6.12.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 440/28


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «O impacto da subsidiariedade e da sobrerregulamentação na economia e no emprego»

[parecer exploratório a pedido Presidência austríaca]

(2018/C 440/05)

Relator:

Dimitris DIMITRIADIS

Correlator:

Wolfgang GREIF

Consulta

Presidência austríaca do Conselho, 12.2.2018

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Competência

Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo

Adoção em secção

4.9.2018

Adoção em plenária

19.9.2018

Reunião plenária n.o

537

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

192/1/1

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

O CESE congratula-se com o pedido da Presidência austríaca do Conselho da União Europeia de elaboração de um parecer exploratório sobre o impacto da subsidiariedade e da sobrerregulamentação na economia e no emprego. Esta iniciativa enriquece e alarga o debate em curso sobre a iniciativa «Legislar Melhor», que visa proporcionar segurança jurídica, regras claras e reduzir ao mínimo a carga regulamentar para as empresas, os cidadãos e as administrações públicas (1). O nível atual de proteção dos cidadãos, dos consumidores, dos trabalhadores, dos investidores e do ambiente nos Estados-Membros não deve ser posto em causa aquando da transposição da legislação da UE.

1.2.

O CESE reitera o seu pedido de que as questões relacionadas com o futuro, incluindo os debates sobre as competências e o nível de regulamentação, sejam abordadas a nível nacional e europeu com a plena participação dos parceiros sociais e de outras organizações da sociedade civil. Trata-se de uma expressão fundamental da democracia participativa a vários níveis que deve, por conseguinte, ser reforçada na UE e nos Estados-Membros.

1.3.

O CESE salienta a importância primordial dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade para assegurar um processo legislativo europeu sólido e abrangente. Sublinha que a UE deve centrar-se nos domínios em que a legislação da União proporcione um valor acrescentado significativo. A Comissão Europeia deve, por conseguinte, identificar as questões que, para serem tratadas da forma mais eficiente, precisam realmente de ser abordadas ao nível da UE. Sempre que as decisões exijam que se tenham devidamente em conta as características nacionais, regionais e locais, as autoridades competentes devem dispor de espaço de manobra para as especificar, com a participação ativa das partes interessadas em causa, incluindo os parceiros sociais.

1.4.

No CESE, existem opiniões distintas relativamente ao termo «sobrerregulamentação», que refletem as diferenças de pontos de vista dos diversos intervenientes. Embora o termo «sobrerregulamentação» não tenha uma definição inequívoca, de um modo geral refere-se a uma situação em que os Estados-Membros introduzem requisitos que ultrapassam os requisitos mínimos estabelecidos na legislação da UE (principalmente diretivas) aquando da transposição para o direito nacional. A Comissão Europeia deve definir orientações para ajudar os Estados-Membros a transpor corretamente os respetivos requisitos de um ato jurídico, no respeito dos princípios da proporcionalidade e da subsidiariedade, e assegurando condições de concorrência equitativas.

1.5.

O CESE observa que, atendendo em especial à subsidiariedade e à proporcionalidade e em consonância com o direito da UE, é da exclusiva competência dos Estados-Membros introduzir medidas adicionais, para além das previstas pelos requisitos (mínimos) da UE, a fim de refletir as suas especificidades. Tais decisões devem ser adotadas de forma transparente, após consulta dos parceiros sociais e das partes interessadas, e devem estar em conformidade com a legislação da UE. Neste contexto, o CESE não questiona a soberania, a liberdade e a responsabilidade dos Estados-Membros no estabelecimento de leis e práticas nacionais.

1.6.

O CESE exorta as instituições europeias e os Estados-Membros a intensificar os seus esforços para reduzir a carga administrativa excessiva, a fim de impulsionar o crescimento e a criação de emprego sustentável.

1.6.1.

No contexto da elaboração do Quadro Financeiro Plurianual (QFP) para o período de 2021-2027, o CESE exorta a Comissão Europeia a adotar com brevidade medidas para reduzir a carga administrativa desnecessária que entrava seriamente os investimentos dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento (FEEI), designadamente em matéria de auxílios estatais, respeito dos procedimentos de contratação pública, práticas de auditoria e adoção tardia, ou mesmo com efeitos retroativos, de orientações pormenorizadas universais.

1.6.2.

O CESE salienta que a carga regulamentar e administrativa desnecessária constitui um obstáculo à maximização dos benefícios e à minimização dos custos regulamentares para as empresas, os cidadãos e os poderes públicos. O Comité reitera a necessidade de regulamentação simplificada, coerente e de melhor qualidade, que seja compreendida e aplicada adequadamente, com a participação, também indispensável, dos quatro níveis de governação, designadamente, UE, nacional, regional e local.

1.6.3.

Tal como em pareceres anteriores (2), o CESE recomenda à Comissão que realize um teste PME aprofundado no âmbito das suas avaliações de impacto.

1.7.

O CESE recorda que as normas mínimas europeias, em particular no contexto da política social, do consumidor e ambiental da UE, visam a aproximação das condições de vida e de trabalho em toda a União rumo a uma convergência ascendente. As normas mínimas previstas nas diretivas da UE não devem ser interpretadas como um «nível máximo» a não ultrapassar em caso algum aquando da sua transposição para os sistemas jurídicos nacionais. No entender do CESE, a aceitação do processo de integração europeia pelos cidadãos não deve, contudo, ser posta em causa por uma concorrência regulamentar que se traduza no nivelamento por baixo das normas. Todas as decisões devem ser tomadas de forma transparente e no âmbito de um diálogo aberto com os parceiros sociais e as organizações da sociedade civil.

2.   Introdução

2.1.

A Presidência austríaca do Conselho da UE solicitou ao CESE a elaboração de um parecer exploratório sobre o impacto da subsidiariedade e da sobrerregulamentação na economia e no emprego.

2.2.

O CESE observa que o pedido diz respeito tanto ao princípio da subsidiariedade como à sobrerregulamentação e alarga o debate atual sobre o tema «legislar melhor», relativamente ao qual o Comité já teve oportunidade de se pronunciar em diversos pareceres adotados recentemente (3).

2.3.

A questão da subsidiariedade adquiriu recentemente uma nova relevância, sobretudo através do Livro Branco sobre o Futuro da Europa. O Grupo de Trabalho para a Subsidiariedade e a Proporcionalidade, criado por Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, em novembro de 2017, apresentou um relatório com recomendações para uma melhor aplicação do princípio da subsidiariedade (4).

O CESE considera que o relatório é de natureza circunscrita em alguns aspetos, o que reflete a composição limitada do grupo de trabalho. Por conseguinte, recomenda vivamente que os eventos de seguimento contem com a participação ativa de representantes da sociedade civil. O Comité considera urgente abordar a proporcionalidade da ação europeia e, acima de tudo, os domínios em que a UE deve intensificar, reduzir ou mesmo suspender a sua ação, em consonância com os interesses dos cidadãos, da economia e de outras vertentes da sociedade.

2.4.

No entender do CESE, estas questões relacionadas com o futuro devem ser abordadas a nível nacional e da UE com a participação dos parceiros sociais e de outras organizações da sociedade civil. Conceder a estes intervenientes um espaço análogo ao dos níveis local e regional na elaboração e aplicação das políticas nacionais e da UE contribuiria diretamente para pôr em prática, de forma visível, a subsidiariedade horizontal.

2.5.

O CESE acolhe com agrado o reconhecimento pela Presidência austríaca do valor da integração do vasto conhecimento especializado dos parceiros sociais e das organizações da sociedade civil na conceção, aplicação e avaliação das medidas políticas a nível nacional e da UE. Trata-se de uma expressão fundamental da democracia participativa a vários níveis que deve, por conseguinte, ser reforçada na UE e nos Estados-Membros.

2.6.

A este respeito, o CESE exorta o grupo de trabalho a ter em devida consideração os seus pareceres sobre a subsidiariedade e a proporcionalidade, que também servem de base às observações e recomendações constantes do presente parecer.

3.   O princípio da subsidiariedade

3.1.

O princípio da subsidiariedade, consagrado no artigo 5.o do Tratado da União Europeia (TUE), destina-se a garantir que a ação da UE não excede o necessário para alcançar os objetivos do Tratado e que a UE só atua nos domínios que não sejam da sua competência exclusiva se os objetivos de uma medida legislativa puderem ser alcançados de forma mais eficaz a nível da UE do que a nível nacional, regional ou local.

3.2.

O CESE salienta a importância crucial destes princípios numa comunidade supranacional como a UE e congratula-se expressamente com os instrumentos estabelecidos pelo Tratado de Lisboa para a observância do princípio da subsidiariedade, desde a análise da subsidiariedade antes da adoção de um ato legislativo aos recursos que podem ser interpostos pelos órgãos legislativos nacionais por violação deste princípio.

3.3.

O CESE salienta igualmente que todos os domínios previstos no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) exigem uma Europa que funcione bem e que o princípio da subsidiariedade não deve servir para contrariar a ação da UE, que tem claro valor acrescentado europeu, para dar precedência, a priori, às abordagens nacionais ou mesmo para afastar de antemão a UE de domínios de intervenção fundamentais. Só devem ser adotadas disposições que apresentem um valor acrescentado europeu. O CESE considera que os desafios com que o continente se confronta neste momento não exigem uma renacionalização no sentido de «menos Europa», mas sim medidas audaciosas no sentido de uma Europa melhor e mais próxima dos cidadãos, que promova igualmente a coesão.

3.4.

O CESE reconhece que o papel dos Estados-Membros na aplicação da legislação da UE é particularmente crucial no caso da transposição de diretivas, que são vinculativas no que diz respeito ao resultado a alcançar mas deixam às autoridades nacionais a escolha da forma e dos métodos de execução, bem como a decisão — em conformidade com o direito da UE — de melhorar as normas, se considerarem oportuno. Ao mesmo tempo, a transposição não deve impedir o desenvolvimento de condições de concorrência equitativas para todos os intervenientes do mercado interno, o que constitui um requisito importante para o seu correto funcionamento.

3.5.

Embora os Estados-Membros sejam responsáveis pela transposição correta e atempada das diretivas, compete à Comissão Europeia, na sua qualidade de guardiã dos Tratados, garantir a aplicação adequada a nível nacional. Esta «responsabilidade partilhada» deve ser claramente visível desde o início do processo legislativo: para uma aplicação correta é necessário que a nova legislação da UE se baseie numa avaliação de impacto clara, transparente e completa, que a proposta seja apresentada numa linguagem clara e simples e que os prazos de aplicação sejam realistas.

3.6.

Contudo, o CESE adverte que, mesmo quando os requisitos acima referidos são cumpridos, a aplicação aos níveis nacional, regional e local pode revelar-se insuficiente e/ou ineficaz. A este respeito, reitera o seu apelo para que a Comissão Europeia intensifique de forma sistemática os seus esforços, em consonância com as suas competências, para iniciar mais rapidamente e com mais rigor procedimentos nos casos em que os Estados-Membros transponham de forma incorreta, ou não transponham, a legislação da UE (5), após ter explorado todas as possibilidades de cooperação.

3.7.

O CESE observa que vários compromissos jurídicos e políticos foram percecionados como ultrapassando a competência das instituições da UE e interferindo nas prerrogativas e escolhas dos Estados-Membros (por exemplo, iniciativas no domínio das relações laborais e dos sindicatos a nível nacional; regimes de pensões, sistemas de saúde e outros sistemas de segurança social, ou regulamentações profissionais, como os critérios de qualificação no setor da saúde).

Por conseguinte, o CESE opõe-se não só a um tal alargamento excessivo de competências por parte das instituições da UE, mas também à transferência para o nível nacional, sob o pretexto da subsidiariedade, de importantes domínios regulamentares do TFUE como, por exemplo, a defesa dos consumidores, as normas de proteção do ambiente e a política social europeia.

4.   Evitar a carga regulamentar e administrativa desnecessária — sobrerregulamentação

4.1.   O debate sobre a sobrerregulamentação

4.1.1.

Ao transporem a legislação da UE, os Estados-Membros introduzem por vezes medidas mais rigorosas ou avançadas do que o previsto nas disposições da legislação da UE (principalmente diretivas), ou não utilizam as possibilidades de eventual simplificação oferecidas pela diretiva. Este fenómeno é designado, em muitos documentos, «sobrerregulamentação». No primeiro caso, fala-se de «sobrerregulamentação ativa»; no segundo caso, de «sobrerregulamentação passiva».

4.1.2.

No CESE, existem opiniões distintas relativamente ao termo «sobrerregulamentação», que refletem também as diferenças de pontos de vista entre os diversos intervenientes. Para algumas partes interessadas, a sobrerregulamentação é considerada um excesso de normas, diretrizes e procedimentos acumulados aos níveis nacional, regional e local que criam uma carga administrativa desnecessária e interferem com os objetivos políticos que a regulamentação transposta pretende alcançar. No entanto, outras partes interessadas entendem que a utilização do termo estigmatizado «sobrerregulamentação» pode pôr em causa algumas normas avançadas, adotadas democraticamente pelos Estados-Membros e introduzidas nos seus sistemas jurídicos, em particular nos domínios do direito do trabalho, dos consumidores e do ambiente, bem como no que diz respeito às profissões liberais.

4.1.3.

O CESE exorta à adoção de uma abordagem pragmática e equilibrada e, para efeitos do presente parecer, centrar-se-á numa terminologia neutra e mais precisa, em consonância com o Acordo Interinstitucional sobre Legislar Melhor de maio de 2016.

4.2.   Definição de sobrerregulamentação

4.2.1.

O CESE propõe definir o termo «sobrerregulamentação» de forma mais precisa. Nos casos em que os Estados-Membros transponham o conteúdo da legislação da UE de forma mais ambiciosa (na substância ou do ponto de vista processual) ou procurem ser coerentes com a legislação nacional, podem ser utilizadas expressões como «disposições mais avançadas», «disposições mais rigorosas» ou «requisitos mais elevados». O termo «sobrerregulamentação» deve ser reservado aos casos em que, na transposição para o direito nacional, sejam acrescentados elementos inadequados e desnecessários à legislação da UE que não possam ser justificados à luz de um ou mais objetivos da medida proposta ou criem uma carga administrativa adicional desnecessária. Em qualquer caso, o termo «sobrerregulamentação» é muito genérico, a sua tradução em muitas línguas nacionais induz em erro e deveria ser substituído por um termo mais concreto.

4.2.2.

Independentemente da terminologia (e mesmo nos casos em que se pode utilizar o termo «sobrerregulamentação»), o CESE reitera que este conceito não deve, em particular, fazer referência a:

Restrição das normas existentes em domínios como direito do trabalho, direito social, direito do consumidor ou direito do ambiente, quando da transposição e aplicação da legislação da UE;

Medidas nacionais que não tenham qualquer relação (objetiva ou temporal) com a transposição do direito da UE;

Reforço de disposições gerais do direito da UE quando da sua transposição (por exemplo, estabelecimento de sanções legais concretas em casos de infração);

Aplicação de uma das várias opções explicitamente previstas para a transposição do direito da UE;

Disposições nacionais avançadas que vão além das normas mínimas, com base nas «cláusulas de não regressão» previstas no direito da UE;

Aplicação do conteúdo de uma diretiva a casos semelhantes, a fim de garantir a coerência e uniformidade da legislação nacional.

4.2.3.

O CESE reitera que o princípio da subsidiariedade permite que os Estados-Membros adotem medidas mais rigorosas, exercendo o seu direito de assegurar a realização de diferentes objetivos (por exemplo, económicos, sociais ou ambientais) e de demonstrar o seu empenho relativamente a um nível elevado de proteção, ao caráter específico dos instrumentos jurídicos, como as «diretivas», bem como a certos limites de competências. O Comité sublinha que estes compromissos mais rigorosos só devem ser assumidos no seguimento de um debate transparente e inclusivo com os parceiros sociais e as partes interessadas, num espírito de compreensão mútua e no âmbito de um processo decisório equilibrado.

4.3.   A sobrerregulamentação e o Programa Legislar Melhor

4.3.1.

No contexto do Programa Legislar Melhor, a Comissão Europeia reconhece o direito dos Estados-Membros de ir para lá das normas estabelecidas na legislação da UE (sobrerregulamentação), mas está preocupada com a falta de transparência a este respeito. O Reino Unido, os Países Baixos, a Bélgica, a Alemanha e a Áustria estabeleceram sistemas para identificar os casos de sobrerregulamentação. No Reino Unido e nos Países Baixos, a sobrerregulamentação é regulada por políticas oficiais centralizadas que visam promover o crescimento económico.

4.3.2.

Sem questionar de modo algum as atuais disposições do Tratado, em particular as competências da UE ou dos Estados-Membros, o CESE reitera, contudo, a importância de respeitar «os princípios gerais do direito da União, tais como a legitimidade democrática, a subsidiariedade e a proporcionalidade, e a segurança jurídica». Tal implica, nomeadamente, respeitar a soberania democrática, a liberdade e a responsabilidade dos Estados-Membros na conceção de leis e práticas nacionais que tenham em devida conta o papel dos parceiros sociais na matéria. O CESE apelou sempre à promoção da simplicidade, clareza e coerência na elaboração da legislação da União, bem como a uma maior transparência no processo legislativo.

4.3.3.

O CESE tem sublinhado repetidamente que a regulamentação europeia é um fator de integração essencial que não constitui um encargo ou um custo a reduzir — se equilibrada, bem proporcionada e não discriminatória «é, pelo contrário, uma garantia importante de proteção, promoção e segurança jurídica para todos os intervenientes e cidadãos europeus» (6). O Comité reitera a sua opinião de que a legislação é essencial para atingir os objetivos do Tratado, bem como para criar as condições indispensáveis a um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo em benefício dos cidadãos, das empresas e dos trabalhadores (7). Em consonância com o artigo 3.o do TFUE, a legislação contribui igualmente para melhorar o bem-estar, proteger o interesse geral e os direitos fundamentais, promover um elevado nível de proteção social e ambiental e garantir a segurança e a previsibilidade jurídicas, devendo impedir a distorção da concorrência e o dumping social (8).

4.3.4.

Quando da transposição das diretivas, os Estados-Membros acrescentam por vezes elementos desprovidos de uma relação clara com a legislação da UE em causa. O CESE considera que estes elementos adicionais devem ser postos em evidência — ou nos atos de transposição ou nos documentos conexos. Importa reconhecer, de forma geral, a legitimidade dos Estados-Membros para complementar os atos da UE que estabelecem uma harmonização mínima, desde que tal seja realizado com transparência e no respeito dos princípios da não discriminação e da proporcionalidade. Existem muitos exemplos de transposição não minimalista de diretivas nos Estados-Membros que podem ser considerados sobrerregulamentação.

4.3.5.

O CESE salienta que, em caso de harmonização mínima, os Estados-Membros podem elaborar disposições que visem a criação de emprego, a melhoria das condições de vida e de trabalho, uma proteção social adequada, um nível de emprego elevado e duradouro e a luta contra as exclusões (artigo 151.o do TFUE), a promoção e o desenvolvimento das PME, bem como um elevado nível de proteção da saúde, dos consumidores (artigos 168.o e 169.o do TFUE) e do ambiente (artigo 191.o do TFUE), sem no entanto criar cargas regulamentares ou administrativas inúteis.

4.4.

O CESE entende que as seguintes medidas ajudarão a evitar cargas regulamentares e administrativas desnecessárias:

A Comissão Europeia deve realizar avaliações de impacto integradas no âmbito da legislação europeia, tendo em devida conta a carga desnecessária e outras repercussões eventuais de qualquer texto regulamentar importante;

A legislação da UE deve ser avaliada com base no seu próprio mérito, caso a caso, a fim de alcançar uma harmonização direcionada que possa, em função das circunstâncias, ser mais avançada em determinados domínios e menos noutros. Compete à Comissão Europeia, através das avaliações de impacto, propor o nível de harmonização mais adequado, tendo em conta a necessidade de um nível elevado de proteção;

Ao transporem a legislação da UE, os Estados-Membros, a nível nacional e regional, devem ser plenamente transparentes a respeito de qualquer requisito suplementar que possa afetar de forma negativa o mercado único, a competitividade e o crescimento;

O facto de um Estado-Membro impor regras menos rigorosas do que outro não significa necessariamente que as regras deste último sejam desproporcionadas e incompatíveis com o direito da UE. Compete ao Estado-Membro proceder a uma avaliação caso a caso, tendo em conta os pontos de vista de todas as partes interessadas e o contexto regulamentar no seu todo. A avaliação de impacto poderá constituir um importante instrumento para esse fim;

Quaisquer requisitos adicionais introduzidos quando da transposição de diretivas devem ser acompanhados de documentação que indique de forma transparente as razões específicas para esses aditamentos.

4.5.

A fim de evitar colocar as empresas e outras partes interessadas numa situação de desvantagem concorrencial face aos seus homólogos noutros Estados-Membros, a Comissão Europeia deve definir orientações para ajudar os Estados-Membros a transpor corretamente os requisitos de um ato jurídico, no respeito dos princípios da proporcionalidade e da subsidiariedade, e assegurando condições de concorrência equitativas. A este respeito, o CESE reitera o seu apelo ao maior envolvimento possível dos parceiros sociais e outras partes interessadas pertinentes nos exercícios de transposição, bem como a uma forte participação dos Estados-Membros e dos parlamentos nacionais e regionais nas avaliações ex post correspondentes (9).

4.6.

Recomendações do CESE para uma transposição eficaz

4.6.1.

Os Estados-Membros devem prestar atenção aos prazos de aplicação pertinentes, para que haja tempo suficiente para a realização de consultas junto de todas as partes interessadas pertinentes:

Na preparação das posições-quadro nacionais para as negociações iniciais nos órgãos de trabalho dos Estados-Membros, deve prestar-se atenção ao prazo de transposição;

Devem verificar se as diretivas da UE preveem dois prazos, um para a elaboração da legislação nacional de aplicação e outro para a entrada em vigor da legislação;

O prazo de transposição deve ser acompanhado e monitorizado ao longo de todo o processo legislativo;

Os planos de aplicação da Comissão Europeia oferecem apoio e assistência.

4.6.2.

Consultas:

A nível da UE, a assistência prestada pela Comissão Europeia durante o processo de aplicação, por exemplo sob a forma de recomendações e de debates no âmbito de grupos de peritos, pode ser útil e contribuir para um entendimento comum entre os Estados-Membros;

A Comissão Europeia deve adaptar a metodologia de transposição existente (orientações), não só para garantir que a transposição de diretivas não entra em conflito com o direito europeu, mas também para salvaguardar a eficácia da transposição;

A disponibilização pela Comissão Europeia de plataformas Web especializadas (como a interface de notificação eletrónica existente) ou de uma base de dados eletrónica para atos legislativos específicos da UE, a fim de partilhar boas práticas, pode ser mais aprofundada. A governação a vários níveis deve ser promovida e incluir todas as partes interessadas pertinentes.

4.6.3.

Terminologia e atos delegados:

Os Estados-Membros são encorajados a verificar o emprego de uma linguagem precisa e congruente ao longo de todo o processo de negociação no Conselho;

Os termos e definições de base devem ser definidos claramente logo que possível, na fase inicial das negociações;

A Comissão Europeia deve ter em conta os diferentes significados dos termos e definições nos Estados-Membros;

As definições constantes de um ato legislativo específico devem ser coerentes com as utilizadas nos outros atos legislativos da UE;

Os atos delegados devem respeitar os requisitos estabelecidos no artigo 290.o do TFUE; o texto legislativo de base deve fornecer definições claras e explícitas;

Só se deve recorrer a atos delegados para os elementos não essenciais do ato legislativo, e apenas estes elementos podem ser completados ou alterados (10).

5.   Domínios sensíveis específicos

5.1.   Fundos Europeus Estruturais e de Investimento (FEEI)

5.1.1.

A política de coesão europeia, nomeadamente os fundos estruturais e, em particular, o Fundo Social Europeu, são aplicados num contexto administrativo, institucional e regulamentar complexo e constituem um domínio específico em que uma transposição desnecessária e onerosa pode ter um efeito negativo sobre as políticas da UE. Neste contexto, as regras nacionais e/ou regionais muitas vezes acrescentam elementos, em vez de se limitarem a garantir que os requisitos mínimos (europeus) são respeitados. Muitas destas regras conduzem a uma carga administrativa adicional. Importa referir que a adoção destes requisitos adicionais baseia-se, frequentemente, no pressuposto de que são importantes, úteis, necessários e o resultado de um processo democrático.

5.1.2.

No contexto da elaboração do QFP para o período de 2021-2027, o CESE exorta a Comissão Europeia a adotar rapidamente medidas para reduzir a carga administrativa desnecessária que entrava seriamente os investimentos dos FEEI, designadamente em matéria de auxílios estatais, respeito dos procedimentos de contratação pública, práticas de auditoria e adoção tardia, ou mesmo com efeitos retroativos, de orientações pormenorizadas universais. Reduzir ou evitar a carga administrativa desnecessária é uma responsabilidade partilhada de todos os intervenientes.

5.1.3.

As práticas inadequadas podem gerar falta de confiança em todo o sistema de execução dos FEEI. Essas práticas incluem uma abordagem de aversão ao risco a todos os níveis; falta de coerência na interpretação das respostas das diferentes direções-gerais da Comissão Europeia; lacunas persistentes na harmonização das regras dos FEEI a nível nacional, regional e local; receio do incumprimento das regras relativas aos auxílios estatais; abordagens diferentes a nível da UE (tónica na transparência) e a nível nacional (tónica na relação custo-benefício) no que diz respeito à política de contratos públicos; e ainda divergências entre as culturas administrativas nacionais.

5.1.4.

As práticas inadequadas podem também afetar negativamente os beneficiários e os organismos responsáveis pelos programas e aumentar a carga e os custos administrativos da aplicação dos FEEI, tornando-os menos atrativos. A ausência de sistemas de resolução alternativa de litígios pode ter repercussões negativas nas empresas e, em particular, nas PME: atrasos no pagamento, sobrecarga administrativa, controlos inadequados, recusa de projetos, exclusão de ações coletivas, etc. Por estes motivos, o CESE apela à criação de sistemas especializados de resolução de litígios.

5.1.5.

Recomendações para ações futuras no período de 2021-2027:

5.1.5.1.

Redução da carga administrativa no domínio da gestão e do controlo:

Ação rápida a nível da UE e nacional para identificar e, se possível, eliminar as práticas, processos e procedimentos redundantes e para propor soluções mais eficazes com base em boas práticas;

A «gestão partilhada» é uma das principais causas da complexidade dos FEEI. Importa aplicar a «abordagem integrada», no âmbito da qual a administração e o controlo dos FEEI são realizados com base nas normas nacionais («gestão descentralizada»);

Os Estados-Membros devem proceder à revisão dos seus próprios sistemas de auditoria, gestão e controlo, a fim de detetar e eliminar as regras excessivas e que se sobrepõem, salvaguardando, ao mesmo tempo, a correta utilização dos fundos da UE;

A Comissão Europeia deve ter mais em conta a intensidade do auxílio e as especificidades dos diferentes modelos e mecanismos de aplicação (ou seja, subvenções, instrumentos financeiros, custos simplificados, etc.) aquando da conceção das regras e procedimentos pertinentes.

5.1.5.2.

O CESE insta à simplificação e racionalização das regras em matéria de auxílios estatais, nomeadamente eliminando todas as fontes de incerteza no que se refere à sua aplicação. Importa considerar a possibilidade de realizar alterações, incluindo às regras aplicáveis, se necessário, para que os projetos semelhantes apoiados pelos FEEI sejam tratados do mesmo modo que os projetos financiados a partir do Fundo Europeu para Investimentos Estratégicos (FEIE) e dos programas geridos diretamente pela Comissão Europeia, como o Horizonte 2020. Ao mesmo tempo, o CESE adverte para a necessidade de limitar o número de notas de interpretação e orientação e de documentos baseados em perguntas e respostas, a fim de evitar que se tornem numa camada adicional de legislação de facto. Recomenda a sua substituição por uma ampla difusão de boas práticas e que se evite a sua aplicação com efeitos retroativos. Exorta a Comissão Europeia a abster-se de elaborar orientações válidas para todos os Estados-Membros com base num pedido ou em problemas que dizem respeito apenas a um ou a alguns Estados-Membros.

5.1.5.3.

A fim de fazer face às diferentes abordagens em relação às regras de contratação pública, o CESE propõe a criação de um grupo de trabalho conjunto composto por representantes das direções-gerais competentes e pelos responsáveis dos fundos pertinentes, que deverá interpretar as regras de forma coerente, quando necessário, bem como prestar aconselhamento coerente e proporcionar uma abordagem uniformizada relativamente às correções financeiras.

5.1.5.4.

O CESE entende que a subsidiariedade deve ser mais bem aplicada na execução dos FEEI, deixando às autoridades nacionais a responsabilidade de verificar o respeito das regras nacionais. Convida os Estados-Membros a tirarem pleno partido das opções de simplificação disponíveis no novo período de programação, a absterem-se de praticar a sobrerregulamentação, que se refere aqui a todas as normas, diretrizes e procedimentos de aplicação que podem ser considerados desnecessários face aos objetivos estratégicos definidos pelas autoridades de gestão, e a eliminarem a carga administrativa desnecessária.

5.2.   Rumo a uma melhor regulamentação

5.2.1.

O CESE salienta que a carga regulamentar e administrativa desnecessária constitui um obstáculo para as empresas, os cidadãos e os poderes públicos. O Comité reitera a necessidade de regulamentação simplificada, coerente e de melhor qualidade, que seja compreendida corretamente e aplicada de forma transparente, com a participação, também indispensável, dos quatro níveis de governação, designadamente, UE, nacional, regional e local.

5.2.2.

Alguns Estados-Membros dispõem de comités nacionais perante os quais os governos devem justificar a adoção de regras mais rigorosas do que os níveis mínimos estabelecidos na legislação da UE («sobrerregulamentação»). Nos Estados-Membros em que estes organismos não existem não é necessário criar novos organismos administrativos, mas quaisquer requisitos que vão além das normas da UE devem ser adotados de forma transparente nesses países.

5.2.3.

Como em pareceres anteriores (11), o CESE recomenda uma realização mais eficiente de testes PME no âmbito das avaliações de impacto das propostas de novos atos legislativos europeus. Insta os Estados-Membros a tirarem partido das possibilidades de conceder isenções às microempresas relativamente a determinadas regras, em conformidade com o direito da UE. O CESE reitera a sua opinião de que os objetivos de redução da carga regulamentar se devem basear numa avaliação global, que inclua um diálogo com a sociedade civil e as partes interessadas. O nível atual de proteção dos cidadãos, dos consumidores, dos trabalhadores, dos investidores e do ambiente nos Estados-Membros não deve ser posto em causa aquando da transposição da legislação da UE (12).

5.2.4.

O CESE insiste na paridade e na homogeneidade dos diversos objetivos das políticas da UE, de acordo com o Tratado, sublinhando, em particular, uma economia de mercado altamente competitiva e socialmente responsável que tenha como meta o pleno emprego e o progresso social, e um elevado nível de proteção e de melhoria da qualidade do ambiente.

5.2.5.

O CESE convida a Comissão Europeia a ter em conta, sempre que oportuno e justificado, a utilização de modelos baseados em incentivos, bem como as normas e diretrizes internacionais.

6.   Impacto nas normas em matéria de emprego, de defesa do consumidor e de ambiente

6.1.

Nas últimas décadas, foram estabelecidas várias normas mínimas aplicáveis a nível da UE nos domínios da proteção do consumidor, do ambiente e dos trabalhadores, que visam obter uma convergência ascendente das condições de vida e de trabalho na União, ou seja, uma maior convergência social nos termos do artigo 151.o do TFUE.

6.2.

O legislador da UE deixou deliberadamente margem para a aplicação de normas mínimas pelos Estados-Membros, em consonância com os princípios dos Tratados, em particular no respeito da proporcionalidade. Por conseguinte, as diretivas preveem que, no processo de aplicação, os Estados-Membros podem ter em conta as suas normas mais elevadas. O CESE sublinha que, sempre que os Estados-Membros optem por normas de proteção mais ambiciosas, podem ser tidos em conta os princípios de «legislar melhor», entre outras considerações.

6.3.

Estas normas nacionais são o resultado de processos de negociação democráticos que envolvem em grande medida os parceiros sociais nacionais e europeus e beneficiam os trabalhadores, os consumidores e as empresas. Em consonância com os objetivos do TUE, o estabelecimento destas normas mínimas deve visar assegurar um melhor funcionamento do mercado único e, ao mesmo tempo, não deve afetar negativamente os níveis mais elevados de proteção fixados à escala nacional. As normas mínimas previstas no direito da UE até incluem frequentemente «cláusulas de não regressão», especificando que a transposição da diretiva não pode servir para justificar a redução, para o nível da norma europeia, de eventuais normas nacionais mais elevadas. Tal não significa, contudo, que as normas nacionais sejam imutáveis e não possam, em caso algum, ser alteradas.

6.4.

Quando da transposição do direito da UE para o direito nacional, os Estados-Membros podem recorrer a avaliações de impacto a fim de verificar as repercussões sociais, económicas ou de outra natureza.

6.5.

Na política social, tal como na defesa do consumidor e na proteção ambiente, a legislação da UE assegura que as normas mais elevadas dos Estados-Membros não sejam postas em causa e sejam salvaguardadas, associando simultaneamente todas as partes interessadas às avaliações de impacto. A este respeito, o CESE manifestou reiteradamente a opinião de que o Programa Legislar Melhor deve conduzir a legislação da UE de elevada qualidade sem prejudicar os principais objetivos políticos ou exercer pressões no sentido da desregulamentação relativamente às normas de proteção social e ambiental ou aos direitos fundamentais (13).

6.6.

O CESE recorda que as normas mínimas europeias, em particular no contexto da política social da UE, visam uma aproximação das condições de vida e de trabalho em toda a União rumo a uma convergência social ascendente. As normas mínimas previstas nas diretivas da UE não devem ser interpretadas como um «nível máximo» a não ultrapassar em caso algum aquando da sua transposição para os sistemas jurídicos nacionais.

6.7.

O CESE apoia o processo «Legislar Melhor» e reconhece o seu valor acrescentado. Ao mesmo tempo, alerta para o facto de que este processo não deve, em circunstância alguma, ser utilizado como pretexto para a redução dos requisitos, especialmente em domínios como o direito em matéria de proteção dos consumidores, do ambiente e do trabalho, a promoção da prosperidade e do crescimento e a criação de emprego sustentável. O CESE adverte que tal alimentaria o crescente ceticismo em relação à UE entre vastas camadas da população. No entender do CESE, a aceitação do processo de unificação europeia pelos cidadãos não deve ser posta em causa por uma concorrência regulamentar que se traduza num nivelamento por baixo das normas.

Bruxelas, 19 de setembro de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  https://ec.europa.eu/info/law/law-making-process/planning-and-proposing-law/better-regulation-why-and-how_en#need

(2)  JO C 197 de 8.6.2018, p. 1.

(3)  JO C 434 de 15.12.2017, p.11; JO C 13 de 15.1.2016, p. 192; JO C 303 de 19.8.2016, p. 45; JO C 487 de 28.12.2016, p. 51; JO C 262 de 25.7.2018, p. 22.

(4)  https://ec.europa.eu/commission/sites/beta-political/files/report-task-force-subsidiarity-proportionality-doing-less-more-efficiently_1.pdf

(5)  JO C 262 de 25.7.2018, p. 22, e JO C 18 de 19.1.2017, p. 10.

(6)  Ver, entre outros, o ponto 1.2 do Parecer do CESE — Programa REFIT (JO C 303 de 19.8.2016, p. 45).

(7)  COM (2012) 746 final, p. 2.

(8)  JO C 303 de 19.8.2016, p. 45, ponto 2.1.

(9)  JO C 262 de 25.7.2018, p. 22, ponto 1.2.

(10)  CES248-2013 (relatório de informação) (JO C 13 de 15.1.2016, p. 145).

(11)  JO C 197 de 8.6.2018, p. 1.

(12)  JO C 262 de 25.7.2018, p. 22, pontos 4.7.1 e 4.8.3.

(13)  JO C 262 de 25.7.2018, p. 22 (pontos 1.1 e 3.4.); JO C 303 de 19.8.2016, p. 45 (pontos 2.1, 2.2 e 2.5); JO C 13 de 15.1.2016, p. 192 (ponto 2.4).