COMISSÃO EUROPEIA
Bruxelas, 30.9.2020
SWD(2020) 317 final
DOCUMENTO DE TRABALHO DOS SERVIÇOS DA COMISSÃO
Relatório de 2020 sobre o Estado de Direito
Capítulo relativo a Malta
que acompanha o documento
COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO, AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU E AO COMITÉ DAS REGIÕES
Relatório de 2020 sobre o Estado de Direito
Situação na União Europeia
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Resumo
O Parlamento de Malta aprovou recentemente, por unanimidade, várias reformas importantes do sistema judicial. Mais concretamente, as reformas do sistema de nomeação de juízes e dos processos disciplinares procuram melhorar o equilíbrio de poderes, limitando o papel do primeiro-ministro e do Parlamento. Estas reformas visam reforçar a independência do sistema judicial e o sistema de separação de poderes, dando resposta a algumas das recomendações formuladas em dezembro de 2018 pela Comissão de Veneza e às recomendações formuladas pela Comissão Europeia e pelo Conselho no âmbito do Semestre Europeu. A Comissão de Veneza congratulou-se com os planos de reforma, estando atualmente a elaborar um parecer adicional sobre os textos legislativos das mesmas. Está a ser criado um Ministério Público sob a autoridade da Procuradoria-Geral e plenamente independente do Gabinete do Advogado do Estado. No que diz respeito à eficiência do sistema judicial, subsistem grandes preocupações nomeadamente relacionadas com a morosidade dos processos judiciais a todos os níveis e em todas as categorias de processos.
Foram revelados problemas graves de corrupção, o que gerou uma forte exigência por parte dos cidadãos de uma reforma profunda das capacidades de luta contra a corrupção e de reformas mais amplas no âmbito do Estado de direito. Não há registo de condenações em processos de corrupção alto nível. Foi lançado um abrangente projeto de reforma para corrigir as deficiências e reforçar o quadro institucional de combate à corrupção, nomeadamente das polícias e do Ministério Público. A reforma prevê novas regras relativas à nomeação do comandante de polícia, a transferência das responsabilidades de ação penal – inclusivamente no que se que refere a processos relacionados com corrupção – da polícia para o procurador-geral, uma reforma da Comissão Permanente contra a Corrupção e novas disposições que permitem interpor recurso da decisão de não deduzir acusação pelo procurador-geral. A execução efetiva destas reformas demonstrará em que medida foram seguidas as recomendações da Comissão de Veneza e do GRECO, bem como as da Comissão Europeia.
A Constituição de Malta garante a liberdade de expressão e dos meios de comunicação social. O assassinato da principal jornalista de investigação de Malta, Daphne Caruana Galizia, em outubro de 2017, foi visto de forma generalizada como um ataque à liberdade de expressão, tendo suscitado preocupações com a liberdade de expressão da comunicação social e a segurança dos jornalistas em Malta. Outros domínios que suscitam preocupação são a independência efetiva da autoridade reguladora da comunicação social, bem como as ameaças jurídicas e pela Internet contra jornalistas de investigação. O facto de a propriedade, o controlo e a gestão de vários meios de comunicação social e operadores televisivos malteses serem detidos pelos dois principais partidos políticos representados no Parlamento continua a ter uma forte influência no panorama da comunicação social de Malta.
No que diz respeito ao equilíbrio de poderes, o Parlamento adotou recentemente várias reformas do sistema judicial maltês. Foram adotadas novas regras relativas à eleição e destituição do presidente da República, bem como reformas destinadas a reforçar o papel do Provedor de Justiça. Foram apresentados outros projetos legislativos sobre a limitação do papel do primeiro-ministro na nomeação dos membros de uma série de comissões independentes. Tais reformas visam reforçar o sistema global de equilíbrio de poderes e dar resposta a algumas das recomendações formuladas pela Comissão de Veneza, a qual está igualmente a elaborar um parecer adicional sobre os textos legislativos destas reformas. Está a ser analisada a necessidade de outras reformas constitucionais, nomeadamente no que se refere ao funcionamento do Parlamento. As organizações da sociedade civil desempenham um papel cada vez mais importante no debate público.
I.Sistema judicial
O sistema judicial maltês é influenciado por tradições jurídicas tanto continentais como do direito comum. Os tribunais estão divididos em tribunais superiores e tribunais inferiores. Os tribunais superiores são compostos por juízes e incluem o Tribunal Cível, o Tribunal Penal, o Tribunal da Relação, o Tribunal de Recurso Penal e o Tribunal Constitucional. Os tribunais inferiores são compostos por magistrados e incluem o tribunal de magistrados de Malta e o tribunal de magistrados de Gozo. O sistema judiciário é dirigido pelo presidente do Supremo Tribunal, que preside igualmente ao Tribunal Constitucional. A independência judicial está consagrada na Constituição, que garante a inamovibilidade dos juízes e outros magistrados. A Comissão para a Administração da Justiça supervisiona o funcionamento do sistema judiciário. Existem vários tribunais especializados, que proferem decisões em domínios específicos. Está a ser criado um Ministério Público plenamente independente. A Ordem dos Advogados é o organismo profissional que representa os advogados, sendo independente e auto-regulado. Em julho de 2020, o Parlamento adotou uma série de reformas constitucionais para o setor da justiça.
Independência
A reforma do sistema de nomeações de juízes e magistrados foi adotada em julho de 2020. Na primavera de 2020, o Governo apresentou uma série de propostas de reforma, nomeadamente quanto ao sistema de nomeação de juízes, com vista a dar resposta às recomendações formuladas pela Comissão de Veneza em dezembro de 2018. Em 29 de julho de 2020, o Parlamento adotou um projeto de legislação que altera a Constituição. A Comissão de Veneza debateu e analisou todas estas propostas, mas o seu parecer sobre os textos legislativos ainda está pendente. Ao abrigo do quadro legislativo anterior, a nomeação de juízes e magistrados estava a cargo do presidente de Malta «deliberando em conformidade com o parecer do primeiro-ministro». Uma Comissão de Nomeação de Juízes decidia se os candidatos cumpriam os critérios de nomeação para um cargo judicial, mas não os classificava nem manifestava qualquer preferência por um candidato. A função da Comissão de Nomeação de Juízes consistia em constituir uma reserva de candidatos a cargos judiciais, a partir da qual o primeiro-ministro dispunha de poder discricionário para selecionar os candidatos a juízes ou magistrados, ao passo que o papel do presidente era meramente formal. Nos termos da nova legislação adotada pelo Parlamento, a composição da Comissão de Nomeação de Juízes foi revista e, em resultado, atualmente mais de metade dos seus membros pertence ao poder judicial. Os concursos relativos a vagas individuais para cargos judiciais serão tornados públicos. A Comissão de Nomeação de Juízos proporá os três candidatos mais adequados para determinada vaga diretamente ao presidente da República, o qual selecionará os juízes ou magistrados a partir dos nomes dos candidatos que lhe forem indicados. Os critérios de avaliação estão consagrados na Constituição. Estas reformas contribuirão para reforçar a independência judicial, tendo em conta as recomendações formuladas pelo Conselho da Europa. A Comissão Europeia e o Conselho suscitaram igualmente esta questão numa recomendação específica por país, no âmbito do Semestre Europeu de 2020, assim como também o fez o Parlamento. No seu parecer de 19 de junho de 2020, a Comissão de Veneza congratulou-se, em geral, com os planos de reforma relativos à nomeação de juízes, recordando, ao mesmo tempo, a necessidade de novas medidas para alcançar um sistema global de equilíbrio de poderes adequado, em conformidade com o seu parecer de dezembro de 2018. Além disso, a Comissão de Veneza está atualmente a elaborar um parecer adicional sobre os textos legislativos destas reformas. No que concerne ao presidente do Supremo Tribunal, de acordo com a reforma, a nomeação deve ser realizada com o apoio de dois terços dos membros do Parlamento, sem o envolvimento do poder judicial ou da Comissão de Nomeação de Juízes. Tendo em conta as várias funções do presidente do Supremo Tribunal (presidente do Tribunal Constitucional, presidente do Tribunal da Relação, presidindo em ambos os painéis de recurso), bem como as importantes responsabilidades do presidente do Supremo Tribunal na administração do sistema judicial (presidente da Comissão de Nomeação de Juízes, membro da Comissão para a Administração da Justiça, responsável pela disciplina judicial), a Comissão de Veneza sublinhou a importância de a sua nomeação ser, tanto quanto possível, despolitizada.
O Parlamento aprovou igualmente a reforma do procedimento de destituição dos juízes e outros magistrados. Ao abrigo do quadro anterior, as decisões relativas à destituição dos juízes e magistrados incumbiam ao Parlamento. A Comissão de Veneza recomendou a despolitização do procedimento. De acordo com as reformas, as decisões sobre a destituição de juízes e magistrados passam a ser uma prerrogativa da Comissão para a Administração da Justiça, composta maioritariamente por magistrados. O Parlamento deixará de participar nas decisões sobre a destituição de juízes ou outros magistrados. Além disso, as reformas preveem a possibilidade de interpor recurso das decisões de destituição junto do Tribunal Constitucional. Estas reformas reforçarão a independência judicial, tendo em conta as recomendações formuladas pelo Conselho da Europa
. No seu parecer de junho de 2020, a Comissão de Veneza congratulou-se com os planos de reforma, estando atualmente a elaborar um parecer adicional sobre os textos legislativos dessas reformas.
O nível de perceção da independência judicial é médio. Isto aplica-se tanto à perceção da independência judicial pelo público em geral (52 % bastante boa ou muito boa), como pelas empresas (48 % bastante boa ou muito boa).
Está a ser criado um Ministério Público plenamente independente. Até há pouco tempo, a maioria dos processos judiciais era tratada pela polícia, enquanto a Procuradoria-Geral tratava diretamente apenas dos crimes mais graves. Além disso, o procurador-geral exercia funções de ação penal a par da sua função de consultor jurídico do Governo, representando o Estado em processos judiciais, o que suscitou preocupações quanto à separação de poderes Em 2019, o Governo anunciou a sua intenção de criar um Ministério Público independente, respondendo às recomendações da Comissão de Veneza. O primeiro passo consistiu em criar o Gabinete do Advogado do Estado para assumir as funções não penais anteriormente exercidas pelo procurador-geral. O Advogado do Estado atua como consultor jurídico do Governo. O procurador-geral será responsável pela repressão de todos os crimes. O Governo prevê apresentar ao Parlamento, em outubro de 2020, uma lei que visa alargar as competências do procurador-geral em matéria de ação penal igualmente às infrações menos graves. A transferência de processos da polícia para o Ministério Público será realizada gradualmente, a partir do verão de 2020, devendo resultar na transferência de todos os processos penais para o procurador-geral. Por conseguinte, ainda será necessário algum tempo até que as reformas do Ministério Público possam ser plenamente executadas. No que se refere ao procurador-geral, o Parlamento aprovou uma lei, em julho de 2019, que estabelece um novo procedimento para a sua nomeação. A referida lei exige que o primeiro-ministro tenha devidamente em conta as recomendações formuladas por uma comissão de nomeação quando recomenda o nome do novo procurador-geral ao presidente nos termos do artigo 91.º da Constituição. Em 8 de setembro de 2020, de acordo com o novo procedimento, o primeiro-ministro aceitou o candidato recomendado pela comissão de nomeação para procurador-geral de Malta. Estas alterações contribuíram para reforçar o equilíbrio de poderes comparativamente com o procedimento de nomeação anterior. Na prática, a nomeação do procurador-geral continua a ser, em grande parte, uma competência do primeiro-ministro, o que tem sido considerado um problema.
Existe um elevado número de tribunais especializados em diferentes domínios. Estes tribunais incluem a Comissão de Recurso dos Refugiados, o Tribunal de Fiscalização do Ambiente e do Ordenamento, o Tribunal de Reclamações do Consumidor, o Tribunal de Recurso da Concorrência e do Consumidor, o Tribunal do Trabalho, o Tribunal de Recurso da Proteção da Informação e dos Dados, o Tribunal da Fiscalização da Saúde Mental, o Tribunal de Patentes, o Tribunal de Recurso de Licenças de Polícia, os Painéis de Tribunais de Fiscalização Administrativa e o Tribunal de Recurso da Detenção. A Comissão de Veneza manifestou a sua preocupação relativamente a estes tribunais especializados, considerando que não gozam do mesmo nível de independência que os da magistratura ordinária.
Qualidade
Foram adotadas algumas medidas para melhorar a qualidade do sistema judicial. Mais concretamente, foram tomadas as seguintes medidas, destinadas a melhorar a utilização das ferramentas informáticas nos tribunais: i) o preenchimento e pagamento eletrónicos das custas judiciais estão a ser alargados a mais tribunais cíveis; ii) o acesso em linha gratuito é concedido aos cidadãos e profissionais da justiça, a fim de consultarem os autos dos seus processos; iii) foi criada a plataforma eletrónica dos tribunais, que oferece uma série de serviços relacionados com a justiça ao público em geral e aos profissionais da justiça. O governo está a preparar uma estratégia digital e um plano de ação com o objetivo de reforçar o uso das novas tecnologias pelo sistema judicial. No que diz respeito à formação judicial, foi aumentado o orçamento do Comité de Estudos Judiciais, o que deverá permitir alargar a gama e a qualidade dos serviços de formação. Em 2018, não foi registada qualquer formação judicial no que diz respeito a uma série de competências judiciais importantes. A falta de formação sobre deontologia judicial continua a ser um problema.
O sistema de atribuição dos processos está a ser revisto. Ao abrigo do sistema atual, o secretário distribui os processos de acordo com as instruções do presidente do Supremo Tribunal. O objetivo da revisão é estabelecer um novo sistema que tenha em conta a complexidade dos processos registados, permitindo uma melhor distribuição dos processos e o aumento da eficiência.
Eficiência
A duração dos processos judiciais continua a ser uma das mais longas na UE. Não obstante algumas melhorias nos últimos anos, a duração dos processos em todas as instâncias e de todas as categorias continua a ser demasiado longa. Para os processos contenciosos em matéria civil e comercial na primeira instância, em 2018, os tribunais necessitaram de 440 dias, em média, para concluir um processo, tratando-se de um dos prazos mais longos da UE
. Esta situação é agravada pela morosidade dos processos em segunda instância (1 120 dias, em média). Do mesmo modo, a duração dos processos nos tribunais administrativos continua a ser preocupante (1 057 dias, em média), apesar de se terem registado algumas melhorias nos últimos anos. As taxas de resolução de processos indicam igualmente que os tribunais estão a funcionar atualmente no limite da sua capacidade
. Com efeito, Malta está entre os Estados-Membros da UE com o menor número de juízes per capita. A duração média dos processos de branqueamento de capitais em primeira instância (superior a 2 000 dias) é também motivo de especial preocupação e, em 2018, registou-se um agravamento desta situação. A partir de 16 de março de 2020, no âmbito das medidas de emergência para fazer face à pandemia de Covid-19, os tribunais foram encerrados, tendo os prazos processuais sido suspensos por ordem da Direção da Saúde Pública. Esta ordem foi revogada em 5 de junho de 2020.
II. Combate à corrupção
O enquadramento institucional da luta contra a corrupção prevê várias autoridades. A Comissão Permanente contra a Corrupção é responsável pela prevenção da corrupção e pela realização de inquéritos administrativos sobre práticas de corrupção. O comissário responsável pelas normas aplicáveis ao serviço público pode avaliar se os ministros, os secretários parlamentares ou outros membros do Parlamento violaram a lei, dever ético ou de outro tipo, ou praticaram algum abuso de poder. Até à data, as investigações e a ação penal relativas a crimes de corrupção têm incumbido à polícia (Unidade de Criminalidade Económica); no entanto, em resultado das reformas em curso (ver secção I), o procurador‑geral passa a exercer a ação penal relativamente a todas as infrações sancionadas com penas de prisão superiores a dois anos, incluindo a criminalidade económica, a corrupção e o branqueamento de capitais. A Unidade de Informação Financeira (UIF) e o Serviço de Auditoria e Investigações Internas participam igualmente no combate à corrupção. Este último realiza auditorias internas e investigações em todos os serviços e organismos governamentais. O crime de corrupção está contemplado no Código Penal. Em julho de 2020, o Parlamento aprovou uma série de reformas do enquadramento da luta contra a corrupção. A investigação e inquérito público independente em curso em relação ao assassinato da jornalista de investigação
Daphne Caruana Galizia
revelaram problemas graves de corrupção, tendo suscitado uma forte exigência por parte da sociedade de uma reforma profunda das capacidades de luta contra a corrupção e uma reforma mais ampla do Estado de direito.
Malta obteve uma pontuação de 54/100 no Índice de Perceção da Corrupção da Transparência Internacional, ocupando a 14.ª posição na União Europeia e a 50.ª a nível mundial
. Segundo um inquérito Eurobarómetro, 89 % dos inquiridos malteses consideram que a corrupção é generalizada em Malta (média da UE de 71 %) e 54 % das pessoas sentem‑se pessoalmente afetadas pela corrupção na sua vida quotidiana (média da UE de 26 %). No que diz respeito às empresas, 76 % consideram que a corrupção é generalizada (média da UE de 63 %) e 60 % consideram que a corrupção é um problema para a atividade empresarial (média da UE de 37 %). Ao mesmo tempo, 37 % dos inquiridos consideram que existem ações penais suficientes com desfecho positivo para dissuadir as pessoas de práticas de corrupção (média da UE de 36 %), enquanto 45 % das empresas consideram que as pessoas e as empresas acusadas de subornarem um funcionário superior são punidas de forma adequada (média da UE de 31 %)
.
Foram introduzidas algumas alterações na Comissão Permanente contra a Corrupção (CPC), suprindo algumas das carências identificadas e reduzindo o papel do primeiro‑ministro na nomeação dos seus membros. A CPC é responsável por ações de prevenção da corrupção e pela realização de inquéritos administrativos no âmbito de denúncias relacionadas com corrupção. Realiza inquéritos por sua própria iniciativa ou na sequência das denúncias recebidas. No âmbito do sistema anterior, a CPC comunicava as conclusões dos seus inquéritos ao ministro da Justiça e a legislação não exigia qualquer seguimento nem a instauração de ação penal. Também foram suscitadas preocupações relativamente à transparência nos casos que a CPC investigava e às recomendações emitidas. A Comissão Europeia, a Comissão de Veneza e o GRECO manifestaram preocupações quanto à sua eficácia limitada nos inquéritos e ao facto de os membros da CPC dependerem da nomeação do primeiro-ministro. Na primavera de 2020, o Governo apresentou propostas para alterar o procedimento de nomeação. Essa proposta foi aprovada pelo Parlamento em 29 de julho de 2020. Segundo o novo procedimento, o presidente da CPC deve ser nomeado pelo presidente da República, deliberando de acordo com uma resolução do Parlamento aprovada por maioria de dois terços. Os restantes dois membros da CPC devem ser nomeados pelo presidente, deliberando de acordo com o parecer do primeiro‑ministro e o parecer do líder da oposição, respetivamente. Em conformidade com as novas regras, as competências de investigação da CPC são alargadas, por forma a abrangerem um âmbito mais vasto de práticas de corrupção. Nomeadamente, a nova legislação prevê que, sempre que a CPC considere que as condutas investigadas impliquem, estejam ligadas ou sejam conducentes a práticas de corrupção, o relatório sobre os resultados do inquérito seja transmitido ao procurador-geral. Com estas alterações, a CPC juntamente com o Provedor de Justiça, o comissário responsável pelas normas aplicáveis ao serviço público e o Auditor Geral poderão recorrer de uma decisão do procurador-geral de não deduzir acusação. Contudo, os meios da CPC continuam a ser limitados, pondo em causa a sua capacidade para realizar inquéritos eficazes. No parecer emitido em junho de 2020, a Comissão de Veneza congratulou-se com os planos de reforma, estando atualmente a elaborar um parecer adicional sobre os textos legislativos das mesmas.
O tratamento de processos de corrupção de alto nível apresenta algumas insuficiências. Mais concretamente, os processos penais contra os titulares de cargos executivos de topo ainda estão na fase inicial da ação penal. Apesar da apresentação de novas provas nesses processos, ainda não é claro se foram iniciados os processos de investigação pertinentes
. A ação penal no âmbito de crimes de corrupção é conduzida pelos agentes da Unidade de Criminalidade Económica da Polícia Executiva de Malta. Tal como referido no relatório do Semestre Europeu de 2020 e nas resoluções do Parlamento Europeu, as investigações da polícia foram consideradas fragmentadas e os crimes de corrupção e de abuso de poder não foram objeto de ações penais efetivas. Segundo as autoridades, em 2019, foram comunicadas sete investigações em curso relacionadas com corrupção envolvendo funcionários públicos, duas das quais diziam respeito a casos de corrupção de alto nível. Embora já exista a possibilidade de interposição de recurso da não instauração de ação penal pela polícia, foi introduzida uma nova disposição para permitir que tais recursos possam igualmente ser interpostos em relação à não instauração de ações penais pelo procurador-geral
.
A seleção e o processo de nomeação do comissário da polícia foram entretanto alterados, questão que havia sido igualmente identificada pela Comissão de Veneza no seu parecer de dezembro de 2018. Em 1 de abril de 2020, o Parlamento aprovou um projeto de lei que altera o processo de seleção e nomeação do comissário da polícia. A Comissão do Serviço Público deverá lançar um concurso público, de forma totalmente independente e autónoma, e propor dois candidatos para o Gabinete de Ministros. O Gabinete deve então selecionar um único candidato entre os dois constantes da lista restrita. O novo método proposto também prevê que os candidatos incluídos na lista restrita compareçam perante a Comissão de Nomeação para Cargos Públicos do Parlamento, a fim de serem submetidos a controlo parlamentar.
Os recursos e capacidades da Unidade de Criminalidade Económica da polícia foram aumentados. Entre dezembro de 2019 e setembro de 2020, a unidade foi reforçada com um número considerável de agentes policiais, tendo o seu número passado de 59 para 98 agentes. A tónica foi colocada nos domínios que a polícia não tinha capacidade para tratar anteriormente, incluindo a criminalidade económica e financeira. Prevê-se um aumento da capacidade noutros domínios, nomeadamente a análise das cadeias de blocos, o reforço do instrumento de análise das informações e o acesso a bases de dados adicionais.
A Lei relativa à proteção dos denunciantes entrou em vigor em 2013. Prevê disposições relativas a procedimentos, tanto no setor privado como na administração pública, para a comunicar práticas irregulares. Todos os empregadores, incluindo todos os ministérios, deverão nomear um funcionário responsável pelo registo das irregularidades denunciadas por trabalhadores que pretendam comunicar de forma segura qualquer irregularidade que detetem. Por sua vez, o funcionário responsável pelo registo das irregularidades denunciadas deve tomar medidas ou – no caso de ações que constituam infrações penais – informar a polícia dentro de um prazo razoável. As denúncias podem dizer respeito a questões que ocorreram tanto antes como depois da entrada em vigor da lei. A legislação confere proteção a quem atua de boa-fé. No entanto, o número de denúncias de irregularidades é bastante limitado até à data.
Foram apresentadas propostas relativas à nomeação de pessoas que exercem funções executivas de topo. Foram apresentadas alterações destinadas a assegurar que a Comissão do Serviço Público, um organismo constitucional independente, emite recomendações ao presidente da República tendo em vista a nomeação e destituição de secretários permanentes, com base em requisitos claros e preestabelecidos. No que diz respeito às pessoas de confiança, foram apresentadas alterações à Lei da Administração Pública e à Lei relativa às Normas Aplicáveis ao Serviço Público, estabelecendo uma base jurídica clara para a sua nomeação. Tal surge na sequência das recomendações formuladas pela Comissão de Veneza e pelo GRECO sobre secretários permanentes
e pessoas de confiança
. A Comissão de Veneza está atualmente a elaborar um parecer adicional sobre os textos apresentados ao Parlamento.
Foi lançada uma consulta pública quanto à adoção de regulamentação em matéria de representação de grupos de interesse, que atualmente não existe. O comissário responsável pelas normas aplicáveis ao serviço público publicou um documento de consulta com propostas de regulamentação em matéria da representação de grupos de interesse. O comissário tenciona emitir recomendações relativas a alterações aos códigos deontológicos dos ministros e membros do Parlamento, conforme estabelecido na Lei relativa às Normas Aplicáveis ao Serviço Público O Ministério do Ambiente, das Alterações Climáticas e do Ordenamento criou uma plataforma de registo da transparência, que já se encontra operacional enquanto projeto-piloto.
O comissário responsável pelas normas aplicáveis ao serviço público manifestou a sua preocupação quanto aos conflitos de interesses dos membros do Parlamento. Desde que este comissário assumiu funções, em 2018, as declarações de património dos membros do Parlamento têm sido objeto de escrutínio. Tal decorre da Lei relativa às Normas Aplicáveis ao Serviço Público, que entrou em vigor em 30 de outubro de 2018. O comissário examinará as declarações e proporá igualmente uma revisão das informações a apresentar. No entanto, as declarações não são tornadas públicas, salvo as respeitantes aos ministros e secretários parlamentares. No que diz respeito aos conflitos de interesses, o comissário emitiu uma decisão sobre uma queixa, apresentada por um membro do Parlamento em julho de 2019, relativa ao potencial conflito de interesses dos membros do Parlamento que ocupam cargos no setor público ou que prestam serviços contratuais ao setor público. No seu relatório, o comissário verificou que dois terços dos membros do Parlamento ocupam cargos ou têm contratos no setor público, tendo concluído que a sua contratação pelo Governo é uma prática errada e apelado ao fim da mesma. No contexto do processo de reforma constitucional, está a ser analisada uma eventual reforma do estatuto dos membros do Parlamento. As pessoas com funções executivas de topo, nomeadamente secretários permanentes e pessoas de confiança, não estão sujeitas às mesmas obrigações de declaração que os membros do Parlamento. Devem apresentar as informações de base exigidas pelo código deontológico dos funcionários públicos anexada à Lei da Administração Pública
. As pessoas de confiança estão sujeitas ao controlo do comissário responsável pelas normas aplicáveis ao serviço público
.
III.Pluralismo dos meios de comunicação
A liberdade de expressão está consagrada na Constituição de Malta, assim como na Lei da Convenção Europeia (Capítulo 319 das Leis de Malta). A Lei da Comunicação Social e da Difamação, de 14 de maio de 2018, revogou a Lei da Imprensa de 1974, reformulando a legislação em matéria de difamação. A independência da Autoridade para a Radiodifusão está consagrada na Constituição. O facto de dois dos principais partidos políticos deterem a propriedade ou o controlo editorial de vários meios de comunicação social continua ter uma forte influência no panorama da comunicação social de Malta. O assassinato da jornalista de investigação Daphne Caruana Galizia, em outubro de 2017, foi visto de forma generalizada como um ataque à liberdade de expressão, tendo suscitado preocupações quanto à liberdade dos meios de comunicação e à segurança dos jornalistas em Malta.
A independência da Autoridade para a Radiodifusão está consagrada na Constituição. A Constituição estabelece os critérios de elegibilidade e de exclusão dos membros da Autoridade para a Radiodifusão e a forma como estes são nomeados. Conforme especificado mais pormenorizadamente no direito derivado, a Autoridade é uma pessoa coletiva com personalidade jurídica própria, independente do ponto de vista jurídico e funcional em relação ao Governo e a qualquer outro organismo público ou privado. As decisões da Autoridade podem ser impugnadas junto do Tribunal da Relação, bem como do Tribunal Constitucional. A Autoridade é financiada pelo Fundo Consolidado do Estado, que suporta os salários dos trabalhadores. Além disso, financia as suas despesas com a cobrança de taxas de licenciamento e multas impostas aos organismos de radiodifusão.
Os membros da Autoridade para a Radiodifusão são nomeados pelo presidente, deliberando em conformidade com o parecer do primeiro-ministro, emitido após consulta do líder da oposição. O Monitor do Pluralismo nos Media 2020 («MPM 2020») atribuiu um risco médio à independência e eficiência da Autoridade para a Radiodifusão, devido ao facto de cinco dos membros do seu conselho de administração serem titulares de cargos políticos. Foram selecionados pelos dois principais partidos políticos de Malta, enquanto o presidente é geralmente selecionado de comum acordo por esses dois partidos. O MPM 2020 salienta, com efeito, que a Autoridade controla e regula principalmente os meios de comunicação públicos (ou seja, os serviços públicos de radiodifusão), permitindo, efetivamente, que os outros dois principais meios de radiodifusão – detidos pelo Partido Trabalhista e pelo Partido Nacionalista, respetivamente – «se contrabalancem do ponto de vista editorial». A Diretiva Serviços de Comunicação Social Audiovisual revista estabelece uma série de garantias específicas para a independência e a eficiência das autoridades reguladoras nacionais dos meios de comunicação. Está atualmente em discussão, no Parlamento, um projeto de lei para a transposição da referida diretiva.
O Instituto dos Jornalistas de Malta (IJM) foi fundado em 1989, enquanto associação que reúne os profissionais da comunicação. O IJM adotou um código deontológico dos jornalistas e supervisionou a criação de uma Comissão de Ética da Imprensa (CEI) para tratar as queixas contra jornalistas no âmbito do código. O IJM contribuiu para a adoção de alterações à Lei da Imprensa de Malta, que prevê atualmente a confidencialidade das fontes, o privilégio condicionado, o direito à informação e o direito de resposta. O MPM 2020 salienta que o IJM, a única organização de jornalistas profissionais do país, não é geralmente considerado eficaz em salvaguardar a independência editorial e não parece ter uma voz suficientemente forte para garantir o bem-estar geral dos seus membros.
A Autoridade para a Radiodifusão reúne informações sobre a propriedade dos meios de comunicação, mas não existe a obrigação de tornar esta informação facilmente acessível ao público. Tal inclui as estações de rádio e de televisão detidas pelos partidos políticos, sendo tratadas como empresas de radiodifusão comerciais. Em caso de alteração da participação no capital da empresa de comunicação, a Autoridade deve ser informada, a qual procederá, posteriormente, a um exame de diligência devida. O registo das empresas e as informações sobre a propriedade estão disponíveis no registo em linha gerido pelo Registo Comercial de Malta. Não existem obrigações jurídicas específicas de as empresas de comunicação publicarem as suas estruturas de propriedade, por forma a tornar tais informações facilmente acessíveis ao público. Além disso, embora tenha o direito de obter dos titulares de licenças qualquer tipo de informação que considere necessária, a Autoridade para a Radiodifusão não publica essas informações. Por conseguinte, embora afirme que, de um modo geral, o público tem conhecimento de quem é proprietário das empresas de comunicação no país, o MPM 2020 atribui um risco médio no que diz respeito à transparência da propriedade dos meios de comunicação.
Os partidos políticos estão expressamente autorizados a deter, a controlar ou a ser responsáveis do ponto de vista editorial por serviços de rádio e televisão a nível nacional. Este direito está consagrado na Lei da Radiodifusão. Os dois principais partidos políticos representados no Parlamento detêm, controlam e gerem, efetivamente, a maioria dos meios de comunicação e dos organismos de radiodifusão malteses. Este facto leva o MPM 2020 a considerar que a independência política dos meios de comunicação está em risco elevado e a indicar igualmente que «não existem salvaguardas regulamentares comuns em matéria de nomeação ou destituição dos editores e, consequentemente, uma vez que os partidos políticos são proprietários de múltiplos meios de comunicação, a influência política nessas nomeações ou destituições é inevitável».
Não existe um enquadramento jurídico que regule a publicidade estatal. Esta situação gera riscos de abuso tanto pelo Governo como pelos próprios políticos. O governo utiliza publicidade estatal ao longo do ano, mas especialmente durante os meses que antecedem as eleições, para fazer propaganda política indireta. Um inquérito recente do comissário de Malta responsável pelas normas aplicáveis ao serviço público concluiu que é prática corrente os ministros utilizarem os recursos públicos para criarem conteúdos para as suas páginas pessoais nas redes sociais. O referido comissário, por conseguinte, estabeleceu diretrizes para o uso das redes sociais pelos ministros e secretários parlamentares. Segundo refere no seu relatório, o Governo comprometeu-se a respeitá-las.. Com base nestes fatores, o MPM 2020 aponta para um risco médio no que se refere à regulação estatal dos recursos e do apoio ao setor da comunicação.
A Lei da Liberdade de Informação estabelece o quadro jurídico para o acesso a informações na posse das autoridades públicas. Esta lei estabelece que os cidadãos malteses, os cidadãos da UE e as pessoas que residiram em Malta por um período mínimo de cinco anos podem solicitar o acesso a essas informações. Qualquer recusa de acesso deve ser fundamentada, sendo passível de recurso. No entanto, a definição ampla dos motivos de recusa, bem como os custos administrativos do procedimento, impedem muitas vezes o acesso à informação pública. Alguns jornalistas têm referido que, ao solicitarem acesso, têm deparado com algumas dificuldades, devido aos atrasos significativos ou à falta de resposta. Por estes motivos, o MPM 2020 atribui um risco médio ao acesso à informação. Dada a importância deste direito, isto constitui motivo de especial preocupação. O Governo está atualmente a analisar uma possível via a seguir para a eliminação da interpretação restritiva de divulgação de interesse público, a fim de dar resposta às recomendações do GRECO.
Está em curso um inquérito público dirigido por um antigo juiz sobre o assassinato da jornalista Daphne Caruana Galizia. Em resultado de uma pressão significativa exercida pela família da jornalista, bem como pela sociedade civil maltesa e por associações de imprensa europeias e internacionais, foi lançado um inquérito público, em setembro de 2019. Uma resolução da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa apelou especificamente à abertura desse inquérito. Tal inquérito público visa apurar se o Estado cumpriu as suas obrigações de tomar medidas operacionais preventivas para proteger pessoas cuja vida esteja ameaçada por atos criminosos, em particular os jornalistas, e investigar especificamente todas as circunstâncias em torno do assassinato de Daphne Caruana Galizia. O inquérito público revelou, até à data, uma série de elementos que foram qualificados por organizações de defesa da liberdade de imprensa como «revelações perturbadoras de corrupção do Estado e impunidade no processo [...], colocando em evidência as deficiências do Estado de direito de Malta, e a permanente impunidade tanto no que diz respeito ao assassinato de Daphne Caruana Galizia como aos abusos de poder que esta investigava». O MPM 2020, que atribui à profissão, às normas e à zona de proteção dos jornalistas um risco médio, salienta que «atendendo aos desenvolvimentos e revelações em curso e relacionados com o processo de Daphne Caruana Galizia, bem como às contínuas investigações de jornalistas independentes da corrupção de alto nível, pode-se afirmar com certeza que os jornalistas se sentem ameaçados». O MPM 2020 refere-se a uma série de campanhas de ódio reveladas na sequência de uma investigação realizada por uma plataforma independente em linha. A Comissão Europeia sublinhou repetidamente a necessidade de os responsáveis pelo assassinato de Daphne Caruana Galizia serem julgados sem quaisquer interferências políticas.
O impacto do assassinato da principal jornalista de investigação de Malta continua a fazer-se sentir no país. A plataforma do Conselho da Europa para promover a proteção do jornalismo e a segurança dos jornalistas comunicou três alertas em 2019, que ainda estão por resolver. As autoridades maltesas responderam a dois alertas. O primeiro diz respeito a um ciberataque à plataforma de comunicação independente e de investigação The Shift News. O segundo e terceiro alertas diziam respeito à intimidação por ação judicial contra três jornalistas, que investigavam um livro sobre o assassinato de Daphne Caruana Galizia, e ao tratamento de jornalistas na sequência de uma conferência de imprensa realizada no Gabinete do Primeiro-Ministro, respetivamente. Em 2020, a plataforma comunicou um alerta relativo a uma ação judicial estratégica contra a participação pública (SLAPP) apresentada por um empresário contra a The Shift News.
IV.Outras questões institucionais relacionadas com o equilíbrio de poderes
Malta é uma república parlamentar, em que o poder legislativo compete à Câmara dos Representantes, um Parlamento unicamaral, eleito por um período de cinco anos. O poder executivo incumbe ao presidente, eleito pelo Parlamento, e ao Gabinete, dirigido pelo primeiro-ministro. Todos os ministros do Governo, incluindo o primeiro-ministro, devem ser membros do Parlamento. Os processos relativos à constitucionalidade das leis são julgados pelo Tribunal Constitucional. A Constituição estabelece uma série de autoridades independentes, nomeadamente o Provedor de Justiça. Em julho de 2020, o Parlamento aprovou uma série de reformas constitucionais.
Foi adotada uma reforma constitucional do procedimento para a eleição do presidente de Malta. Essa reforma, adotada em 29 de julho de 2020, prevê que o presidente seja eleito por maioria de dois terços no Parlamento, e não por maioria simples. De acordo com as novas regras, se não for alcançada uma maioria de dois terços no Parlamento, a pessoa que ocupa o cargo de presidente deve permanecer em funções. Além disso, a destituição do presidente exigirá uma maioria de dois terços no Parlamento. O processo de eleição e destituição do presidente por uma maioria parlamentar de dois terços foi recomendado pela Comissão de Veneza e poderá contribuir para reforçar o papel de fiscalização do presidente em relação ao Governo. A Comissão de Veneza está atualmente a elaborar um parecer adicional sobre os textos legislativos desta reforma.
Foi igualmente aprovada uma reforma constitucional para reforçar o papel do Provedor de Justiça e está a ser debatida no Parlamento uma proposta para criar uma instituição de defesa dos direitos humanos. O Provedor de Justiça tem a função de investigar medidas tomadas pelo Governo ou por qualquer outra autoridade, em conformidade com a legislação, podendo realizar inquéritos por sua própria iniciativa ou com base numa queixa. A reforma aprovada pelo Parlamento em 29 de julho de 2020 introduz, na Constituição, o método de nomeação e destituição do Provedor de Justiça, bem como o seu direito de acesso à informação. A reforma também prevê que se, durante ou após uma investigação, o Provedor de Justiça considerar que existem provas de práticas de corrupção, conforme definidas na Lei da Comissão Permanente contra a Corrupção, pode remeter diretamente as suas conclusões para o procurador-geral. A reforma visa dar resposta às recomendações da Comissão de Veneza. Importa notar que as Nações Unidas recomendaram igualmente o reforço da independência do Gabinete do Comissário para as Crianças, assegurando recursos humanos, técnicos e financeiros adequados, específicos e independentes, bem como as imunidades de que necessita para poder desempenhar eficazmente as suas funções. Em 2019, foi apresentada ao Parlamento uma proposta de criação de uma instituição de defesa dos direitos humanos. O projeto de lei relativo à criação de uma Comissão para os Direitos Humanos e a Igualdade está a ser debatido nas comissões parlamentares competentes.
Foi apresentada ao Parlamento uma reforma constitucional relativa às nomeações para determinadas comissões independentes. O Governo propôs que as competências relativas à nomeação de várias comissões independentes fossem transferidas do primeiro-ministro para o Conselho de Ministros, incluindo no que se refere ao Banco Central de Malta e ao comissário responsável pela proteção de dados e informações. O Governo anunciou a intenção de continuar a debater as nomeações para outras autoridades independentes, como a Comissão Eleitoral, a Comissão do Serviço Público e a Autoridade para a Radiodifusão no âmbito do processo de reforma constitucional
Foi também encetado um processo de reflexão sobre o papel do Parlamento. Embora esteja a ser ponderada a possibilidade de introduzir alterações no estatuto dos membros do Parlamento, ainda não foram propostas medidas concretas. A Comissão de Veneza considerou que o Parlamento de Malta deve ser reforçado, a fim de garantir um controlo eficaz do Governo, tendo recomendado alterações no sentido de assegurar o trabalho a tempo inteiro e a remuneração dos deputados. Além disso, recomendou que os deputados disponham de competências de investigação apartidárias e/ou de um órgão consultivo superior. Acresce que deve ser evitada uma ampla utilização de legislação delegada.
Os acórdãos do Tribunal Constitucional não produzem efeitos erga omnes. Cabe ao Parlamento revogar ou alterar leis caso um acórdão do Tribunal Constitucional determine a inconstitucionalidade de uma ou mais das suas disposições. A Comissão de Veneza observou que, na prática, aparentemente tal nem sempre sucede, o que resulta na continuidade da aplicação de disposições consideradas inconstitucionais.
Subsistem problemas quanto à limitada utilização de instrumentos assentes em dados concretos e à eficácia das consultas públicas no processo legislativo. Embora existam vários canais de consulta do público, há uma certa margem de discrição quanto a iniciar ou não consultas públicas em larga escala e um grande número de exceções. Os resultados dos procedimentos de consulta pública nem sempre são publicados em linha atempadamente e de forma acessível. Além disso, segundo a OCDE, Malta carece de uma abordagem sistemática para verificar se as disposições legislativas e regulamentares alcançam os objetivos políticos pretendidos
. Estão previstas iniciativas em relação às consultas em linha e à criação de uma plataforma de participação eletrónica no quadro do Plano Estratégico para a Transformação Digital da Administração Pública 2019–2021.
No âmbito do estado de emergência de saúde pública, foram adotadas medidas para fazer face à pandemia. A Lei da Saúde Pública atribui ao diretor da saúde pública o poder de emitir, alterar ou revogar ordens em casos de epidemias e doenças infecciosas, com a possibilidade de fiscalização jurisdicional. O referido diretor declarou o estado de emergência de saúde pública em 1 de abril de 2020, com efeitos retroativos a partir de 7 de março de 2020, tendo este sido levantado em 30 de junho de 2020.
As organizações da sociedade civil desempenham um papel cada vez mais importante no debate público. O espaço cívico é considerado limitado atendendo às condições acima referidas quanto ao trabalho dos jornalistas
. Simultaneamente, na sequência do assassinato da jornalista Daphne Caruana Galizia, as organizações da sociedade civil têm participado mais ativamente no debate público. A principal lei que regula o enquadramento da sociedade civil é a Lei das Organizações Voluntárias, que define as organizações da sociedade civil como organizações de voluntários independentes e autónomas do Governo e cujo estatuto deve ser sempre respeitado por este último. Embora as estruturas de envolvimento e participação da sociedade civil possam ser melhoradas, as organizações da sociedade civil têm participado cada vez mais, nos últimos anos, nos debates sobre questões relacionadas com o Estado de direito, nomeadamente sobre a necessidade reformar a organização do sistema judicial e o combate à corrupção. O Governo manifestou o seu empenho em alterar vários atos legislativos, a fim de assegurar que é abordada a vulnerabilidade das organizações de voluntariado.
Anexo I: Lista de fontes por ordem alfabética*.
* A lista de contributos recebidos no âmbito da consulta para o relatório de 2020 sobre o Estado de direito pode ser consultada em (sítio Web COM).
Centro para o Pluralismo e a Liberdade dos Meios de Comunicação Social, Monitor do Pluralismo nos Media.
https://cmpf.eui.eu/media-pluralism-monitor/mpm-2020
.
CIVICUS, Monitor de acompanhamento do espaço cívico, Malta.
https://monitor.civicus.org/country/malta/
.
Comissão Europeia (2019), inquérito Eurobarómetro às empresas.
Comissão Europeia (2019), relatório por país sobre Malta, SWD(2019) 1017 final.
Comissão Europeia (2020), relatório por país sobre Malta, SWD(2020) 517 final.
Comissão Europeia, Painel de Avaliação da Justiça na UE de 2020.
Comissário responsável pelas normas aplicáveis ao serviço público, Towards the Regulation of Lobbying in Malta.
Comissário responsável pelas normas aplicáveis ao serviço público, relatório n.º K/002, 2019.
Comité dos Direitos da Criança das Nações Unidas (2019).
Conselho da Europa, Plataforma para promover a proteção do jornalismo e a segurança dos jornalistas – Malta.
https://www.coe.int/en/web/media-freedom/malta
.
Conselho da Europa: Assembleia Parlamentar (2019), Resolução 2293 (2019) da Assembleia Parlamentar: Resolução 2293 (2019) da Assembleia Parlamentar intitulada «Daphne Caruana Galizia’s assassination and the rule of law in Malta and beyond: ensuring that the whole truth emerges».
Conselho da Europa: Comissão de Veneza (2010), Report on the Independence of the Judicial System Part I: The Independence of Judges [CDL-AD(2010)004].
Conselho da Europa: Comissão de Veneza (2018), Malta – Opinion on constitutional arrangements and separation of powers and the independence of the judiciary and law enforcement [CDL‑AD(2018)028].
Conselho da Europa: Comissão de Veneza (2020) – Malta – Opinion on proposed legislative changes [CDL-AD(2020)006].
Conselho da Europa: Comissão de Veneza, Rule of Law Checklist [CDL-AD(2016)017].
Conselho da Europa: Comité de Ministros (2010), Recomendação CM/Rec(2010)12 do Comité de Ministros aos Estados-Membros relativa aos juízes: independência, eficiência e responsabilidade.
Conselho da Europa: Comité de Ministros (2016), Recomendação CM/Rec(2016)4 do Comité de Ministros aos Estados-Membros sobre a proteção do jornalismo e a segurança dos jornalistas e outros intervenientes nos meios de comunicação.
Conselho da União Europeia, Recomendação do Conselho de 20 de julho de 2020 relativa ao Programa Nacional de Reformas de Malta para 2020 e que emite um parecer do Conselho sobre o Programa de Estabilidade de Malta para 2020.
Direção-Geral da Comunicação (2019), Eurobarómetro Flash 482: Atitudes das empresas face à corrupção na UE.
Direção-Geral da Comunicação (2020), Eurobarómetro Especial 502: Corrupção.
Fundação Daphne Caruana Galizia, Contributo para o relatório de 2020 sobre o Estado de direito.
Governo de Malta (2020), contributo de Malta para o relatório de 2020 sobre o Estado de direito.
GRECO (2019), quarto ciclo de avaliações – segundo relatório de conformidade sobre Malta intitulado «Corruption prevention in respect of members of Parliament, judges and prosecutors».
GRECO (2019), quinto ciclo de avaliações – relatório de avaliação de Malta intitulado «Preventing corruption and promoting integrity in central governments and law enforcement agencies».
OCDE (2019), Indicators of regulatory policy and governance – Malta.
Rede Europeia de Instituições Nacionais de Direitos Humanos (2020), Contributo da Rede Europeia de Instituições Nacionais de Direitos Humanos para a consulta das partes interessadas para o relatório de 2020 sobre o Estado de direito.
Repórteres Sem Fronteiras, Malta.
https://rsf.org/en/taxonomy/term/150
.
Repubblika, contributo para o relatório de 2020 sobre o Estado de direito.
Resolução do Parlamento Europeu, de 15 de novembro de 2017, sobre o Estado de direito em Malta.
Resolução do Parlamento Europeu, de 18 de dezembro de 2019, sobre o Estado de direito em Malta, na sequência das recentes revelações sobre o assassinato de Daphne Caruana Galizia.
Resolução do Parlamento Europeu, de 28 de março de 2019, sobre a situação do Estado de direito e da luta contra a corrupção na UE, especificamente em Malta e na Eslováquia.
Transparência Internacional (2020), dados por país – Malta.
https://www.transparency.org/en/countries/malta
Tribunal de Justiça da União Europeia, Acórdão de 25 de julho de 2018 no processo C‑216/18 PPU, LM.
Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, Acórdão da Grande Secção de 6 de novembro de 2018, Ramos Nunes de Carvalho e Sá/Portugal, petições n.os 55391/13, 57728/13 e 74041/13.
Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, Acórdão da Grande Secção de 5 de maio de 2020, Kövesi/Romania, petição n.º 3594/19.
Visita virtual a Malta no contexto do relatório de 2020 sobre o Estado de direito.
Anexo II: Visita a Malta
No mês de junho de 2020, os serviços da Comissão mantiveram várias reuniões virtuais com:
·Associação dos Juízes
·Associação dos Magistrados
·Procurador-geral.
·Autoridade para a Radiodifusão
·Ordem dos Advogados
·Comissário responsável pelas normas aplicáveis ao serviço público
·Ministério da Justiça
·Comissão Permanente contra a Corrupção (CPC)
·Polícia: Unidade de Criminalidade Económica
·ONG Republikka
·Advogado do Estado
* A Comissão reuniu ainda com as seguintes organizações no âmbito de reuniões de concertação:
·Amnistia Internacional
·União das Liberdades Civis na Europa
·Sociedade Civil Europa
·Conferência das Igrejas Europeias
·EuroCommerce
·European Center for Not-for-Profit Law
·Centro Europeu para a Liberdade de Imprensa e dos Meios de Comunicação Social
·Fórum Cívico Europeu
·Free Press Unlimited
·Front Line Defenders (Defensores da Primeira Linha)
·ILGA-Europa
·Comissão Internacional de Juristas
·Federação Internacional dos Direitos Humanos
·Instituto Internacional da Imprensa
·Plataforma de Aprendizagem ao Longo da Vida
·Open Society Justice Initiative/Instituto de Política Europeia da Sociedade Aberta
·Repórteres sem Fronteiras
·Transparência Internacional - UE