8.5.2018   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 164/73


Parecer do Comité das Regiões Europeu — O papel da produção de energia a partir de resíduos na economia circular

(2018/C 164/12)

Relatora:

Kata TÜTTŐ (HU-PSE), representante do 12.o distrito de Budapeste

Texto de referência:

Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — O papel da produção de energia a partir de resíduos na economia circular

COM(2017) 34 final

RECOMENDAÇÕES POLÍTICAS

O COMITÉ DAS REGIÕES EUROPEU

Considerações gerais

1.

reafirma que a hierarquia dos resíduos é um princípio essencial da economia circular e concorda que os processos de valorização energética podem contribuir para a transição para uma economia circular, desde que as soluções escolhidas não constituam um obstáculo à consecução de níveis mais elevados de prevenção de resíduos, reutilização de produtos e reciclagem de resíduos;

2.

reitera que, para atingir a ambiciosa meta de criar uma economia circular em grande escala, é indispensável a vontade política de todos os níveis envolvidos para adotar as medidas necessárias, bem como uma mudança duradoura da opinião pública e do comportamento dos consumidores, e a criação de um mercado estável de produtos e materiais derivados de matérias-primas secundárias;

3.

insiste em que, sob determinadas condições, a produção de energia a partir de resíduos que não podem ser evitados ou reciclados, efetuada em instalações de incineração de elevado rendimento, faz parte integrante da economia circular e desempenha um papel importante em muitos Estados-Membros e regiões para reduzir de forma significativa a deposição em aterro num futuro próximo. A produção de energia a partir de resíduos também contribui para o abastecimento de energia;

4.

salienta que o planeamento da produção de energia a partir de resíduos deve igualmente basear-se na hierarquia dos resíduos estabelecida pela UE, na redução máxima do volume de resíduos e na reflexão sobre o ciclo de vida, e que, no âmbito da economia circular, importa que não nos afastemos do modelo caracterizado por uma taxa elevada de reciclagem em benefício da valorização energética, evitando, por conseguinte, o sobredimensionamento da capacidade destas instalações. Cabe sublinhar, porém, que só devem circular os resíduos adequados para reciclagem e que a deposição em aterro dos resíduos finais deve ser utilizada apenas em último recurso. Assim, a valorização energética deve ter prioridade em relação à deposição em aterro;

5.

insiste na extrema importância de aplicar plena e corretamente a legislação europeia em vigor em matéria de resíduos, a fim de criar condições de concorrência equitativas para a gestão dos resíduos em toda a Europa;

6.

convida todos os níveis de governo dos Estados-Membros a envidarem todos os esforços para reduzir a deposição em aterro e a quantidade de resíduos não recicláveis a incinerar, nomeadamente quando não se obtém uma valorização energética, prestando especial atenção à prevenção de resíduos, ao desenvolvimento da recolha seletiva de resíduos e aos investimentos nas atividades que ocupam uma posição mais elevada na hierarquia dos resíduos;

7.

salienta que existem diferenças profundas entre as regiões europeias, não só no que diz respeito ao volume de resíduos urbanos, mas também ao seu tratamento. Algumas regiões ultrapassaram já os objetivos da União em matéria de resíduos sem recorrer à valorização energética, ao passo que outras não atingiram os objetivos mínimos fixados. Esta situação demonstra que a adoção de sistemas semelhantes pode produzir resultados finais muito diferentes e que o empenho do nível local em alcançar os objetivos fixados se reveste, por conseguinte, de importância crucial;

8.

relembra que a hierarquia dos resíduos constitui um pilar essencial da política e da legislação da UE em matéria de resíduos e um elemento-chave na transição para a economia circular. O seu objetivo principal é estabelecer uma ordem de prioridades que minimize os efeitos ambientais nocivos e otimize a eficiência dos recursos na prevenção e gestão dos resíduos;

9.

salienta que, dado existirem disparidades acentuadas entre os Estados-Membros e as regiões no que diz respeito à situação e às possibilidades de produção de energia a partir de resíduos, os métodos mais adequados para atingir os objetivos gerais podem também ser muito diversos e importa, por conseguinte, evitar uma abordagem uniforme;

Recolha seletiva de resíduos

10.

considera que os biorresíduos representam uma parte significativa do volume de resíduos domésticos e sublinha que é necessário dar mais atenção à obtenção de um grau mais elevado de reciclagem dos biorresíduos, através de processos como a digestão anaeróbia de resíduos biodegradáveis limpos e triados de forma adequada, que combina a reciclagem de materiais com a valorização energética. A recolha de biorresíduos deve corresponder às circunstâncias locais e regionais, devendo haver margem para o desenvolvimento e a inovação neste contexto. É, por conseguinte, importante que a recolha seja organizada da forma que a nível local se considere a melhor para atingir os objetivos de reciclagem estabelecidos na Diretiva-Quadro Resíduos, e não impor aos órgãos de poder local e regional requisitos relativos aos métodos de recolha;

11.

é de opinião que, perante os diferentes níveis de desenvolvimento das regiões da UE e os encargos financeiros relativamente elevados decorrentes da aplicação de sistemas cada vez mais sofisticados de reciclagem e de valorização energética, seria oportuno estudar as possibilidades de aumentar o financiamento de ações neste domínio. Tal seria do interesse dos cidadãos de todos os Estados-Membros;

12.

chama a atenção para o facto de que, em muitas regiões, apesar de a taxa de recolha seletiva ser elevada, a reciclagem não é proporcional à mesma, sendo, por conseguinte, necessário criar instrumentos políticos específicos para resolver esta contradição. Em particular, é importante estabelecer regras para fomentar a utilização de matérias-primas secundárias, num quadro de concorrência de preços adequado relativamente às matérias-primas originais;

13.

apoia o desenvolvimento de mecanismos de triagem e de reciclagem de resíduos que conduzam à produção de resíduos de elevada qualidade, com baixo teor de substâncias poluentes. Também é possível recorrer a outros métodos, como a substituição de combustíveis fósseis por resíduos dos mesmos nas instalações de combustão destinadas à produção de cimento e cal, a digestão anaeróbia de resíduos biodegradáveis ou a produção de combustíveis derivados de resíduos. A criação de novas capacidades de incineração é, porém, uma solução complementar, que deve ser utilizada para evitar a construção de novos aterros em regiões com capacidade reduzida de incineração de resíduos. Tal traz muitos benefícios para o ambiente em geral. Todavia, essas instalações de incineração devem ser acompanhadas pela valorização energética;

Capacidade de incineração

14.

reconhece que a transição para uma economia circular requer, no âmbito do planeamento do tratamento dos resíduos não recicláveis, que se encontre o equilíbrio certo no que toca à capacidade de valorização energética, a fim de evitar quer potenciais perdas económicas, quer a criação de obstáculos infraestruturais à consecução de taxas de reciclagem mais elevadas;

15.

salienta que, na ótica da economia circular, a capacidade de incineração deve necessariamente ter em conta a distância de transporte dos resíduos a eliminar e critérios como a distância de outros centros de triagem e tratamento de resíduos (e das respetivas zonas de recolha), o número de habitantes na zona de recolha, a quantidade de resíduos produzidos, bem como previsões relativas à evolução destes critérios, a fim de minimizar os impactos negativos no ambiente;

16.

chama a atenção para o facto de que, ao avaliar e planear as capacidades de incineração, não se deve ter apenas em conta os resíduos urbanos, dado que uma grande parte dos resíduos utilizados para fins de valorização energética provém de outras fontes;

17.

lamenta que as recomendações da Comissão Europeia se concentrem apenas na sobrecapacidade de incineração de resíduos, quando o elevado nível de deposição de resíduos em aterro na UE indica que também é preciso resolver o problema da falta de capacidade. A fim de reduzir o volume de resíduos, é importante estabelecer regras mais claras para a reutilização e a reciclagem dos materiais e promover a utilização de materiais reciclados para produzir mercadorias, tendo igualmente em conta a retirada da circulação das substâncias nocivas;

18.

partilha a opinião da Comissão Europeia, segundo a qual, apesar de a produção de energia a partir de resíduos desempenhar um papel importante em numerosos Estados-Membros para evitar a deposição em aterro, uma sobrecapacidade de incineração de resíduos é suscetível de provocar um bloqueio tecnológico, que poderia prejudicar a realização dos objetivos em matéria de resíduos;

19.

propõe a otimização das percentagens de eficiência energética das antigas instalações de incineração de resíduos menos eficientes, a bem da autossuficiência energética da União Europeia e da redução do consumo de recursos fósseis não renováveis. Caso essa melhoria não seja possível de um ponto de vista económico e técnico, há que proceder à desativação das instalações que não se adaptam e à supressão progressiva dos mecanismos de apoio, nomeadamente nos Estados-Membros que têm capacidades excedentárias;

20.

recomenda aos Estados-Membros com capacidade de incineração baixa ou inexistente que concentrem os seus esforços no desenvolvimento da recolha seletiva e da reciclagem de resíduos — importa incentivar a recolha seletiva na fonte, uma vez que é essencial para fornecer resíduos de boa qualidade, de elevado valor para a reciclagem — e que só recorram de forma mais frequente à valorização energética no contexto de um planeamento minucioso, uma vez que se trata principalmente de uma solução temporária e transitória no quadro da passagem de um sistema baseado na deposição em aterro para um sistema em que a reciclagem é o objetivo principal;

21.

é favorável ao transporte de resíduos para fins de valorização energética entre os Estados-Membros e entre as regiões, a fim de evitar ou reduzir a deposição em aterro, tendo igualmente em conta o facto de que contribui para uma melhor utilização da capacidade de incineração existente. Tal constitui um complemento às abordagens nacionais e regionais. O Comité considera, além disso, que a equidade e a solidariedade são aspetos que devem ser tidos em conta aquando da apreciação da fundamentação do transporte de resíduos entre Estados-Membros, para que os países e as regiões em questão possam beneficiar, em condições de igualdade, das vantagens ecológicas, económicas e sociais resultantes desta atividade;

Impacto económico e social

22.

chama a atenção para as enormes diferenças entre Estados-Membros e regiões no que diz respeito à quantidade de resíduos urbanos por habitante, que podem, em alguns países, atingir mais do dobro da quantidade registada noutros países. Estas diferenças podem explicar-se por diversos motivos — as quantidades mais baixas devem-se, consoante o local, ao consumo responsável ou à pobreza. As estratégias em matéria de resíduos devem ter em conta todos estes aspetos, dado que pode ser eficaz recorrer a instrumentos políticos e mecanismos de apoio muito diversos para alcançar os objetivos pretendidos;

23.

chama a atenção para o facto de que, em determinadas regiões, a utilização de resíduos pela população em fogões de aquecimento doméstico representa um grave problema, relacionado com a pobreza energética, por um lado, e com a negligência e o desconhecimento do impacto negativo dessa prática, por outro, e que essa utilização, ao contrário das instalações de incineração especializadas dotadas de sistemas de filtragem adequados, está a causar danos ambientais significativos e acarreta elevados riscos para a saúde pública, além de ser incompatível com as condições de base da integração social. O Comité convida, por conseguinte, a Comissão Europeia a incluir igualmente a luta contra a pobreza energética nas suas atividades no domínio da produção de energia a partir de resíduos e a adotar estratégias para sensibilizar para as consequências negativas da utilização de resíduos como combustível de aquecimento doméstico;

24.

há que esclarecer de que forma e por quem são suportados os custos relativos à gestão dos resíduos, tendo em conta que, em diversos Estados-Membros, representam já um encargo desproporcionado em relação ao rendimento dos agregados familiares. Por conseguinte, é necessário acompanhar de perto o impacto económico e social. Esta situação é particularmente problemática no caso de muitas regiões insulares e ultraperiféricas, com destaque para as que estão sobrepovoadas e as que sofrem a pressão do turismo;

Instrumentos de aplicação da política

25.

salienta que os órgãos de poder local e regional desempenham um papel fundamental na realização dos objetivos comuns da União em matéria de gestão dos resíduos, nomeadamente no domínio da gestão de resíduos urbanos, uma vez que são responsáveis pela aplicação das decisões e que a grande diversidade de situações não permite aplicar uma solução única;

26.

destaca a importância dos investimentos canalizados através dos mecanismos de financiamento da UE, como o Fundo Europeu para Investimentos Estratégicos (FEIE), e, em especial, o seu papel na atração de financiamento privado para as soluções mais adequadas e mais «circulares» de gestão de resíduos; saúda igualmente o apoio à comercialização de tecnologias avançadas para a eficiência energética, cujo desenvolvimento também se deve a programas de investigação e inovação;

27.

solicita à Comissão Europeia que assegure que os Estados-Membros associam estreitamente os órgãos de poder local e regional à conceção da estratégia, à adoção das medidas técnicas e fiscais necessárias, à criação dos mecanismos de apoio financeiro, bem como ao intercâmbio de boas práticas;

28.

observa que a participação das organizações da sociedade civil e da população em causa é indispensável para encorajar os cidadãos a sentirem-se responsáveis pelas questões ambientais e para que sejam adotadas e aplicadas decisões adequadas; recomenda que os Estados-Membros definam, da forma mais clara possível, as prioridades para a gestão dos resíduos, garantindo assim uma estreita cooperação entre todas as partes envolvidas nos sistemas de gestão dos resíduos. A este respeito, a cooperação e a transparência em matéria de gestão dos resíduos são cruciais;

29.

considera indispensável que o apoio financeiro a todos os níveis seja alinhado com a hierarquia dos resíduos e reorientado, na medida do possível, para a prevenção, a informação dos cidadãos, os sistemas de recolha seletiva de resíduos de qualidade elevada e o desenvolvimento de infraestruturas de reutilização e reciclagem de resíduos, bem como para a investigação e a inovação neste domínio; idealmente, os resíduos e os rendimentos gerados pelos mesmos deveriam servir para desenvolver os serviços públicos locais e para os tornar menos onerosos;

30.

convida a Comissão Europeia a apoiar as plataformas existentes para a partilha e intercâmbio de experiências e a transferência de conhecimentos em matéria de produção de energia a partir de resíduos, a divulgação de soluções testadas, bem como a assistência técnica e financeira conexa, tendo em conta o facto de muitos órgãos de poder local e regional terem adotado diversas iniciativas destinadas a promover a utilização eficiente dos recursos e apoiar a economia circular, que podem servir de modelo para outros;

31.

insta a Comissão Europeia a colaborar estreitamente com o CR para apoiar o intercâmbio de boas práticas entre os municípios e as regiões, a fim de encontrar melhores soluções, nomeadamente para os sistemas de aquecimento e arrefecimento urbanos ou para os problemas associados aos resíduos triados que são recusados pelas empresas de valorização, e no intuito de aumentar a aceitação da triagem dos resíduos domésticos, uma vez que as boas práticas poderão encorajar um desenvolvimento mais ambicioso dos sistemas de gestão dos resíduos;

32.

chama a atenção da Comissão Europeia para o facto de a condição essencial para uma regulamentação adequada e para decisões corretas ser a disponibilidade de dados fiáveis, que reflitam a realidade e sejam comparáveis, o que não é, neste momento, totalmente garantido, nomeadamente no que diz respeito a resíduos que não os resíduos urbanos;

33.

chama a atenção para a importância de ter em conta as diferenças culturais e económicas entre os Estados-Membros e as regiões aquando da elaboração das políticas que visem alterar o comportamento da população relativamente à triagem de resíduos na fonte. Importa igualmente salientar que as autarquias insulares e rurais enfrentam necessidades geográficas e desafios de execução específicos;

34.

propõe que a Comissão Europeia, os Estados-Membros e os órgãos de poder local e regional, enquanto nível político mais próximo dos cidadãos, adotem medidas no domínio da educação e formação para melhorar de forma significativa os conhecimentos e a sensibilização da população e dos operadores económicos relativamente ao consumo sustentável, à redução do volume de resíduos, à proteção dos recursos naturais e do ambiente, à responsabilidade dos produtores, bem como à conceção dos produtos e da publicidade, por exemplo, integrando estas questões nos programas de ensino e nas campanhas de informação (o que pode ser feito através da promoção nas redes sociais, visitas a escolas, eventos públicos, campanhas de imprensa, etc.).

Bruxelas, 30 de novembro de 2017.

O Presidente do Comité das Regiões Europeu

Karl-Heinz LAMBERTZ