abertura e o envolvimento são uma escolha estratégica que também serve o interesse próprio esclarecido da União Europeia. A abertura traz prosperidade, competitividade e dinamismo. Paralelamente, importa conjugar uma economia aberta com medidas decisivas de atenuação e adaptação às alterações climáticas, de proteção do ambiente e políticas sociais e laborais sólidas, que respondam às expectativas dos cidadãos europeus. Só assim será possível distribuir equitativamente os benefícios da abertura e facilitar a adaptação às transformações da economia mundial, de modo que ninguém fique para trás.

2.3.Melhorar a resiliência e a sustentabilidade das cadeias de valor

O reforço da resiliência e da sustentabilidade da economia da UE e das suas cadeias de abastecimento é um dos pilares dos esforços envidados pela União Europeia para desenvolver uma autonomia estratégica aberta 15 . A pandemia de COVID-19 testou a resiliência das economias por todo o mundo. A primeira lição que podemos retirar da crise é que a maioria das cadeias de abastecimento demonstrou uma resiliência extraordinária. Com as condições certas, as empresas podem intensificar a produção e a distribuição mundial, sobretudo se puderem recorrer a cadeias de abastecimento abertas, apoiadas por regras de comércio estáveis, previsíveis e transparentes 16 . Os governos têm a responsabilidade especial de criar tais condições, mas também de apoiar uma distribuição justa e equitativa de bens para os quais a procura ultrapasse a oferta disponível. A confiança entre os países, mas também entre os governos e o setor privado, é crucial neste aspeto. Assim, a UE tem apoiado firmemente os esforços globais desenvolvidos no seio do G20, da OMC e no âmbito de relações bilaterais para monitorizar cadeias de abastecimento essenciais, para as manter abertas e sem perturbações, bem como para assegurar um acesso justo e equitativo a bens essenciais. Tal tem sido particularmente importante no contexto do processo de distribuição de vacinas contra a COVID-19, uma vez que a produção num reduzido conjunto de países tem de satisfazer a procura do mundo inteiro. A UE tenciona reforçar a cooperação com outros países e com o setor privado para expandir a produção e apoiar um acesso equitativo às vacinas. Certificar-se-á de que eventuais medidas de curto prazo que visem o acesso às vacinas não causam perturbações no abastecimento de países vulneráveis e são aplicadas de forma direcionada, equitativa e transparente. É fundamental dispor de transportes resilientes e sustentáveis para facilitar o comércio internacional e preservar as cadeias de abastecimento da UE. O desenvolvimento da conectividade da UE tem o potencial para aumentar a resiliência do seu comércio e para mantê-la como uma plataforma de conectividade mundial, conforme reconhecido na estratégia de mobilidade sustentável e inteligente.

·Perante um aumento sem precedentes da procura, como aconteceu no caso das máscaras faciais, a abertura do comércio revelou-se fundamental para alargar o leque de fontes alternativas de oferta.

·A transparência também é muito importante, tendo contribuído significativamente para a resiliência das cadeias de abastecimento alimentar, em que o sistema de informações do mercado agrícola (AMIS) poderá ter ajudando a dissipar os receios sobre a segurança do abastecimento alimentar. A preparação para situações de crise será particularmente importante no setor agrícola.

·O risco de as medidas restritivas do comércio cortarem o acesso dos países em desenvolvimento às cadeias de valor mundiais não deve ser subestimado.

Dada a escala da crise causada pela COVID-19 e o impacto que teve em todos os aspetos da vida económica e social, nomeadamente na produção e na mobilidade, eram inevitáveis perturbações em certos produtos e serviços. Um aumento exponencial da procura de certos produtos essenciais relacionados com a saúde aliado à escassez da oferta resultante das medidas de confinamento ou de restrições expôs algumas vulnerabilidades no setor da saúde. É necessário analisá-las atentamente para, no futuro, lhes dar respostas eficazes. As soluções podem ir desde a preparação para situações de crise à diversificação da produção e das cadeias de abastecimento e à constituição de reservas estratégias, passando também pelo fomento da produção e do investimento, nomeadamente em países vizinhos e em África.

O setor privado tem um papel central a desempenhar na avaliação dos riscos e na conciliação da produção just in time com as garantias adequadas. É um fator essencial para assegurar a resiliência em situações de perturbações do lado da oferta ou choques do lado da procura, especialmente nos casos em que as empresas dependem de um único fornecedor.

Os decisores políticos necessitam também de aprofundar a sua compreensão das vulnerabilidades, partilhar informações e fomentar a cooperação. O trabalho da Comissão sobre a identificação de dependências estratégicas, principalmente nos ecossistemas industriais mais sensíveis, como a saúde, proporcionará uma base sólida para a definição das respostas estratégicas adequadas e para o envolvimento com a indústria. Este trabalho apoiará, designadamente, a execução da nova Estratégia Farmacêutica 17 e a preparação da estratégia de política industrial atualizada.

A política comercial pode contribuir para a resiliência, proporcionando um quadro comercial estável e assente em regras, abrindo novos mercados para diversificar as fontes da oferta, e desenvolvendo quadros de cooperação para garantir um acesso justo e equitativo a bens essenciais. Neste contexto, a UE está a promover, em conjunto com parceiros, uma iniciativa em matéria de comércio e saúde junto da OMC.

O reforço da resiliência das cadeias de abastecimento também está estreitamente associado ao objetivo da UE de tornar essas cadeias mais sustentáveis, sobretudo promovendo normas de sustentabilidade nas várias cadeias de abastecimento mundiais. De um modo geral, a experiência revela que cadeias de abastecimento mais sustentáveis são também mais resilientes 18 . A política comercial pode também contribuir para este objetivo através da promoção de comportamentos responsáveis por parte das empresas e de uma maior transparência e rastreabilidade nas cadeias de abastecimento. A legislação em preparação sobre a governação sustentável das empresas, bem como sobre a desflorestação, será um marco importante neste domínio.

2.4.Apoio da política comercial aos interesses geopolíticos da UE

Será importante manter uma estreita cooperação com os parceiros para apoiar o multilateralismo 19 e a ordem internacional assente em regras. O atual quadro internacional de governação económica está sob ameaça. Se esta situação se mantiver, afetará as relações económicas e o comércio, bem como a segurança e a estabilidade que consideramos normais. Por estes motivos, o apoio a um multilateralismo eficaz assente em regras constitui um interesse geopolítico fundamental da UE. A reforma da OMC deve, portanto, ser enquadrada no contexto mais vasto das prioridades da UE de assegurar a existência de instituições internacionais funcionais que apoiem a recuperação económica mundial, o acesso a empregos dignos, o desenvolvimento sustentável e a transição ecológica. A UE deve intensificar os seus esforços para estabelecer alianças em apoio de instituições multilaterais eficazes. Neste contexto, será intensificado o diálogo com os EUA, o Grupo de Otava, países africanos, a Índia e a China.

A UE terá de funcionar numa nova ordem mundial multipolar, caracterizada por tensões crescentes entre os principais intervenientes. A UE deve promover estratégias para reduzir as tensões e procurar soluções baseadas num quadro modernizado assente em regras. Paralelamente, a UE tem de munir-se dos instrumentos necessários para funcionar num ambiente internacional mais hostil, se necessário.

A relação transatlântica é a maior e a mais importante parceria económica do mundo, estando profundamente enraizada em valores e interesses comuns 20 . A nova administração dos EUA proporciona uma oportunidade para trabalhar em conjunto na reforma da OMC, nomeadamente reforçando a sua capacidade para lutar contra distorções da concorrência e contribuir para o desenvolvimento sustentável. Oferece também novas perspetivas para trabalhar em estreita cooperação na transformação ecológica e digital das nossas economias. Consequentemente, a UE dará prioridade ao reforço da sua parceria com os EUA.

A relação comercial e de investimento entre a UE e a China reveste-se de grande importância e complexidade 21 . A política da UE assenta numa combinação de envolvimento ativo, tanto a nível bilateral como multilateral, e de criação e implementação paralelas dos instrumentos autónomos necessários para proteger os valores e interesses essenciais da UE – no pleno respeito pelos seus compromissos internacionais. A construção de uma relação económica mais justa e assente em regras com a China é uma prioridade. Um dos aspetos centrais dos esforços desenvolvidos pela UE para reequilibrar esta relação comercial bilateral será garantir que a China assuma maiores obrigações no comércio internacional e, paralelamente, lidar com as repercussões negativas do seu sistema económico capitalista-estatal. A recente conclusão política das negociações sobre um acordo abrangente de investimento faz parte destes esforços. O trabalho de ratificação exigirá um claro empenhamento na aplicação efetiva do acordo em matéria de acesso ao mercado, compromissos relativos a condições de concorrência equitativas e desenvolvimento sustentável.

De uma perspetiva estratégica mais ampla, será importante que a UE consolide as suas relações com os países europeus e os países vizinhos e aprofunde o seu envolvimento com o continente africano e os Estados africanos. Existem vários laços culturais, económicos e políticos entre os dois continentes. A estabilidade e a prosperidade da África são cruciais para a estabilidade e a prosperidade da UE, devendo ser apoiadas através de uma integração mais estreita dos dois continentes, impulsionando a transição ecológica e digital em conjunto com o continente africano.

Para ajudar a concretizar as suas ambições geopolíticas a nível mundial, a UE terá de diversificar as suas relações e construir alianças com parceiros que partilhem os mesmos valores, incluindo através da sua vasta rede de acordos de comércio. Esta rede é essencial, uma vez que todos os acordos, atuais e futuros, moldam a relação da UE com os seus parceiros. Os acordos de comércio livre (ACL) da UE são plataformas para uma cooperação reforçada destinada a promover os seus valores e interesses. Constituem a base para o envolvimento com países e mercados importantes por todo o mundo, especialmente na região da Ásia-Pacífico, na América Latina e nas Caraíbas.

3.Orientação da política comercial a médio prazo

3.1.Três objetivos principais da política comercial a médio prazo

A política comercial da UE deve centrar-se em três objetivos principais:

Em primeiro lugar, apoiar a recuperação e a transformação fundamental da economia da UE em conformidade com os seus objetivos ecológicos e digitais. 

No contexto dos esforços de recuperação, a política comercial da UE deve continuar a desempenhar a sua função principal, que consiste em facilitar as trocas de bens e serviços em condições que criem oportunidades e bem-estar económico. Deve ser dedicada especial atenção aos benefícios para os cidadãos, os trabalhadores e as empresas. Ao mesmo tempo, a política comercial da UE deve ajudar a transformar a sua economia em linha com a transição ecológica e digital. Deve apoiar inequivocamente todas as dimensões do Pacto Ecológico, incluindo a ambição de alcançar a neutralidade climática até 2050. Ao mesmo tempo, a competitividade, a prosperidade e a posição global da UE a longo prazo dependerão da sua capacidade para acolher a transformação digital e explorar os seus benefícios. Por conseguinte, a transição ecológica e digital deve constituir uma prioridade-chave da política comercial bilateral e multilateral. A fim de manter e reforçar a sua influência na definição das regras necessárias neste domínio, a UE tem de desenvolver uma abordagem mais estratégica à cooperação internacional em matéria de regulamentação. Tal exige uma integração mais estreita entre as políticas comerciais e as políticas internas da UE.

Em segundo lugar, definir regras mundiais para uma globalização mais sustentável e mais justa.

É urgente atualizar as regras mundiais em matéria de comércio para refletir a conjuntura económica atual e os desafios que a comunidade internacional enfrenta. A visão de uma globalização mais sustentável e mais justa deve ser o motor subjacente à política comercial, respondendo assim às expectativas dos europeus e dos cidadãos do resto do mundo. A política comercial da UE deve utilizar todos os instrumentos ao seu dispor para apoiar a justiça social e a sustentabilidade ambiental.

Para que a UE possa alcançar este objetivo, importa dar prioridade à liderança dos esforços de reforma da Organização Mundial do Comércio e à melhoria da eficácia do quadro multilateral de governação do comércio. O reforço da estabilidade e do comércio assente em regras constituirá o pilar central das ações da UE, pois são condições indispensáveis à prosperidade do comércio e ao desenvolvimento da cooperação internacional no interesse de um futuro sustentável à escala mundial. Ao mesmo tempo, é necessário garantir que as regras respondem às realidades económicas atuais e são adequadas para combater distorções da concorrência e assegurar condições de concorrência equitativas.

Em terceiro lugar, aumentar a capacidade da UE para prosseguir os seus interesses e fazer valer os seus direitos, nomeadamente de forma autónoma, quando necessário.

A negociação de acordos de comércio tem-se revelado um instrumento importante para criar oportunidades económicas e promover a sustentabilidade; a aplicação desses acordos e o cumprimento dos direitos e obrigações neles previstos será muito mais importante. Tal passará por assegurar que a UE dispõe dos instrumentos certos para proteger os trabalhadores e as empresas de práticas desleais. Pressupõe igualmente um esforço acrescido para garantir a aplicação efetiva e o cumprimento dos capítulos sobre desenvolvimento sustentável constantes dos acordos de comércio celebrados pela UE, a fim de harmonizar o nível de exigência das normas sociais, laborais e ambientais em todo o mundo. Ao reforçar a aplicação e o cumprimento dos seus acordos, a política comercial da UE cria as condições necessárias para que as empresas possam desenvolver-se, crescer e inovar, permitindo igualmente a criação de empregos de elevada qualidade dentro e fora da Europa. O apoio ao multilateralismo e a abertura à cooperação não prejudicam a capacidade de a UE agir decisivamente para defender os seus interesses e fazer valer os seus direitos. A UE deve reforçar o seu conjunto de instrumentos, consoante as necessidades, para se defender contra práticas comerciais desleais ou outros atos hostis, respeitando simultaneamente os seus compromissos internacionais.

3.2.Seis domínios que são cruciais para alcançar os objetivos da UE a médio prazo

Para cumprir os três objetivos acima enunciados, a Comissão centrar-se-á em seis domínios. Nos pontos infra, é especificado, para cada um destes domínios, um conjunto de ações-chave que deverão ser realizadas durante o atual mandato da Comissão.

3.2.1. Reforma da OMC

Desde a sua criação em 1995, a OMC tem trazido enormes benefícios aos seus membros. Proporcionou um ambiente estável e previsível para as trocas comerciais, permitindo uma expansão massiva do comércio internacional, estabelecendo simultaneamente um quadro para a resolução de litígios comerciais através da adjudicação. No entanto, enfrenta agora uma crise em que não consegue alcançar resultados de negociação que respondam aos desafios do comércio internacional. Os instrumentos de que dispõe para resolver litígios comerciais não estão a funcionar, e é necessário melhorar o seu sistema de monitorização para assegurar a transparência ou evitar entraves ao comércio.

A Comissão tenciona promover a reforma da OMC em todas as suas funções.

Importa atualizar e melhorar as regras e práticas da OMC para refletir a atual realidade do comércio, com base num sentido de missão comum entre os seus membros: desenvolvimento e recuperação económica, sustentabilidade ambiental e social. É essencial modernizar as regras da OMC e melhorar o seu funcionamento - nomeadamente através de acordos plurilaterais abertos - para combater distorções da concorrência e estabelecer um quadro consensual para o comércio digital e sustentável.

Uma vez que a credibilidade de um sistema assente em regras depende fundamentalmente de um mecanismo independente e geralmente aceite para decidir litígios comerciais, é crucial restabelecer o sistema de resolução de litígios.

O anexo I intitulado «Reformar a OMC: rumo a um sistema multilateral de comércio sustentável e eficaz» descreve a posição da UE sobre as prioridades da reforma da OMC.

A Comissão continuará também a promover ativamente reformas multilaterais noutros fóruns, por exemplo no que se refere à criação de um tribunal multilateral de investimento no seio da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional.

Ações-chave

A Comissão irá:

1.Promover a adoção de um primeiro conjunto de reformas da OMC centradas em aumentar o contributo da OMC para o desenvolvimento sustentável, e lançar negociações sobre regras mais exigentes para evitar distorções da concorrência devido a intervenção estatal. Será dada prioridade ao reforço da cooperação transatlântica na reforma da OMC.

2.Trabalhar no sentido de restabelecer um sistema de resolução de litígios da OMC plenamente funcional através da reforma do órgão de recurso.

3.2.2. Apoiar a transição ecológica e promover cadeias de valor responsáveis e sustentáveis

Tal como demonstra o Pacto Ecológico Europeu, o combate às alterações climáticas e à degradação ambiental é a principal prioridade da UE. Todas as políticas da UE têm de contribuir para este esforço, mas os progressos dependerão da disponibilidade dos parceiros globais, grandes emitentes e poluentes para estabelecerem metas mais ambiciosas. A política comercial desempenhará um papel de apoio importante.

Durante a próxima década, a Comissão está determinada em garantir que os instrumentos comerciais acompanham e apoiam uma transição global para uma economia com impacto neutro no clima, nomeadamente acelerando os investimentos em energias limpas, e promovem cadeias de valor circulares, responsáveis e sustentáveis. Tal inclui a promoção de comportamentos responsáveis por parte das empresas e o respeito pelas normas em matéria de ambiente, direitos humanos e trabalho. Paralelamente, implica a criação das condições e oportunidades necessárias para produtos e serviços sustentáveis.

A concretização desta visão exigirá uma ação a todos os níveis – multilateral, bilateral e autónomo.

Será necessário um quadro multilateral melhorado para sustentar a transição ecológica para uma economia com impacto neutro no clima, respeitadora do ambiente e resiliente. A UE colaborará com países que partilham os mesmos valores para promover uma agenda ambiental sólida junto da OMC. No âmbito deste esforço, apresentará iniciativas e ações que promovem aspetos relacionados com as alterações climáticas e a sustentabilidade nas várias funções da OMC, incluindo uma iniciativa no domínio do comércio e do clima. Estas iniciativas incluirão a liberalização de um conjunto selecionado de bens e serviços, a transparência, e a integração de questões ecológicas na ajuda ao comércio. Deverão igualmente incluir o desenvolvimento progressivo de disciplinas sobre subsídios aos combustíveis fósseis. A UE promoverá ainda a deliberação no seio da OMC sobre formas de o comércio apoiar o trabalho digno e a justiça social.

A vasta rede de acordos bilaterais de comércio da UE facilita o comércio de tecnologias, bens, serviços e investimentos verdes. Além de prever capítulos ambiciosos em matéria de comércio e desenvolvimento sustentável, a dimensão da sustentabilidade continuará a refletir-se em muitos outros aspetos dos acordos de comércio e de investimento da UE. Estes acordos apoiam a disseminação de tecnologias e métodos de produção limpos e mais eficientes, e criam oportunidades de acesso ao mercado para bens e serviços verdes. Facilitam o acesso da indústria de energias renováveis da UE aos mercados de países terceiros, e asseguram trocas comerciais e investimento, sem distorções, em matérias-primas e bens energéticos essenciais à obtenção das provisões necessárias para apoiar a transição para economias com impacto neutro no clima. Além disso, proporcionam uma plataforma essencial para o envolvimento com os nossos parceiros em matéria de alterações climáticas, biodiversidade, economia circular, poluição, tecnologias energéticas limpas, incluindo energias renováveis e eficiência energética, e de transição para sistemas alimentares sustentáveis. A Comissão irá apresentar uma proposta no sentido da inclusão de um capítulo sobre sistemas alimentares sustentáveis nos futuros acordos de comércio. A UE irá propor que o respeito do Acordo de Paris seja considerado um elemento essencial nos futuros acordos de comércio e de investimento. Além disso, a celebração de acordos de comércio e de investimento com países do G20 deve assentar numa ambição comum de alcançar a neutralidade climática o mais cedo possível e em conformidade com as recomendações do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (PIAC). Esta ambição deve encontrar igualmente expressão nos contributos determinados a nível nacional ao abrigo do Acordo de Paris. A UE dará igualmente prioridade à aplicação efetiva da Convenção sobre a Diversidade Biológica nos acordos de comércio e de investimento.

Os acordos de comércio e de investimento da UE, bem como o sistema generalizado de preferências (SGP), também têm desempenhado um papel importante na promoção do respeito dos direitos humanos e direitos laborais fundamentais, expressos nas convenções fundamentais da Organização Internacional do Trabalho (OIT) das Nações Unidas. Será dada especial prioridade ao cumprimento destes compromissos, que passará pela adoção de medidas contra o trabalho infantil no âmbito da ação mais vasta da Comissão destinada a garantir uma tolerância zero em relação ao trabalho infantil. Um dos principais objetivos da próxima revisão do sistema generalizado de preferências (SGP) será aumentar as oportunidades comerciais para os países em desenvolvimento, a fim de reduzir a pobreza e criar postos de trabalho baseados em princípios e valores internacionais, como os direitos humanos e laborais.

A Comissão continuará a reforçar a dimensão de sustentabilidade dos acordos atuais e futuros na aplicação de todos os capítulos. Melhorará o cumprimento dos compromissos assumidos em matéria de comércio e desenvolvimento sustentável com base em queixas apresentadas ao alto responsável pela execução da política comercial (Chief Trade Enforcement Officer, CTEO). Serão ponderadas outras ações no contexto de uma revisão antecipada, em 2021, do plano de ação de 15 pontos sobre a aplicação efetiva e o cumprimento dos capítulos sobre comércio e desenvolvimento sustentável constantes dos acordos de comércio. A revisão abrangerá todos os aspetos da aplicação e cumprimento do TED, incluindo o âmbito dos compromissos, os mecanismos de monitorização, a possibilidade de aplicação de sanções por incumprimento, a cláusula relativa aos elementos essenciais, bem como a organização institucional e os recursos necessários.

Além disso, foram adotadas medidas autónomas para apoiar o objetivo de assegurar que o comércio é sustentável, responsável e coerente com os nossos valores e objetivos gerais. O mecanismo de ajustamento das emissões de carbono nas fronteiras (Carbon Border Adjustment Mechanism, CBAM) é um bom exemplo. A Comissão está a trabalhar numa proposta para um CBAM para evitar que as fugas de carbono comprometam a eficácia das suas próprias políticas em matéria de clima. Outro exemplo é a intenção da Comissão de apresentar propostas legislativas sobre a desflorestação e a degradação das florestas. Um elemento importante para garantir a sustentabilidade e responsabilidade das cadeias de abastecimento será a proposta da Comissão sobre governação sustentável das empresas, que prevê um dever de diligência em matéria ambiental, de direitos humanos e de direitos do trabalho. Sob reserva da avaliação de impacto, tal abrangerá uma ação efetiva e mecanismos de cumprimento para assegurar a ausência de trabalho forçado nas cadeias de valor das empresas da UE.

O novo regime global de sanções por violações de direitos humanos contribuirá também para assegurar o respeito por esses direitos. Com este regime, a UE dotou-se de um quadro que lhe permitirá visar indivíduos, entidades e organismos – incluindo intervenientes estatais e não estatais – responsáveis por abusos e violações graves de direitos humanos, envolvidos em tais atos ou a eles associados, em qualquer parte do mundo 22 .

As importações têm de cumprir a regulamentação e as normas pertinentes da UE. Como demonstram os exemplos acima mencionados, em certas circunstâncias, tal como definidas pelas regras da OMC, faz sentido que a UE exija que os produtos importados cumpram determinados requisitos de produção. As regras do comércio internacional visam garantir um quadro previsível e não discriminatório para as trocas comerciais, salvaguardando simultaneamente o direito que assiste a cada país de legislar de acordo com as suas preferências societais. A legitimidade da aplicação de requisitos de produção às importações assenta na necessidade de proteger o ambiente a nível mundial ou de responder a preocupações éticas. Sempre que a UE pondere a aplicação de tais medidas a produtos importados, tal será feito no pleno respeito pelas regras da OMC, especialmente o princípio da não discriminação e da proporcionalidade, a fim de evitar perturbações desnecessárias do comércio.

A Comissão lançará os trabalhos de elaboração de normas sobre o crescimento sustentável e configurará as normas internacionais em conformidade com o Pacto Ecológico Europeu, sensibilizando também os seus parceiros para elaborarem e aplicarem regras igualmente ambiciosas.

Ações-chave

A Comissão irá:

3.Propor iniciativas e ações que promovam a consideração de questões relacionadas com alterações climáticas e sustentabilidade no seio da OMC.

4.Instar os parceiros do G20 a assumirem compromissos em matéria de neutralidade climática, reforçar a cooperação sobre outros aspetos do pacto ecológico, como a biodiversidade, uma política alimentar sustentável, a poluição e a economia circular e propor que o respeito do Acordo de Paris passe a ser um elemento essencial de todos os acordos futuros.

5.Melhorar a aplicação efetiva e o cumprimento dos capítulos sobre desenvolvimento sustentável constantes dos acordos de comércio através da revisão antecipada, em 2021, do plano de ação de 15 pontos. O resultado da revisão será tido em conta nas negociações em curso e em negociações futuras.

6.Promover cadeias de valor sustentáveis e responsáveis através de uma proposta sobre a diligência devida obrigatória, incluindo mecanismos eficazes de ação e cumprimento para assegurar a ausência de trabalho forçado das cadeias de valor das empresas europeias. Enquanto não forem adotadas disposições vinculativas, a Comissão fornecerá orientações para ajudar as empresas da UE a tomarem, desde já, as medidas adequadas, em conformidade com princípios e orientações internacionais sobre o dever de diligência.

3.2.3.Apoiar a transição digital e o comércio de serviços

A política comercial da UE deve ajudar a criar um ambiente em que os prestadores de serviços da UE possam inovar e crescer. A atualização do quadro mundial de regras internacionais é uma prioridade.

A UE é o maior importador e exportador de serviços do mundo*. O comércio de serviços representa 25 % do PIB da UE, sendo as exportações de serviços superiores a 900 mil milhões de EUR por ano. Além disso, apoia, direta ou indiretamente, 21 milhões de postos de trabalho na UE.

Os serviços são responsáveis por 60 % de todo o investimento direto estrangeiro da UE no resto do mundo, bem como por quase 90 % do investimento direto estrangeiro que entra na UE.

* https://data.oecd.org/trade/trade-in-services.htm.

A esfera digital assistirá a uma intensa concorrência mundial que irá reconfigurar as relações económicas mundiais. A UE só poderá concretizar a transformação digital com sucesso se definir uma agenda digital virada para o exterior, tendo plenamente em conta um contexto mundial caracterizado por uma concorrência cada vez mais feroz, que ameaça, por vezes, a abordagem da UE à digitalização, assente em valores. A política comercial desempenhará um papel vital na concretização dos objetivos da UE associados à transição digital. As empresas europeias dependem dos serviços digitais e esta dependência só irá aumentar. Os dados são vitais para muitas empresas e constituem uma componente essencial das cadeias de abastecimento da UE. As tecnologias digitais proporcionam ganhos de eficiência, que são necessários para manter a competitividade 23 , mas também estão a transformar setores industriais tradicionais nos quais as empresas europeias terão de manter e reforçar a sua posição competitiva. Simultaneamente, a transformação digital e o surgimento de novas tecnologias apresentam uma dimensão importante para a Europa em termos de valores e segurança, exigindo uma abordagem estratégica cuidadosamente calibrada, tanto a nível interno como externo. As implicações das novas tecnologias digitais, incluindo a inteligência artificial, têm de ser abordadas à escala mundial através de normas e regras internacionais mais ambiciosas.

O apoio à agenda digital da Europa é uma das prioridades da política comercial da UE. O objetivo é garantir a posição de liderança da UE no domínio do comércio digital e da tecnologia, sobretudo promovendo a inovação. A UE deve continuar a assumir a liderança em matéria de normas digitais e abordagens regulamentares, especialmente no que respeita à proteção de dados, um domínio onde o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados da UE é frequentemente visto como uma fonte de inspiração  24 . Para alcançar este objetivo, a OMC deve estabelecer as regras aplicáveis ao comércio digital e a UE deve desempenhar um papel central na sua formulação. Uma vez acordadas essas regras, a UE deve apoiar novas negociações multilaterais ao nível da OMC para liberalizar o comércio de serviços noutros setores diferentes do comércio eletrónico.

A UE tem igualmente de intensificar a colaboração ao nível bilateral e explorar quadros mais robustos de cooperação sobre questões digitais relacionadas com o comércio com parceiros que partilham os mesmos valores. Procurará aprofundar o diálogo regulamentar com parceiros que partilham os mesmos valores.

A questão dos dados será essencial para o futuro da UE. Relativamente às transferências transfronteiriças de dados e à proibição de imposição de requisitos de localização de dados, a Comissão seguirá uma abordagem aberta, mas firme, assente nos valores e interesses europeus. A Comissão envidará esforços no sentido de assegurar que as empresas da UE possam beneficiar da livre circulação de dados a nível internacional em plena conformidade com as regras da UE sobre proteção de dados e outros objetivos de política pública, incluindo a segurança pública e a ordem pública. Em especial, a UE continuará a desenvolver esforços para eliminar obstáculos injustificados à circulação de dados, preservando simultaneamente a sua autonomia regulamentar no domínio da proteção dos dados e da privacidade.  25 A fim de avaliar melhor a escala e o valor da circulação transfronteiriça de dados, a Comissão criará um quadro analítico europeu para medir os fluxos de dados.

Ações-chave

A Comissão irá:

7.Promover a rápida celebração de um acordo ambicioso e abrangente da OMC sobre comércio digital, que inclua regras sobre a circulação de dados, em plena conformidade com o quadro da UE em matéria de proteção de dados, bem como disposições sobre o reforço da confiança dos consumidores que garanta um elevado nível de proteção dos consumidores.

8.Explorar a possibilidade de uma cooperação regulamentar mais estreita com parceiros que partilham os mesmos valores sobre questões relevantes para o comércio digital.

3.2.4. Reforçar o impacto regulamentar da UE

A capacidade para influenciar a elaboração de regulamentos e normas com relevância à escala mundial é uma vantagem competitiva importante.

A UE tem assumido um papel de liderança neste domínio há várias décadas. Tem promovido várias iniciativas junto de organismos internacionais de normalização, como a Organização Internacional de Normalização (ISO) e fóruns internacionais setoriais. Estes esforços ajudaram as empresas europeias a aceder a mercados mundiais, eliminaram entraves ao comércio e apoiaram a convergência regulamentar. Esta abordagem, aliada à dimensão do seu mercado, concedeu à UE uma forte influência sobre a normalização internacional, que levou também, em alguns casos, à adoção voluntária das suas ambiciosas normas, regulamentos e objetivos estratégicos ao longo das cadeias de abastecimento mundiais. Os exportadores europeus, incluindo as PME, retiraram uma vantagem competitiva importante do forte impacto regulamentar da UE a nível mundial.

O peso relativo da UE está a diminuir devido ao surgimento de novas potências regulamentares e à rápida evolução tecnológica, que, muitas vezes, tem origem em países terceiros.

Para poder reforçar a sua influência neste domínio, a UE tem de desenvolver uma abordagem mais estratégica à cooperação regulamentar internacional, especialmente em relação à transição ecológica e digital. A UE tem de adotar uma posição mais proativa na conceção de nova regulamentação, a fim de estar mais bem equipada para promover as suas abordagens regulamentares em todo o mundo. Tal exigirá maiores sinergias entre políticas internas e políticas externas para identificar, numa fase precoce, os domínios estratégicos prioritários para a cooperação regulamentar internacional. Exigirá igualmente diálogo e cooperação com os organismos de normalização da UE para identificar prioridades estratégicas relacionadas com normas internacionais. A Comissão aprofundará a análise da dimensão externa das suas políticas regulamentares nas avaliações de impacto de regulamentos importantes e identificará parceiros prioritários para a cooperação regulamentar. A política comercial deve estar em condições de apoiar as atividades de cooperação lideradas pelos reguladores e, para este efeito, tirar o máximo partido das oportunidades proporcionadas pelos acordos de comércio. A política comercial, em conjunto com parcerias internacionais e a cooperação para o desenvolvimento - nomeadamente através da Ajuda ao Comércio - deve também contribuir para apoiar a adoção de normas internacionais em países parceiros em desenvolvimento e facilitar o cumprimento de novos requisitos regulamentares. A UE reforçará igualmente o seu diálogo regulamentar com países que partilham os mesmos valores na região da Ásia-Pacífico e na América Latina.

A cooperação com os Estados Unidos será crucial para assegurar a conformidade da nova regulamentação com os valores de sociedades democráticas, abertas e inclusivas.

Ações-chave

A Comissão irá:

9.Reforçar o diálogo regulamentar com parceiros que partilham os mesmos valores em domínios estratégicos para a competitividade da UE. Tal exigirá a identificação precoce de domínios prioritários para a cooperação regulamentar e um diálogo mais estreito com organizações de normalização da UE e internacionais.

10.Desenvolver uma parceira transatlântica mais estreita sobre a transformação ecológica e digital das nossas economias, nomeadamente através do Conselho de Comércio e Tecnologia UE-EUA.

3.2.5. Reforçar as parcerias da UE com países vizinhos, com países do alargamento e com África

As nossas relações mais importantes são as que mantemos com aqueles que estão geograficamente próximos de nós. A estabilidade e a prosperidade nos países vizinhos da UE e na África são do interesse político e económico da UE. A UE tenciona fazer tudo o que estiver ao seu alcance para apoiar os esforços desenvolvidos pelos seus parceiros para recuperar do impacto da pandemia de COVID-19 e para alcançar um desenvolvimento sustentável. A densa rede de acordos de comércio celebrados pela UE com estes países oferece a perspetiva de uma integração económica mais estreita e de criação de redes integradas de produção e serviços. Estas medidas fariam parte de uma estratégia mais ampla destinada a promover o investimento sustentável, a melhorar a resiliência das nossas economias através de cadeias de valor diversificadas, e a fomentar o desenvolvimento do comércio de produtos sustentáveis, nomeadamente para apoiar a transformação climática e energética. Contribuiriam igualmente para combater as causas profundas da migração irregular, no âmbito do contributo mais vasto da política comercial para parcerias abrangentes, em conformidade com o Novo Pacto em matéria de Migração e Asilo 26 .

A UE reforçará as suas estreitas parcerias económicas dentro do Espaço Económico Europeu. A UE espera poder trabalhar em estreita colaboração com o Reino Unido para explorar o pleno potencial do acordo de comércio e cooperação. A UE pretende igualmente modernizar a sua relação económica e comercial com a Suíça e também com a Turquia, desde que as condições certas estejam preenchidas.

Será particularmente importante apoiar uma integração económica mais forte com os Balcãs Ocidentais e com os países da Parceria Oriental 27 . No que respeita aos Balcãs Ocidentais, a metodologia reforçada de alargamento e o Plano Económico e de Investimento 28 apresentam o quadro para uma integração acelerada no mercado da UE antes da adesão, assegurando simultaneamente condições de concorrência equitativas. Esta integração económica reforçada assenta nos próprios compromissos assumidos pelos países dos Balcãs Ocidentais quanto à criação de um mercado comum regional, com base em regras e normas da UE. Relativamente à Parceria Oriental, em especial os parceiros da ZCLAA (Ucrânia, Geórgia e Moldávia), a UE apoia os esforços para melhorar o alinhamento com o seu modelo regulamentar, nomeadamente no que toca à transição digital e ecológica. No que diz respeito a esses parceiros, os esforços para incorporar a regulamentação da UE poderiam ser acompanhados por um diálogo mais estreito sobre o seu desenvolvimento e aplicação, nomeadamente através da participação em grupos de peritos e de uma associação mais estreita com as organizações de normalização da UE. Deve ser igualmente ponderada a adoção de outras medidas para facilitar o comércio, nomeadamente através de acordos sobre a avaliação da conformidade.

A melhoria das relações e da integração económica da UE com os países da Vizinhança Meridional 29 será uma necessidade estratégica para a estabilidade a longo prazo. A UE beneficia de uma proximidade geográfica e de laços culturais e linguísticos com os países do Sul do Mediterrâneo que facilitam esta integração económica e comercial estratégica. A política comercial pode ser um instrumento fundamental para fomentar interdependências estratégicas entre a UE e os países da Vizinhança Meridional e desenvolver iniciativas de integração vantajosas para todas as partes, especialmente em cadeias de valor estratégicas. Desde o início da década de 2000, a UE celebrou acordos de comércio livre com oito países do Sul do Mediterrâneo no âmbito de acordos de associação mais vastos. Estão em curso há vários anos negociações sobre uma zona de comércio livre abrangente e aprofundado (ZCLAA) com Marrocos e a Tunísia. A UE está disposta a discutir opções com ambos os parceiros para modernizar as relações de comércio e de investimento, com vista a adaptá-las aos desafios atuais.

A UE intensificará consideravelmente o seu envolvimento com os parceiros africanos para desbloquear o seu potencial económico e fomentar a diversificação económica e o crescimento inclusivo. Tal reforçará ainda mais ligações de investimento e comércio sustentáveis entre os dois continentes e dentro da própria África 30 . Estas medidas estão alinhadas com a perspetiva de longo prazo de um acordo de comércio entre os dois continentes baseado na implementação bem-sucedida da Zona de Comércio Livre Continental Africana (ZCLCA). Em especial, tira partido das comunidades económicas regionais da África e dos acordos de parceria económica com a UE. É importante fomentar o fortalecimento desta relação com África a todos os níveis, incluindo através do diálogo político com a União Africana e os seus membros, do alargamento e aprofundamento dos acordos de parceria económica e do desenvolvimento de relações bilaterais com países específicos para promover o investimento sustentável na agricultara, nos produtos manufaturados e nos serviços. A Comissão começará igualmente a estudar a possibilidade de facilitar a integração no continente através de regras de origem harmonizadas aplicáveis às trocas comerciais com a UE.

A Comissão irá propor uma nova iniciativa de investimento sustentável a parceiros ou regiões da África e da Vizinhança Meridional interessados. A iniciativa poderá assumir a forma de acordos de investimento autónomos ou ser integrada no processo de modernização dos acordos de comércio em vigor. A fim de maximizar o seu impacto e de facilitar a aplicação, estes acordos serão concebidos em conjunto com instrumentos de cooperação para o desenvolvimento da UE para apoiar o investimento e, sempre que possível, com base numa abordagem «Equipa Europa» para assegurar sinergias com os Estados-Membros da UE, o setor privado, a sociedade civil e todos os intervenientes relevantes. A mais conhecida destas iniciativas é o Plano de Investimento Externo (PIE), lançado em 2017 para a África Subsariana e os países da vizinhança da UE. Inclui ainda o Fundo Europeu para o Desenvolvimento Sustentável Mais (FEDS+), que se está a tornar aplicável a nível mundial no novo quadro financeiro plurianual (QFP) para 2021-2027. Os três pilares do PIE ajudarão a apoiar o investimento sustentável em África e nos países da vizinhança, induzindo simultaneamente reformas para melhorar o ambiente empresarial e o clima de investimento. O objetivo será a integração transregional e o estreitamento das relações comerciais entre a UE e África, à medida que o processo de implementação da ZCLCA avança.

Ações-chave

A Comissão irá:

11.Aprofundar as relações comerciais e económicas com outros países da Europa, incluindo os Balcãs Ocidentais e países que tenham celebrado acordos ZCLAA com a UE, dedicando especial atenção a uma cooperação regulamentar mais estreita em apoio da transição ecológica e digital. Irá modernizar as suas relações comerciais e de investimento com os países da Vizinhança Meridional interessados em fomentar uma integração mais estreita com a União Europeia.

12.Reforçar o seu envolvimento com países africanos:

a) reforçando o diálogo político e a cooperação com a União Africana e os seus membros e a implementação disciplinada da ZCLCA, incluindo o envolvimento com o setor privado e a promoção de normas comuns em África para reforçar a integração regional e continental;

b) aprofundando e alargando os acordos de comércio celebrados com comunidades económicas regionais africanas e reforçando a dimensão de sustentabilidade de tais acordos;

c) explorando mais a possibilidade de melhorar as ligações e as sinergias entre diferentes acordos de comércio com países africanos, por exemplo através da aplicação de regras de origem mais harmonizadas nas trocas comerciais com a UE;

d) procurando celebrar acordos de investimento sustentável com África e com países da Vizinhança Meridional.

3.2.6. Reforçar a prioridade dada pela UE à aplicação e ao cumprimento dos acordos de comércio, e assegurar condições de concorrência equitativas

Na sequência da onda de novos acordos celebrados nos últimos anos, a Comissão concentrará os seus esforços em desbloquear os benefícios dos acordos de comércio da UE, associados a medidas firmes de cumprimento dos compromissos assumidos tanto a nível de acesso ao mercado como de desenvolvimento sustentável. É importante que as partes interessadas europeias estejam cientes das oportunidades que os acordos de comércio da UE oferecem e confiantes de que poderão usufruir dos benefícios que a UE negociou. A UE celebrou ou iniciou negociações para a celebração de acordos de comércio na região Ásia-Pacífico e na América Latina, que abrem oportunidades económicas importantes. Por conseguinte, é importante criar as condições para a ratificação dos acordos celebrados com o Mercosul e com o México, e concluir as negociações em curso, em especial com o Chile, a Austrália e a Nova Zelândia, que estão no bom caminho. No caso do Mercosul, está em curso um diálogo sobre o reforço da cooperação relativamente à dimensão de desenvolvimento sustentável do acordo, que incide, em especial, sobre a aplicação do Acordo de Paris e a desflorestação.

Tal será um elemento essencial dos esforços da UE a favor da autonomia estratégica aberta, e para facilitar o acesso aos mercados, especialmente para as PME. Ajudará igualmente a combater tendências protecionistas e distorções que afetem as exportações da UE. A importância deste domínio de trabalho foi confirmada em julho de 2020 com a nomeação do alto responsável pela execução da política comercial.

Tal significará trabalhar nos seguintes domínios:

·Aproveitar plenamente as oportunidades proporcionadas pela aplicação dos acordos de comércio. A UE utilizará todas as flexibilidades incorporadas nos seus acordos de comércio para assegurar que são adequadas aos objetivos para que foram estabelecidas e que respondem aos novos desafios relacionados com a transição ecológica e digital. A UE continuará também a utilizar a sua Ajuda ao Comércio para ajudar os países em desenvolvimento a aplicarem os acordos de comércio e apoiar o cumprimento de regras e normas, especialmente em relação ao desenvolvimento sustentável.

·Apoiar as partes interessadas da UE para tirarem o máximo partido das oportunidades criadas pelos acordos da UE. Aproveitando o sucesso do portal Access2Markets, Comissão integrará nele outras funcionalidades e procederá à sua interligação com outros canais de informação importantes 31 , especialmente para as PME. A Comissão continuará ainda a apoiar o setor agrícola e agroalimentar da UE, constituído principalmente por PME, privilegiando a promoção da sustentabilidade e da qualidade dos seus produtos, fazendo deles um exemplo emblemático do sistema de sustentabilidade alimentar da UE. 

·Monitorizar a correta aplicação e cumprimento dos acordos de comércio da UE e facilitar a apresentação de queixas relacionadas com obstáculos ao acesso ao mercado e violações de compromissos assumidos em matéria de comércio e desenvolvimento sustentável através do ponto de entrada único. A Comissão trabalhará em conjunto com os Estados-Membros, com o Parlamento Europeu e com as partes interessadas para monitorizar a aplicação dos referidos acordos pelos parceiros comerciais da UE e para assegurar uma abordagem coerente. Apresentará uma proposta de um ato legislativo específico necessário para o cumprimento, entre outras, das disposições relacionadas com comércio do Acordo de Comércio e Cooperação UE-Reino Unido.

·Tratar casos de incumprimento através de mecanismos de resolução de litígios bilaterais ou da OMC, quando a resolução não tenha sido possível por outros meios. O Regulamento (UE) n.º 654/2014 atualizado 32  reforça a capacidade da UE para agir em situações em que a resolução de litígios, ao abrigo de acordos da OMC ou de acordos bilaterais, está bloqueada.

·A Comissão continuará a utilizar instrumentos de defesa comercial com firmeza para evitar a exposição da indústria europeia a práticas comerciais desleais. Tal inclui também a identificação de novas formas de subvencionamento por países terceiros, por exemplo no domínio do financiamento do investimento, e uma resposta adequada através de direitos de compensação.

·No domínio da segurança, no âmbito do Regulamento Análise de IDE, a Comissão reitera o seu apelo a todos os Estados-Membros para criarem e assegurarem a aplicação de um mecanismo de análise de IDE plenamente funcional para tratar casos em que a aquisição ou o controlo de uma determinada empresa, infraestrutura ou tecnologia criaria um risco para a segurança ou a ordem pública na UE 33 . A Comissão continuará a implementar o mecanismo de cooperação com as autoridades dos Estados-Membros para proteger a segurança e a ordem pública de investimentos diretos estrangeiros arriscados e ponderará reforçar o mecanismo de cooperação instituído pelo Regulamento Análise de IDE.

·A Comissão trabalhará em conjunto com as autoridades dos Estados-Membros para assegurar a aplicação efetiva do Regulamento Controlos das Exportações 34 modernizado a produtos e tecnologias sensíveis de dupla utilização, a fim de apoiar cadeias de valor seguras, promover a segurança internacional, proteger os direitos humanos e garantir condições de concorrência equitativas para os exportadores da UE.

Não obstante, a UE necessita de desenvolver os seus instrumentos para enfrentar novos desafios e proteger as empresas e cidadãos europeus de práticas comerciais desleais, tanto a nível interno como externo.

·A Comissão irá propor um novo instrumento jurídico no domínio da política comercial para proteger a UE de potenciais ações coercivas de países terceiros.

·A Comissão irá propor um instrumento jurídico para combater distorções no mercado interno da UE causadas por subvenções estrangeiras.

·A fim de melhorar o acesso recíproco de operadores da UE aos procedimentos de contratação pública, a Comissão promoverá o Instrumento Internacional de Contratação Pública e apela ao Conselho para finalizar urgentemente o seu trabalho.

·Por último, para garantir condições de concorrência mais equitativas para as empresas da UE nos mercados de países terceiros, nos quais têm de competir, cada vez mais, com o apoio financeiro que os concorrentes estrangeiros recebem dos respetivos governos, a Comissão explorará opções para uma estratégia da UE em matéria de créditos à exportação. Esta estratégia incluirá um mecanismo de crédito à exportação da UE e a coordenação reforçada de instrumentos financeiros da UE. Em linha com o objetivo do Pacto Ecológico de eliminar gradualmente as subvenções aos combustíveis fósseis, incentivará também projetos tecnológicos respeitadores do clima e apresentará uma proposta para cessar imediatamente o apoio ao setor da energia a carvão e desencorajar novos investimentos em projetos de infraestruturas energéticas baseadas em combustíveis fósseis em países terceiros, a menos que sejam totalmente compatíveis com uma estratégia ambiciosa e claramente definida para alcançar a neutralidade climática, em conformidade com o Acordo de Paris e com os melhores dados científicos disponíveis.

A Comissão continuará a trabalhar no sentido da harmonização de regras preferenciais de origem nos acordos de comércio da UE, tomando em consideração os interesses das partes interessadas da UE, em especial as PME.

Para materializar os benefícios dos acordos de comércio da UE a favor das pessoas e das empresas, eliminar os obstáculos existentes de forma mais sistemática e evitar o surgimento de novos obstáculos, é necessário um esforço coletivo por parte de todas as instituições da UE, dos Estados-Membros, bem como da sociedade civil e de outras partes interessadas. A Comissão liderará estes esforços, nomeadamente através do trabalho das delegações da UE e das redes que os Estados-Membros e as associações empresariais possuem em países terceiros.

Ações-chave

A Comissão irá:

13.Procurar consolidar as parcerias da UE com as principais regiões de crescimento – na Ásia-Pacífico e na América Latina – criando as condições necessárias para concluir as negociações e ratificar os acordos bilaterais pendentes.

14.Tirar o máximo partido do papel do alto responsável pela execução da política comercial (CTEO) para maximizar os benefícios dos resultados negociados a favor das empresas, em especial as PME e os agricultores, bem como para eliminar obstáculos que comprometam a eficácia dos acordos, nomeadamente em matéria de desenvolvimento sustentável.

15.Reforçar ainda mais os instrumentos da UE para enfrentar novos desafios e para proteger as empresas e os cidadãos europeus de práticas comerciais desleais, incluindo através da preparação de um instrumento de combate a ações coercivas. Além disso, a Comissão explorará opções para uma estratégia da UE em matéria de créditos à exportação.

16.Desenvolver novos instrumentos em linha para apoiar as empresas da UE, sobretudo as PME.

4.Apoiar um debate informado sobre a política comercial

Com a sua Comunicação «Comércio para Todos» 35 , a Comissão reforçou significativamente o seu compromisso em assegurar uma política comercial transparente e inclusiva. A Comissão continuará neste caminho, o que se refletiu de forma positiva através dos contributos para a revisão da política comercial 36 . Os inquéritos Eurobarómetro mais recentes, publicados em 2019, revelam que as pessoas se congratulam com os esforços desenvolvidos ao longo dos últimos anos. Seis em cada dez inquiridos acreditam que a UE executa a sua política comercial de forma aberta e transparente.

Dada a importância do diálogo com as partes interessadas e a fim de encorajar uma colaboração concreta sobre questões fundamentais, a Comissão aprofundará o seu envolvimento com a sociedade civil e com os parceiros sociais com base no estudo destinado a analisar o diálogo com a sociedade civil, lançado em 2020. Será dada particular atenção à aplicação e ao cumprimento, a fim de garantir que os interesses da UE estão plenamente salvaguardados no que diz respeito aos benefícios esperados dos acordos de comércio. A prioridade dada à reforma da OMC refletir-se-á em debates mais aprofundados sobre estas questões.

A fim de proporcionar uma base sólida para o desenvolvimento da política comercial, a Comissão também aprofundará os seus esforços analíticos e de recolha de dados, e encorajará as partes interessadas a apresentarem as suas análises. A Comissão realizará uma avaliação ex post do impacto dos acordos da UE nos principais aspetos ambientais, nomeadamente o clima. A Comissão procurará também compreender melhor as implicações de vários aspetos da política comercial em termos de igualdade de género, que deverão ser tidas em consideração em ações destinadas a melhorar a sensibilização para as questões de género na política comercial 37 , incluindo na Ajuda ao Comércio. Será realizado mais trabalho analítico sobre os impactos da política comercial no emprego e em diferentes aspetos do desenvolvimento social.

5.Conclusão

A política comercial da UE tem de se adaptar e refletir os desafios da nossa época e as expectativas dos nossos cidadãos. Compete-nos garantir que serve para prosseguir os interesses da UE, ajudando-a a concretizar as suas ambições e salvaguardando a sua posição no mundo, tanto hoje como para as futuras gerações. É por esse motivo que é absolutamente crucial reorientar a política comercial da UE no sentido dos objetivos de apoio à transformação ecológica e digital fundamental da sua economia, de construção de uma globalização mais sustentável e mais justa com base em regras modernizadas e de reforço das ações de cumprimento. Em última análise, apenas dessa forma poderemos criar, de forma responsável e sustentável, as oportunidades que os cidadãos, os trabalhadores e as empresas desejam e de que o planeta precisa.

(1)

O relatório de prospetiva estratégica 2020 da Comissão analisa o impacto da pandemia de COVID-19 na dinâmica de algumas megatendências pertinentes, COM(2020) 493 final. O relatório de prospetiva estratégica 2021 terá como tema central a autonomia estratégica aberta.

(2)

A nível da UE, o Fundo Europeu de Ajustamento à Globalização visa contribuir para esses custos de ajustamento; ver Regulamento (UE) n.º 1309/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, relativo ao Fundo Europeu de Ajustamento à Globalização (2014-2020) e que revoga o Regulamento (CE) n.º 1927/2006. Está em curso o processo de adoção de um novo regulamento, que permitirá que o Fundo continue a apoiar trabalhadores assalariados e trabalhadores independentes cuja atividade tenha cessado.

(3)

Este desafio é particularmente visível no domínio das indústrias de elevada intensidade energética e principalmente no setor do aço, onde são necessárias soluções globais para corrigir os enormes desequilíbrios no mercado mundial que afetam negativamente as empresas europeias e comprometem o sucesso da transição ecológica deste ecossistema.

(4)

De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), estima-se que 25 milhões de pessoas estejam sujeitas a trabalho forçado, 152 milhões sejam vítimas de trabalho infantil e 2,78 milhões de trabalhadores por todo o mundo morram em resultado de acidentes de trabalho ou de doenças profissionais todos os anos. Fontes: Global estimates of modern slavery: forced labour and forced marriage, OIT (2017); Global Estimates of Child Labour, OIT (2017) e sítio Web da OIT.

(5)

Documento de trabalho dos serviços da Comissão: Promover o trabalho digno em todo o mundo, SWD(2020) 235 final.

(6)

Em 2016, tendo em conta bens e serviços, 80 % das importações da UE e 82 % das exportações da UE foram geradas pelas indústrias com utilização intensiva de PI. IPR-intensive Industries and Economic Performance in the European Union, Industry-Level Analysis Report, estudo conjunto do EPO/EUIPO, 3.ª edição, setembro de 2019.

(7)

OCDE (2020), Previsão do PIB real a longo prazo (indicador).

(8)

Orientações Políticas para a Próxima Comissão Europeia 2019-2024.

(9)

Resolução do Parlamento Europeu sobre a revisão da política comercial da UE [2020/2761(RSP)].

(10)

https://trade.ec.europa.eu/consultations/index.cfm?consul_id=266&utm_source=dlvr.it&utm_.

(11)

A Hora da Europa: Reparar os Danos e Preparar o Futuro para a Próxima Geração, COM(2020) 456 final.

(12)

Cálculos internos da DG Comércio com base em Arto, I., Rueda-Cantuche, J.M., Cazcarro, I., Amores, A.F., Dietzenbacher, E. Kutlina-Dimitrova, Z. e Román, M. V., EU exports to the World: Effects on Employment, Serviço das Publicações da União Europeia, Luxemburgo, 2018, ISBN 978-92-79-93283-0, doi:10.2760/700435, JRC113071. https://trade.ec.europa.eu/doclib/docs/2018/november/tradoc_157516.pdf . 

(13)

A Ajuda ao Comércio visa ajudar os países em desenvolvimento a utilizarem o comércio como um instrumento de redução da pobreza. A meta 8.a dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável menciona a intensificação da Ajuda ao Comércio, especialmente aos países menos desenvolvidos (PMD). O ODS 17 contempla, entre outros, esforços para aumentar as exportações dos países em desenvolvimento, em especial dos PMD.

(14)

Ver Estratégia para a Igualdade de Género 2020-2025, e o Plano de Ação III em matéria de igualdade de género.

(15)

A Comissão adotou o seu primeiro relatório de prospetiva estratégica, que destaca a resiliência como o novo ponto de referência de todas as políticas da UE no quadro desta agenda da Comissão orientada pela transição e em resultado da trágica pandemia do coronavírus.

(16)

O trabalho analítico da OCDE confirmou que as cadeias de valor mundiais maximizam a eficiência económica, mas também que é fundamental dispor de cadeias de abastecimento resilientes em tempos de crise para absorver choques, oferecer opções, proceder a ajustamentos e acelerar a recuperação. Ver Shocks, risks and global value chains: insights from the OECD METRO model, junho de 2020.

(17)

Estratégia Farmacêutica para a Europa, COM(2020) 761 final.

(18)

Ver, relativamente a esta questão, o documento da OCDE sobre a COVID-19 e o comportamento responsável das empresas. http://www.oecd.org/coronavirus/policy-responses/covid-19-and-responsible-business-conduct-02150b06/ .

(19)

Ver também a Comunicação conjunta sobre o reforço do contributo da UE para o multilateralismo assente em regras.

(20)

Comunicação conjunta ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu e ao Conselho, «Uma nova agenda UE-EUA para uma mudança a nível mundial», JOIN(2020) 22 final.

(21)

Comunicação conjunta ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu e ao Conselho, «UE-China – Uma perspetiva estratégica», JOIN(2019) 5 final.

(22)

 As sanções da UE são um instrumento fundamental para promover os objetivos da Política Externa e de Segurança Comum (PESC), que permite à UE intervir, nomeadamente, para evitar conflitos ou responder a crises iminentes ou atuais [Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Banco Central Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões - O sistema económico e financeiro europeu: promover a abertura, a solidez e a resiliência; C(2021) 32 final].

(23)

O acesso a dados e a novos desenvolvimentos, como os passaportes de produtos, pode também gerar mais valor para os produtos e fornecer informações essenciais para maximizar o valor circular, mas, muitas vezes, esses dados não são transmitidos ao longo das cadeias de valor.

(24)

Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo a um mercado único de serviços digitais (Regulamento Serviços Digitais) e que altera a Diretiva 2000/31/CE – COM(2020) 825 final; e Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à disputabilidade e equidade dos mercados no setor digital (Regulamento Mercados Digitais) – COM/2020/842 final, e Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva 95/46/CE (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados, RGPD).

(25)

Como demonstra o título relativo ao comércio digital do Acordo de Comércio e Cooperação celebrado com o Reino Unido.

(26)

Novo Pacto em matéria de Migração e Asilo; COM(2020) 609 final.

(27)

Reforçar a resiliência — Uma Parceria Oriental em benefício de todos [JOIN(2020) 7 final].

(28)

Um Plano Económico e de Investimento para os Balcãs Ocidentais [COM(2020) 641 final].

(29)

 Renewed partnership with the Southern Neighbourhood – A new Agenda for the Mediterranean; JOIN(2021) 2 final.

(30)

Conforme descrito na comunicação conjunta UE-África, de março de 2020, intitulada «Rumo a uma estratégia abrangente para África», JOIN(2020) 4 final.

(31)

Em especial, poderiam ser exploradas sinergias com outras fontes de informação, incluindo a Rede Europeia de Empresas (EEN), o Centro UE-Japão para a Cooperação Industrial, o Centro UE das PME na China, a Rede Mundial de Organizações Empresariais Europeias (European Business Organisation Worldwide Network), organizações europeias de promoção do comércio e os serviços de apoio DPI das PME.

(32)

  https://trade.ec.europa.eu/doclib/press/index.cfm?id=2204 .

(33)

Comunicação, de 25 de março de 2020, intitulada «Orientações para os Estados‐Membros relativas a investimento direto estrangeiro e livre circulação de capitais provenientes de países terceiros, e proteção dos ativos estratégicos da Europa», COM(2020) 1981 final.

(34)

  https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/IP_20_2045 .

(35)

Comércio para todos: Rumo a uma política mais responsável em matéria de comércio e de investimento – COM(2015) 0497 final.

(36)

  https://trade.ec.europa.eu/consultations/index.cfm?consul_id=266&utm_source=dlvr.it&utm_ . 

(37)

Declaração conjunta sobre o comércio e o empoderamento económico das mulheres, adotada por ocasião da Conferência Ministerial da OMC em Buenos Aires, em dezembro de 2017.


Bruxelas, 18.2.2021

COM(2021) 66 final

ANEXO

da

COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO, AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU E AO COMITÉ DAS REGIÕES

Revisão da Política Comercial - Uma política comercial aberta, sustentável e decisiva


ANEXO

REFORMAR A OMC: RUMO A UM SISTEMA MULTILATERAL DE COMÉRCIO SUSTENTÁVEL E EFICAZ

1.Qual a importância da OMC e por que motivo está em crise?

1.1A importância da OMC

Desde a criação do sistema multilateral de comércio, em 1947 1 , o comércio mundial cresceu 300 vezes e, atualmente, representa mais de 60 % do PIB mundial, apoiando o emprego, o crescimento e o investimento em todo o mundo. Esta evolução deve-se, em parte, às sucessivas reduções dos direitos aduaneiros, negociadas através do sistema multilateral: em 1947, os direitos aduaneiros aplicados variavam entre 20 % e 30 %; atualmente, os direitos aduaneiros aplicados a nível mundial rondam, em média, os 9 %. Mas este decréscimo também se deve à estabilidade que o sistema proporciona. O princípio da nação mais favorecida da OMC limita a discriminação entre bens e serviços provenientes de parceiros comerciais diferentes. Proporciona uma base estável de abertura económica, que promove a concorrência nos mercados mundiais com base na eficiência e na inovação. Sessenta por cento do comércio da UE realiza-se de acordo com o princípio da nação mais favorecida, incluindo o comércio com os Estados Unidos, a China, a Rússia e a Índia. As regras da OMC protegem os interesses de todos os parceiros comerciais contra medidas discriminatórias no interior das fronteiras e asseguram que os instrumentos de proteção condicional do comércio se baseiam em disciplinas multilateralmente acordadas. Além disso, a consolidação dos direitos aduaneiros reduziu a probabilidade de os países aumentarem esses direitos em resposta a choques 2 , e o sistema de resolução de litígios assegurou o cumprimento das regras e evitou o agravamento de conflitos comerciais.

Embora haja mais trabalho pela frente, a OMC também contribuiu para o desenvolvimento mundial sustentável. A abertura económica que a OMC garantiu ajudou a integrar muitos países em desenvolvimento na economia mundial, retirando centenas de milhões de pessoas da pobreza e reduzindo as desigualdades entre os países 3 . 

1.2Os motivos da crise

A atual crise afeta as três funções da OMC: as negociações para modernização das regras falharam, o sistema de resolução de litígios voltou, na prática, aos dias do GATT, em que era possível bloquear os relatórios do painel, e a monitorização das políticas comerciais é ineficaz. Além disso, a relação comercial entre os Estados Unidos e a China, dois dos três maiores membros da OMC, é atualmente gerida, de um modo geral, fora das disciplinas da OMC.

Um dos principais motores da crise é o facto de a adesão da China à OMC não ter levado à sua transformação numa economia de mercado. O grau de abertura dos mercados da China não corresponde ao seu peso na economia mundial e o Estado continua a exercer uma influência decisiva no clima económico do país, gerando distorções da concorrência, a que as atuais regras da OMC não conseguem dar uma resposta adequada. Porém, a OMC tem sido incapaz de negociar novas regras para resolver esta e outras questões prementes (por exemplo, o comércio digital ou a sustentabilidade). Gerar consenso entre 164 membros no atual cenário de equilíbrio difuso do poder a nível mundial é uma tarefa hercúlea. Os desacordos quanto à flexibilidade concedida aos países em desenvolvimento também comprometem as negociações. Não é sustentável que dois terços dos membros – incluindo algumas das economias mais importantes do mundo – invoquem o direito a tratamento especial e diferenciado. Acresce que a função de monitorização e deliberação da OMC é fortemente prejudicada pela falta de transparência em relação à legislação e prática comerciais dos seus membros, e pelo facto de temas como a degradação ambiental, as alterações climáticas e o trabalho digno serem considerados tabu. Por último, mas certamente não menos importante, há que referir a paralisação, na prática, do sistema de resolução de litígios no final de 2019 devido ao facto de os Estados Unidos terem bloqueado nomeações de membros do órgão de recurso.

1.3A necessidade urgente de reforma

Um ambiente comercial estável centrado na OMC é, mais do que nunca, uma condição essencial para respondermos aos desafios que temos pela frente, começando pela recuperação da crise económica causada pela pandemia. Perante uma organização que parece ter perdido o seu sentido de missão comum, o contexto apresenta grandes desafios. Porém, a UE tem um interesse estratégico fundamental em assegurar a eficácia da OMC. Além de o comércio ser crucial para a nossa economia, a promoção de uma cooperação internacional assente em regras constitui a própria essência do projeto europeu. Por conseguinte, a UE deve desempenhar um papel de liderança na criação da dinâmica necessária para uma reforma significativa da OMC.



2.Restaurar a confiança e um sentido de missão comum: o contributo da OMC para o desenvolvimento sustentável

O colapso das negociações da Agenda de Doa para o Desenvolvimento em 2008 exemplificou a ausência de um sentido de missão comum entre os membros da OMC. Não obstante o sucesso alcançado com a celebração do Acordo de Facilitação do Comércio durante a 9.ª Conferência Ministerial da OMC, em Bali, e a decisão relativa à concorrência na exportação agrícola, adotada na 10.ª Conferência Ministerial da OMC, em Nairóbi, assiste-se a uma divisão cada vez maior entre os membros da OMC sobre o que esperam da organização. Enquanto uma parte dos membros considera que a prioridade atribuída ao desenvolvimento pela OMC significa que os esforços deveriam concentrar-se nas flexibilidade e exceções a compromissos já assumidos ou futuros, outra parte tem revelado uma frustração cada vez maior com os impasses nas negociações da OMC e virou a sua atenção para acordos bilaterais de comércio. Sem um sentido de missão comum, tem sido extremamente difícil avançar com qualquer iniciativa e assegurar que a evolução da OMC acompanha as mudanças no comércio mundial.

No entanto, a grande maioria dos membros continua a defender a ideia de multilateralismo, estando plenamente ciente dos benefícios de um sistema assente em regras para o desenvolvimento e o comércio mundial. A instabilidade dos últimos anos, a crise climática e ambiental, o recurso cada vez mais frequente a medidas unilaterais e, agora, a pandemia de COVID-19 revelaram claramente que a OMC é um elemento essencial de uma governação económica mundial sã, mas que é necessária uma reforma. A declaração dos dirigentes do G20 4 em Riade contém o compromisso com a reforma mais firme de sempre, ao mais alto nível político.

Com a proliferação dos desafios mundiais, os membros da OMC deveriam poder convergir em torno do objetivo de responder aos seus problemas mais urgentes: o desenvolvimento e a recuperação económica, sem distorções da concorrência, bem como a sustentabilidade ambiental e social no âmbito da transição ecológica das economias. Responder a estes problemas estaria em linha com as metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas («ODS»), que todos os membros da OMC se comprometeram a promover. Essa convergência poderia criar o sentido de missão comum, que tem estado ausente da OMC nas últimas décadas, e restabelecer a confiança entre os seus membros. Poderia gerar a confiança necessária para modernizar o manual da OMC de uma forma que tenha em conta os desafios associados à transição digital e ecológica, bem para prevenir e dissipar conflitos causados por intervenções estatais na economia que distorcem a concorrência.

2.1    Restabelecer um sentido de missão comum na OMC: o desenvolvimento sustentável como prioridade

Este esforço de restabelecer um sentido de missão comum tem de ser um processo gradual, começando por medidas de curto prazo para reforçar a confiança. A conclusão das negociações sobre as subvenções às pescas seria um passo importante para consolidar o contributo da OMC para a sustentabilidade. Este acordo é importante não só por ser o primeiro acordo multilateral em vários anos, mas também por ser o primeiro acordo centrado na prossecução de um ODS (ODS 14.6). Dadas as divergências entre as posições dos membros da OMC e a dificuldade em alcançar um consenso em negociações multilaterais (em grande parte devido à questão do tratamento especial e diferenciado supramencionada), esta não será uma tarefa fácil, mas as negociações encontram-se na fase mais avançada de sempre na sua longa história. Se houver vontade política suficiente, existe a possibilidade de chegar a um acordo antes da 12.ª Conferência Ministerial da OMC.

A UE apresentou, em conjunto com o Grupo de Otava 5 , uma iniciativa em matéria de comércio e saúde, que abrange disciplinas sobre restrições à exportação e um conjunto de medidas de facilitação do comércio e medidas destinadas a reforçar a transparência. A UE continuará a trabalhar com os seus parceiros e com a nova diretora-geral para assegurar que o sistema de comércio está em condições de responder aos desafios causados pela pandemia, nomeadamente no que diz respeito à aplicação das flexibilidades previstas no acordo TRIPS.

Muitos ODS dizem respeito à proteção do ambiente. A proteção do ambiente reveste-se de uma importância extrema, facto que foi reconhecido logo quando a OMC foi criada através da instituição de um Comité do Comércio e do Ambiente para fomentar a deliberação e uma ação comum. A necessidade de a política comercial responder aos desafios climáticos e ambientais é ainda mais premente nos dias de hoje, uma constatação que conta com o apoio de muitos membros da OMC. Contrariando os receios expressos aquando da criação da OMC, nenhum país foi obrigado a baixar o seu nível desejado de proteção da saúde ou do ambiente devido a uma decisão proferida no âmbito do sistema de resolução de litígios da OMC. A UE apoiará, em debates internacionais sobre questões comerciais e ambientais, uma interpretação das disposições pertinentes da OMC que reconheça o direito dos membros de darem respostas eficazes aos desafios ambientais mundiais, especialmente no que respeita às alterações climáticas e à proteção da biodiversidade.

A União Europeia vê a sustentabilidade como parte da transição ecológica necessária das economias, que terá de encontrar expressão em todo o trabalho desenvolvido pela OMC. Em breve, apresentaremos uma iniciativa em matéria de comércio e clima na OMC. As reflexões iniciais, apresentadas num documento informal 6 , transmitido aos membros da OMC e a partes interessadas, centram-se numa série de elementos básicos, incluindo a liberalização de um conjunto selecionado de bens e serviços; a transparência (nomeadamente sobre as medidas de ajustamento das emissões de carbono nas fronteiras), o intercâmbio e a análise de informações como primeiro passo para desenvolver disciplinas sobre subsídios aos combustíveis fósseis; a integração de preocupações ecológicas na ajuda ao comércio; e o reforço do quadro institucional da OMC responsável por questões comerciais e ambientais. Além disso, a UE está também a trabalhar em conjunto com outros membros da OMC no lançamento de iniciativas ambientais paralelas relacionadas com a economia circular (incluindo os plásticos).

A OMC também pode contribuir para a concretização dos ODS sobre trabalho digno e igualdade de género, que se revestem de máxima importância fora da UE, mas também dentro da UE. No que diz respeito ao trabalho digno, a OMC deve incentivar a análise e a troca de experiências sobre o contributo que as políticas comerciais podem dar para o desenvolvimento social, os benefícios que o reforço da proteção dos direitos dos trabalhadores podem trazer em termos de crescimento e desenvolvimento e formas de garantir que todos os trabalhadores e comunidades vulneráveis – tanto dentro como fora da UE – usufruem dos benefícios proporcionados pela liberalização do comércio. Esta ação poderia ser apoiada por uma cooperação reforçada e mais ativa entre a OMC e a Organização Internacional do Trabalho. A UE deveria trabalhar em conjunto com parceiros no sentido de uma maior integração desta dimensão social da globalização no trabalho da OMC. Relativamente à igualdade de género, a UE deve assumir um papel de liderança nos esforços de sensibilização para a importância de assegurar a integração sistemática de uma perspetiva de género na política comercial, através de iniciativas como a Declaração de Buenos Aires sobre o comércio e o empoderamento económico das mulheres.

2.2    O contributo que o comércio pode dar para o desenvolvimento: a necessidade de uma abordagem prospetiva ao tratamento especial e diferenciado.

Um dos objetivos basilares da OMC é garantir que os países em desenvolvimento, especialmente os menos desenvolvidos, tenham acesso a uma quota-parte dos benefícios do comércio internacional consentânea com as necessidades do seu desenvolvimento económico. O «tratamento especial e diferenciado» (TED) visa criar as condições para que os países em desenvolvimento possam aproveitar da melhor forma as oportunidades de desenvolvimento que a participação na OMC oferece.

A UE é acérrima defensora do TED, mas considera que a sua utilização deve ser orientada pela realidade económica subjacente de que o comércio é um motor do desenvolvimento, e não uma ameaça. As economias em desenvolvimento que registaram um crescimento mais sustentado são aquelas que concentraram os seus esforços na integração na economia mundial e na abertura progressiva dos seus mercados a uma maior concorrência. O grande desafio para a OMC no domínio do desenvolvimento consiste em determinar de que forma pode apoiar concretamente os esforços dos países em desenvolvimento que ainda não estão suficientemente integrados na economia mundial.

O restabelecimento da credibilidade da OMC como fórum de negociação também exige uma nova abordagem ao TED. Essa abordagem deve conjugar uma maior atenção no apoio à integração no sistema de comércio com uma maior diferenciação entre os países em desenvolvimento com base nas necessidades identificadas, que incluem os condicionalismos em termos de capacidade das pequenas administrações públicas. A OMC só poderá contribuir efetivamente para o desenvolvimento se concentrar os seus esforços na identificação de formas de apoiar a capacidade dos países para assumirem compromissos que promovam a integração na economia mundial.

Em termos do processo a seguir, uma abordagem «acordo a acordo» afigura-se ser a solução mais adequada para alcançar verdadeiros progressos em matéria de TED. Embora fosse desejável que todos os membros da OMC chegassem a acordo sobre critérios transversais aplicáveis ao TED, é mais realista tentar encontrar uma convergência em negociações específicas. Não obstante, a abordagem da UE pautar-se-á por algumas considerações de caráter geral. A UE apoiaria firmemente disposições sobre TED que respondessem efetivamente aos condicionalismos em termos de capacidade que afetam a grande maioria dos países em desenvolvimento. Simultaneamente, a UE espera que sejam assumidos compromissos sólidos nas negociações em curso e em acordos futuros por parte dos a) membros da OCDE (incluindo os países candidatos à adesão à OCDE); b) países classificados como de «rendimento alto» pelo Banco Mundial; e c) países que representam uma percentagem suficientemente elevada das exportações mundiais em geral ou em setores visados por uma negociação específica. Devido ao seu peso no sistema, a China deveria dar o exemplo e abster-se de invocar TED em qualquer negociação em curso.

3.Restabelecer um sistema de resolução de litígios da OMC plenamente funcional através da reforma do órgão de recurso

Um sistema vinculativo de resolução de litígios não é apenas crucial para proteger os interesses dos membros da OMC contra medidas que limitam os direitos de acesso ao mercado. Proporciona também a estabilidade necessária para que as empresas possam investir e exportar, sabendo que as regras serão respeitadas e que existem vias de recurso em caso de incumprimento. Protege todos os membros da OMC, grandes e pequenos, contra ações unilaterais e evita que litígios comerciais se transformem em conflitos políticos. Embora alguns aspetos do funcionamento e da jurisprudência do órgão de recurso tenham sido criticados, também é importante reconhecer que este órgão contribuiu consideravelmente para a legitimidade e a previsibilidade do sistema de resolução de litígios, nomeadamente através do seu empenho em proteger o direito de regulamentação dos membros da OMC tendo em vista a prossecução de objetivos no domínio da saúde, do ambiente ou de outros objetivos estratégicos legítimos.

Entre as reformas da OMC, a mais urgente consiste em encontrar uma base consensual para restabelecer um sistema de resolução de litígios funcional e avançar com o processo de nomeação dos membros do órgão de recurso. Esta tarefa deve ser considerada prioritária e não ser associada a outros aspetos da reforma da OMC. Na falta de um sistema de resolução de litígios funcional, é difícil discernir a motivação dos países para modernizarem as suas regras e preencherem eventuais lacunas.

Os Estados Unidos suscitaram algumas preocupações válidas sobre certas abordagens decisórias do órgão de recurso, bem como sobre decisões específicas proferidas em determinados processos. A União Europeia reconhece que os responsáveis pela decisão do litígio deveriam respeitar o princípio da economia processual e que não estão vinculados por «precedentes», mas deveriam ter em conta decisões anteriores na medida em que as considerem pertinentes para o litígio que lhes foi submetido. No sistema de resolução de litígios da OMC, a apreciação dos factos compete aos painéis, devendo o órgão de recurso limitar-se unicamente à apreciação das questões de direito suscitadas no âmbito do recurso na medida em que sejam necessárias para resolver um litígio. A independência dos painéis e do órgão de recurso é essencial para que os processos sejam decididos exclusivamente com base no seu mérito, o que é compatível com uma maior responsabilização dos membros relativamente ao cumprimento dos seus deveres. Os prazos obrigatórios devem ser rigorosamente respeitados tanto na fase do litígio perante o painel como perante o órgão de recurso – os atrasos na justiça correspondem a uma negação da justiça – e devem ser adotadas medidas adequadas para que tal seja possível. Por conseguinte, a União Europeia concorda com a necessidade de proceder a uma reforma significativa. Tal reforma deveria manter a regra do consenso negativo, a independência do órgão de recurso e o papel central da resolução de litígios na segurança e previsibilidade do sistema multilateral de comércio.

Em especial, embora muitas destas questões estejam refletidas em princípios desenvolvidos no âmbito do processo informal sobre questões relacionadas com o funcionamento do órgão de recurso liderado pelo presidente do órgão de resolução de litígios, a UE está aberta a estudar formas de lhes conferir uma formulação jurídica mais robusta, bem como de ponderar melhorias adicionais. Um sinal precoce por parte dos Estados Unidos indicando a sua disponibilidade para iniciar negociações de boa-fé, a fim de chegar a um acordo multilateral sobre as reformas do sistema de resolução de litígios, reforçaria consideravelmente a confiança e, possivelmente, permitiria chegar a um acordo para restabelecer um sistema vinculativo de resolução de litígios e um órgão de recurso funcional.

4.Rumo a uma função de negociação mais eficaz

No centro da crise que afeta a OMC está o fracasso da sua função de negociação. A reforma da OMC deve visar o restabelecimento da eficácia e da credibilidade da OMC como fórum de negociação de regras de comércio e de uma maior liberalização. É necessário adequar as regras da OMC à realidade económica e comercial do século XXI. A nível substantivo, deve ser concedida prioridade à modernização das regras da OMC sobre comércio eletrónico, apoio ao investimento e regulamentação interna dos serviços, bem como sobre o papel do Estado na economia, nomeadamente no que respeita às subvenções. Após a modernização das regras, poderia ser também analisada a possibilidade de avançar com o processo de liberalização de bens e serviços em condições que garantam um melhor equilíbrio dos compromissos. Relativamente ao método a utilizar nas negociações, a abordagem do «compromisso único» tem-se revelado ineficaz, sendo mais fácil obter progressos através de outros processos, especialmente acordos plurilaterais abertos. Em paralelo com negociações substantivas, os membros da OMC devem estudar formas de integrar melhor os acordos plurilaterais no quadro da OMC.

4.1Modernizar as regras da OMC

A.Estabelecer novas regras sobre comércio digital, serviços e investimento

Estão em curso negociações sobre a regulamentação interna dos serviços, o comércio digital e o apoio ao investimento, que contam com uma ampla participação. Estas três áreas de negociação são, todas elas, essenciais para que as regras do comércio internacional respondam à transformação digital da economia, à crescente importância dos serviços e à necessidade de apoiar o investimento como um elemento-chave do desenvolvimento.

A UE está plenamente empenhada no sucesso destas negociações. A 12.ª Conferência Ministerial proporciona uma oportunidade para alcançar progressos substanciais nas iniciativas em matéria de comércio eletrónico e apoio ao investimento, bem como para celebrar um acordo sobre a regulamentação interna dos serviços. A conclusão das negociações de acordos inclusivos e ambiciosos nestas três áreas é fundamental para demonstrar a relevância da OMC para os principais motores da expansão do comércio e do investimento no século XXI, bem como facilitar a integração dos países em desenvolvimento nas cadeias de valor mundiais. Evitaria também uma eventual fragmentação do sistema mundial de comércio decorrente do facto de estas questões só poderem ser resolvidas em acordos bilaterais ou em acordos plurilaterais fora do quadro da OMC.

B.Estabelecer novas regras para evitar distorções da concorrência devido à intervenção do Estado na economia – neutralidade competitiva

As regras da OMC não são suficientemente eficazes para resolver as repercussões negativas da intervenção do Estado na economia, sobretudo quando essa intervenção distorce a concorrência no mercado interno ou até mesmo nos mercados mundiais. A falta de transparência que caracteriza frequentemente tais intervenções agrava ainda mais o problema. A questão não é o papel do Estado enquanto tal. Em certos casos, a intervenção pública poderá ser necessária para atingir objetivos legítimos, e a OMC deve aceitar a existência de diferentes graus de participação dos poderes públicos na economia. A verdadeira questão prende-se com a adoção de medidas eficazes para combater as intervenções que têm repercussões negativas, distorcendo a concorrência ao favorecerem empresas, bens ou serviços nacionais face aos estrangeiros, limitando o acesso aos mercados ou afetando os mercados mundiais.

É essencial estabelecer novas regras sobre subvenções à indústria para combater os efeitos negativos de um subvencionamento massivo sobre o comércio internacional, que é suscetível de gerar distorções da concorrência, tanto nos setores tradicionais como nas novas tecnologias. As subvenções podem também resultar em capacidades excedentárias. Um importante objetivo da adoção de regras mais rigorosas seria aumentar significativamente a transparência e identificar categorias adicionais de subvenções proibidas, bem como categorias de subvenções que se presumem prejudiciais. Paralelamente ao debate sobre essas categorias «vermelhas» e «amarelas», deve ser igualmente ponderada uma categoria «verde» para subvenções destinadas a apoiar objetivos públicos legítimos e cujo efeito de distorção da concorrência seja mínimo. Seria concretamente o caso de certos tipos de subvenções no domínio do ambiente e da I&D, desde que estejam sujeitas a total transparência e a disciplinas acordadas.

Em alguns países, as empresas públicas (EP) são um instrumento utilizado pelo Estado para exercer uma influência decisiva sobre a economia, por vezes com efeitos de distorção do mercado. Porém, não obstante a importância das EP, ainda não existem disciplinas suficientes para captar todos os comportamentos de distorção do mercado. Importa definir novas regras internacionais sobre EP centradas no comportamento das EP no exercício das suas atividades comerciais, em conformidade com as disciplinas já acordadas em vários acordos de comércio livre e de investimento.

Além das subvenções à indústria e das disciplinas relativas às EP, é necessário refletir sobre outros elementos passíveis de serem incorporados nas novas regras da OMC com vista a garantir o respeito pelo princípio da «neutralidade competitiva» e a promover condições de concorrência equitativas. Tais elementos devem incluir, por exemplo, regras firmes contra práticas que forcem as empresas a transferir inovação e tecnologia para o Estado ou para os seus concorrentes (transferências forçadas de tecnologia) e regras para assegurar que a regulamentação interna é transparente e favorável à concorrência. O objetivo global deve ser a plena transparência de qualquer intervenção do Estado na economia e a inexistência de distorções da concorrência a favor de certas empresas. A UE tenciona discutir estas questões de forma mais aprofundada, primeiro no âmbito da cooperação trilateral com os EUA e o Japão, mas também com qualquer membro da OMC interessado, com vista a dar início aos trabalhos de formulação de regras da OMC para responder eficazmente a distorções da concorrência.

C.Corrigir os desequilíbrios entre os compromissos dos membros em matéria de acesso ao mercado

Os compromissos em matéria de acesso ao mercado não são atualizados desde a conclusão da Ronda do Uruguai e estão cada vez mais dissociados da realidade económica do século XXI. A estrutura atual dos compromissos da OMC em matéria de acesso ao mercado relativamente a bens e serviços não corresponde ao nível real de abertura de muitos países e não reflete as mudanças significativas que ocorreram no peso de algumas das maiores nações comerciais na economia mundial (por exemplo, a China).

Embora seja importante melhorar a estrutura dos compromissos pautais gerais, o esforço de reforma da OMC deve centrar-se, antes de mais, na modernização das regras sobre a neutralidade competitiva: subvenções, EP, transferências forçadas de tecnologia e regulamentação interna. Num cenário em que as subvenções baixam artificialmente o preço dos produtos, as EP abusam da sua posição dominante num mercado ou as empresas são forçadas a partilhar a sua tecnologia com concorrentes, a redução dos direitos aduaneiros não irá corrigir os desequilíbrios entre os membros. Não obstante, a curto e médio prazo, e no intuito de reforçar a confiança no sistema, a UE apoia iniciativas setoriais em que a liberalização traga benefícios mais amplos, como acontece no caso da liberalização dos direitos aduaneiros aplicáveis a produtos de saúde ou a determinados produtos de atenuação das alterações climáticas ou da liberalização dos serviços ambientais.

Quanto ao comércio de serviços, deve ser dada prioridade à conclusão de negociações sobre regras relativas à economia digital. Uma vez concluídas as negociações, poderia ser ponderado o lançamento de negociações sobre os serviços. Tais negociações devem estar abertas à participação dos membros da OMC interessados e decorrer no quadro da OMC, tirando simultaneamente partido dos progressos alcançados nas negociações do Acordo sobre o Comércio de Serviços.

D.O contributo da agricultura

Para restaurar a credibilidade da OMC como fórum de negociação, os membros teriam também de resolver o impasse nas negociações agrícolas, que continuam, em grande parte, bloqueadas não obstante o resultado positivo da Conferência Ministerial em Nairóbi. A agricultura continua a ser um interesse importante – talvez mesmo crucial – para muitos membros da OMC e a falta de progressos ameaça afetar negativamente a agenda mais vasta de reforma da OMC.

Tendo em conta a proliferação de políticas e medidas geradoras de distorção do comércio, as negociações devem dar prioridade aos compromissos em matéria de apoio interno ao setor agrícola. Porém, para serem bem-sucedidas, essas negociações exigiriam contributos de todos os membros ou, pelo menos, de todos os principais membros. A UE é favorável a uma redução substancial do apoio interno gerador de distorções do comércio. A UE tem vindo a reformar a sua política agrícola ao longo dos últimos 30 anos, no sentido de substituir o apoio gerador de distorções do comércio por apoio não gerador de distorções do comércio. Nem todos os membros da OMC realizaram reformas semelhantes.

Para já, é pouco provável que se assista ao relançamento das negociações sobre o acesso ao mercado agrícola, quer em relação às reduções dos direitos aduaneiros ou a outros elementos. Essas negociações fazem parte de um conjunto mais amplo de negociações sobre o acesso ao mercado, nomeadamente de bens industriais, em que as condições para o equilíbrio não parecem estar preenchidas.

Assim, as negociações a curto prazo devem incidir sobre questões que adquiriram importância durante a pandemia e em relação às quais seja possível uma convergência. Na 12.ª Conferência Ministerial, a UE centrará a sua atenção nas restrições à exportação e na melhoria da transparência.

Por último, é necessário integrar aspetos relacionados com a sustentabilidade ambiental nas negociações agrícolas, em linha com a necessidade de transição ecológica das economias.

4.2 Integrar acordos plurilaterais abertos na OMC

Embora a OMC não possa recuperar a sua credibilidade e eficácia sem modernizar as suas regras, é perfeitamente evidente, após 25 anos, que essa modernização não pode ser alcançada através de acordos multilaterais baseados num compromisso único. Paralelamente, estão a ser negociados muitos acordos de comércio bilaterais ou regionais, nomeadamente sobre questões sobre as quais a OMC ainda não conseguiu alcançar resultados multilaterais, por exemplo o comércio digital ou as empresas públicas. O desenvolvimento mais positivo nos últimos anos é o interesse demonstrado por um número crescente de países em desenvolver tais regras no quadro da OMC através de negociações plurilaterais e abertas. Se não for possível encontrar uma fórmula eficaz para integrar acordos plurilaterais na OMC, não haverá outra opção senão desenvolver tais regras fora do quadro da OMC.

O Acordo da OMC prevê a incorporação de acordos plurilaterais na arquitetura jurídica da OMC no artigo X, n.º 9, nos termos do qual a Conferência Ministerial poderá decidir, por consenso, aditar acordos de comércio celebrados por um grupo de membros da OMC à lista de acordos plurilaterais da OMC constante do anexo 4. No entanto, essa disposição nunca foi utilizada. A obtenção de consenso sobre o aditamento de uma iniciativa plurilateral ao anexo 4 tem sido vista como uma dificuldade intransponível, mesmo que os direitos dos não participantes não fossem prejudicados pelos compromissos plurilaterais assumidos por um grupo de membros da OMC. A metodologia até agora utilizada para integrar acordos plurilaterais na arquitetura da OMC tem sido a incorporação unilateral, por todos os participantes, dos compromissos adicionais por eles assumidos nas respetivas listas de compromissos, como aconteceu com o Memorando de Entendimento sobre os Compromissos em matéria de Serviços Financeiros e o Documento de Referência sobre os Serviços de Telecomunicações. No entanto, este método tem as suas desvantagens. Nem todos os compromissos adicionais se enquadram perfeitamente numa lista de compromissos. Além disso, os não participantes poderiam instaurar um processo de resolução de litígios contra um participante por violação dos referidos compromissos adicionais, mesmo que, enquanto não participantes, não estejam por eles vinculados.

Uma reforma significativa da OMC terá de reconhecer esta realidade e a Comissão apela à ponderação de formas de criar uma via mais fácil para integrar os acordos plurilaterais na arquitetura multilateral. A UE seria favorável a uma abordagem inclusiva a acordos plurilaterais abertos, que facilite a participação dos países em desenvolvimento e que lhes permita decidir se desejam ou não aderir ao acordo, deixando em aberto a possibilidade de adesão num momento futuro. Tal não significa que a OMC deveria aceitar todos os acordos plurilaterais. Seria útil realizar discussões para identificar um conjunto de princípios que os acordos plurilaterais teriam de cumprir para serem incorporados no quadro da OMC. Estes princípios poderiam estar relacionados com a abertura à participação e a adesão futura de qualquer membro da OMC, com a facilitação da participação dos países em desenvolvimento, com a transparência do processo de negociação, bem como com meios de proteger os direitos dos não participantes, evitando simultaneamente casos de oportunismo.

 5. Melhorar o funcionamento do sistema da OMC

5.1    Reforçar as funções de monitorização e de deliberação da OMC

Os conselhos e comités normais da OMC desenvolvem um trabalho essencial para a proteção do sistema multilateral de comércio assente em regras, por exemplo, gerindo a atividade técnica quotidiana, monitorizando as políticas comerciais dos membros, respondendo a preocupações comerciais e proporcionando aos membros um espaço para deliberarem sobre a evolução do comércio. Com uma atividade de regulamentação praticamente inexistente nos últimos anos e a paralisação do sistema de resolução de litígios, uma monitorização eficaz e deliberações estratégicas são mais importantes do que nunca para manter o estatuto da OMC como uma base credível para as relações comerciais. Infelizmente, o envolvimento é muitas vezes prejudicado por uma série de procedimentos ineficazes, por lacunas no cumprimento das obrigações de transparência e por uma falta de confiança generalizada.

Ao longo dos últimos anos, a UE tem vindo a trabalhar no sentido de introduzir melhorias, especialmente no domínio da transparência e das preocupações comerciais. Em conjunto com os EUA, o Japão e outros membros, a UE apresentou uma proposta sobre a melhoria da transparência e do cumprimento das obrigações de notificação do domínio do comércio de bens. A proposta contempla incentivos, bem como medidas administrativas, para responder a atrasos significativos na apresentação das notificações, um problema já antigo que afeta a transparência. Espera-se que este contributo horizontal também desencadeie os debates necessários sobre a melhoria da transparência em domínios específicos, como a agricultura. Com um grupo diferente de membros, a UE apresentou sugestões para melhorar os trabalhos em órgãos normais da OMC numa proposta relativa a orientações destinadas a órgãos da OMC responsáveis por preocupações comerciais. Esta proposta visa facilitar a resolução de preocupações comerciais entre os membros antes de avançarem para a fase de resolução de litígios ou para evitar que congestionem as agendas durante anos. O objetivo continua a ser a adoção destas propostas na 12.ª Conferência Ministerial.

Além destas propostas, é necessário continuar a trabalhar para melhorar as funções de monitorização e de deliberação da OMC. Embora o cumprimento tempestivo das obrigações de notificação seja um aspeto da transparência, a qualidade das informações fornecidas também é. De um modo geral, existem vários argumentos a favor de uma monitorização mais eficaz das políticas comerciais dos membros ao nível dos comités. Tal poderia passar por incumbir os comités da OMC de estudarem formas de tornar as análises das notificações mais eficazes. Poderia ser também uma oportunidade para identificar matérias sobre as quais o Secretariado possa elaborar relatórios de monitorização baseados em diferentes fontes de informação disponíveis ao público.

Seria igualmente útil fazer um balanço das atividades dos órgãos da OMC para identificar aquelas que carecem de mais recursos/atenção e aquelas que deveriam ser reduzidas ou desativadas. Este exercício permitiria à OMC centralizar os recursos nos comités que os membros utilizam de forma mais ativa e mais eficiente, enquanto outros comités poderiam ser suspensos, a menos que fossem convocados a pedido expresso de um membro (é o que acontece já com a maioria dos órgãos subsidiários do Conselho do Comércio de Serviços). Certos comités poderiam ser revitalizados através do reforço do seu contributo para deliberações estratégicas, como, por exemplo, o Comité do Comércio e do Ambiente. Além disso, a função do Conselho Geral de analisar os desenvolvimentos que afetem o sistema de comércio ou de debater estudos elaborados pelo diretor-geral em cooperação com outras organizações internacionais deveria ser reforçada.

5.2    O papel da diretora-geral e do Secretariado da OMC

A nomeação de uma nova diretora-geral representa uma oportunidade para começar de novo. Para que a reforma da OMC seja bem-sucedida, a diretora-geral tem de participar de forma proativa e visível. Os membros podem estar confiantes de que a diretora-geral os apoiará na resposta aos principais desafios da OMC e devem encorajá-la nesse sentido. Devem apoiá-la ativamente no lançamento de iniciativas que promovam os objetivos da OMC e na proposta de soluções para deliberação pelos membros. Embora seja frequentemente salientado que a definição da agenda do trabalho da OMC compete aos seus membros, esse papel de apoio da diretora-geral é compatível com a natureza de uma organização gerida pelos seus membros.

A diretora-geral e o Secretariado, em especial, podem reforçar as funções de monitorização e de deliberação da OMC. Em primeiro lugar, a fim de contribuir efetivamente para as deliberações dos membros, o Secretariado deve poder contar com a confiança dos membros para elaborar relatórios analíticos sobre temas relevantes e para aprofundar a cooperação com outras organizações internacionais, sem necessitar da sua autorização prévia. Em segundo lugar, o reforço das atividades de monitorização do Secretariado contribuiria para melhorar a transparência das políticas comerciais dos membros.

Embora a cooperação entre a OMC e outras organizações internacionais, incluindo organismos das Nações Unidas, funcione geralmente bem, a diretora-geral deve prosseguir uma cooperação mais direcionada com o objetivo de contribuir conjuntamente para a concretização dos ODS.

5.3    Envolvimento mais concreto das partes interessadas: empresas e sociedade civil

Logo em 1996, os membros da OMC reconheceram o papel que a OMC poderia desempenhar para divulgar as atividades da organização junto do público e decidiram melhorar a transparência e desenvolver a comunicação com ONG, tendo incumbido o Secretariado da OMC de gerir os contactos diretos com a sociedade civil. Os principais canais de envolvimento são o Fórum Público anual, a participação da sociedade civil em conferências ministeriais, sessões de informação organizadas pelo Secretariado, bem como a possibilidade de apresentar documentos de posição e debates temáticos. Os debates temáticos contam também com a participação de representantes de empresas, tal como acontece, desde 2016, com a série de diálogos sobre o comércio; o sítio Web da OMC contém uma página que reúne informações adaptadas aos interesses das empresas.

Poderá existir margem para modernizar e desenvolver as modalidades de consulta das empresas e da sociedade civil, com vista a revitalizar o envolvimento destas partes interessadas no debate sobre o comércio. Em primeiro lugar, embora as sessões de informação destinadas a ONG organizadas pelo Secretariado estejam atualmente reservadas às ONG registadas com sede em Genebra e arredores, o recurso a meios eletrónicos e a plataformas virtuais permitiria alargar a participação a ONG acreditadas de todo o mundo, possibilitando, em especial, o envolvimento de ONG de países em desenvolvimento com recursos limitados. Em segundo lugar, poderia ser criado um comité consultivo com uma participação equilibrada de representantes de empresas e da sociedade civil para recolher as opiniões de partes interessadas sobre desenvolvimentos importantes para o sistema multilateral de comércio e transmiti-las em deliberações e negociações em curso. Em terceiro lugar, o envolvimento em temas concretos poderia ser reforçado através da organização de debates centrados em questões transversais relacionadas com determinados aspetos do desenvolvimento sustentável ou com acordos regionais de comércio, por exemplo. Em quarto lugar, os membros devem analisar formas de aumentar a transparência, abrindo as reuniões ou partes das mesmas à participação do público por meios virtuais.

6.Concretizar a reforma da OMC

6.1Construir alianças para concretizar a reforma da OMC

A concretização dos elementos da reforma da OMC descritos no presente anexo exigirá o envolvimento e o empenho de um número significativo de membros. Para que a reforma veja a luz do dia, é necessário construir alianças e evitar a polarização, sendo também indispensável a vontade dos membros em participar num processo gradual conducente a um compromisso. Enquanto uma das maiores potências económicas que acredita firmemente no comércio multilateral assente em regras, a UE tem de continuar a demonstrar liderança.

A título de exemplo do trabalho de cooperação da UE com parceiros que partilham os mesmos valores, a iniciativa em matéria de comércio e saúde foi desenvolvida através do Grupo de Otava. Do mesmo modo, a UE tem estado a trabalhar em conjunto com o Grupo «FAST» (Friends of Advancing Sustainable Trade) para identificar formas de revitalizar o trabalho da OMC no domínio do comércio e do ambiente 7 .

Embora grupos de países que partilham os mesmos valores, como o Grupo de Otava e o Grupo FAST, sejam importantes para atrair apoio inicial tendo em vista um envolvimento mais amplo dos membros da OMC, um elemento básico essencial da reforma da OMC é um maior grau de convergência na agenda de reforma entre os Estados Unidos e a UE. Historicamente, a cooperação UE-EUA tem sido a principal força motriz dos progressos alcançados nas negociações do GATT/OMC. A UE cooperou com os EUA no quadro da iniciativa trilateral com o Japão. A eleição de um novo Presidente dos EUA empenhado na promoção das instituições multilaterais constitui uma oportunidade para forjar uma estreita cooperação transatlântica em todos os aspetos da reforma da OMC, nomeadamente a reforma do seu sistema de resolução de litígios. Tal seria muito facilitado por uma indicação precoce da nova administração norte-americana da sua intenção de se empenhar plenamente em negociações para chegar a um acordo sobre as reformas a introduzir no acordo relativo à resolução de litígios e de levantar o bloqueio às nomeações de membros do órgão de recurso. No período que antecede a 12.ª Conferência Ministerial, a UE e os EUA poderiam intensificar o seu diálogo sobre todos os aspetos da reforma da OMC, a fim de assegurar a máxima convergência nas respetivas posições, incluindo possíveis propostas conjuntas. Seria também importante intensificar os trabalhos no seio do grupo trilateral com o Japão, com vista a apresentar uma proposta conjunta sobre a formulação de regras da OMC que permitam responder melhor às distorções da concorrência geradas pela intervenção do Estado.

A UE tenciona igualmente dar especial prioridade ao diálogo com países africanos sobre a agenda de reforma da OMC. Este diálogo poderia incluir a discussão de medidas para integrar melhor os ODS no trabalho da OMC, bem como para assegurar que todas as iniciativas plurilaterais abertas são inclusivas e têm em conta as limitações da capacidade dos países em desenvolvimento com aparelhos administrativos reduzidos. As discussões poderiam abranger também a questão do tratamento especial e diferenciado e o modo como a OMC poderia apoiar a integração através da Zona de Comércio Livre Continental Africana. Neste contexto, a UE continua a apoiar a concessão à União Africana do estatuto de observador nos órgãos relevantes da OMC.

A UE continuará a participar em discussões com a China e com a Índia sobre os diferentes aspetos da agenda de reforma da OMC. O PIB per capita da China aumentou 10 vezes desde a sua adesão à OMC e a China tornou-se no maior exportador da OMC em apenas duas décadas. Muitos membros da OMC consideram que os compromissos assumidos pela China em matéria de acesso ao mercado e noutras áreas não refletem suficientemente o seu crescimento, e que uma maior liberalização por parte da China conferiria maior legitimidade ao seu papel na organização. A Índia possui uma economia extremamente dinâmica e é um dos membros mais influentes do G20, embora o seu nível global de desenvolvimento e de competitividade não seja comparável ao da China. Ambos os países são parceiros indispensáveis nas discussões sobre a reforma da OMC. As discussões com a China e a Índia deverão ajudar a compreender melhor as nossas perspetivas, nomeadamente sobre as questões relativamente às quais se espera que sejam alcançados progressos na 12.ª Conferência Ministerial e no futuro.

6.2 Os resultados esperados da 12.ª Conferência Ministerial – os próximos passos

A agenda para a reforma da OMC tem de ser ambiciosa, mas também realista. A sequência das diferentes vertentes de trabalho da reforma da OMC tem de ser definida corretamente. Nem todos os elementos podem ou devem ser implementados em simultâneo; componentes diferentes seguirão processos diferentes e podem ser lançadas em configurações diferentes – sejam multilaterais ou plurilaterais – e com grupos de membros diferentes. A próxima Conferência Ministerial da OMC será determinante para o processo de reforma da organização, tanto em termos de produção de um potencial conjunto de resultados como de lançamento de novos processos e áreas de trabalho que poderão servir de ponto de partida para a agenda de reforma.

Seria importante intensificar o trabalho em três áreas antes desta conferência: comércio e saúde, subvenções às pescas e reforma do sistema de resolução de litígios.

A 12.ª Conferência Ministerial poderia alcançar os seguintes resultados:

1.Chegar a um acordo para renovar o trabalho da OMC em matéria de comércio e ambiente com vista a integrar questões de sustentabilidade no trabalho da OMC. O ideal seria que este resultado fosse alcançado por via multilateral, embora certos elementos possam ser apenas promovidos por subgrupos de membros da OMC interessados, como a liberalização de determinados produtos para a atenuação das alterações climáticas e serviços ambientais.

2.Lançar os trabalhos entre países interessados sobre a formulação de regras em matéria de neutralidade competitiva, incluindo regras sobre subvenções industriais.

3.Progressos substanciais nas iniciativas plurilaterais em matéria de comércio eletrónico e facilitação do investimento. A iniciativa sobre a declaração conjunta relativa à regulamentação interna dos serviços poderia ser concluída na 12.ª Conferência Ministerial.

4.Renovação das moratórias relativas ao Acordo TRIPS e ao comércio eletrónico.

5.Introdução de melhorias na função de trabalho normal da OMC, através de acordos sobre a transparência horizontal nas notificações e propostas sobre preocupações comerciais.

6.No domínio da agricultura, acordo sobre um pacote de medidas destinadas a melhorar a transparência a nível geral e em matéria de restrições à exportação. A iniciativa relativa à isenção das aquisições humanitárias ao abrigo do Programa Alimentar Mundial das restrições à exportação também poderia ser incluída nesse acordo. A UE está disponível para discutir o caminho a seguir, após a 12.ª Conferência Ministerial, em relação aos principais aspetos das negociações, especialmente o apoio interno gerador de distorções do comércio.

Para além destes resultados, a articulação de um compromisso político para com a reforma numa declaração ministerial seria um elemento adicional importante para apoiar o trabalho a realizar no futuro. Esta declaração poderia centrar-se em questões como, por exemplo, a melhoria das funções de negociação, monitorização e deliberação da OMC; e examinar a possibilidade de introduzir melhorias institucionais no funcionamento da organização. A declaração ministerial poderia criar um grupo de trabalho sobre a reforma da OMC para analisar estas questões e orientar os membros no sentido da produção de resultados concretos. Por conseguinte, a 12.ª Conferência Ministerial deve definir a agenda para os trabalhos a realizar a médio e longo prazo nas diferentes áreas da reforma, alguns dos quais devem estar concluídos antes da 13.ª Conferência Ministerial.

(1)

     Com o acordo anterior da OMC, o Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio (GATT).

(2)

     Jakubik, A. e Piermartini, R. (2019). «How WTO commitments tame uncertainty!», Documento de trabalho dos serviços da OMC ERSD-2019-06, Organização Mundial do Comércio (OMC).

(3)

     Grupo do Banco Mundial e Organização Mundial do Comércio (2015). The Role of Trade in Ending Poverty. Organização Mundial do Comércio: Genebra. Ver também Comissão para o Crescimento e o Desenvolvimento, 2018, «The Growth Report: Strategies for Sustained Growth and Inclusive Development».

(4)

Declaração dos dirigentes, Cimeira do G20 em Riade, 21-22 de novembro de 2020.

(5)

Os participantes no Grupo de Otava são: Austrália, Brasil, Canadá, Chile, Coreia do Sul, Japão, México, Nova Zelândia, Noruega, Quénia, Singapura, Suíça e União Europeia.

(6)

  https://trade.ec.europa.eu/doclib/docs/2020/november/tradoc_159117.pdf . 

(7)

A iniciativa conta com 23 patrocinadores: Austrália, Canadá, Chade, Chile, Coreia, Costa Rica, Gâmbia, Fiji, Islândia, Japão, Listenstaine, Macedónia do Norte, Maldivas, México, Moldávia, Montenegro, Noruega, Nova Zelândia, Reino Unido, Senegal, Suíça, Taiwan, Penghu, Kinmen, Matsu e União Europeia.