22.5.2012   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 143/29


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o tema A economia social na América Latina

2012/C 143/06

Relator: Miguel Ángel CABRA DE LUNA

Em 18 de janeiro de 2011, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do artigo 29.o, n.o 2, do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre o tema

A economia social na América Latina.

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Relações Externas, que emitiu parecer em 24 de janeiro de 2012.

Na 478.a reunião plenária de 22 e 23 de fevereiro de 2012 (sessão de 22 de fevereiro), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 41 votos a favor, 3 votos contra e 4 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões e recomendações

1.1   O presente parecer tem por objetivo abordar a economia social da América Latina enquanto setor organizado da sociedade civil que, de uma forma geral, ficou excluído das atividades da União Europeia (UE) no domínio da cooperação. Esta abordagem respeita a diversidade latino-americana e reconhece as diferenças entre as duas regiões. Por conseguinte, e sem prejuízo de se utilizarem outras terminologias possíveis, considera-se mais adequado para a finalidade do presente texto a utilização da expressão «economia social e solidária».

1.2   Na sua Resolução 47/90, a Organização das Nações Unidas (ONU) declarou que o primeiro sábado de julho de cada ano seria o Dia Internacional das Cooperativas e, na Resolução 64/136, proclamou 2012 como o Ano Internacional das Cooperativas. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) reconheceu em diversas ocasiões (em especial na Resolução 193) os aspetos positivos do cooperativismo e da economia social e solidária. O Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial também manifestaram interesse por este setor. A UE, por seu turno, reconheceu em reiteradas ocasiões a importância do cooperativismo e da economia social. Já o Banco Europeu de Investimento (BEI) participa em projetos com empresas latino-americanas da economia social e solidária. O Mercosul e outras instituições latino-americanas fizeram-no, por sua vez, em termos similares. O presente parecer subscreve todas estas iniciativas.

1.3   Visa também lançar as bases dos trabalhos preparatórios do Comité Económico e Social Europeu (CESE) para o Sétimo Encontro da Sociedade Civil Organizada da UE e da América Latina, que terá lugar em 2012, em Santiago do Chile. Propõe-se que sejam convidados representantes da economia social e solidária da América Latina e da UE, tanto para os trabalhos preparatórios como para o próprio encontro, para examinar o conteúdo do presente parecer através de um diálogo construtivo. Propõe-se igualmente que o sétimo encontro se pronuncie sobre os resultados deste diálogo. O CESE constata que a economia social e solidária dá solução na América Latina a situações graves de falta de equidade social e económica e de violação dos direitos fundamentais, e que constitui um instrumento fundamental na luta em prol do trabalho digno e no combate à economia informal, revelando-se essencial nos processos de desenvolvimento local e de coesão social. A economia social e solidária favorece, além disso, a pluralidade e a democracia económica. Por todos estes motivos, o CESE considera prioritário promover as capacidades e os efeitos que lhe são inerentes, contribuindo, deste modo, para a mudança necessária do modelo de produção.

1.4   Considera-se de grande valia a coexistência e a cooperação entre as diferentes tendências da economia social e solidária na América Latina. Por um lado, por assegurarem que a economia social e solidária com caráter empresarial mais acentuado incida sobre objetivos baseados nos princípios da solidariedade e não centre as suas prioridades no aumento do lucro, participando em maior medida na consecução do bem-estar geral. Por outro lado, por assegurarem que a economia social e solidária com uma vertente mais forte de transformação sociopolítica assuma que as empresas devem ser eficientes e obter lucros, criando redes que lhes permitam manter-se no mercado. Por conseguinte, a economia social e solidária não deve instalar-se na economia da pobreza, mas na mudança de tendências, conciliando desenvolvimento, eficiência económica e justiça social, com vista a erradicar assimetrias de diversa ordem.

1.5   A economia social e solidária na América Latina enfrenta problemas essenciais que entravam o seu desenvolvimento. A falta de visibilidade social e institucional constitui um dos mais graves, sobretudo devido à ausência de processos de medição e quantificação rigorosos, que impede a verificação da sua amplitude e do impacto dos seus importantes efeitos sociais. Urge tomar medidas mais pertinentes para a elaboração de estatísticas homologadas internacionalmente nos países da América Latina, o que implica a colaboração entre organismos internacionais como a Comissão Económica para a América Latina e Caraíbas (CEPAL), a Aliança Cooperativa Internacional para as Américas (ACI-Américas), a Fundação Ibero-americana de Economia Social (Fundibes), a Organização Internacional das Cooperativas de Produção Industrial, Artesanal e de Serviços (Cicopa) e o Centro Internacional de Investigação e Informação sobre a Economia Pública, Social e Cooperativa (Ciriec). A falta de uma presença institucional das suas organizações representativas constitui igualmente um grave problema, que deve ser solucionado através do reconhecimento pela administração pública e restantes agentes sociais do seu papel de interlocutor nas instituições consultivas no âmbito das políticas sociais e económicas. Os conselhos económicos e sociais e demais organismos de participação social constituem também um bom instrumento para assegurar o envolvimento das organizações da economia social e solidária.

1.6   Salvo raras exceções, a ausência de políticas públicas integradas e participativas em relação à economia social e solidária constitui um grande obstáculo à sua consolidação e evolução. É imprescindível ir mais além de propostas assentes em meras ajudas económicas diretas sem contrapartidas, promovendo ações destinadas a resolver o problema das suas fontes de financiamento. São essenciais políticas estruturais de interesse geral que incluam decisões em matéria de legislação, bem como o desenvolvimento da educação em termos de inovação e de formação profissional, incluindo a nível universitário. Cumpre reforçar a presença da economia social e solidária no desenvolvimento da proteção social através dos sistemas de saúde geridos com os utentes. Há que consolidar verdadeiras políticas públicas que tenham continuidade independentemente das sucessivas mudanças de governo.

1.7   Os sindicatos e demais intervenientes sociais, incluindo a economia social e solidária, podem desempenhar, se cooperarem, um papel fundamental no desenvolvimento de mecanismos institucionais para combater irregularidades e fraudes provenientes da economia informal e do aparecimento de falsos trabalhadores independentes. Podem contribuir também para garantir o trabalho digno e serviços públicos universais de qualidade, bem como fomentar atividades de reforço de capacidades.

1.8   As reflexões e propostas formuladas no presente parecer deveriam ser tidas em conta pela política de cooperação internacional da UE em relação à América Latina no âmbito da economia social e solidária. São necessários projetos de cooperação que visem instaurar empresas viáveis no âmbito da economia social e solidária, enquanto agentes de coesão social, de desenvolvimento local, de pluralidade, de democracia económica e de formalização em grande escala da economia e do trabalho. A economia social e solidária deve ser encarada como uma prioridade na cooperação da UE, por forma a favorecer a consolidação de redes que sirvam de agentes na execução das políticas de cooperação económica e de codesenvolvimento. Os projetos de cooperação em matéria de economia social e solidária devem promover a coordenação dos agentes e das redes, evitando a fragmentação e duplicações. É fundamental lograr a realização de ações de índole mais internacional e estratégica.

1.9   Por outro lado, é necessário, em momentos de crise mundial como o que se atravessa, fortalecer as relações empresariais e comerciais entre a economia social e solidária da UE e a da América Latina. As experiências de boas práticas de economia social e solidária da América Latina podem servir de exemplo. É de destacar a necessidade de os acordos comerciais a celebrar com países da América Latina promoverem o desenvolvimento das pequenas e médias empresas e das microempresas e, concretamente, da economia social e solidária.

2.   A economia social na América Latina

2.1   Dualidade do conceito

2.1.1   A análise da economia social e solidária da América Latina feita neste parecer parte de duas premissas incontornáveis: por um lado, a constatação das diferenças existentes entre as realidades sociais da UE e da América Latina. Por outro lado, o reconhecimento de que a América Latina não é homogénea. Nesse sentido, o ponto de partida desta análise é o pleno respeito dessa diversidade, também na sua intenção de encontrar pontos comuns que permitam a cooperação em pé de igualdade, tendo em consideração as transformações em curso nas duas regiões (1).

2.1.2   Na América Latina, utilizam-se habitualmente duas expressões: «economia social» e «economia solidária». Esta última utiliza-se de forma mais generalizada, existindo posições conceptuais opostas no que respeita ao seu significado (o conceito de «economia popular», por exemplo). A expressão «economia social» consolidou-se na Europa e corresponde a um conceito com contornos inegavelmente empresariais, assente no sistema como uma forma alternativa e diferente de agir e que não identifica os «fins lucrativos» como um problema em si. Sobre este ponto, a questão essencial é a forma de distribuição do excedente obtido, já que as atividades empresariais da economia social devem ser competitivas e produzir lucro. Na União Europeia, a expressão «economia social» e a noção que se tem dela são bastante consensuais (2). Na América Latina, existe uma diversidade de critérios.

2.1.3   Nos últimos anos, fundamentalmente em consequência das mudanças políticas e económicas operadas na América Latina, é comum a utilização da expressão «economia social e solidária» para designar este setor (3). Propõe-se, por conseguinte, utilizar esta expressão em relação à América Latina.

2.1.4   Pode-se começar por salientar que um fator comum da economia social e solidária é o facto de ser composta por entidades de natureza privada, constituídas para dar resposta a necessidades pessoais e sociais, e não para remunerar os investidores de capital. A situação da economia social e solidária na América Latina varia consoante os países, embora alguns dos modelos sejam perfeitamente equiparáveis em todos eles. Partindo destas configurações comuns, é porventura possível uma interpretação do conceito mais consensual. A economia social e solidária na América Latina é basicamente constituída por cooperativas, mútuas, fundações, associações, sociedades de trabalho associado, organizações de solidariedade social, associações de caráter civil e microempresas de diversos tipos. Estas empresas e entidades baseiam-se na solidariedade e na responsabilidade social. A maioria delas opera no mercado, mas cria por vezes mercados especiais (comércio justo), cujos princípios são diferentes dos da concorrência.

2.1.5   As organizações e as empresas da economia social e solidária têm características diferentes das organizações e empresas públicas e privadas de capital, mas também produzem e distribuem bens e serviços. Por conseguinte, as empresas de economia social e solidária não são exclusiva ou prioritariamente entidades beneficentes nem estão desprovidas de fins lucrativos: os resultados são necessários. O essencial reside na forma de aplicar os resultados obtidos com o exercício da atividade, que não se medem unicamente pela rentabilidade financeira e pelos proveitos para os seus membros e o meio circundante, mas também pelo seu valor social acrescentado.

2.2   Dimensões e aferição

2.2.1   Um dos grandes entraves ao desenvolvimento da economia social e solidária latino-americana é a dificuldade em sistematizar a informação sobre este setor, o que contribui para a sua invisibilidade social. Importa conhecer, e não apenas intuir, o impacto efetivo da economia social e solidária. Esta ausência de aferições torna muito difícil destacar a sua verdadeira relevância social e as vantagens comparativas relativamente a outros tipos de empresas no que respeita ao impacto das suas atividades económicas, sociais e solidárias. O mesmo é reivindicado na Europa para este setor: reconhecimento estatístico, criação de registos públicos fiáveis e contas-satélite para cada setor institucional e ramo de atividade, em prol de uma maior visibilidade (4).

2.3   Organizações da economia social e solidária

2.3.1   À semelhança do que acontece em muitos países da UE, também na América Latina é prioritário colmatar a falta de uma representação suficientemente consolidada, integrada e eficaz da economia social e solidária. Apesar dos importantes progressos nos últimos anos, é necessário que as estruturas representativas das diversas famílias da economia social e solidária sejam integradas, de acordo com critérios de composição em pirâmide ascendente, setorial e territorial, mas evitando a fragmentação, a concorrência entre si e o corporativismo. A proximidade destas organizações dos poderes locais e regionais torna mais fácil considerá-los como polos de utilidade social e de inovação, com capacidade de resposta para os problemas socioeconómicos mais importantes.

2.3.2   Quando as organizações da economia social e solidária (5) alcançam posições de reconhecimento que lhes conferem uma capacidade efetiva de diálogo e de negociação, consolidam a sua zona de influência para criar sinergias em matéria de desenvolvimento de capacidades, eficiência empresarial, responsabilidade social das empresas, novos modelos de gestão, luta contra as más práticas, em suma, um maior impacto no sistema económico.

2.4   Políticas públicas

2.4.1   Uma das tarefas pendentes da economia social e solidária prende-se com a forma de alcançar acordos e alianças com os poderes públicos, partindo de posições de respeito mútuo e independência. As políticas públicas figuram, por conseguinte, entre as preocupações e os objetivos prioritários da economia social e solidária na América Latina. As políticas que assentam prioritariamente em ajudas económicas diretas sem contrapartidas são fontes imprevisíveis e que não é possível controlar, que se podem converter num instrumento de pressão e manipulação. As políticas estritamente paliativas ou assistencialistas favorecem as más práticas.

2.4.2   Falta promover políticas integradas e participativas consentâneas com os objetivos essenciais da economia social e solidária e dos governos interessados na sua capacidade de mobilizar recursos da comunidade e do mercado, a fim de obter benefícios gerais, com soluções inovadoras para problemas complexos. Existem afinidades inegáveis entre a administração pública e as organizações da economia social e solidária no que respeita aos objetivos sociais para dar resposta às necessidades prementes das pessoas (6).

2.4.3   O acesso da economia social e solidária ao financiamento constitui um problema endémico que constitui um entrave essencial ao seu desenvolvimento. As suas principais fontes de financiamento são as contribuições dos seus sócios e fundadores, e não o capital especulativo de terceiros. Ao mesmo tempo, a economia social e solidária generaliza práticas em prol do interesse geral. A ação pública é, de um modo geral, escassa e insuficiente no que se refere à consecução de vias de financiamento regulares através de reformas legais e de medidas macroeconómicas adequadas à economia social e solidária. Faltam políticas de Estado que incluam a economia social e solidária no planeamento geral da economia, políticas de financiamento da indústria para a entrada de capital novo, otimizando os fundos de capital de risco, um financiamento da participação económica dos trabalhadores e sócios e um apoio à constituição de grupos empresariais, assim como à promoção da participação da economia social e solidária nos contratos públicos. É urgente reformular as medidas que refreiam injustificadamente o desenvolvimento de entidades financeiras próprias da economia social e solidária, como a banca ética e o microfinanciamento.

2.4.4   A maioria dos Estados não definiu linhas de ação política claras que permitam a conceção de programas coordenados nos seus diferentes níveis, competências e estruturas administrativas, que ofereçam um quadro institucionalizado à economia social e solidária e lhe reservem um tratamento intersetorial. As formalidades administrativas não são suficientemente ágeis e a harmonização estatal e supranacional das grandes linhas de promoção e de apoio da economia social e solidária não é eficaz. São necessárias políticas públicas capazes de evitar a destruição de pequenas empresas sociais e do tecido produtivo local e solidário, assim como políticas de formação profissional e de gestão de empresas, em particular no âmbito municipal (7), e políticas de adequação dos quadros regulamentares às várias formas da economia social e solidária. Importa fazer uma referência particular à necessidade de aplicar políticas públicas de educação (Recomendação 193 de 2002 da OIT) na perspetiva da economia social e solidária. A administração pública, incluindo o mundo académico, e a economia social e solidária não se têm esforçado suficientemente para trabalharem em conjunto.

2.5   Desenvolvimento económico na América Latina e papel da economia social e solidária

2.5.1   Desenvolvimento e crescimento económico com equidade

2.5.1.1

A América Latina atravessa atualmente uma fase de evolução macroeconómica favorável em termos de crescimento convencional, mas que varia de país para país. Este crescimento não impede, contudo, que persistam realidades sociais marcadas por uma enorme desigualdade, com uma elevada taxa de desemprego estagnada em determinados setores sociais, precariedade laboral generalizada, bolsas de exclusão social e de pobreza. Todavia, a revalorização de um «Estado proativo» consciente da dualidade social insustentável parece promover um crescimento com maior equidade (8) e respeito pelo ambiente.

2.5.1.2

A contribuição de uma economia social e solidária consolidada na América Latina para a gestão do desenvolvimento centra-se na resolução de graves situações de pobreza, desigualdade, exclusão, economia informal, exploração humana, falta de coesão social e deslocalização de empresas, em suma, numa distribuição mais igualitária dos rendimentos e da riqueza que permita uma mudança indispensável do modelo de produção. É nessa linha que se situa a economia social e solidária, que gera oferta de serviços de bem-estar social e que, relativamente a outros setores, oferece vantagens comparativas de eficiência na atribuição e produção de bens e serviços sociais preferenciais. A sua facilidade em dar resposta a amplas camadas da população e em territórios normalmente afastados dos centros do poder e dos centros económicos colocam-na na posição ideal para conseguir um desenvolvimento mais equitativo.

2.5.2   Economia informal e direitos sociais

2.5.2.1

A economia informal é um fenómeno com grande expressão na América Latina, também presente nalgumas regiões da UE (economia paralela), e que se caracteriza pela realização de atividades laborais ou económicas com ausência, total ou parcial, de cobertura social e de observância da legislação em vigor. O desemprego, o subemprego e a falta de qualidade das condições de trabalho são contrários às posições da OIT sobre o trabalho digno (9). Trata-se de um problema grave. Detetou-se uma relação direta entre o emprego informal ou subemprego e os índices de pobreza, sendo endémico entre as mulheres, os jovens, as populações indígenas ou as pessoas de origem africana e as pessoas com deficiência, no que respeita tanto o trabalho informal como a igualdade salarial e de tratamento. Em conjunto com outros intervenientes, a economia social e solidária é, pelo contrário, um instrumento eficaz na luta contra a economia informal, na medida em que permita a empresas e a pessoas trabalhar na legalidade e com cobertura social. Além disso, contraria o aparecimento de práticas tendentes a consolidar uma externalização – não desinteressada – de serviços públicos sem garantia de prestações e sem qualidade, reduzindo deste modo a proteção social dos beneficiários. Os sindicatos e demais agentes sociais, incluindo a economia social e solidária, podem desempenhar, se cooperarem, um papel fundamental no desenvolvimento de mecanismos institucionais para combater irregularidades e fraudes provenientes da economia informal e do aparecimento de falsos trabalhadores independentes. Podem contribuir também para garantir o trabalho digno e serviços públicos universais de qualidade, bem como fomentar atividades de reforço de capacidades.

2.5.2.2

A OIT reconhece o papel da economia social e solidária, na medida em que os valores e os princípios em que as suas empresas se baseiam incluem o respeito pelos princípios e direitos laborais fundamentais (10). Nesse sentido, demonstrou a sua capacidade para ampliar os serviços de proteção social prestados às pessoas e consumidores não abrangidos por sistemas fiscais de segurança social, a fim de facilitar a correção dos desequilíbrios do mercado de trabalho e assegurar a igualdade de tratamento.

2.5.2.3

Há muitos grupos informais em regime de autoemprego no âmbito da economia social e solidária, que não têm possibilidades de formação profissional e de financiamento nem reconhecimento oficial. A existência de vínculos de reciprocidade e de confiança entre pequenos produtores ou artesãos poderia dar vida a processos de formalização através de ações da economia social e solidária, tanto mais que, por exemplo, os produtores não associados praticamente não dispõem de meios de acesso ao mercado formal. Cumpre reforçar a presença da economia social e solidária no desenvolvimento da proteção social através dos sistemas de saúde geridos com os utentes. É primordial erradicar a economia informal que possa existir no seio da própria economia social e solidária.

2.5.3   Desenvolvimento local e coesão social

2.5.3.1

A importância, enquanto meta, de estabelecer parâmetros mínimos de coesão social é considerada essencial para qualquer proposta de desenvolvimento (11). Os governos locais estão a aperceber-se da importância de apoiar as empresas da economia social e solidária, com o objetivo de revitalizar as comunidades rurais e urbanas. Estas empresas criam empregos locais e os seus excedentes circulam a nível local, promovendo uma acumulação destinada ao reinvestimento na mesma região. Desta forma, asseguram-se processos de coesão social primários com o controlo local dos investimentos, produtos e serviços, e a circulação dos excedentes mobilizados dentro da economia local e regional, gerando estabilidade económica.

2.5.3.2

A economia social e solidária revela a sua capacidade de criar e alargar uma cultura e um tecido empresariais e de associar a atividade económica às necessidades produtivas locais. A economia social e solidária aciona processos de desenvolvimento endógeno em zonas rurais, de reativação de zonas industriais em declínio e de revitalização de espaços urbanos deteriorados. Atenua, desta forma, sérios desequilíbrios territoriais sem manter um padrão único de desenvolvimento local, permitindo antes a coexistência de modelos diferentes, em função das necessidades sociais e económicas dos territórios.

2.5.3.3

A economia social e solidária favorece a autonomia territorial, ao atribuir uma relevância especial à sociedade civil na determinação do modelo de desenvolvimento da região e no controlo da evolução dos processos de crescimento e de mudança estrutural. O cooperativismo agrícola é uma peça essencial nestes processos. As políticas de coesão social devem concentrar-se no nível local (rural e urbano), a fim de garantir serviços sociais básicos, infraestruturas e educação. A economia social e solidária é imprescindível para cumprir esta tarefa.

2.5.4   Pluralidade e democracia económica

2.5.4.1

A economia social e solidária não é um setor marginal, mas um elemento institucional do sistema económico, coexistindo com o setor público e com o setor privado de capital. Dessa forma, estabelece uma pluralidade económica que serve de contrapeso a esses dois setores. A economia social e solidária contribui para o desenvolvimento sustentável, promove o tecido associativo e visa a igualdade de oportunidades através dos seus sistemas de organização educativa. É essencial para a consecução da estabilidade social, da sustentabilidade do crescimento económico, da redistribuição dos rendimentos e da criação de alternativas económicas.

2.5.4.2

Baseado no princípio democrático e na participação dos cidadãos na tomada de decisões sobre os seus processos económicos, o funcionamento da economia social e solidária constitui uma escola permanente de democracia e cidadania. Cria tecido social, e o seu potencial para participar com êxito na resolução de conflitos e em prol da paz e da justiça social convertem-na numa peça insubstituível do sistema económico e social na América Latina. É imprescindível promover estas capacidades.

3.   Cooperação internacional em matéria de economia social e solidária

3.1   Necessidade de cooperação

3.1.1   A economia social e solidária partilha princípios e práticas comuns à UE e à América Latina. Estes pontos de convergência podem favorecer a cooperação entre as duas regiões, tanto em prol do desenvolvimento sustentável como dos intercâmbios comerciais e empresariais.

3.1.2   Reiterando o que já foi dito noutras ocasiões pelo CESE, destaca-se a necessidade de os acordos comerciais que se venham a celebrar com países da América Latina promoverem o desenvolvimento das pequenas e médias empresas e das microempresas e, concretamente, da economia social e solidária (12).

3.2   Redes

3.2.1   As redes constituídas por entidades representativas da economia social e solidária, empresas sociais e centros de informação, quantificação e inovação e de formação universitária podem criar plataformas que se dediquem a colmatar as grandes lacunas assinaladas. A UE pode ser especialmente útil na consecução destes objetivos, mas as medidas não se devem destinar exclusivamente aos países ou regiões com rendimentos mais baixos e visar também os países e regiões emergentes com rendimentos médios que necessitam de consolidar a sua coesão social e o seu crescimento com equidade. A existência de uma economia social e solidária apoiada em redes fiáveis contribuiria para identificar as necessidades mais prementes e os projetos mais eficientes, tornando a cooperação internacional da UE mais seletiva. A ação da UE, articulando redes entre a América Latina e outras regiões em desenvolvimento (como a África e a Ásia), com base na economia social e solidária, pode revelar-se da máxima importância (13).

3.3   Cooperação para o desenvolvimento e codesenvolvimento na economia social e solidária

3.3.1   A UE pode desenvolver a cooperação através da implementação de Planos Empresariais da Economia Social e Solidária para o Desenvolvimento Sustentável  (14) nos quais participem os governos da América Latina envolvidos e colaborem organizações da economia social e solidária dos dois continentes, estabelecendo programas de acompanhamento e assistência técnica aos empresários no quadro de políticas ativas de emprego. Desse modo, a presença da UE na América Latina será vista como algo que vai para além do interesse comercial.

4.   2012 como ponto de viragem: Ano Internacional das Cooperativas (ONU); Sétimo Encontro da Sociedade Civil Organizada União Europeia-América Latina

4.1   Numa Resolução da sua Assembleia-Geral (64/136), a ONU proclamou 2012 como o Ano Internacional das Cooperativas. Entre as importantes declarações contidas nessa resolução salientando a contribuição do cooperativismo para o desenvolvimento económico e social em todo o mundo, a ONU incentiva de forma especial a sua promoção ativa durante o ano de 2012. No presente parecer o CESE apoia a citada resolução em todos os seus pontos e concorda com as propostas avançadas.

4.2   É também em 2012 que se realiza o Sétimo Encontro da Sociedade Civil Organizada União Europeia-América Latina. No quadro desse encontro e das suas sessões preparatórias, realizar-se-ão reuniões de trabalho sobre o conteúdo do presente parecer com representantes da economia social e solidária da América Latina e da UE, com o objetivo de se chegar a um consenso quanto às recomendações que figurarão no documento final.

Bruxelas, 22 de fevereiro de 2012

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  Documento COM(2009) 647 sobre a Estratégia «UE 2020». Parecer do CESE JO C 347 de 18.12.2010, págs. 48–54 sobre «A dimensão socioeconómica das relações UE-América Latina».

(2)  Parecer do CESE sobre a «Diversidade de formas de empresas» (INT/447); Relatório «Toia» (INI/2250/2008); parecer do CESE sobre a «Promoção das cooperativas na Europa» (JO C 234 de 22.9.2005); parecer do CESE sobre «A economia social e o mercado único» (JO C 117 de 26.4.2000). Refira-se, nesta ótica, as recentes Leis espanhola e portuguesa da Economia Social, de 2011, bem como outra legislação de Estados-Membros que regula as empresas da economia social e solidária.

(3)  É o caso, por exemplo, da OIT no recente documento de trabalho de 2010 elaborado pelo Centro Internacional de Formação (CIF-OIT) e intitulado «Economía social y solidaria: construyendo un entendimiento común» [Economia social e solidária: Construir um conceito comum] (disponível apenas em espanhol).

(4)  Na América Latina não se dispõe de estatísticas fiáveis. Contudo, dos estudos realizados pela Fundibes em 2009, pode-se falar, de forma aproximada e provisória, da existência de mais de 700 mil organizações da economia social e solidária, com cerca de 14 milhões de sócios. Além disso, a dimensão do setor informal da economia de toda a região dificulta, em grande medida, uma quantificação geral exata, ou mesmo aproximada. Por sua vez, a Aliança Cooperativa Internacional (ACI) considera que a América Latina é a região que regista o «crescimento mais rápido» em novas cooperativas e número de sócios (2009). A Inacoop do Uruguai dá a conhecer alguns dados para 2008: 1 164 cooperativas, 907 698 sócios ativos, com uma produção anual de 1 708 milhões de dólares (3,2% da produção total), 27 449 trabalhadores. Ainda em relação a 2008: Argentina: 12 760 cooperativas e 9 392 713 sócios; mútuas 4 166 e 4 997 067 sócios; trabalhadores 289 460 (fonte: INAES). Chile: 1 152 cooperativas e 1 178 688 sócios; mútuas: 536 (fonte: Fundibes). Colômbia: 8 533 cooperativas e 139 703 sócios; mútuas: 273 e 4 758 sócios (fonte: Confecoop). Guatemala: 841 cooperativas e 1 225 359 sócios (várias fontes). Paraguai: 453 cooperativas e 1 110 000 sócios (fonte: Fundibes). Para o Brasil, ver nota 9. Existem ainda estudos que referem a solidez da economia social e solidária perante a crise. Contudo, todos estes dados e estimativas são mais intuitivos e aproximativos do que verificáveis.

(5)  Exemplos de entidades representativas: Confecoop (Colômbia), Conacoop (Costa Rica), Confecoop (Guatemala), Conpacoop (Paraguai), Confederação Hondurenha de Cooperativas, OCB (Brasil), Conacoop (República Dominicana), Cudecoop (Uruguai), Conselho Mexicano de Empresas da Economia Solidária e Cosucoop (México). A nível internacional: ACI-Américas, Cicopa, etc.

(6)  Instituições públicas para a economia social e solidária: Infocoop (Costa Rica), Dansocial (Colômbia), Incoop (Paraguai), INAES (Argentina), Senaes (Brasil), Inacoop (Uruguai) ou Insafocoop (Salvador).

(7)  Em conformidade com o referido para as PME no parecer do CESE, de 15 de fevereiro de 2006, sobre «As relações UE-México» (REX/180).

(8)  De acordo com os dados da CEPAL, mais de metade da população (350 milhões de pessoas) vive abaixo do limiar de pobreza e 22 milhões de crianças são obrigadas a trabalhar para sobreviver. É de destacar as medidas exemplares adotadas na última década pelo Governo brasileiro que lograram que milhões de pessoas saíssem de situações de pobreza extrema. A economia social e solidária deste país contribuiu para estes resultados através da Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes) e da estratégia do seu responsável, o professor Paul Singer. Tal como afirmou recentemente, a economia social solidária precisa de mais dinheiro, de mais mercado e de mais conhecimento.

(9)  De acordo com o Mapa da Economia Solidária do Brasil, existem naquele país 22 mil empresas, um terço das quais serão informais (www.fbes.org.br). Ver também o parecer do CESE sobre «As relações UE-América Central» (REX/232), o parecer do CESE sobre «Promover um trabalho digno para todos» (SOC/250) e o documento de trabalho, de 12 de outubro de 2009, sobre «Estratégias para a manutenção e a criação de emprego, em particular para as mulheres e os jovens» da Assembleia Parlamentar Euro-Latino-Americana.

(10)  Documento de Trabalho de 2011 sobre a «Economía social y solidaria: nuestro caminho común hacia el Trabajo Decente» [Economia Social e Solidária: O nosso caminho rumo ao trabalho digno], disponível apenas em espanhol, inglês e francês em http://socialeconomy.itcilo.org/en/2011-readers. Também como referência para o ponto 3.2 do presente parecer.

(11)  Entre muitos outros documentos: CESE: Sexto Encontro da Sociedade Civil Organizada UE-América Latina de 2010. Documentos de trabalho da CEPAL para a Cimeira Ibero-Americana de Chefes de Estado e de Governo de Santiago do Chile de 2007. Parecer do CESE sobre «As relações União Europeia-Brasil» (REX/257). Parecer do CESE sobre «As relações UE-América Central» (REX/232). CESE: Acordo de Associação UE-América Latina Central. Cimeira de Guadalajara UE-América Latina. CESE: Quarto Encontro da Sociedade Civil Organizada UE-América Latina e Caraíbas de 2006. Parecer do CESE sobre «Relações entre a União Europeia e a Comunidade Andina de Nações» (REX/210). Parecer do CESE sobre «As relações UE-México» (REX/180). Parecer do CESE sobre «As repercussões do ACLA nas relações entre a UE e os países da América Latina/Caraíbas» (REX/135). Parecer do CESE REX/13 (JO C 169 de 16.6.1999). Merece especial relevância o documento do CESE sobre «A coesão social na América Latina e Caraíbas» (REX/152).

(12)  Parecer do CESE sobre «A dimensão socioeconómica das relações UE-América Latina» (REX/277). Ver também as posições adotadas pelo CESE sobre os diversos acordos comerciais com países da região.

(13)  Neste sentido, há que ponderar o papel que a China tem vindo a desempenhar a nível mundial e a sua importância em vários domínios como ator de alianças estratégicas. Há várias redes importantes na América Latina como a Rede do Sul (Mercosul), a Unisol – Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários (Brasil) e o Fundo FIDES (México).

(14)  A relação entre a economia social e solidária e a sustentabilidade ambiental é um dos seus sinais de identidade. Nesse sentido, ver o Capítulo 9 do documento citado na nota 10 deste parecer, em relação aos denominados «empregos verdes». Ver também os JO C 48, 15.2.2011, p. 14–20 e JO C 48, 15.2.2011, p. 65–167.