16.5.2019   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 168/15


Parecer do Comité das Regiões Europeu sobre «Combater a desinformação em linha: uma estratégia europeia»

(2019/C 168/04)

Relator:

Olgierd GEBLEWICZ (PL-PPE), presidente da região da Pomerânia Ocidental

Texto de referência:

COM(2018) 236 final

RECOMENDAÇÕES POLÍTICAS

O COMITÉ DAS REGIÕES EUROPEU

Observações

1.

observa que, nos últimos anos, ocorreram mudanças profundas e céleres no ecossistema mediático mundial. Dificilmente se poderá sobrestimar o impacto dessas mudanças na vida social e política. As chamadas redes sociais (plataformas como o Facebook, o Twitter, o WhatsApp, o YouTube ou o Instagram), que, em poucos anos, transformaram o modo de difundir informações e opiniões, tornando-se um canal prioritário de comunicação entre as pessoas, ao passo que os meios de comunicação social tradicionais viram diminuir a sua influência e autoridade, assim como o seu papel na formação de opinião;

2.

salienta que, num futuro próximo, a grande maioria das informações circulará em linha e as redes sociais poderão constituir o principal veículo de transmissão destas mesmas informações aos cidadãos, em particular nos países ocidentais: já hoje em dia, mais de metade dos europeus utiliza as redes sociais quotidianamente, ou duas ou três vezes por semana;

3.

nota que a característica distintiva das redes sociais consiste no facto de elas oferecerem uma possibilidade de transmitir informações de «todos para todos»(«many to many») que não tem precedentes no passado nem noutros tipos de meios de comunicação social: qualquer utilizador de uma dada plataforma pode, pelo menos potencialmente, fazer chegar a sua própria mensagem a milhões de outros utilizadores sem necessitar da intermediação de moderadores, o que tem consequências positivas e negativas;

4.

observa que uma outra especificidade das redes sociais é que nos meios de comunicação social «tradicionais»— imprensa, rádio e televisão — um grupo bem definido de profissionais (jornalistas, editores e administradores) decide qual a informação a divulgar, podendo ser responsabilizado diretamente de várias formas pelas decisões que toma. No caso das redes sociais, esta situação é muito mais difícil, porque, por exemplo, é necessário identificar primeiro os autores e os canais de distribuição. Ao mesmo tempo, as redes sociais permitem uma rápida difusão «viral» ém de informações falsas junto de um vasto público;

5.

sublinha que esta falta de responsabilização — característica das redes sociais — é o resultado das disposições jurídicas em vigor, mas também do anonimato generalizado que é tolerado por todas as plataformas sociais;

6.

nota com apreensão que a combinação da massificação, da falta de responsabilização e do anonimato nas plataformas sociais conduziu a uma violação das práticas, dos princípios, das salvaguardas jurídicas e dos costumes que, até agora, se destinavam a garantir a credibilidade da informação transmitida;

7.

constata com particular apreensão que as redes sociais se tornaram um vetor de desinformação e um instrumento utilizado para fins de manipulação política, económica e social por parte de atores internos e externos. É difícil quantificar a escala atual de manipulação das redes sociais: a investigação disponível revela que, só em 2018, se organizaram campanhas formais de manipulação e desinformação nas redes sociais em 48 países, ao mesmo tempo que várias forças políticas (partidos, governos, etc.) em todo o mundo despenderam mais de quinhentos mil milhões de dólares em operações psicológicas e de manipulação da opinião pública nas redes sociais;

8.

salienta, além disso, que esta desinformação é amiúde utilizada para disseminar pontos de vista incompatíveis com os «valores indivisíveis e universais da dignidade do ser humano, da liberdade, da igualdade e da solidariedade», consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e na Convenção Europeia dos Direitos Humanos;

9.

salienta que a eficácia destas campanhas de desinformação é largamente aumentada através do acesso a informações pessoais pormenorizadas sobre os utilizadores das redes sociais, obtidas através das redes sociais ou adquiridas das mesmas, que podem ser utilizadas para personalizar a desinformação apresentada, maximizando assim o seu efeito;

10.

alerta para o facto de os atuais mecanismos de funcionamento das redes sociais, mais do que os de qualquer outro canal de informação, se prestarem à propagação de mentiras: segundo alguns estudos científicos, uma falsa informação que apareça, por exemplo, no Twitter tem uma probabilidade até 70 % mais elevada de ser retransmitida pelos utilizadores (ou, como também se pode dizer, «retuítada») do que uma informação verídica;

11.

sublinha igualmente que os estudos disponíveis identificam outros fenómenos inquietantes: os utilizadores das redes sociais têm grande dificuldade em avaliar o fundamento e a fiabilidade das informações veiculadas em plataformas desse tipo;

12.

expressa preocupação relativamente ao estado de preparação da União Europeia e dos seus Estados-Membros para combater a nova onda de desinformação que a inteligência artificial poderá desencadear; a desinformação já é hoje considerada uma das armas mais ameaçadoras de guerras futuras;

13.

apoia a mensagem do Parlamento Europeu (1) quanto à importância de a UE e os Estados-Membros cooperarem com os prestadores de serviços no domínio das redes sociais para lutar contra a divulgação de propaganda através das redes sociais, que pode ameaçar a coesão social dos nossos territórios e que leva à radicalização dos cidadãos, em especial dos nossos jovens;

14.

constata com agrado o desenrolar dos debates sobre o tema das chamadas «notícias falsas»(«fake news») e da desinformação atualmente em curso a nível europeu. A Comunicação da Comissão — Combater a desinformação em linha: uma abordagem europeia é um ponto de referência fundamental na discussão em curso sobre os modos de travar a desinformação na Internet;

15.

sublinha que a comunicação da Comissão Europeia identifica quatro elementos principais da estratégia de luta contra a desinformação em linha:

aumentar a transparência (qual a origem da desinformação, como e a quem se dirige, quem patrocina a sua produção e distribuição),

promover a diversidade das fontes de informação, em particular as que, graças à elevada qualidade do seu trabalho, assegurada pelo bom jornalismo, incentivam os cidadãos a usarem do seu discernimento crítico,

elaborar um sistema para avaliar a credibilidade das fontes de informação,

realizar programas de educação cívica;

16.

regista com interesse o relatório do grupo de peritos de alto nível da Comissão sobre as notícias falsas e a desinformação em linha, que importa encarar como um complemento essencial da comunicação da Comissão. O grupo de peritos identificou os domínios em que as medidas tomadas até à data fracassaram: refira-se, por exemplo, a opacidade dos algoritmos utilizados pelas plataformas sociais na hierarquização e definição da ordem de publicação dos conteúdos disponibilizados aos utilizadores;

17.

destaca a ação valiosa do grupo de trabalho East StratCom, uma unidade especial no âmbito do Serviço Europeu para a Ação Externa empenhada em expor as atividades de propaganda e desinformação levadas a cabo pela Rússia;

18.

toma igualmente nota do debate realizado no Parlamento Europeu sobre a questão da desinformação em linha: embora não se tenha avançado uma posição comum sobre o modo de combater a desinformação (os grupos políticos apresentaram diferentes pontos de vista), salientou-se, em particular, que a influência das fontes de propaganda russas na opinião pública dos Estados-Membros deve constituir um forte motivo de preocupação;

Prioridades

19.

frisa que a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia garante a todos os cidadãos da União Europeia o direito à liberdade de expressão, que compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber e de transmitir informações ou ideias, sem ingerência de poderes públicos e sem consideração de fronteiras. A ação das instituições europeias deve ter por objetivo assegurar a observância efetiva do direito a ser informado;

20.

recorda que a ameaça da desinformação afeta as sociedades democráticas e as instituições a todos os níveis. A influência das informações falsas deliberadamente difundidas na Internet pode ser tão nefasta numa comunidade local (e nos processos políticos, nomeadamente nas eleições europeias, nacionais e autárquicas) como na globalidade de um país; por conseguinte, tendo em vista as próximas eleições europeias, a luta contra a desinformação deve ser uma prioridade, tanto para as instituições da UE como para as redes sociais, a fim de assegurar que estas eleições se realizam de forma livre e justa;

21.

recorda igualmente que a desinformação prejudica as sociedades de muitas maneiras: não só leva a que se tomem decisões políticas com base em premissas falsas, como também pode incitar ódios e agressões, expor os cidadãos a perdas (materiais) e pôr em perigo a saúde e a vida humana. A longo prazo, a desinformação comprometerá também a confiança dos cidadãos em qualquer fonte de informação, bem como nas instituições, nas autoridades e na democracia;

22.

realça, ao mesmo tempo, que a luta contra a desinformação em linha não deve ocorrer em detrimento da liberdade de expressão, do direito à proteção dos dados pessoais, que devem permanecer sempre propriedade inalienável de cada utilizador — o único com poder para autorizar, retirar ou verificar o acesso total ou parcial aos dados —, nem de outros valores fundamentais da União Europeia. É inadmissível toda e qualquer forma de censura. As soluções adotadas devem ser proporcionais;

23.

observa que o esforço dos principais intervenientes no mercado das redes sociais, com o apoio das instituições europeias, incide atualmente sobre a luta contra a desinformação através da «autorregulação» plataformas sociais e da sua colaboração voluntária com entidades externas (por exemplo, organizações de verificação de factos) e com as autoridades nacionais; as plataformas sociais devem envidar mais esforços na luta contra as notícias falsas, nomeadamente através da sinalização, da verificação de factos e de ações de encerramento de contas falsas, dedicando recursos suficientes à monitorização dos fluxos de informação em diferentes línguas em todos os Estados-Membros da UE. Além disso, as plataformas de redes sociais, como o Facebook, o Twitter, o Instagram ou o YouTube, devem reforçar o conceito de «contas verificadas» seus utilizadores, para que estas sejam fontes fiáveis e éticas;

24.

assinala que, no caso de as medidas atualmente adotadas (por exemplo, o código voluntário de boas práticas em matéria de luta contra a desinformação que o Facebook, o Twitter e outras plataformas adotaram a título voluntário em 2018) se revelarem insuficientes e o problema da desinformação se agravar, poderá ser necessário recorrer a instrumentos jurídicos que imponham medidas específicas por parte das entidades de controlo das redes sociais;

Papel dos órgãos de poder local e regional na luta contra a desinformação

25.

recorda que a desinformação, na medida em que influi nos processos políticos e sociais locais, também pode afetar as condições sociais nas comunidades locais e, consequentemente, a qualidade de vida dos cidadãos;

26.

sublinha que, enquanto representante dos órgãos de poder local e regional da União Europeia, tal como consagrado nos Tratados, está numa posição particularmente adequada para participar no debate sobre os riscos da desinformação, bem como para encetar e coordenar as medidas adotadas pelos órgãos de poder local e regional europeus para fazer face a este problema, em consonância com o princípio universalmente aceite de que a luta contra a desinformação se deve apoiar na cooperação de numerosas e diversas instituições;

27.

identifica três domínios principais em que o Comité das Regiões e os órgãos de poder local e regional podem demonstrar capacidade de iniciativa e contribuir eficazmente para os esforços envidados na luta contra a atual desinformação em linha: a educação cívica, o apoio às organizações não governamentais e à sociedade civil e o apoio aos meios de comunicação social locais éticos;

Educação cívica

28.

concorda com a conclusão designadamente do relatório do grupo de peritos de alto nível sobre Notícias Falsas e Desinformação em Linha de que a educação e a formação dos cidadãos para uma utilização responsável e informada dos meios de comunicação em linha, em particular das redes sociais, constitui o melhor método a longo prazo de combater a desinformação;

29.

regista com interesse a proposta da Comissão Europeia relativa ao novo Programa Europa Digital para o período de 2021-2027 e convida, ao mesmo tempo, o Parlamento Europeu a propor a inclusão, no Fundo Social Europeu para 2021-2027, de uma prioridade consagrada à construção de uma sociedade informada, resiliente à propaganda e devidamente capacitada para verificar as informações difundidas pela Internet;

30.

assinala que os órgãos de poder local e regional — o nível de governação mais próximo dos cidadãos, amiúde responsável pela organização do ensino básico e secundário — estão na melhor posição para lançar programas educativos que promovam uma utilização responsável das fontes de informação em linha e a capacidade para distinguir entre fontes credíveis e não credíveis;

31.

incentiva os órgãos de poder local e regional a tomarem as medidas adequadas no sentido de garantir a integração de unidades letivas sobre a utilização responsável dos meios de comunicação social em linha nos currículos escolares desde o ensino básico;

32.

recorda, ao mesmo tempo, a necessidade de conceber os programas educativos de modo que seja fácil alterá-los e completá-los, tendo em conta a evolução incessante dos meios de comunicação social em linha, em particular, das redes sociais;

33.

destaca igualmente que a educação para uma utilização informada dos meios de comunicação social em linha precisa de ter em conta o facto de os conteúdos das redes sociais muitas vezes apelarem para as emoções dos seus destinatários, por vezes de forma subconsciente. Por este motivo, deve ser ministrada formação aos educadores para que possam dotar os seus educandos de instrumentos adaptados à idade e ao nível de formação em causa que os habilitem a evitar a armadilha do apelo às emoções, assim como a armadilha do que se poderia apelidar de «enviesamento cognitivo», ou seja, a tendência para considerar verídicas apenas e tão-somente as informações e as opiniões que corroboram convicções pessoais a priori;

34.

adverte que, tendo em conta a dificuldade de ensinar inteligência emocional e pensamento crítico, a formação e os instrumentos destinados aos educadores são uma condição indispensável. Em geral, os educadores não receberam formação neste domínio, e não estão necessariamente conscientes da sua importância ou até da sua existência. A dificuldade de ensinar uma competência importante, caso o educador não a possua, deveria ser compensada com instrumentos e processos proporcionais à importância dessas competências, não só para combater a desinformação, mas também para o desenvolvimento da pessoa enquanto cidadão e profissional;

35.

recorda a necessidade de sensibilizar os utilizadores para o facto de que a forma de funcionamento de algumas redes sociais e, em certa medida, de alguns meios de comunicação social tradicionais pode conduzir à formação de «bolhas de informação»«câmaras de eco» interior das quais só se confrontam pontos de vista e informações que agradam aos destinatários, incluindo em alguns casos informações falsas, cuja retificação não chega aos utilizadores. Além disso, os mecanismos das redes sociais parecem, muitas vezes, dificultar aos seus utilizadores um diálogo objetivo sobre opiniões e pontos de vista diferentes e, assim, encontrar soluções de compromisso, o que é a essência da democracia;

36.

incentiva os órgãos de poder local e regional e os estabelecimentos de ensino a consciencializar constantemente os consumidores, em particular os jovens, de que é no seu maior interesse defenderem-se contra a desinformação em linha. A desinformação não se restringe apenas à esfera política e social, mas também está presente com idêntica intensidade no plano comercial, incluindo os serviços financeiros e as vendas em linha, assim como no aconselhamento em matéria de saúde, sendo que a tomada de decisões importantes com base na desinformação pode ter consequências trágicas;

37.

manifesta disponibilidade para apoiar os órgãos de poder local e regional neste domínio, nomeadamente recolhendo as diversas experiências de todos os Estados-Membros e iniciando a elaboração de códigos de boas práticas;

Apoio às organizações não governamentais

38.

convida os órgãos de poder local e regional e a sociedade a criarem um quadro de apoio às organizações do terceiro setor empenhadas na luta contra a desinformação (através, por exemplo, da verificação de factos ou da educação cívica);

39.

sublinha a necessidade desse tipo de apoio, uma vez que o custo da verificação da informação é bem superior ao custo da «criação» informações falsas. As organizações independentes de verificação de factos, bem como as que apostam em ensinar os cidadãos a reconhecer mentiras, devem poder contar com assistência material;

40.

salienta que os órgãos de poder local e regional são precisamente o nível de governo que tem a capacidade para prestar tal apoio de diversas formas, seja através de concursos para a concessão de bolsas, da locação de espaços em condições preferenciais ou de outras formas de ajuda;

41.

assinala a possibilidade de desempenhar um papel de coordenação, definindo boas práticas e promovendo o intercâmbio de experiências;

Apoio aos meios de comunicação social locais

42.

chama a atenção para o caráter local de uma parte considerável da desinformação disseminada em linha; os meios de comunicação social existentes a nível local e regional podem, portanto, desempenhar um papel importante na correção desta informação, seguindo protocolos específicos e com o apoio adequado. Por essa razão, salienta a importância de meios de comunicação social locais e regionais de qualidade, caracterizados pelo dinamismo dos seus intervenientes, e nos quais o serviço público também desempenhe um papel importante. Tal é ainda mais importante no atual momento de transição que a produção e o consumo mediáticos estão a enfrentar;

43.

chama a atenção para o facto de que, graças à sua diversidade, os meios de comunicação social locais asseguram o pluralismo político e informativo em todos os territórios e regiões, e que a defesa desse pluralismo deve, portanto, ser um objetivo prioritário. No contexto atual, os meios de comunicação social locais atravessam uma situação difícil em muitos Estados-Membros — a entrada das redes sociais no mercado, a par das suas possibilidades técnicas (permitindo chegar a cada pessoa individualmente e orientar com precisão a mensagem em função do destinatário específico), erodiu as bases financeiras em que assentava o funcionamento dos meios de comunicação social locais, como os anúncios classificados, em alguns casos, em conjunto com tentativas conscientes a nível político de enfraquecer o pluralismo dos meios de comunicação social. Meios de comunicação social locais materialmente enfraquecidos são obviamente muito menos capazes de combater de forma ativa as mentiras que circulam em linha;

44.

apela, por conseguinte, para a realização de um debate pan-europeu sobre o modo como os meios de comunicação social locais podem ser apoiados. O debate deve articular-se em torno de dois eixos complementares: o apoio aos meios de comunicação social para que desenvolvam modelos de negócio viáveis e o modo como os órgãos de poder local e regional (as comunidades locais, mas também as instituições a nível central ou europeu) podem apoiar os meios de comunicação social locais, por exemplo através de subvenções, a fim de garantir um pluralismo de pontos de vista saudável e, ao mesmo tempo, continuar a agir em conformidade com os princípios do mercado único da UE, em particular as regras em matéria de auxílios estatais. Entretanto, recomenda às instituições locais e regionais que adotem medidas provisórias de apoio à imprensa local a fim de assegurar a sua sobrevivência.

Bruxelas, 6 de fevereiro de 2019.

O Presidente

do Comité das Regiões Europeu

Karl-Heinz LAMBERTZ


(1)  Parlamento Europeu 2016/2030 (INI).