23.12.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 317/54


455.a REUNIÃO PLENÁRIA DE 15 E 16 DE JULHO DE 2009

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa aos direitos dos consumidores

[COM(2008) 614 final – 2008/0196 (COD)]

(2009/C 317/09)

Relator: Bernardo HERNÁNDEZ BATALLER

Co-relator: Jarosław MULEWICZ

Em 6 de Novembro de 2008, o Conselho decidiu, nos termos do artigo 95.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre a

Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa aos direitos dos consumidores

COM(2008) 614 final – 2008/0196 (COD).

Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo que emitiu parecer em 22 de Junho de 2009, sendo relator Bernardo Hernández Bataller e co-relator Jarosław Mulewicz).

Na 455.a reunião plenária de 15 e 16 de Julho de 2009 (sessão de 16 de Julho), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 68 votos a favor, com 1 abstenção, o seguinte parecer:

1.   Conclusões

1.1.   O CESE recomenda que a proposta sobre direitos dos consumidores apresentada pela Comissão seja reformulada nos termos expostos no presente parecer e, por isso, no que diz respeito à harmonização plena, esta deveria restringir-se à harmonização horizontal para as vendas fora de estabelecimentos comerciais e as vendas à distância, porque são as áreas que mais afectam o comércio transfronteiriço.

Haveria que suprimir os parágrafos da proposta de directiva referentes às cláusulas abusivas e às vendas e garantias de bens por abordarem aspectos que, no estado actual do direito comunitário, não podem ser abrangidos pela harmonização plena.

1.2.1.   A proposta não apresenta inovações nalguns aspectos relevantes, como sejam a assistência pós-venda e as peças sobresselentes, a responsabilidade directa do produtor e as redes de distribuição.

O CESE considera que a existência de definições «comuns» pode contribuir para dar mais certeza e segurança jurídica aos operadores comerciais e aos consumidores. Para tal, a Comissão deverá pôr fim às contradições que, a este respeito, subsistem na proposta.

1.3.1.   Por uma questão de segurança jurídica, o CESE solicita à Comissão que explicite o texto da proposta por forma a ficar claro se as definições estão harmonizadas ou se os Estados-Membros dispõem de margem discricionária para completar estes conceitos.

1.3.2.   O consumidor europeu não pode ser visto exclusivamente numa óptica de mercado interno ou considerado como um agente racional no mercado, consciente e informado, que toma decisões numa pura lógica de concorrência, podendo a sua protecção resumir-se a uma maior e melhor informação.

1.4.   Na opinião do CESE são as deficiências graves sentidas ao nível da resolução dos conflitos e da reparação dos danos que constituem um factor determinante «se não o mais determinante» para a falta de desenvolvimento do comércio transfronteiriço. Ora, a proposta da Comissão omite esta preocupação que o Eurobarómetro reflecte.

2.   Introdução

2.1.   A proposta resulta de um vasto processo de discussão a nível comunitário sobre as possibilidades de unificação das regras em matéria de contratos a partir de um «quadro comum de referência» em matéria contratual, com base no qual a Comissão aprovou uma comunicação sobre direito contratual europeu (1). No atinente à política de protecção dos consumidores, foi debatida a revisão do acervo em matéria de consumo, que abrange os aspectos horizontais (2) e verticais (3) no que se refere às directivas de protecção dos consumidores existentes em matéria contratual.

2.2.   No parecer sobre a revisão do acervo em matéria de consumo (4), o CESE afirmou que a «política dos consumidores é não só parte integrante da estratégia da UE para o mercado interno, mas também um elemento essencial da cidadania». No que respeita à harmonização à escala comunitária, o Comité considera que ela se deve orientar pelo mais elevado e melhor nível de protecção existente nos Estados-Membros.

3.   Síntese da proposta

3.1.   A proposta apresentada pela Comissão tem como antecedente directo o Livro Verde sobre a revisão do acervo relativo à defesa do consumidor, apresentado pela Comissão – COM(2006) 744 final, em 8 de Fevereiro de 2007, que tinha como justificação e objectivo simplificar e completar o quadro legal vigente, sendo que abarca oito directivas relativas à defesa dos consumidores (5). As respostas ao Livro Verde são analisadas no relatório pormenorizado encomendado pela Comissão Europeia, sendo de assinalar que metade das contribuições recebidas provêm do sector profissional (150), repartindo-se a outra metade entre entidades dedicadas à defesa dos consumidores (53), profissionais da justiça e outros (33), autoridades públicas (39) e meio académico (32) (6).

3.2.   A proposta tem cinquenta artigos divididos em sete capítulos: 1) Objecto, definições e âmbito de aplicação (artigos 1.o a 4.o); II) Informação do consumidor (artigos 5.o a 7.o); III) Informação do consumidor e direito de resolução para os contratos celebrados à distância e para os contratos celebrados fora do estabelecimento comercial (artigos 8.o a 20.o); IV) Outros direitos dos consumidores específicos dos contratos de vendas (artigos 21.o a 29.o); V) Direitos dos consumidores referentes às cláusulas contratuais (artigos 30.o a 39.o); VI) Disposições gerais (artigos 40.o a 46.o); VII) Disposições finais (artigos 47.o a 50.o). O documento contém ainda cinco anexos, dois dos quais relativos a cláusulas.

3.3.   A Comissão deseja proceder à revogação integral (ver art. 47.o) das seguintes directivas comunitárias: (i) Directiva 85/577/CEE do Conselho, de 20 de Dezembro de 1985, relativa à protecção dos consumidores no caso de contratos negociados fora dos estabelecimentos comerciais; (ii) Directiva 1993/13/CEE relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores; (iii) Directiva 1997/7/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Maio de 1997, relativa à protecção dos consumidores em matéria de contratos à distância e (iv) Directiva 1999/44/CE relativa a certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas.

4.   Observações na generalidade

Harmonização total: A proposta da Comissão não recebeu o mesmo acolhimento por parte dos vários actores da sociedade civil organizada.

4.1.1.   As associações de empresas apoiam a proposta por considerar que ela contribui para um melhor funcionamento do mercado interno e pode melhorar a sua competitividade, atenuando as reticências em relação às transacções transfronteiras, ao mesmo tempo que reduz os custos administrativos e os encargos que os comerciantes têm que suportar para se conformarem às novas regras. Esta situação pode afectar especialmente as PME.

4.1.2.   As organizações de consumidores consideram que a proposta colide com os direitos já adquiridos, que fazem parte do acervo comunitário, pelo que qualquer redução de direitos dos consumidores é inadmissível. Em geral, considera-se que a proposta leva a uma redução dos direitos dos consumidores, na medida em que a harmonização total é excessiva e desproporcionada para os fins que a proposta pretende perseguir, além de constituir um obstáculo a futuros desenvolvimentos.

4.1.3.   Para superar as posições divergentes, o Comité propõe:

a)

limitar o âmbito de aplicação da proposta única e exclusivamente às vendas fora de estabelecimentos comerciais e às vendas à distância, porque se trata de campos de aplicação das transacções transfronteiras cujos obstáculos a proposta pretende superar e nos quais a harmonização plena parece ser mais coerente. Excluir-se-ia a harmonização total em relação às cláusulas abusivas e às garantias nas vendas;

b)

estabelecer definições comuns na proposta, mas eliminar contradições;

c)

proceder a outras alterações como sugere o presente parecer.

4.2.   Falta de coerência interna da proposta

4.2.1.   Face à expectativa criada com os inúmeros debates, trabalhos e estudos realizados nos mais de vinte últimos anos sobre o direito contratual europeu, muito antes ou simultaneamente ao Livro Verde e também com o projecto paralelo do Quadro Comum de Referência (7), o CESE considera que a proposta apresentada fica aquém do expectável e do desejável.

4.2.2.   Por um lado, o objectivo de revisão do acervo comunitário identifica oito directivas, ao passo que na proposta de revisão e de integração a Comissão se cinge a quatro. Por outro lado, os trabalhos desenvolvidos no âmbito do QCR pretendiam pôr cobro às incoerências e consolidar as regras do chamado direito contratual europeu num instrumento facultativo, ao serviço dos profissionais, dos consumidores, de quem aplica o direito e dos legisladores.

4.2.3.   Neste contexto, o conteúdo concreto que agora se propõe – ainda que apresente alguns aspectos positivos pois reúne num único texto, encabeçado por um conjunto de definições comuns, normas de quatro directivas – acaba por ser pouco inovador e estruturado, sem preocupações de consolidação, clarificação e aperfeiçoamento que o elevado nível de protecção dos consumidores a que a UE está obrigada exige. Acresce que, deixando para a legislação dos Estados-Membros aspectos essenciais do regime jurídico das directivas modificadas, e preferindo utilizar uma «directiva» em vez de um «regulamento», a proposta nem sequer é coerente com o objectivo que se propõe da harmonização plena, que não realiza adequadamente, antes criando novas incertezas e diferenças de regime nos Estados-Membros.

4.2.4.   O CESE tem tido um papel activo em matéria de defesa dos consumidores emitindo frequentes pareceres de iniciativa para exprimir as suas próprias opiniões e que contêm o seu próprio acervo comunitário nesta matéria, sendo com base neles que agora se examina a proposta apresentada pela Comissão.

4.2.5.   A concretização de um mercado único para as empresas e para os consumidores é um objectivo que o CESE apoia totalmente, pois reconhece que há custos de transacção derivados da aplicação das normas de defesa dos consumidores em cada Estado-Membro, que podem ser um obstáculo a uma oferta mais variada de bens e produtos no mercado interno de que os consumidores poderiam beneficiar. Mas segundo o Eurobarómetro (8), há obstáculos mais importantes, como seja a falta de confiança no comércio electrónico.

4.3.   Obstáculos transfronteiras

A Comissão parece considerar que o principal obstáculo à realização do mercado interno, em especial nas compras transfronteiras, são os custos e reticências dos profissionais, do lado da oferta, e a falta de confiança dos consumidores, do lado da procura. Identifica como causas dos problemas diagnosticados a fragmentação e a diferenciação dos direitos resultantes de uma harmonização mínima.

4.3.1.1.   Se bem que as directivas de harmonização mínima tenham sido a ferramenta mais frequentemente utilizada em direito comunitário na área do consumo, o exemplo da Directiva 2005/29/CE sobre práticas comerciais desleais mostra que a harmonização total é uma opção reguladora que poderia ser desastrosa para os direitos adquiridos dos consumidores que assim desrespeita em clara violação do artigo 153.o do Tratado (9).

4.4.   Competências a nível da Comunidade

4.4.1.   O CESE recorda que a origem das políticas comunitárias de defesa dos consumidores e de defesa da concorrência são muito diferentes.

4.4.2.   Enquanto o Tratado de Roma consagrava a competência exclusiva da Comunidade em matéria de política de concorrência, omitia-se a protecção do consumidor como objectivo político distinto. Na realidade, ainda que se tenham tomado algumas medidas (10), o enquadramento jurídico desta política comunitária foi uma Resolução do Conselho, ou seja o Programa Preliminar da Comunidade Económica Europeia para uma Política de Protecção e Informação dos Consumidores, que data apenas de 14 de Abril de 1975.

4.4.3.   A adopção de uma política comunitária de defesa dos consumidores é, por conseguinte, o resultado de múltiplas e sistemáticas intervenções de organizações de consumidores que foram impondo aos seus próprios Estados-Membros a adopção deste tipo de políticas de protecção, que a UE acabou também por reconhecer.

4.4.4.   Esta é a razão por que, em matéria de defesa dos consumidores, a Comunidade está dividida entre o dever de assegurar um elevado nível de protecção dos consumidores e a competência partilhada e subsidiária dos Estados-Membros  (11).

4.4.5.   As políticas de defesa do consumidor foram adoptadas pelos Estados-Membros, assegurando níveis de protecção mais elevados e medidas que foram mantidas também numa óptica de intervenção e de pacificação social.

4.4.6.   O consumidor europeu não pode ser visto exclusivamente numa óptica de mercado interno ou ser considerado como um agente racional no mercado, consciente e informado, que toma as suas decisões numa pura lógica de concorrência, em que a sua protecção se pode resumir a uma maior e melhor informação.

4.4.7.   Como o CESE já teve ocasião de referir, qualquer proposta que pretenda uma harmonização máxima em matéria de defesa dos consumidores deve centrar-se em aspectos muito concretos e ser acompanhada por especiais cautelas para respeitar o elevado nível de protecção dos consumidores garantido pelo Tratado, respeitando o princípio de subsidiariedade, sob pena de retardar e travar o desenvolvimento dos direitos dos consumidores em cada Estado-Membro.

4.5.   Base jurídica

4.5.1.   Do mesmo modo, o CESE questiona a base jurídica apresentada para a directiva, ou seja o artigo 95.o e não o artigo 153.o.

4.5.2.   O CESE pronunciou-se repetidas vezes pela utilização do artigo 153.o do Tratado como base jurídica nas propostas legislativas respeitantes à protecção dos consumidores em vez do artigo 95.o TCE, que é uma norma relativa ao mercado interno. Não obstante, a Comissão utiliza em todas as suas últimas propostas o artigo 95.o do TCE, considerando-o apropriado pelo facto de a proposta de directiva versar sobre matéria do mercado interno.

5.   Observações na especialidade

5.1.   O texto da proposta apresenta-se globalmente complexo, com uso excessivo de remissões (ver, por ex., art. 3.o, n.os 2 e 4; art. 6.o, n.o 9, alínea a); art. 10.o; art. 21.o, n.os 1 e 3; art. 28.o; art. 32.o, n.o 2 e art. 35.o) que dificultam a sua percepção e leitura, recorrendo com frequência a expressões vagas ou indeterminadas que dificultarão a transposição. Acresce que a sistematização nem sempre é compreensível (ver art. 45.o sobre venda forçada e Capítulo VI – Disposições na generalidade). Se persistirem estas incertezas na directiva, será necessário introduzir uma disposição tanto na directiva como na legislação dos Estados-Membros segundo a qual, em caso de litígio devido a interpretações contraditórias, se decida a favor do consumidor enquanto parte mais fraca.

5.2.   Além disso, são praticamente omitidas as normas processuais e sancionadoras, que sendo uma consequência lógica de uma harmonização máxima, continuam a ser remetidas para os Estados-Membros (ver considerando 58 e art. 42.o). Este aspecto é susceptível de gerar incoerências significativas na harmonização. A título de exemplo, referem-se os casos: (i) requisitos de informação (art. 5.o), nos termos do qual os Estados-Membros devem estabelecer o regime de sanções aplicáveis à violação das disposições nacionais, mas através de um fórmula estranha «no âmbito do direito dos contratos», sem explicitar se a fixação de sanções de carácter administrativo ou penal será considerada ou não como violação da directiva; (ii) as consequências de classificação de uma cláusula contratual como abusiva, já que apenas se diz que estas não vinculam o consumidor, deixando aos Estados-Membros a liberdade de utilizar qualquer conceito do direito nacional dos contratos que cumpra os objectivos (ver considerando 54 e art. 37.o) e o regime do direito de retractação.

5.3.   A retractação dos ordenamentos jurídicos nacionais. Este direito, que parece derrogar ao pacta sunt servanda do direito das obrigações, tem natureza jurídica diferente consoante os Estados-Membros, indo da retractação unilateral à resolução e à rescisão que têm efeitos jurídicos diferentes. A Comissão deveria reflectir sobre isto e propor um regime que atenda a este aspecto contratual.

5.4.   Definições e âmbito de aplicação

O CESE considera que a Comissão deverá explicitar se as definições que a proposta contém admitem ou não ulterior desenvolvimento por parte dos Estados-Membros.

5.4.1.   Consumidor (art. 2.o, n.o 1). A definição proposta, que se inscreve na linha da maioria dos textos comunitários, não toma posição quanto à possível extensão do conceito quando a pessoa singular age com fins mistos (12), conceito reconhecido em muitos Estados-Membros (13), ou a determinadas pessoas colectivas. Esta definição estrita de consumidor, interpretada de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias e da Directiva 2005/29/CE relativa às práticas comerciais desleais, conjuntamente com a norma do art. 4.o – que proíbe disposições mais rigorosas que tenham por objecto garantir um nível diferente de defesa dos consumidores – impede que se protejam os consumidores vulneráveis, uma categoria de pessoas susceptíveis de celebrar contratos abrangidos pela presente proposta. Cabe assinalar que a própria Directiva 2005/29/CE reconhece (art. 5.o, n.o 3) a existência de consumidores vulneráveis que, também na presente proposta, deveriam ser objecto de uma excepção.

5.4.2.   Comerciante (art. 2.o, n.o 2). A proposta não clarifica a situação das organizações sem fins lucrativos nem dos organismos públicos quando actuam fora do exercício das suas prerrogativas de autoridade pública (iure imperium).

5.4.3.   Bem e produto (art. 2.o, n.o 4 e n.o 12.o). Não se compreende e gera confusão a existência de duas definições diferentes para bem e produto (esta última idêntica à da Directiva 2005/29/CE). Em particular, o caso da electricidade que passará a ser um bem ou um serviço consoante seja causa de responsabilidade extracontratual ou contratual, o que naturalmente não contribui para a coerência do direito comunitário. Excluir a electricidade da directiva é contraditório, pois em muitos Estados-Membros esta directiva aplica-se a acumuladores de electricidade, tais como pilhas ou baterias eléctricas.

5.4.4.   Contratos à distância (art. 2.o, n.o 6). Esta definição, por ser mais vasta do que a que consta da actual directiva sobre vendas à distância, causa problemas. A nova definição requer que se faça um uso exclusivo da comunicação à distância «para a celebração do contrato», pelo que, desta maneira, muitos contratos que não eram contratos à distância passam a sê-lo. Dois exemplos: num primeiro exemplo, o consumidor X entra numa loja e fala de uma possível compra, regressa a casa e, então, confirma a compra por telefone. Não fica claro se é necessário alargar a definição para contemplar este exemplo. No segundo exemplo, o consumidor Y recebe em casa a visita de um vendedor e, durante a visita, faz ao vendedor uma oferta de compra. Faz a oferta verbalmente ou preenchendo uma nota de encomenda. Mais tarde o vendedor comunica ao consumidor, por telefone ou por correio, que aceita a oferta. No segundo exemplo, o contrato parece ser tanto um contrato à distância como um contrato celebrado fora do estabelecimento. Qual dos dois é? O prazo de retractação é de catorze dias a contar da data da celebração do contrato (fora do estabelecimento ou catorze dias a partir da data de execução (contrato à distância)? As definições de «contrato à distância» e «contrato fora do estabelecimento» não se podem sobrepor.

5.4.5.   Estabelecimento comercial (art. 2.o, n.o 9). Trata-se de outra definição cujo alcance real parece pouco perceptível. A interpretação desta definição à luz do considerando 15 suscita uma dúvida, ou seja, as vendas realizadas a bordo de um avião ou de um navio deverão ser consideradas vendas celebradas no estabelecimento comercial ou fora dele?

5.4.6.   Garantia comercial. A proposta retoma do Livro Verde sobre garantias e serviços pós-venda a terminologia «garantia comercial» (ver art. 2.o, n.o 18), mas sem que exista aqui uma dicotomia em relação à garantia legal, a única abrangida pela Directiva 99/44/CE (ver art. 1.o, n.o 2, alínea e). A substituição pode confundir os consumidores sobre o alcance real de um ou de outro tipo de garantia. Deverá esclarecer-se que, em todo o caso, a garantia comercial se baseia no requisito do carácter facultativo para o comerciante, ao passo que a garantia legal é imperativa.

5.4.7.   Intermediário. Tanto a definição de intermediário (art. 2.o, n.o 19) como os requisitos especiais de informação aplicáveis (art. 7.o) são pouco compreensíveis. Com efeito, ou se trata de uma actividade profissional, ficando portanto abrangida pela directiva, ou não e, sendo assim, não há necessidade de regulamentação. Por isso, o CESE sugere uma clarificação.

5.4.8.   Informação do consumidor (art. 5.o). Os requisitos gerais de informação prévia à celebração do contrato deixam aberta a possibilidade de não se prestarem informações (1. «Antes da celebração de qualquer contrato de venda ou de prestação de serviços, o comerciante deve fornecer ao consumidor a seguinte informação, se esta não decorrer do contexto»). O CESE considera que a redacção desta definição suscita muitas dúvidas, provoca grande incerteza e portanto discorda dela.

5.4.9.   No plano do direito internacional privado, também não fica claro que a lei aplicável é o Regulamento «Roma I» (como sugere o n.o 3 do artigo 5.o) ou, em caso de incumprimento da obrigação de informação, o artigo 12.o do Regulamento «Roma II» (considerando 30 do Regulamento «Roma II»).

5.4.10.   Prever (art. 6.o, n.o 2) que as consequências relativas ao incumprimento do dever de informação são as previstas pela legislação nacional aplicável não parece razoável, dará origem a soluções divergentes e, por isso, há que harmonizar.

5.4.11.   Leilões. É preciso clarificar que os leilões forçados realizados pelos poderes públicos ficam de qualquer modo excluídos do âmbito de aplicação da proposta, a qual abrange os conceitos de «leilão» e «hasta pública» quando realizados voluntariamente pelo comerciante.

5.5.   Contratos negociados fora dos estabelecimentos comerciais e contratos à distância

A Directiva 85/577/CEE, uma das primeiras iniciativas legislativas europeias em matéria de defesa do consumidor, revela um reduzido nível de distorções nas transposições nacionais, centradas no uso das opções de exclusão de determinados tipos de contratos (abaixo de determinado valor ou tipo de bem) ou na extensão da protecção aos consumidores possibilitada pela cláusula de harmonização mínima (ver art. 8.o), pelo que a harmonização máxima geralmente prevista não é problemática, antes se revela equilibrada e positiva. A Directiva 85/577/CEE só se aplica quando a visita do comerciante a casa ou ao local de trabalho do consumidor não haja sido solicitada. A proposta de alargar o âmbito de controlo para abranger as visitas solicitadas é aceitável, sempre e quando se alarguem as excepções previstas no n.o 2 do art. 19.o. Nos contratos não abrangidos pelo direito de retractação (como no caso dos contratos à distância) deveriam figurar:

a)

os serviços cuja execução haja começado, com consentimento prévio expresso pelo consumidor, antes do termo do período de retractação, e

b)

o fornecimento de bens confeccionados, de acordo com as especificações do consumidor ou claramente personalizados, ou que possam deteriorar-se ou perecer rapidamente.

5.5.1.1.   Se a primeira destas excepções não for contemplada pelo n.o 2 do artigo 19.o, os prestadores de serviços podem pedir aos consumidores que desejem a realização de um trabalho rápido (por exemplo, pequenas obras na cozinha ou um corte de cabelo em casa) que esperem pelo menos catorze dias. Se a segunda não for contemplada, um comerciante que produza bens à medida (por exemplo instalação de uma cozinha ou confecção de roupa) pode recusar-se a iniciar o trabalho antes do termo do prazo de catorze dias. Ao invés, o consumidor pode desistir do contrato, deixando o comerciante com mercadorias invendáveis.

5.5.2.   No que respeita aos contratos à distância, ainda que uma análise comparativa (14) não tenha revelado grandes divergências na transposição da Directiva 1997/7/CE, constata-se também aqui que os Estados-Membros fizeram uso das opções e da cláusula mínima para instaurar regimes mais favoráveis ao consumidor. Seria positivo prever modalidades de defesa dos consumidores nas vendas à distância com países terceiros.

5.5.3.   Podem distinguir-se, contudo, as potenciais barreiras no mercado interno causadas pelas diferentes listas de isenções ou pelos diferentes requisitos de informação impostos aos profissionais.

5.5.4.   O CESE admite a existência de uma margem de aperfeiçoamento no que respeita ao leque de derrogações, como a inclusão de bens (ou serviços) com valor reduzido (15) ou susceptíveis de serem incluídos por razões de saúde, higiene ou segurança. É especialmente o caso da segurança alimentar (n.o 1, alínea d) do art. 20.o) no qual se deveria fazer uma remissão expressa para o art. 2.o do Regulamento (CE) n.o 178/2002 (16). No que respeita a derrogação para os bens (e serviços) com valor reduzido, há margem para aumentar significativamente o valor de 60 euros (na Directiva 85/577/CEE).

5.5.5.   Relativamente ao direito de retractação para estes contratos, para o qual a proposta prevê um prazo uniformizado de catorze dias, o CESE considera positiva a clarificação quanto ao cálculo dos prazos. No entanto, como já se referiu, deveria harmonizar-se o conceito e os efeitos deste direito.

5.5.6.   O CESE questiona igualmente a conveniência da regra de responsabilidade do consumidor prevista no n.o 2 do art. 17.o (o consumidor só é responsável pela depreciação dos bens que decorra de uma manipulação que exceda o necessário para verificar a natureza e o funcionamento dos bens), pois entende que a mesma vai originar dúvidas e que os consumidores poderão ver-se confrontados com problemas de ónus da prova.

5.5.7.   Sem prejuízo da necessária melhoria das regras agora propostas, o CESE (17) considera interessante que a harmonização total proposta se cingisse a estas duas directivas, regulamentando os métodos de venda que têm maior potencial na óptica do comércio transfronteiriço.

6.   Cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores

Esta questão, actualmente regulada pela Directiva 1993/13/CEE, está concentrada no Capítulo V e anexos II e III, se bem que o CESE considere, de acordo com os estudos da Comissão, que esta matéria não devesse ser tratada na proposta em apreço e, por isso, devesse ser excluída do seu âmbito de aplicação, porquanto na situação actual do direito comunitário, uma harmonização completa na matéria provocará seguramente disfuncionamentos nos ordenamentos jurídicos nacionais dos vários Estados-Membros.

No entanto, se a Comissão não retirar dos contratos celebrados com os consumidores toda a regulamentação sobre cláusulas abusivas, o CESE faz questão de formular as observações que se seguem.

6.1.1.1.   Trata-se, como é sabido, de disposições essenciais do direito dos contratos que, antes da adopção da directiva, estão em parte regulamentadas pelos Estados-Membros.

6.1.1.2.   A análise comparativa da transposição desta directiva mostra que, na sua grande maioria, os Estados-Membros recorreram à cláusula de harmonização mínima (art. 8.), dispondo hoje em dia de regimes mais favoráveis do que os previstos na directiva, sendo esta, precisamente, uma área em que o estado actual de desenvolvimento desaconselha uma harmonização plena (14).

6.1.1.3.   Seria, portanto, de esperar que a proposta apresentada, e que tem por objecto revogar a directiva em vigor, não só igualasse os níveis mais elevados de transposição, mas também clarificasse os diversos pontos ambíguos que dividem a doutrina e a jurisprudência.

6.1.1.4.   É o caso da relação entre o princípio de boa fé e o critério de desequilíbrio das prestações, que aparece claramente no n.o 1 do art. 3.o da actual directiva e mantido praticamente inalterado no n.o 1 do art. 32.o da proposta, no que diz respeito às consequências do incumprimento dos requisitos de transparência definidos no art. 31.o da proposta.

6.1.1.5.   Relativamente ao âmbito de aplicação note-se a introdução de uma restrição em detrimento dos consumidores. Com efeito, enquanto a presente proposta cobre exclusivamente as cláusulas que figuram nos contratos escritos (pré-redigidas, segundo os termos do n.o 1 do art. 30.o), ficando os Estados-Membros obrigados a abster-se de impor requisitos de apresentação sobre a forma como as cláusulas contratuais devem ser expressas ou disponibilizadas ao consumidor, a actual directiva aplica-se igualmente aos contratos verbais (ver art. 5.o da Directiva 93/13/CEE), como é também o caso em alguns Estados-Membros.

6.1.1.6.   Na realidade, o CESE considera que a manutenção do regime actual e a institucionalização de um Comité e de um sistema de registo das cláusulas consideradas abusivas pelas autoridades nacionais são um passo em frente suficiente em matéria de informação sobre as cláusulas abusivas e de grande utilidade tanto para os profissionais, pela consequente redução dos custos de conformidade, como para os consumidores e para quem tem de aplicar o direito.

6.1.1.7.   A matéria das cláusulas abusivas nos contratos aplica-se a todos os contratos celebrados com os consumidores e também, em muitos casos, aos contratos entre profissionais. O CESE considera que a proposta da Comissão terá, neste ponto, consequências negativas em todos os Estados-Membros muito significativas a nível do direito contratual, em geral, e da protecção dos consumidores, em particular.

7.   Alguns aspectos da venda de bens de consumo e das respectivas garantias

7.1.   O CESE considera imprudente a inclusão desta matéria na directiva e solicita que seja retirada da proposta, porque não acrescenta nada a esta intervenção comunitária, nem proporciona um elevado nível de protecção aos consumidores.

7.2.   A Directiva 1999/44/CE permitiu que os Estados-Membros adoptassem medidas de maior protecção dos consumidores, o que levou a divergências entre as legislações nacionais.

7.3.   Neste caso, observa-se a inexistência de qualquer tipo de tendência significativa (18) na transposição, porque todos os Estados-Membros, sem excepção, possuíam já uma regulamentação prévia aplicável aos aspectos dos contratos de compra e venda de bens de consumo regidos pela directiva.

7.4.   Ao tratar a transferência de risco (art. 23.o) a proposta tenta sanar as divergências no que diz respeito ao conceito de entrega e dispõe, por conseguinte, que o profissional passa a responder perante o consumidor a partir do momento em que ocorre a transferência do risco (art. 25.o), o que poderá constituir uma melhoria e um progresso na clarificação.

7.5.   A fixação de um prazo geral de entrega parece incoerente, salvo para determinados tipos de vendas (fora do estabelecimento comercial ou venda à distância), pois é desproporcionada a obrigação, prevista no artigo 22.o da proposta, de o comerciante entregar a mercadoria no prazo máximo de trinta dias a contar da data de celebração do contrato.

7.6.   No entanto, ao ter-se suprimido a possibilidade de os Estados-Membros estabelecerem um prazo de presunção em conformidade com o previsto na actual directiva e fixando agora um prazo único de seis meses, a proposta reduz os direitos dos consumidores, visto que a eles caberá provar a existência dos defeitos que surjam posteriormente.

7.7.   De igual modo, relativamente ao prazo e ao ónus da prova em caso de não conformidade, adoptar como regra o carácter obrigatório da denúncia equivalerá, na prática, a reduzir o prazo de garantia ao prazo para apresentação da queixa em todos os Estados-Membros que não tiverem optado por este mecanismo, como se depreende do disposto nos n.os 4 e 5 do artigo 28.o.

8.   Lacunas processuais

8.1.   A proposta contém no seu articulado uma série de requisitos de carácter processual, tais como o ónus da prova ou a legitimação activa, que deveriam ser definidos com mais precisão para que haja mais coerência na regulamentação processual. Falta uma regulamentação sobre a possibilidade de adoptar medidas cautelares que prevejam ao mesmo tempo uma acção suspensiva e medidas de reparação ou a publicação das sentenças.

8.2.   Quanto às acções colectivas, o CESE remete para o que recentemente afirmou a este propósito (19).

Bruxelas, 16 de Julho de 2009

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  JO C 241 de 7.10.2002.

(2)  JO C 256 de 27.10.2007.

(3)  JO C 175 de 27.7.2007 e JO C 44 de 16.2.2008.

(4)  Ver nota de pé-de-página n.o 2.

(5)  O processo de revisão está descrito na comunicação O direito europeu dos contratos e a revisão do acervo: o caminho a seguir, COM(2004) 651 final, JO C 14 de 20.1.2005.

(6)  Trabalho preparatório para avaliar o impacto da revisão do acervo de consumo/Relatório Analítico GP, de 6.11.2007, elaborado por GHK/CIVIC Consulting/Bureau Van Dijk, disponível no sítio web da Comissão Europeia.

(7)  Ver COM(2007) 447 final de 25.7.2007, Segundo relatório de progresso sobre o Quadro Comum de Referência; Resolução do Parlamento Europeu de 3 de Setembro de 2008 sobre o Quadro Comum de Referência em matéria de direito europeu dos contratos; Resolução do Conselho 2863 de 18 de Abril de 2008, p. 18.

(8)  Ver Eurobarómetro especial n.o 298 (sobre protecção dos consumidores no mercado interno – 2008), Flash Eurobarómetro n.o 224 (sobre a atitude das empresas em relação às vendas transfronteira e à protecção dos consumidores – 2008); Flash Eurobarómetro n.o 250 (sobre a confiança na sociedade da informação – Maio 2009) e o relatório sobre o comércio electrónico transfronteira na UE (SEC (2009) 283 final de 5.3.2009).

(9)  Como ficou provado no acórdão do TJCE de 23 de Abril de 2009 (processos apensos C-261/07 e C-299/07).

(10)  Exemplo: criação de um serviço de protecção do consumidor, que só em 1989 ganhou autonomia em relação a outras matérias ou de um comité consultivo dos consumidores.

(11)  Competência partilhada na Constituição Europeia, como no art. 169.o do Tratado de Lisboa, ver JO C 115/51 de 9.5.2008.

(12)  Consumidor é uma pessoa singular que age por motivos que não estão relacionados com a sua actividade profissional. Ver projecto de quadro comum de referência (PQCR), Dezembro de 2008.

(13)  Áustria, Bélgica, Dinamarca, Grécia, Finlândia, Suécia, Espanha e Portugal alargaram o conceito de consumidor.

(14)  Ver Colectânea de Direito do Consumo – Análise comparativa editada por Hans SCHULTE-NOLKE em colaboração com Christian TWINGG-FLESNER e Martin EBERS, Fevereiro de 2008, elaborada para a Comissão Europeia no âmbito do contrato de prestação de serviços n.o 17.020100/04/389299: «Compendium annoté comprenant une analyse comparative de l'acquis communautaire relatif à la consommation.»

(15)  Ver n.o 1 do art. 3.o da Directiva 85/577/CE, opção que foi escolhida por 18 Estados-Membros.

(16)  Regulamento (CE) n.o 178/2002 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de Janeiro de 2002, que determina os princípios e normas gerais da legislação alimentar, cria a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos e estabelece procedimentos em matéria de segurança dos géneros alimentícios (JO L 31 de 1.2.2002, p. 1).

(17)  JO C 175 de 27.7.2007 e JO C 162 de 25.6.2008.

(18)  Ver. Colectânea de Direito do Consumo – Análise comparativa editada por Hans SCHULTE-NOLKE em colaboração com Christian TWINGG-FLESNER e Martin EBERS, Fevereiro de 2008, elaborada para a Comissão Europeia no âmbito do contrato de prestação de serviços n.o 17.020100/04/389299: «Compendium annoté comprenant une analyse comparative de l'acquis communautaire relatif à la consommation.»

(19)  JO C 162 de 25.6.2008.