19.2.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 54/51


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a«Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Directiva 2001/18/CE no que se refere à possibilidade de os Estados-Membros limitarem ou proibirem o cultivo de OGM no seu território»

[COM(2010) 375 final – 2010/0208 (COD)]

(2011/C 54/16)

Relator: Gerfried GRUBER

Em 7 e 10 de Setembro de 2010, o Parlamento Europeu e o Conselho, respectivamente, decidiram, nos termos do artigo 114.o do TFUE, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Directiva 2001/18/CE no que se refere à possibilidade de os Estados-Membros limitarem ou proibirem o cultivo de OGM no seu território

COM(2010) 375 final – 2010/0208 (COD).

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente que emitiu parecer em 17 de Novembro de 2010.

Na 467.a reunião plenária de 8 e 9 de Dezembro de 2010 (sessão de 9 de Dezembro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 169 votos a favor, 12 votos contra e 12 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusões

1.1   O CESE reconhece que o incremento na utilização na agricultura europeia de organismos geneticamente modificados (OGM) suscita preocupações graves num vasto sector da população europeia. Congratula-se, pois, com a intenção da Comissão Europeia de abordar a questão delicada de deixar ao critério dos Estados-Membros decidirem sobre o cultivo de OGM com o objectivo de encontrar uma solução exequível e tentar criar um quadro europeu compatível com o bom funcionamento do mercado interno. Contudo, na opinião do CESE, a proposta apresentada, baseada principalmente em critérios éticos e morais, gera mais dúvidas do que certezas e poderia, na prática, levar à proliferação das medidas (juridicamente instáveis) adoptadas pelos Estados e pelas regiões, o que seria prejudicial ao bom funcionamento do mercado interno da UE, afectaria a segurança jurídica dos operadores e poria em causa a credibilidade de todo o sistema.

1.2   O Comité considera, contudo, que o projecto de regulamento em apreço necessita de ser melhorado e concretizado, sobretudo no respeitante à segurança jurídica das partes interessadas. Na opinião do Comité, poder-se-ia garantir essa segurança jurídica, por exemplo, introduzindo no direito derivado da UE uma base jurídica concreta e vinculativa com motivos, condições e procedimentos específicos aplicáveis às medidas nacionais. De forma mais geral, o Comité insta à clarificação da base jurídica da proposta e da compatibilidade das eventuais proibições dos Estados-Membros, em aplicação do artigo 26.o-B, com as regras do mercado interno da UE e a legislação comercial da OMC, bem como com outras obrigações jurídicas internacionais.

1.3   As restrições nacionais ao cultivo de OGM estão estreitamente relacionadas com a coexistência e responsabilidade civil pelos danos provocados pelos OGM e pela contaminação acidental. Por isso, o Comité considera que estas questões deveriam ser tratadas em conjunto ou em propostas legislativas paralelas, como parte de uma revisão mais global do quadro regulamentar da UE em matéria de biotecnologia agrícola e em sintonia também com as conclusões do Conselho (Ambiente) de Dezembro de 2008.

1.4   Atendendo ao calendário da proposta da Comissão em apreço, que antecede a revisão em curso do actual quadro jurídico, não é possível emitir um parecer definitivo sobre a proposta, que apenas poderá ser apreciada globalmente em conjunto com a avaliação em curso do sistema de autorização e do quadro regulamentar geral. Contudo, tal não deverá retardar desnecessariamente as medidas que visam melhorar a actual proposta.

2.   Contexto e teor do projecto de regulamento

2.1   A União Europeia dispõe de um amplo quadro jurídico em matéria de autorização de organismos geneticamente modificados. A Directiva 2001/18/CE (1) e o Regulamento (CE) n.o 1829/2003 (2) estabelecem as regras respeitantes ao cultivo de OGM. Com o accionamento das cláusulas de salvaguarda estipuladas no artigo 23.o da Directiva 2001/18/CE, os Estados-Membros, com base em informações científicas adicionais que permitam concluir que um OGM constitui um risco para a saúde humana ou para ao ambiente, têm a possibilidade de limitar o cultivo de OGM já autorizados, nas condições previstas no referido artigo. Além disso, nos termos do artigo 26.o-A, os Estados-Membros podem tomar as medidas apropriadas para impedir a presença acidental de OGM em outros produtos (coexistência).

2.2   Em Março de 2009, o Conselho rejeitou o pedido da Comissão Europeia de levantamento das cláusulas de salvaguarda nacionais em vigor (nomeadamente na Áustria e na Hungria) por falta de fundamentação científica. Esta situação é reminiscente de outras votações anteriores do Conselho em circunstâncias semelhantes, podendo mesmo falar-se de um impasse político, análogo ao que sucede com o sistema de autorização. Em Junho de 2009, 13 Estados-Membros (3) adoptaram uma declaração conjunta convidando a Comissão Europeia a apresentar propostas para que a decisão sobre o cultivo de OGM fosse deixada ao critério dos Estados-Membros.

2.3   Tendo em conta as orientações políticas do presidente da Comissão, José Manuel Durão Barroso, a Comissão Europeia apresentou, com a Decisão de 13 de Julho de 2010, uma proposta legislativa dando margem de manobra aos Estados-Membros quanto à utilização de OGM. As propostas da Comissão consistem numa comunicação relativa à liberdade de os Estados-Membros decidirem sobre o cultivo de culturas geneticamente modificadas (4) e numa proposta de regulamento que faz as necessárias alterações ao quadro jurídico (5).

2.4   No plano técnico-jurídico, é aditado à Directiva 2001/18/CE, por via de regulamento, um artigo 26.o-B. Esta disposição prevê que os Estados-Membros possam adoptar medidas proibindo ou limitando em todo ou em parte do seu território o cultivo de OGM já autorizados no mercado interno, na condição de essas medidas se basearem em motivos não relacionados com os riscos para o ambiente ou para a saúde humana, que já estão contemplados no sistema de autorização em vigor, e de estarem em conformidade com os Tratados.

2.5   A proposta de regulamento tem como objectivo conceder mais flexibilidade aos Estados-Membros, de acordo com o princípio da subsidiariedade, para decidirem sobre o cultivo de OGM e criarem a necessária segurança jurídica. A Comissão Europeia está convicta de que a proposta de regulamento é conforme às regras do mercado interno e às obrigações internacionais existentes e que a nova regulamentação também não contradiz o sistema de autorização em vigor, constituindo um mero complemento.

2.6   Em 5 de Novembro, os serviços jurídicos do Conselho emitiram um parecer jurídico sobre a escolha da base jurídica, as possíveis medidas nacionais e a compatibilidade das medidas propostas com os acordos do GATT. O serviço jurídico afirma que a base jurídica escolhida não é válida, tem sérias dúvidas quanto à compatibilidade com os Tratados ou com o GATT das medidas que os Estados-Membros poderiam potencialmente adoptar e aponta a extrema dificuldade em defender perante o Tribunal de Justiça e a OMC uma medida adoptada por um Estado-Membro ou uma região com base em critérios de natureza ética ou moral. Além disso, estas dúvidas foram em parte confirmadas pelo serviço jurídico do Parlamento Europeu, que, no seu parecer de 17 de Novembro de 2010, emitiu reservas semelhantes quanto à conformidade de eventuais justificações para a adopção de restrições nacionais (p. ex., de ordem moral) com as regras do mercado interno da UE e com as normas da OMC em matéria de comércio.

3.   Actual sistema de autorização de OGM

3.1   O objectivo do procedimento de autorização estabelecido ao nível europeu é garantir um elevado nível de protecção da vida e da saúde humana, da saúde e do bem-estar dos animais, do ambiente e dos interesses dos consumidores e, simultaneamente, assegurar o funcionamento eficaz do mercado interno.

3.2   As regras existentes em matéria de autorização e utilização de OGM baseiam-se numa série de princípios fundamentais (jurídicos) que, na opinião do CESE, devem ser tidos em conta, nomeadamente:

uma autorização independente e baseada em critérios científicos;

um elevado nível de protecção da saúde e do ambiente em conformidade com o princípio da precaução;

respeito pelo mercado interno e pelas obrigações internacionais;

liberdade de escolha e transparência em toda a cadeia alimentar;

segurança jurídica; e

subsidiariedade e proporcionalidade.

3.3   As propostas da Comissão Europeia devem ser encaradas, quer em termos temporais, quer em termos de conteúdo, em conjunto com a aplicação das conclusões do Conselho de Dezembro de 2008, que determinam, entre outros aspectos, uma revisão do sistema de autorização em vigor, cuja conclusão está prevista para o final de 2010. Neste caso, trata-se sobretudo de uma revisão das orientações da Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (AESA) relativas à avaliação dos riscos potenciais para a saúde e o ambiente (6), um relatório da Comissão Europeia sobre a melhoria da monitorização do ambiente, após ter sido concedida autorização, e um estudo sobre o impacto socioeconómico e ecológico do cultivo de OGM. É igualmente efectuada uma avaliação do quadro jurídico aplicável tanto a alimentos geneticamente modificados para a alimentação humana e animal como ao cultivo de OGM. Até ao final de 2012 deverá ser efectuada uma revisão integral de todo o sistema de autorização de OGM.

3.4   Importa, além disso, esclarecer a relação que existe entre proibições ou limitações do cultivo de OGM a nível nacional e as regras em matéria de coexistência, pois ambas as questões estão intimamente ligadas, e a Comissão Europeia pretende, também aqui, dar maior margem de manobra aos Estados-Membros. As constatações apresentadas no relatório da Comissão, de 3 de Abril de 2009, sobre a aplicação das orientações em matéria de coexistência (7) são importantes neste contexto.

4.   Observações na generalidade

4.1   Se bem que o CESE, como é evidente, ainda não se tenha pronunciado sobre a elaboração de medidas de proibição do cultivo a nível nacional, o facto é que muitas das opiniões que já emitiu sobre temas relacionados com a proposta de regulamento em apreço continuam válidas quer como contributo para a reflexão quer como propostas.

4.2   No seu parecer de iniciativa de 16 de Dezembro de 2004 (8), o CESE pronunciou-se detalhadamente sobre a coexistência de OGM e a agricultura convencional e biológica, tendo apresentado propostas relativas aos diferentes níveis de regulamentação. Nesse parecer defendia, entre outros aspectos, que deveriam ser reguladas a nível nacional determinadas medidas destinadas a evitar a polinização cruzada em função das condições regionais específicas, bem como disposições regionais para a cultura ou a proibição de cultivo de OGM. Sublinhava igualmente a necessidade de normas mínimas ao nível da UE em matéria de coexistência e responsabilidade civil.

4.3   Importa prestar especial atenção às medidas de protecção de zonas naturais e áreas ecologicamente sensíveis. Também as medidas que visam a defesa dos interesses económicos e culturais regionais e outros impactos económicos e sociais têm de ser tidas em conta.

4.4   Nesse mesmo parecer, o Comité referia ainda que os pressupostos para a coexistência dependem das condições regionais e que, em particular nas regiões em que se pratica uma agricultura minifundiária, não se afigura viável o cultivo paralelo de organismos geneticamente modificados e organismos geneticamente não modificados, convencionais e biológicos.

4.5   Nele eram igualmente tratadas as oportunidades de comercialização que se oferecem aos selos de qualidade e às garantias de origem, em que – correspondendo às expectativas dos consumidores – se renuncia à utilização de OGM. Nesta óptica, muitas regiões declararam-se livres de OGM, chamando o CESE, no entanto, a atenção para a insegurança jurídica daí decorrente e para a necessidade de lhe pôr cobro.

5.   Observações na especialidade e questões em aberto

5.1   Critérios de uma eventual proibição/limitação de cultivo

5.1.1   Com a Directiva 2001/18/CE, foram harmonizadas as disposições relativas à autorização de OGM, incluindo o recurso a cláusulas de salvaguarda nos termos do artigo 23.o e a coexistência nos termos do artigo 26.oA. A base é o artigo 114.o do TFUE (antigo artigo 95.o TUE) relativo à aproximação das disposições legislativas que tenham por objecto o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno. Com o novo artigo 26.oB, passa a estar estipulado que os Estados-Membros podem proibir o cultivo de OGM, não obstante a eventual existência de uma autorização a nível da UE.

5.1.2   Em primeiro lugar, coloca-se a questão de saber até que ponto uma proibição de cultivo nacional se pode excluir do domínio jurídico harmonizado e se não entra em conflito com os princípios jurídicos gerais do mercado interno. Ainda mais que, segundo um recente parecer do Serviço Jurídico do Conselho (9), a base jurídica do artigo 114.o do TFUE aparentemente não é válida dados os objectivos, conteúdo e âmbito da proposta relativa ao artigo 26.o-B. Por outro lado, o Serviço Jurídico do PE não questiona o recurso ao artigo 114.o do TFUE como base jurídica da proposta, o que demonstra a existência de interpretações jurídicas divergentes a nível da UE, que importa esclarecer e resolver.

5.1.3   O projecto não contém qualquer lista de motivos, peremptórios ou exemplificativos, que possam servir de ponto de referência aos Estados-Membros para uma proibição de cultivo. Apenas é referido no artigo 26.o-B que os motivos devem ser diferentes dos abrangidos pela avaliação realizada no âmbito da autorização. Por conseguinte, não são admissíveis motivos abrangidos pela avaliação dos riscos para a saúde e o ambiente que estão relacionados com o sistema de autorizações da UE. Na opinião do CESE, a segurança jurídica conferida pela proposta pode ser reforçada incluindo no próprio artigo 26.o-B uma lista indicativa (mas não exaustiva) de motivos concretos que os Estados-Membros poderão invocar para restringir ou proibir o cultivo de OGM. Para além de argumentos éticos, morais e religiosos, esses motivos podem incluir também certas considerações socioeconómicas. Essa clarificação no direito derivado serviria como lex specialis face aos motivos enunciados no artigo 36.o do TFUE e desenvolvidos na jurisprudência do TJUE, o que melhoraria a compatibilidade com as regras do mercado interno e com os Tratados.

5.2   Segurança jurídica

5.2.1   No que se refere à questão da segurança jurídica, o Comité considera que não basta uma simples remissão para o direito primário. Deve ser feita referência, por exemplo, ao Acórdão C-165/08 de 16 de Julho de 2009 (10), que declara incompatível com a legislação da UE uma proibição nacional de autorização de sementes de OGM. Este acórdão deixou claro a dificuldade com que se deparam os Estados-Membros que se baseiam em motivos que não os relacionados com a protecção da saúde e do ambiente.

5.2.2   O CESE reconhece, porém, que, em face da actual situação jurídica e política, a criação de uma base jurídica clara e sólida deveria proporcionar aos Estados-Membros uma melhoria da segurança jurídica em relação ao status quo. No entanto, é mais fácil alcançar este objectivo recorrendo a uma base jurídica concreta e pormenorizada no âmbito do direito derivado (por exemplo, a Directiva 2001/18/CE) do que remeter para a margem de manobra limitada e pouco clara que as regras gerais do mercado interno propiciam.

5.3   Dimensão do controlo da AESA cooperação com os Estados-Membros

5.3.1   Com vista a salvaguardar o sistema de autorização de base científica, devem ser revistas as orientações da AESA relativas à avaliação dos riscos potenciais para a saúde e o ambiente, as quais devem assumir um carácter normativo mediante aprovação pelos Estados-Membros. O CESE espera que o sistema de avaliação independente de base científica, no âmbito do processo de autorizações, seja desenvolvido na acepção do princípio de precaução.

5.3.2   O CESE põe à consideração se, em relação a determinados aspectos, não deveria haver um maior envolvimento dos Estados-Membros no procedimento de avaliação científica dos riscos pela AESA. Nos termos do Regulamento (CE) n.o 178/2002 (11), a AESA foi criada com o objectivo de emitir pareceres científicos sobre a segurança dos géneros alimentícios para alimentação humana e animal, tendo igualmente em conta os riscos para o ambiente. Como é óbvio, o impacto dos OGM no ambiente também é objecto de análise nos Estados-Membros, os quais estão em condições de analisar com mais precisão as condições ambientais existentes no seu território, cabendo, em seguida, à AESA validar os resultados dessa análise.

5.3.3   De modo geral, importa estabelecer critérios metodológicos a serem observados em todos os trabalhos científicos efectuados para e pela AESA, incluindo as análises pelos pares (peer reviews), o que poderia contribuir para melhorar a coordenação entre a AESA e os Estados-Membros (12). O CESE está consciente de que a AESA recorre, formalmente, a critérios de avaliação de risco o mais rigorosos possível e absolutamente independentes do ponto de vista científico e que, por isso, é também um órgão da UE altamente respeitado no plano internacional. Conviria aprofundar a cooperação sobre o desenvolvimento de métodos de investigação entre a AESA e os centros de investigação, as universidades e os investigadores independentes envolvidos na avaliação dos riscos a nível nacional.

5.3.4   Todavia, para que exista mais transparência e qualidade nos processos de avaliação científica de OGM, o CESE propõe uma reforma da AESA no sentido de todos os grupos de interesse (consumidores, indústria, comerciantes, agricultores e criadores biológicos, cooperativas de consumo, nutricionistas, médicos, etc.) estarem representados no painel para os transgénicos, em vez de apenas um grupo de investigadores.

5.4   Mercado interno

5.4.1   A Comissão Europeia parte do princípio de que a possibilidade de decretar proibições de cultivo a nível nacional não perturba o mercado interno de OGM em sementes, géneros alimentícios e alimentos para animais. Este pressuposto é questionável, pois pelo menos nas regiões ou Estados-Membros onde foi decretada uma proibição de cultivo poderá ter havido um condicionamento do comércio de sementes de OGM autorizadas, como parece sugerir a jurisprudência proferida pelo TJUE em casos semelhantes (13).

5.4.2   É actualmente difícil determinar se uma proibição de cultivo poderia provocar distorções da concorrência. Todavia, na ausência de normas (mínimas) a nível da UE relativamente à coexistência e à responsabilidade civil, a igualdade de tratamento nos sectores de agricultura sem OGM estará muito provavelmente ameaçada. Seja como for, as medidas necessárias para assegurar a coexistência implicam esforço e custos, os quais devem ser tidos em consideração em todas as soluções futuras. Por outro lado, a ausência de OGM traria vantagens em termos de comercialização, dependendo a formação dos preços do comportamento dos consumidores.

5.4.3   As plantas geneticamente modificadas, comparando com as plantas convencionais, requerem, em parte, medidas técnicas de cultivo diferentes, como, por exemplo, outros produtos fitofarmacêuticos, o que pode dar origem a problemas de disponibilidade desses produtos, dadas as lacunas e o funcionamento deficiente do mercado interno de produtos fitofarmacêuticos. Este exemplo serve para ilustrar que são muito diversos os factores que influenciam as decisões dos agricultores quanto ao que produzem e como o fazem.

5.5   Impacto socioeconómico

5.5.1   No que diz respeito ao impacto socioeconómico das autorizações de OGM, remete-se para o relatório da Comissão Europeia previsto para o final de 2010. A informação constante desse relatório deveria ser incluída na avaliação do projecto de regulamento, pois é provável que os motivos apresentados para as proibições de cultivo nos termos do artigo 26.o-B digam respeito sobretudo ao impacto económico, social e ambiental. Até esse relatório estar concluído, é impossível apresentar um parecer completo sobre a proposta em apreço.

5.5.2   Em qualquer dos casos, o Regulamento (CE) n.o 1829/2003 já permite que, em determinadas condições, na sequência da avaliação de um caso isolado, sejam tidos em conta outros factores pertinentes para a gestão do risco, que decorre da avaliação do risco para a saúde e o ambiente.

5.5.3   Devido à falta de conhecimento científico sobre o impacto a nível económico e na concorrência, o projecto deveria prever uma cláusula de avaliação, e a Comissão Europeia deveria realizar uma avaliação de impacto ex ante específica.

5.6   Obrigações internacionais

5.6.1   Do ponto de vista do Comité, um aspecto importante a esclarecer é o cumprimento das obrigações internacionais, em especial as obrigações no âmbito da OMC/GATT e também do Protocolo de Cartagena. Uma vez que é de esperar que os Estados-Membros que pretendam decretar uma proibição de cultivo passem a invocar o novo artigo 26.o-B, torna-se especialmente importante que as decisões nesse sentido assentem numa base jurídica sólida e válida a nível internacional.

5.6.2   Perante a importância desta questão, o CESE desejaria uma explicação mais pormenorizada da Comissão Europeia no que se refere à conformidade com as obrigações internacionais da UE. Em relação a esta matéria, deveria também ser tido em consideração o parecer dos serviços jurídicos das instituições europeias sobre a compatibilidade com a OMC, em particular o recente parecer do Serviço Jurídico do Conselho (9), que expressou sérias dúvidas quanto à compatibilidade com os Tratados ou com o GATT de quaisquer medidas que os Estados-Membros possam adoptar com base no novo artigo 26.o-B, tal como é formulado pela Comissão. Além disso, o Serviço Jurídico do Parlamento Europeu manifesta dúvidas semelhantes em relação à conformidade de eventuais justificações, baseadas, por exemplo, na moralidade pública, com as regras do mercado interno da UE e a legislação comercial da OMC.

5.7   Liberdade de escolha em toda a cadeia alimentar

5.7.1   É igualmente importante prestar a devida atenção à liberdade de escolha dos produtores, dos retalhistas e dos consumidores. Em princípio, os produtores devem, na qualidade de agentes económicos, ter liberdade de escolha em relação aos métodos de cultivo. Da mesma forma, os importadores e os comerciantes devem poder continuar a exercer as suas actividades profissionais legais apesar do novo artigo 26.o-B proposto.

5.7.2   Por conseguinte, as restrições ou proibições de cultivo a nível nacional devem orientar-se pelos princípios gerais dos Tratados, em especial os princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade.

5.7.3   Para que os consumidores optar livremente entre géneros alimentícios com e sem OGM, são necessários sistemas de rastreabilidade e rotulagem eficazes, mas também uma oferta que vá ao encontro das preferências dos consumidores. Neste caso, deve ser prestada especial atenção à disponibilidade de produtos a nível regional. O CESE salienta que o consumidor europeu deve ter plena consciência de que uma potencial proibição do cultivo de OGM na sua região ou no seu país não impedirá que os OGM sejam comercializados livremente nesse território, nem que continue a haver importações maciças de OGM, destinados à alimentação animal ou humana, provenientes de países terceiros com duvidosa rastreabilidade.

5.8   Correlação com a coexistência

5.8.1   Em geral, o objectivo da coexistência é evitar a mistura não intencional de produtos geneticamente modificados com produtos convencionais ou biológicos, para garantir, por um lado, a liberdade de escolha dos produtores e dos consumidores e, por outro, para evitar prejuízos económicos às empresas.

5.8.2   O CESE considera a aplicação e a garantia da coexistência um factor essencial em toda a questão da utilização de OGM, embora subsistam muitas incertezas e seja necessário recolher mais informações a todos os níveis, sobretudo no que diz respeito aos efeitos a longo prazo.

5.8.3   Embora uma eventual proibição de cultivo nos termos da proposta da Comissão possa mitigar o problema da mistura não intencional ou da polinização cruzada nos territórios em causa, não deve, de modo algum, contribuir para uma redução dos esforços de desenvolvimento de regras para a coexistência a longo prazo dos diferentes métodos de cultivo. Tal como recomendado pelo Comité em 2004 (14), uma harmonização mínima a nível da UE das normas respeitantes à coexistência e à responsabilidade (ou em alternativa, no artigo 26.o-A, uma exigência vinculativa de os Estados-Membros adoptarem essas regras ao nível nacional ou regional) será imprescindível para garantir a liberdade de escolha e condições equitativas no sector agrícola e para controlar o impacto socioeconómico do cultivo de OGM. Isto é especialmente importante nas regiões fronteiriças.

5.8.4   Caso a criação de regras de coexistência se desenvolva mais rapidamente a nível nacional e regional, o intercâmbio de conhecimentos e boas práticas assume uma importância crescente. A actividade do Gabinete Europeu de Coexistência (ECoB) deve ser orientada nesse sentido e há que envolver as partes interessadas a todos os níveis.

5.8.5   No entanto, uma outra questão que continua por resolver é o valor-limite de OGM em sementes e o valor-limite de OGM não autorizados na União Europeia mas que são importados pela UE (este valor afecta sobretudo alimentos para animais). Ou a Comissão Europeia dá resposta a estas questões ou é preciso começar rapidamente a procurar pôr em prática as propostas apresentadas pela Comissão.

5.9   Situação actual a nível transfronteiras e questões de responsabilidade

5.9.1   Continuam por clarificar as regras relativas à responsabilidade em caso de mistura não intencional com OGM, sobretudo em caso de contaminação para lá das fronteiras nacionais. Actualmente, não existem obrigações de informação mútua entre Estados-Membros vizinhos sobre os locais de cultivo de OGM. Em muitos casos, as informações apenas são trocadas em virtude de contactos pessoais.

5.9.2   Uma proposta poderia ser obrigar os Estados-Membros em cujas fronteiras se pratique o cultivo de OGM a divulgarem na Internet informações sobre esse cultivo inclusivamente na língua dos países vizinhos. Com uma medida deste tipo, seria possível fazer valer também direitos em caso de mistura não intencional com OGM mesmo para lá das fronteiras nacionais e conseguir, talvez mais facilmente, reclamar a reparação de prejuízos económicos daí resultantes.

5.9.3   A situação irá melhorar com o Protocolo adicional ao Protocolo de Cartagena adoptado em 12 de Outubro de 2010, que estabelece regras comuns em matéria de responsabilidade e reparação de prejuízos para a diversidade biológica provocados pelos movimentos transfronteiriços. Dever-se-ia, sem demoras desnecessárias, tomar medidas para a aplicação das obrigações nele previstas.

5.9.4   O CESE insta ainda a que se avalie até que ponto normas mínimas europeias vinculativas em matéria de coexistência e de responsabilidade (ou, em alternativa, a inclusão no artigo 26.o-A da obrigação legal de os Estados-Membros adoptarem essas regras ao nível nacional ou regional) poderiam ser tornadas obrigatórias, pelo menos, para as regiões fronteiriças e poderiam minorar os riscos de responsabilidade civil do foro do direito privado, bem como permitir o esclarecimento de dúvidas entre Estados-Membros. O Comité chama a atenção para a urgência de adoptar estas normas em matéria de responsabilidade civil, dado que, presentemente, as seguradoras continuam a recusar-se cobrir os danos associados aos OGM, e o actual sistema da UE de responsabilidade ambiental, ao abrigo da Directiva 2004/35/CE, não prevê cobertura suficiente para este tipo de danos.

Bruxelas, 9 de Dezembro de 2010

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Staffan NILSSON


(1)  Directiva 2001/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Março de 2001, relativa à libertação deliberada no ambiente de organismos geneticamente modificados e que revoga a Directiva 90/220/CEE do Conselho (JO L 106 de 17.4.2001, p. 1).

(2)  Regulamento (CE) n.o 1829/2003 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Setembro de 2003, relativo a géneros alimentícios e alimentos para animais geneticamente modificados (JO L 268 de 18.10.2003, p. 1).

(3)  Áustria, Bulgária, Irlanda, Grécia, Chipre, Letónia, Lituânia, Hungria, Luxemburgo, Malta, Países Baixos, Polónia e Eslovénia.

(4)  COM(2010) 380 final.

(5)  COM(2010) 375 final.

(6)  Ver a consulta pública em curso até 24 de Janeiro de 2011 sobre o projecto da AESA de 12 de Novembro,

sítio web: http://www.efsa.europa.eu/en/press/news/gmo101112.htm.

(7)  COM(2009) 153 final.

(8)  JO C 157 de 28.6.2005, p. 155.

(9)  Parecer do Serviço Jurídico do Conselho, 5.11.2010, 2010/0208 (COD), 15696/10.

(10)  Acórdão C-165/08 (Comissão das Comunidades Europeias/República da Polónia) do Tribunal de Justiça da União Europeia de 16 de Julho de 2009.

(11)  Regulamento (CE) n.o 178/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de Janeiro de 2002, que determina os princípios e normas gerais da legislação alimentar, cria a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos e estabelece procedimentos em matéria de segurança dos géneros alimentícios (JO L 31 de 1.2.2002, p. 1).

(12)  Ver o recurso República da Hungria/Comissão no processo T-240/10 sobre Amflora.

(13)  Ver, por exemplo, processos C-110/05, Comissão contra Itália; C-142/05, Mickelsson e Roos; C-188/04, Alfa Vita e C-416/00, Morellato.

(14)  JO C 157 de 28.6.2005, p. 155.


ANEXO

O excerto seguinte foi suprimido na sequência da proposta de alteração adoptada na reunião plenária, embora mais de um quarto dos sufrágios expressos se tenha pronunciado a favor da manutenção do texto suprimido:

Ponto 5.8.5

«A solução para níveis baixos de OGM não autorizados teria de ser técnica através do estabelecimento de um limiar desses OGM de nível mínimo aplicável tanto a alimentos para animais como a géneros alimentícios.»

Resultado da votação:

Votos a favor: 83

Votos contra: 79

Abstenções: 29