52010DC0106




[pic] | COMISSÃO EUROPEIA |

Bruxelas, 24.3.2010

COM(2010) 106 final

COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO, AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU E AO COMITÉ DAS REGIÕES

Revisão da Directiva «Tempo de Trabalho»(primeira fase da consulta dos parceiros sociais a nível da União Europeia)nos termos do artigo 154.° do TFUE)

COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO, AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU E AO COMITÉ DAS REGIÕES

Revisão da Directiva «Tempo de Trabalho»(primeira fase da consulta dos parceiros sociais a nível da União Europeia)nos termos do artigo 154.° do TFUE)

1. INTRODUÇÃO

Em conformidade com o disposto no artigo 154.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), a presente Comunicação tem por objectivo auscultar os pontos de vista dos parceiros sociais a nível da União Europeia sobre a possível orientação da acção da UE relativamente à Directiva «Tempo de Trabalho»[1].

Em 2004, na sequência da realização de consultas alargadas, a Comissão avançou com uma proposta de alteração da directiva[2]. Não obstante, em Abril de 2009, o Conselho e o Parlamento concluíram que, pese embora duas leituras e um processo de conciliação, não estavam em condições de chegar a um acordo sobre a proposta.

Este resultado negativo gera dificuldades a vários Estados-Membros e aos parceiros sociais a nível nacional. Designadamente, há a salientar a falta de clareza jurídica quanto à forma de interpretar um conjunto de questões para as quais não foram encontradas soluções em virtude da ausência de decisão por parte dos co-legisladores. Alguns Estados-Membros vêem-se também confrontados com dificuldades significativas para aplicar determinados aspectos do acervo. Assim, em vários Estados-Membros, colocam-se sérias dúvidas sobre a conformidade com o direito da UE da legislação ou das práticas nacionais. A Comissão considera que a actual situação é claramente insatisfatória: não garante a protecção efectiva da saúde e da segurança dos trabalhadores na União Europeia, em linha com o direito da UE, nem prevê flexibilidade suficiente às empresas e aos trabalhadores em termos da organização do tempo de trabalho.

Vários agentes institucionais manifestaram preocupação face à perspectiva de manter tal situação por um período indefinido. A Comissão é de opinião que é necessário rever as regras relativas ao tempo de trabalho na UE e acredita que tem obrigação especial de o fazer. É sua intenção proceder a essa revisão, com base numa avaliação de impacto que integre uma forte dimensão social e numa consulta alargada dos parceiros sociais.

Um aspecto fundamental a considerar é o âmbito dessa revisão. Uma opção seria concentrar atenções nos aspectos da directiva que se revelaram mais problemáticos durante as negociações decorridas entre 2004 e 2009, tentando novamente encontrar soluções susceptíveis de forjar consenso junto dos co-legisladores. No entanto, ao assim fazer, a Comissão estaria a desperdiçar uma oportunidade de reavaliar a directiva à luz das mudanças fundamentais operadas nos modelos de trabalho desde a sua concepção, bem como das necessidades prospectivas de trabalhadores, empresas e consumidores no século XXI.

Por conseguinte, a Comissão está a planear uma revisão exaustiva da directiva, que terá início com uma avaliação cuidada das suas disposições para identificar problemas actuais ou potenciais na sua aplicação, os quais serão então considerados no sentido de se encontrarem soluções. A Comissão convida os parceiros sociais a reflectir aprofundadamente nas implicações das alterações fundamentais a seguir descritas, bem como no tipo de regulamentação do tempo de trabalho de que a UE necessita para lidar com as mudanças trazidas pelo século XXI – em termos sociais, económicos, tecnológicos e demográficos.

2. TEMPO DE TRABALHO: TENDÊNCIAS E PERSPECTIVAS

A actual directiva codifica duas directivas anteriores, a mais importante das quais adoptada em 1993, com base numa proposta apresentada pela Comissão em 1990[3].

Nos últimos vinte anos, ocorreram mudanças fundamentais no mundo laboral, as quais tiveram um impacto claro na duração global e na distribuição do tempo de trabalho. Principais tendências:

- Redução geral do tempo de trabalho total: o número médio de horas trabalhadas semanalmente na UE passou de 39 horas em 1990 para 37,8 em 2006[4].

- Polarização do tempo de trabalho entre grupos de trabalhadores. Os trabalhadores a tempo parcial, na sua maioria em regime voluntário, aumentaram a sua proporção na força de trabalho, de 14% em 1992 para 18,8% em 2009; contudo, 10% de todos os trabalhadores ainda trabalham mais de 48 horas semanais e quase 7% fazem-no em vários empregos[5];

- Progressiva des-normalização do tempo de trabalho individual, com variações crescentes dos modelos de organização do tempo de trabalho ao longo do ano ou da vida profissional, juntamente com práticas mais flexíveis nas empresas ( flexitime , anualização dos horas de trabalho, bancos de tempo, créditos de tempo, etc.).

Esta evolução reflecte a influência das múltiplas mudanças estruturais, tais como a transição da indústria transformadora para os serviços e o aumento da produtividade graças ao progresso tecnológico e a uma envolvente empresarial cada vez mais competitiva. Também o aumento da participação das mulheres no emprego e a crescente individualização dos estilos de vida (com a emergência de uma maior variedade de preferências no que respeita à distribuição do tempo entre trabalho e lazer) influenciaram as mudanças. No futuro, é provável que estas alterações estruturais se intensifiquem, à medida que a economia global completa a transição, passando a ter por base o conhecimento e já não a indústria. Estão a ser criados novos empregos em profissões analíticas, científicas e técnicas, isto é, com um envolvimento activo dos trabalhadores na criação e difusão de conhecimento. Esta transição está a afectar não apenas os tipos e a qualidade dos empregos disponíveis na economia e as competências que exigem, mas também a forma como o trabalho é organizado. A melhoria das tecnologias da informação e da comunicação pode reduzir a necessidade de presença física num local de trabalho centralizado e promover maior mobilidade e modelos autónomos de trabalho (teletrabalho, trabalho nómada).

Para cada vez mais «trabalhadores do conhecimento», o trabalho pode ser avaliado não no número de horas trabalhadas, mas na originalidade e na qualidade do produto apresentado. Estes trabalhadores gozam de grande autonomia sobre a organização e localização do seu trabalho, o que suscita questões sobre a aplicação das regras normais de tempo de trabalho. Contudo, a nova economia do conhecimento está também a produzir muitos postos de trabalho em serviços de produção rotineiros ( call centres , tratamento de dados) que implicam tarefas repetitivas sujeitas a rigorosa supervisão. Nestes casos, podem gerar-se níveis elevados de intensidade de trabalho e stress que apelam à regulamentação no interesse da saúde e segurança dos trabalhadores, tais como era o caso nas actividades industriais tradicionais.

Cada vez mais, a gestão do tempo de trabalho é um elemento importante das estratégias competitivas das empresas. Tanto a redução dos custos médios na indústria como o alargamento dos horários de funcionamento nos serviços implicam que o tempo total de produção tem de ser mais longo. A adaptação às flutuações na procura dos consumidores e a ciclos sazonais exige uma distribuição mais variada do tempo de produção. Em consequência, novos modelos de flexibilidade do tempo de trabalho têm sido, e continuarão a ser, implementados, como é o caso da organização de escalas de serviço e turnos que permitam flexibilidade organizacional e a adopção de horários de trabalho flexíveis[6].

Mais recentemente, na actual crise, a flexibilidade do tempo de trabalho passou a ser um instrumento fundamental para muitas empresas se adaptarem à drástica diminuição da procura. Foram introduzidos horários de trabalho mais curtos, por vezes com compensações salariais parciais ou em combinação com formação, e alguns Estados-Membros adoptaram medidas políticas para apoiar financeiramente essas práticas.

Em paralelo com estas transformações induzidas pelas empresas, cada vez se reconhece mais que a flexibilidade do tempo de trabalho pode ajudar os trabalhadores a conciliar vida profissional e familiar. Agora que dispomos de uma força de trabalho mais diversificada na UE, os horários de trabalho flexíveis podem facultar aos trabalhadores mais oportunidades de adaptar os respectivos tempos de trabalho às suas necessidades individuais. Em certas circunstâncias, pode igualmente reforçar a igualdade de oportunidades no emprego e na progressão de carreira e facilitar o acesso ao trabalho de categorias desfavorecidas de candidatos a emprego[7].

Mas há também que reconhecer que algumas formas de flexibilidade do tempo de trabalho podem induzir uma intensificação do mesmo, com impacto na saúde e na segurança, na satisfação dos trabalhadores, na produtividade organizacional e nas oportunidades de formação. Podem surgir situações de falta de pessoal, em especial em profissões altamente especializadas, o que torna o trabalho mais aliciante para aqueles capazes de auferir salários mais elevados e exerce pressões no sentido do aumento dos horários dos escassos trabalhadores qualificados.

O envelhecimento das nossas sociedades pode também repercutir-se na forma como os trabalhadores distribuem o seu tempo entre trabalho e lazer, contribuindo para aumentar o desejo de um melhor equilíbrio entre trabalho e vida privada, com resultados contraproducentes para o prolongamento da vida profissional.

3. REGULAMENTAÇÃO DO TEMPO DE TRABALHO

Em cada país, a regulamentação do tempo de trabalho obrigatório é um misto complexo de regras gerais e sectoriais, fundadas no direito nacional e em acordos colectivos. A regulamentação internacional neste domínio é extensa e tem, ao longo dos tempos, exercido uma influência decisiva na redução progressiva dos horários laborais dos trabalhadores[8]. As normas da OIT (existem 39 diferentes) continuam a desempenhar um papel muito significativo em todo o mundo, em especial em países onde as condições de trabalho são mais desfavoráveis. Os princípios básicos da regulamentação do tempo de trabalho estão definidos no artigo 31.º da Carta de Direitos Fundamentais da UE[9].

A Directiva 2003/88/CE da UE estabelece normas mínimas relativas à duração máxima da semana de trabalho, aos períodos de descanso diário e semanal, às pausas no trabalho e às férias anuais pagas, bem como ao trabalho nocturno e aos períodos de referência para o cálculo dos períodos de descanso semanal e da duração máxima da semana de trabalho. As disposições da directiva são assaz pormenorizadas, em linha com o respectivo objectivo de protecção da saúde e segurança dos trabalhadores. Contudo, prevêem também flexibilidade na organização do tempo de trabalho:

- Os Estados-Membros podem adaptar as regras da UE às suas circunstâncias nacionais (por exemplo, a duração máximo da semana laboral foi, em muitos países, fixada abaixo das 48 horas);

- A margem de manobra é significativa no que respeita a modelos de trabalho flexíveis através da negociação colectiva (por exemplo, a anualização do tempo de trabalho);

- Existem muitas derrogações e excepções às disposições gerais (por exemplo, sobre o tempo de descanso compensatório ou a opção individual de não cumprimento da regra das 48 horas— opt out ).

À regulamentação do tempo de trabalho sempre presidiram objectivos de saúde e segurança e as reformas efectuadas partiram, muitas vezes, do princípio de que o progresso técnico induziria inevitavelmente mais tempo de lazer. A justificação habitual para a regulamentação do tempo de trabalho é a necessidade de compensar os efeitos negativos do excesso de trabalho susceptível de resultar de transacções individuais não regulamentadas.

Mais recentemente, porém, a tónica do debate alterou-se e a organização do tempo de trabalho passou a ser cada vez mais considerada como crucial para melhorar a produtividade, reforçar a competitividade, apoiar o equilíbrio entre vida profissional e privada e lidar com a crescente diversidade das preferências e modelos profissionais. Logo, coloca-se a questão: a regulamentação do tempo de trabalho tem acompanhado estes desenvolvimentos? São necessárias reformas para adaptar as regras actuais às necessidades de empresas, trabalhadores e consumidores do século XXI?

Em 2004, a Comissão propôs[10] alterar a Directiva 2003/88/CE com três objectivos precisos:

- Clarificar a aplicação da directiva em situações de tempo de permanência, na sequência da interpretação do Tribunal de Justiça nos processos SIMAP , Jaeger e Dellas .

- Permitir o alargamento do período de referência para o cálculo médio do tempo de trabalho semanal, por via da legislação nacional, até um máximo de doze meses.

- Rever a cláusula de opt-out individual, que permite excepções ao limite de 48 horas da semana média de trabalho (a exigência desta revisão estava expressamente prevista no artigo 22.º da directiva).

Esta abordagem reflecte problemas a que a legislação vigente ou a jurisprudência não deram resposta. Não obstante, durante o debate realizado entre 2004 e 2009, surgiram novas questões, acrescentadas, quer pelo Parlamento, quer pelo Conselho, designadamente a conciliação da vida profissional e familiar e o tratamento de situações especiais como a dos «trabalhadores autónomos» e daqueles que acumulam vários empregos. Estes últimos aspectos estão relacionados com os desenvolvimentos estruturais anteriormente mencionados.

4. OBJECTIVOS DE UMA REVISÃO EXAUSTIVA

As mudanças fundamentais em curso no mundo do trabalho requerem uma adaptação do quadro regulamentar, tanto a nível da UE como nacional. Esta revisão exaustiva deverá ter por base um conjunto de objectivos políticos capazes de gerar amplos consensos entre as partes interessadas.

A protecção da saúde e da segurança dos trabalhadores deve continuar a ser considerada o objectivo primordial de qualquer regulamentação do tempo de trabalho, uma vez que a base jurídica da directiva é o artigo 153.º, n.º 1, alínea a), isto é, a melhoria do ambiente de trabalho, a fim de proteger a saúde e a segurança dos trabalhadores.

Contudo, outros objectivos devem ser considerados. As disposições da UE em matéria de tempo de trabalho desempenham um papel muito importante na melhoria do equilíbrio entre vida profissional e familiar, ao proporcionar aos trabalhadores o tempo de que necessitam para gerir as suas responsabilidades familiares e ao permitir-lhes ter uma palavra a dizer na repartição do seu tempo de trabalho. Deve ser também levada em consideração qualquer outra lei da UE que contribua para este objectivo, tais como as directivas relativas à licença de maternidade, à licença parental e ao trabalho a tempo parcial.

A regulamentação do tempo de trabalho pode também ter um efeito significativo na capacidade de as empresas darem respostas mais flexíveis a alterações nas circunstâncias externas. Ao flexibilizar os tempos de produção e os horários de abertura, podem ser geradas vantagens competitivas em termos de custos para as empresas. A flexibilidade do tempo de trabalho é também importante para os trabalhadores, permitindo-lhes ajustar os seus horários de trabalho segundo as conveniências em cada fase da sua vida e as preferências individuais.

Por último, em linha com a agenda da UE em prol de uma melhor regulamentação, é importante que as regras relativas ao tempo de trabalho a nível da UE e nacional possam atingir os seus objectivos sem acrescentar encargos administrativos desnecessários às empresas, em especial as PME.

5. QUESTÕES FUNDAMENTAIS DECORRENTES DA APLICAÇÃO DA DIRECTIVA

Uma revisão exaustiva da directiva deverá começar por uma análise do impacto das alterações emergentes nos modelos de trabalho na aplicação da actual directiva e pela identificação das disposições que é necessário adaptar, simplificar ou clarificar. Em larga medida, estas dificuldades na aplicação da directiva podem reflectir a necessidade de uma adaptação mais fundamental das regras vigentes.

1. Horário de trabalho

O tempo de trabalho semanal médio na UE é inferior ao limite das 48 horas e está a diminuir. Contudo, é evidente que alguns grupos de trabalhadores continuam a trabalhar, em média, mais horas, podendo os horários oscilar acentuadamente entre 49 horas e mais de 80 horas por semana.

Novos modelos laborais podem tornar os trabalhadores mais autónomos e mais móveis, suscitando questões sobre a aplicação ou a pertinência de limites ao tempo de trabalho. Acresce que, em alguns sectores ou profissões, pode considerar-se necessária a existência de horários mais longos (a curto prazo ou mesmo numa base mais permanente) para garantir a competitividade, dar resposta a flutuações sazonais ou à escassez de mão-de-obra especializada, ou ainda assegurar serviços públicos essenciais 24 horas.

Este limite das 48 horas foi já alargado em alguns casos, no âmbito das opções permitidas pela directiva: nomeadamente, a derrogação relativa aos chamados «trabalhadores autónomos» e o opt-out individual. O recurso à possibilidade de opt-out tem aumentado recentemente na UE. Actualmente, cinco Estados-Membros usam-na em todos os sectores da economia; outros dez Estados-Membros usam-na em certos sectores, na sua maioria onde o tempo de permanência é mais habitual.

Há também a questão particular dos trabalhadores com mais de um contrato laboral, que podem trabalhar mais de 48 horas para um ou mais empregadores[11].

Várias partes consideram que não se deve impedir os trabalhadores de ultrapassarem a média de 48 horas, se estes pretendem ter um rendimento adicional ou acelerar a progressão de carreira. Do mesmo modo, há quem defenda que é necessária uma restrição legal para proteger a saúde e a segurança dos trabalhadores, uma vez que estes, individualmente, nem sempre podem fazer escolhas livres sobre os limites ao seu tempo de trabalho em virtude da sua posição negocial mais frágil face aos empregadores. Acresce que horários de trabalho mais longos podem afectar negativamente a produtividade, a criatividade e a geração de emprego, bem como a conciliação entre vida profissional e familiar.

2. Tempo de permanência

Em alguns sectores ou profissões, o horário de trabalho inclui períodos de «tempo de permanência», em que o trabalhador é obrigado a estar presente no local de trabalho pronto para trabalhar se a tal for chamado, não precisando, no entanto, de estar constantemente atento e podendo dormir ou descansar caso não seja solicitado.

O tempo de permanência é particularmente comum em serviços de saúde, cuidados a residências e serviços de emergência (como a polícia e os bombeiros) que funcionam 24 horas por dia. Os níveis de actividade durante o tempo de permanência podem variar muito consoante o sector e o Estado-Membro. Em algumas situações, os trabalhadores podem ter de estar muito activos durante longos períodos, com poucas ou nenhumas oportunidades para descansar. Em outros, é possível que raramente sejam chamados a trabalhar efectivamente, estando, no entanto, obrigados a permanecer no local de trabalho.

Este tipo específico de flexibilidade do tempo de trabalho exigido pelo funcionamento de serviços permanentes gera um problema delicado de como calcular, ao abrigo da directiva, as horas trabalhadas e os períodos de descanso nos casos de «tempo de permanência» As longas horas passadas no local de trabalho podem ter efeitos prejudiciais para a saúde e a segurança dos trabalhadores, e afectar a compatibilidade entre vida profissional e familiar. Por conseguinte, há quem defenda por vezes que o tempo de permanência no local de trabalho deve ser considerado tempo de trabalho, não devendo nenhuma das suas partes ser contabilizadas como períodos mínimos de descanso. Nos processos SIMAP- Jaeger - Dellas , o Tribunal de Justiça deliberou que a directiva deve ser interpretada como determinando que os períodos de tempo de permanência devem ser contabilizados numa base horária como tempo de trabalho.

Por outro lado, há que sublinhar que a contabilização dos períodos de permanência como tempo de trabalho a 100%, em simultâneo com um limite fixo de 48 horas, pode repercutir-se negativamente no funcionamento e financiamento de serviços que precisam de flexibilidade especial para funcionar numa base permanente. Há quem argumente, por exemplo, que em certos Estados-Membros o custo dos serviços de saúde registaria uma subida dramática, vindo a acrescentar-se a outros desafios como o aumento do custo dos produtos médicos e os efeitos do envelhecimento demográfico. A falta de mão-de-obra especializada no sector dos cuidados médicos torna já extremamente difícil para alguns Estados-Membros recrutar ou reter pessoal qualificado em número suficiente.

Têm sido consideradas opções alternativas para evitar estas consequências. Algumas destas opções implicariam alterações ao acervo. Por exemplo, os períodos inactivos do tempo de permanência no local de trabalho poderiam não ser contabilizados como tempo de trabalho. Ou poderiam ser calculados como tempo de trabalho numa percentagem inferior a 100%, proporcional ao nível de vigilância exigido (o chamado sistema de equivalência).

3. Flexibilidade no cálculo médio do horário laboral semanal

A flexibilidade na distribuição temporal das horas trabalhadas é um importante factor competitivo, em especial naqueles sectores sujeitos a flutuações nos respectivos ciclos de actividade.

A directiva já permite alguma flexibilidade – quando se calcula o limite das 48 horas do tempo de trabalho, a média das horas semanais trabalhadas é calculada ao longo de um «período de referência». Normalmente, este não pode exceder quatro meses, mas derrogações há que autorizam, em certas actividades, um período até seis meses ou (por convenção colectiva) até 12 meses em qualquer actividade.

No entanto, foram suscitadas preocupações sobre as restrições ao alargamento do período de referência base de quatro meses por parte de empresas que operam em sectores ou países onde não há tradição de negociação colectiva e, de um modo mais geral, pelas PME. Estas empresas consideram que essas restrições as colocam em desvantagem e que a necessidade de flexibilidade do tempo de trabalho não está relacionada com o modelo de relações laborais ou a dimensão da empresa.

Estas regras devem ser dotadas de maior flexibilidade, permitindo que as legislações nacionais fixem um período de referência até 12 meses. Tal ajudaria certamente as empresas a adaptar os horários de abertura ou os tempos de produção às variações na actividade causadas por ciclos sazonais ou económicos.

Por outro lado, o alargamento dos períodos de referência pode ser encarado como um incentivo a horários de trabalho mais longos por mais tempo e, como tal, gerar efeitos indesejáveis na saúde e segurança dos trabalhadores e na conciliação entre vida profissional e familiar. A fim de evitar que tal aconteça, poderá ser necessário estabelecer um qualquer tipo de condição que proteja os trabalhadores.

4. Flexibilidade no gozo dos períodos mínimos de descanso diário e semanal

Outra questão importante é a flexibilidade deixada às empresas para determinar quando devem ser gozados os períodos mínimos de descanso diário e semanal exigidos pela directiva.

A directiva permite actualmente um reporte de parte ou da totalidade do período mínimo de descanso, desde que todas as horas perdidas sejam plenamente compensadas posteriormente. Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, estes períodos de descanso compensatórios devem ser gozados tão cedo quanto possível; de qualquer forma, todo os períodos de descanso perdidos deve ser recuperados imediatamente após um turno alargado.

Algumas partes defendem que o descanso mínimo (seja diário ou semanal) deve ser gozado imediatamente; ou, pelo menos, adiado o menos possível e plenamente compensado de imediato. Salientam os potenciais riscos para a saúde e a segurança que o extremo cansaço dos trabalhadores pode representar para si próprios e para terceiros, bem como as possíveis repercussões negativas na capacidade de funcionamento e na produtividade.

Por outro lado, uma maior flexibilidade na organização dos períodos de descanso compensatórios pode ajudar as empresas a organizar o trabalho, em especial quando oferecem serviços permanentes em zonas remotas ou se debatem com escassez de trabalhadores especializados. Em alguns casos, essa flexibilidade pode também ajudar os trabalhadores a conciliar vida profissional e familiar ou a satisfazer as suas preferências individuais.

6. PRÓXIMAS ETAPAS

A presente comunicação constitui a primeira fase de consulta prevista no artigo 154.º, n.º 2, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. Nesta fase, a Comissão solicita os pontos de vista dos parceiros sociais sobre a necessidade de acção a nível da União Europeia relativamente à Directiva «Tempo de Trabalho» e o âmbito a conferir a uma iniciativa desse tipo.

A Comissão analisará os pontos de vista expressos nesta primeira fase, decidindo então sobre a pertinência de uma acção da UE. Caso a Comissão decida ser essa acção pertinente, lançará uma segunda fase de consulta dos parceiros sociais a nível da UE. Essa fase contemplará o conteúdo de uma eventual proposta de acção, em conformidade com o artigo 154.º, n.º 3, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

Em paralelo com estas consultas, a Comissão realizará uma avaliação de impacto exaustiva, incluindo um exame da aplicação da directiva nos Estados-Membros e um estudo dos aspectos sociais e económicos pertinentes para o exercício de revisão. A avaliação de impacto não afectará, evidentemente, o resultado das consultas. A Comissão tenciona publicar os resultados da avaliação de impacto a tempo de contribuir para os debates institucionais sobre uma eventual proposta legislativa.

São as seguintes as perguntas que a Comissão propõe para consulta dos parceiros sociais:

5. Como desenvolver propostas equilibradas e inovadoras em matéria de organização do tempo de trabalho que permitam sair do impasse a que chegaram os debates do último processo de conciliação? Como se desenha, a longo prazo, a organização do tempo de trabalho numa envolvente moderna?

6. Que efeitos têm na aplicação da directiva as mudanças nos modelos e práticas laborais? Alguma das disposições se tornou obsoleta ou mais difícil de aplicar?

7. Que experiência há do funcionamento geral da Directiva «Tempo de Trabalho»? Que experiência há no que respeita às questões fundamentais identificadas no ponto 5 do presente documento?

8. Que comentários suscita a análise do presente documento no que respeita à organização e à regulamentação do tempo de trabalho na UE? Existem outros aspectos que deveriam ser acrescentados?

9. É oportuno a Comissão lançar uma iniciativa para alterar a directiva? Em caso afirmativo, são aceitáveis os objectivos de revisão estabelecidos no presente documento? Qual deveria ser o seu âmbito?

10. Para além de medidas legislativas, que outras acções a nível da União Europeia deveriam ser consideradas? Assim sendo, que forma de acção deve ser privilegiada e sobre que questões?

11. É oportuno encetar um diálogo no âmbito do artigo 155.º do Tratado sobre o Funcionamento da UE sobre as questões identificadas na presente consulta? Em caso afirmativo, sobre quais?

[1] Directiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Novembro de 2003, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho, JO L 299 de 18.11.2003, p. 9.

[2] Proposta original COM(2004) 607; proposta alterada COM (2005) 246.

[3] Proposta de Directiva do Conselho relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho – COM(90) 317 de 20.9.1990.

[4] 37,2 horas quando excluídos os 10 países que aderiram à UE em 2004. Apesar da influência da conjuntura económica, o número de horas semanais trabalhadas a tempo inteiro acusou uma ligeira tendência para a baixa no mesmo período (Eurostat).

[5] Quarto estudo sobre as condições de trabalho na Europa.

[6] «Working time in the EU and other global economies» , Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho, 2008.

[7] Ibidem.

[8] A primeira Convenção da OIT – a Convenção sobre o horário de trabalho (indústria) elaborada em 1919 – define a norma da jornada laboral de oito horas e da semana laboral de 48 horas.

[9] «Artigo 31.º - Condições de trabalho justas e equitativas1. Todos os trabalhadores têm direito a condições de trabalho saudáveis, seguras e dignas.2. Todos os trabalhadores têm direito a uma limitação da duração máxima do trabalho e a períodos de descanso diário e semanal, bem como a um período anual de férias pagas.

[10] Proposta original COM(2004) 607; proposta alterada COM(2005) 246.

[11] 0,6% dos trabalhadores na UE trabalham, simultaneamente , mais de 48 horas semanais médias e em múltiplos empregos (Quarto estudo sobre as condições de trabalho na Europa).