30.4.2009   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 100/100


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre O papel da UE no processo de paz na Irlanda do Norte (parecer de iniciativa)

2009/C 100/16

Na sua reunião plenária de 12 e 13 de Dezembro de 2007, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do n.o 1 do artigo 19.o do Regimento, instituir um subcomité com a missão de elaborar um parecer de iniciativa sobre

O papel da UE no processo de paz na Irlanda do Norte.

Foi incumbido da preparação dos correspondentes trabalhos o Subcomité para o Papel da UE no Processo de Paz na Irlanda do Norte, que emitiu parecer em 23 de Setembro de 2008, sendo relatora: Jane MORRICE.

Na 448. reunião plenária de 22 e de 23 de Outubro de 2008, o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 151 votos a favor, 1 voto contra e 2 abstenções, o seguinte parecer:

1.   Conclusão

1.1   Há muitos ensinamentos a extrair do envolvimento da UE no processo de paz na Irlanda do Norte. Os progressos realizados desde os dias mais sombrios do passado desta região conturbada, em termos sociais, económicos e, principalmente, políticos, foram excepcionais. A situação em termos de segurança melhorou, a reorganização da administração pública está bem encaminhada, a chegada de estrangeiros, quer migrantes quer turistas, não só estimula a economia como contribui para desafiar o pensamento sectário tradicional, a cooperação transfronteiriça excede as expectativas e a partilha do poder entre antigos adversários começa a ser considerada «politicamente correcta».

1.2   Contudo, neste estádio qualquer complacência seria completamente inadequada. A visão chocante dos «muros da paz» a dividir as comunidades católica e protestante de Belfast é uma recordação triste, mas realista, das sérias dificuldades ainda enfrentadas pelo processo de paz, nomeadamente em matéria de reconciliação entre comunidades, e do muito que resta a fazer. Décadas de violência, ódio, desconfiança, ignorância e intolerância conduziram a uma separação sem precedentes das comunidades na Irlanda do Norte. Embora as pessoas possam ter um «nível aceitável» de paz por detrás dos seus muros, nas suas casas, aldeias, igrejas, escolas e estádios desportivos, estas «vidas paralelas» apenas podem representar uma fase transitória de um processo que tende para o respeito mútuo, a compreensão e a harmonia, e que pode demorar gerações a realizar-se.

1.3   O papel desempenhado pela UE no processo de paz da Irlanda do Norte foi, e continua a ser, um processo sem precedentes na sua história. O facto de o apoio da UE a este processo ser relativamente pouco conhecido prova até que ponto a sua abordagem é adequada. Não se tratou de uma tentativa vã de interferir numa situação que escapava ao seu controlo ou de «tapar o sol com uma peneira». O método de consolidação da paz utilizado pela UE na Irlanda do Norte consistiu numa afectação única e a longo prazo de recursos substanciais, estrategicamente planificada e executada, baseada nos princípios da parceria e da subsidiariedade, e orientada, em cada etapa, por uma consulta local inclusiva.

1.4   Através de uma combinação de intervenções directas e indirectas, a UE contribuiu para que o processo de paz criasse um ambiente propício à resolução do conflito, uma vez reunidas as condições políticas, e funcionou como catalisador de um reforço genuíno do processo de paz, cujo alcance geral ainda está por determinar.

1.5   A UE não procurou reclamar abertamente a sua parte de êxito no processo de paz. No entanto, a história não seria rigorosa se não registasse o valor e a importância do papel da UE: não só porque o apoio da UE à reconciliação, em particular, deve prolongar-se ainda por vários anos, mas também porque os ensinamentos extraídos dos programas comunitários PEACE podem contribuir para os esforços de promoção da paz e da reconciliação noutras partes do mundo. A UE nunca terá todas as respostas; no entanto, como ficou provado na Irlanda do Norte, dispõe dos meios e da experiência necessários para ajudar outros a encontrá-las.

1.6   Como principal «modelo» mundial para a consolidação da paz, a UE, juntamente com os seus Estados-Membros, tem a proficiência, a experiência, a diversidade, os recursos e a reputação necessários para apoiar a resolução de conflitos e a consolidação da paz em qualquer parte do mundo onde tal seja necessário. Mas tem mais do que isto. Tem o dever de o fazer e a obrigação de colocar a consolidação da paz precisamente no centro da sua futura orientação estratégica.

2.   Recomendações

2.1   As recomendações dividem-se em duas partes distintas. A primeira abrange as zonas de intervenção na Irlanda do Norte e nos condados fronteiriços sobre as quais se deve centrar o apoio da UE para avançar com o processo de reconciliação. A segunda abrange o contexto mais geral do apoio da UE ao processo de consolidação da paz e de reconciliação noutras zonas de conflito com base na experiência adquirida pela Irlanda do Norte referida na «caixa de ferramentas» para a resolução do conflito, em anexo.

2.2   O contexto da Irlanda do Norte

2.2.1   Os ensinamentos extraídos da experiência da Irlanda do Norte demonstram que a consolidação da paz é um processo estratégico e a longo prazo. Começa com o fim do conflito violento e avança por fases até à estabilidade política, à coexistência pacífica, à reconciliação e, em última análise, à harmonia social, à prosperidade económica e a uma «sociedade partilhada». Por conseguinte, o apoio da UE a este processo deve ser um reconhecimento a longo prazo da natureza frágil das fases iniciais e do tempo que será preciso para conseguir uma reconciliação genuína. Embora o volume da assistência financeira da UE possa ser reduzido e concentrar-se mais em determinados aspectos à medida que a região sai do conflito, a UE deve continuar a desempenhar o seu importante papel como parceira no processo, e a sua capacidade de desenvolver relações com a região de outras maneiras criativas deve continuar a ser fomentada.

2.3   Recomendação 1: A UE deve manter o seu apoio a longo prazo à consolidação da paz na Irlanda do Norte, concentrando-se principalmente:

na reconciliação entre as comunidades em domínios como a cultura, as artes, o desporto, o lazer, a habitação, a educação, a criação de postos de trabalho e a prestação de serviços públicos;

em projectos que favoreçam ambas as comunidades, dando apoio aos projectos «de identidade única» (ou seja, dedicados apenas a uma das comunidades) apenas em circunstâncias excepcionais, nos casos em que representem um requisito indispensável para desenvolver a capacidade intercomunitária;

nas vítimas das «perturbações», para ajudá-las a reconstruir as suas vidas, a superar os traumas e a partilhar as suas experiências com grupos similares de outras comunidades e noutras zonas de conflito;

no apoio a iniciativas que conduzam a uma «sociedade partilhada» para ajudar a reduzir a necessidade de duplicar os serviços de habitação, saúde e educação, e as instalações recreativas e desportivas;

na inclusão de organizações associativas e comunitárias, sindicatos e empresas em todos os níveis de tomada de decisões relativas aos fundos do programa comunitário PEACE;

na recuperação das estruturas de parcerias locais que serviram para associar os parceiros sociais e os dirigentes políticos nas fases iniciais do programa PEACE;

na redução da burocracia, nomeadamente no que respeita aos projectos de pequena dimensão nas comunidades rurais e urbanas, devendo a avaliação dos projectos ser medida não só em termos sociais, mas também económicos;

2.4   Recomendação 2: A «Task Force» da Comissão Europeia para a Irlanda do Norte deve continuar a orientar, estimular e apoiar meios criativos e inovadores para que a região se desenvolva noutros domínios que não dependem dos financiamentos do programa PEACE, por exemplo a investigação, a transferência de conhecimentos, a educação e a criação de redes internacionais sobre resolução de conflitos.

2.5   O contexto global mais geral

2.6   A UE tem o dever não só de extrair ensinamentos da experiência adquirida na Irlanda do Norte, mas também de transmitir estes conhecimentos a outras regiões com níveis diferentes de conflito, quer a nível interno, transfronteiriço ou externo. Isso servirá para maximizar o papel positivo que a UE pode desempenhar na resolução de conflitos mundiais.

2.7   Recomendação 3: Os principais ensinamentos devem ser partilhados entre as instituições comunitárias e as autoridades dos Estados-Membros, bem como a nível internacional, o que pode ser concretizado de várias formas:

uma base de dados exaustiva de boas práticas em matéria de resolução de conflitos (proposta do Parlamento Europeu);

um compêndio de avaliações do programa PEACE e de projectos bem-sucedidos;

mais investigação sobre o papel da UE numa série de domínios (situações de conflito a nível interno, transfronteiriço e externo).

2.8   Recomendação 4: Este trabalho poderá ser facilitado pela criação de um mecanismo institucional europeu de resolução de conflitos na Irlanda do Norte, com base no trabalho realizado no âmbito da resolução de conflitos tanto a nível local como internacional. As características particulares deste mecanismo devem ser objecto de um debate a nível da UE com os parceiros sociais iniciado pelo CESE, em que se analise a melhor maneira de desenvolver um mecanismo de resolução de conflitos de dimensão europeia.

2.9   Recomendação 5: A «caixa de ferramentas» em anexo deveria ser adoptada e aprofundada para ajudar a analisar situações de conflito e fornecer informações para uma eventual intervenção da UE, em função da situação e em caso de necessidade. A «caixa de ferramentas» é composta por uma série de instrumentos utilizados pela UE que podem servir como ponto de referência e como recurso para trabalhos que envolvam protecção de minorias, igualdade, reforço das capacidades, cooperação transfronteiriça e intercomunitária, e desenvolvimento socioeconómico noutras zonas da UE, nas suas fronteiras e em zonas de conflito fora dos seus limites territoriais.

Caixa de ferramentas de UE para a resolução de conflitos

Material de diagnóstico:

Análise socioeconómica e política

Manuais de referência:

Experiência de outras regiões (nomeadamente mecanismos de resolução de conflitos)

Compêndio/base de dados de programas/projectos

Apreciação de teorias sobre resolução de conflitos

Visão estratégica:

Perspectiva objectiva a longo prazo (supranacional) combinada com uma abordagem orientada para os riscos

Aplicação dos ensinamentos extraídos

Conhecimentos adquiridos e desenvolvidos

Avaliação do estádio em que se encontra o conflito

Determinação do processo de intervenção, em função do estádio do conflito e da sua localização (no interior da UE, nas suas fronteiras ou para além delas)

 

INSTRUMENTOS FINANCEIROS

INSTRUMENTOS NÃO FINANCEIROS

Grandes instrumentos

(nível macro)

Redes financiadas pela UE centradas na transformação de conflitos

Instituições, políticas e oportunidades da UE

Espírito, metodologia e exemplo da UE

Europeização (a nível nacional): normas, valores, instituições, procedimentos (incluindo o envolvimento dos parceiros sociais) comunitários

Espaço neutro para facilitar o diálogo/permitir consensos

Abordagem imparcial para gerar confiança

Modelo comunitário de restabelecimento da paz — liderar pelo exemplo

Estreita parceria com os principais doadores

Alavancas e chaves

(nível intermediário)

Programas comunitários PEACE adaptados

Fundos Estruturais orientados para a resolução de conflitos (definidos com critérios de «diferenciação» apropriados)

Cooperação bilateral/transfronteiriça

Acordos e iniciativas

Modelo de parceria social

Avaliação do nível dos programas

«Task Force» encarregada de reunir informação local, identificar oportunidades e domínios de cooperação e incentivar a participação em programas à escala comunitária

Abordagem de parceria no quadro de uma cooperação com os responsáveis políticos e os parceiros sociais locais

Consulta local, que gera um sentimento de responsabilidade local pela concepção e execução do programa.

Empenho das instituições locais

Remoção de barreiras através das políticas comunitárias

Dispositivos de precisão

(nível micro)

Agentes de realização ao nível local para actuar no terreno

Subvenções globais para assegurar a sensibilização local e atingir os alvos pretendidos

Financiamento condicional para promover as boas práticas

Acompanhamento para garantir uma aprendizagem contínua

Apoio ao reforço das capacidades e colaboração/cooperação

Cooperação transfronteiriça «ascendente» no plano económico, social e cultural

Auto-avaliação

Europeização (a nível local): envolvimento dos parceiros sociais, empenho dos cidadãos, participação da comunidade, destacamento de funcionários da Comissão Europeia

Celebração do êxito

Sensibilização com recurso à imprensa e à publicidade

3.   Introdução

3.1   O presente parecer procura contar a história relativamente «ignorada» do êxito do apoio da UE ao processo de paz na Irlanda do Norte, para que a sociedade civil europeia conheça melhor a experiência da Irlanda do Norte, bem como construir, com os métodos utilizados pela UE para promover a paz e a reconciliação, uma «caixa de ferramentas» que possa ser utilizada noutras zonas de conflito, em função da situação e em caso de necessidade.

3.2   O parecer centra-se, principalmente, no apoio comunitário prestado através dos programas comunitários PEACE, do Fundo Internacional para a Irlanda (FII) e do INTERREG. Examina a forma como o financiamento foi concebido e o impacto que teve na vida social, económica e política da região, concentrando-se no apoio à sociedade civil (empresas, sindicatos e sector associativo).

3.3   O parecer analisa igualmente as mais amplas oportunidades proporcionadas pela UE à cooperação política, diplomática e administrativa britânico-irlandesa e em que medida o «modelo europeu de restabelecimento da paz» constituiu um incentivo a uma evolução positiva na Irlanda do Norte.

4.   Método

4.1   Foram realizadas quatro reuniões de trabalho, nomeadamente uma conferência de consulta que teve lugar na Irlanda do Norte, em Abril de 2008. Através de questionários e de uma consulta em linha, a conferência colheu junto de partes interessadas e de especialistas informações que permitiram extrair conclusões com base na experiência directa dos programas e das políticas da UE. Além disso, os membros do subcomité realizaram uma visita de estudo e inteiraram-se de projectos financiados pela UE em Belfast.

4.2   A conferência coincidiu com eventos que assinalaram progressos políticos significativos na Irlanda do Norte e contou com a participação do Primeiro-Ministro e do Primeiro-Ministro Adjunto, do Ministro de Estado irlandês e de altos representantes da UE que estiveram envolvidos na criação do programa PEACE.

4.3   Um elemento fundamental para o presente parecer foi a preciosa cooperação entre os três grupos do CESE, os seus peritos e os membros do subcomité de França, Espanha, Itália, Irlanda e Reino Unido, o Parlamento Europeu (relatório de Brún) e a Comissão Europeia.

5.   Contexto

5.1   Geografia/economia

5.1.1   A Irlanda do Norte situa-se no canto nordeste da ilha da Irlanda. Com uma superfície de 13 843 km2, tem, segundo o último recenseamento (2001), uma população de 1 685 000 habitantes, dos quais 53,1 % são protestantes, 43,8 % são católicos, 0,4 % são «outros» e 2,7 % não têm religião. A população da Irlanda do Norte é uma das mais jovens da Europa, mais de 40 % tem menos de 29 anos. Até há pouco tempo estável devido à emigração, esta população deverá ultrapassar 1,8 milhões em 2011.

5.1.2   A economia está a evoluir da indústria tradicional (construção naval e têxteis) para uma economia mais orientada para os serviços e para o exterior. A partir de 2004/2005, o valor acrescentado bruto (VAB) tem crescido à razão de 3,5 %, em termos reais, logo abaixo da média do Reino Unido, mas muito aquém do crescimento de 10 % anual registado pelo PIB irlandês nos seus anos de «tigre céltico». O VAB per capita situa-se em cerca de 80 % da média do Reino Unido, e o desemprego caiu para 3,6 % depois de ter atingido um máximo de 17,2 % em 1986. No entanto, estas estatísticas ocultam uma série de importantes desafios, como o elevado nível de inactividade económica — 26,9 %, o mais elevado de todas as regiões do Reino Unido — e uma forte dependência de fundos públicos para apoiar tanto o sector público como o privado, que cerceou o espírito empreendedor (os fundos públicos representam 62 % do VAB).

5.2   Contexto histórico-político recente

5.2.1   Enquanto região do Reino Unido, a Irlanda do Norte viu a luz do dia com a Lei do Governo da Irlanda (Government of Ireland Act), que, em 1921, dividiu a Irlanda em Irlanda do Norte e Irlanda do Sul. Esta lei criou uma fronteira no interior da ilha e assinalou o início de um período em que ambos os lados da fronteira viveram «de costas voltadas» em termos sociais, económicos e políticos. Desde então, esta divisão tem sido uma fonte de conflitos entre os nacionalistas (essencialmente católicos) e os unionistas (essencialmente protestantes) da Irlanda do Norte. De um modo geral, os primeiros aspiram a uma Irlanda unida, enquanto os últimos pretendem que a Irlanda do Norte continue a fazer parte do Reino Unido.

5.2.2   Em 1921, 60 % da população era protestante e 40 % católica. A comunidade unionista maioritária deteve o poder durante quase cinquenta anos. No final da década de 1960, defensores dos direitos civis saíram para a rua exigindo o fim da discriminação. Seguiram-se violentos confrontos e incidentes, que muitos consideram ser o início das recentes «perturbações» na Irlanda do Norte. No auge das «perturbações», em 1972, o Parlamento da Irlanda do Norte foi dissolvido e a administração directa (Direct Rule) imposta a partir de Londres.

5.2.3   Nas décadas seguintes, registaram-se inúmeras tentativas para estabilizar a situação, nomeadamente iniciativas de reconciliação empreendidas, principalmente, por organizações da sociedade civil, incluindo sindicatos. Mas esse foi também um período de terrível violência, que, ao longo de 35 anos, custou a vida a mais de 3 500 pessoas e deixou muitos milhares física e mentalmente marcados para o resto da vida.

5.2.4   O cessar-fogo dos grupos paramilitares em 1994 abriu caminho a conversações entre os partidos políticos. Em 1998, foi concluído o Acordo de Sexta-Feira Santa/de Belfast, que foi aprovado por uma esmagadora maioria em referendos separados a Norte e a Sul da fronteira. No ano seguinte, foram constituídos um governo e um parlamento da Irlanda do Norte, bem como uma série de organismos Norte/Sul, tendo-se processado a transferência de poderes nas últimas semanas do milénio.

5.2.5   Em 2002, o Parlamento foi suspenso, e só em Maio de 2007 voltou a ser empossado um governo regional de coligação, liderado pelo DUP (unionista) e pelo Sinn Fein (republicano). A região vive agora o seu mais longo período de estabilidade política dos últimos quase quarenta anos.

5.3   Envolvimento da UE no processo de paz

5.3.1   O Reino Unido e a Irlanda aderiram à União Europeia em 1973, no auge das «perturbações», tendo sido conferido à Irlanda do Norte um «estatuto especial», ao ser considerada uma região do «objectivo 1», embora nem sempre satisfaça todos os critérios económicos para o efeito, o que proporcionou financiamento adicional para o seu desenvolvimento económico e social. Este financiamento deveria ser complementar ao financiamento do Governo Britânico, embora muitas tenham sido as alegações de que terá sido utilizado para suprir obrigações de financiamento público.

5.3.2   Nas primeiras eleições directas para o Parlamento Europeu (1979), foram eleitos três deputados da Irlanda do Norte (Ian Paisley, John Hume e John Taylor). Em 1984, o PE publicou o «Relatório Haagerup» sobre a Irlanda do Norte e o Vice-Presidente da Comissão Europeia, Lorenzo Natali, prometeu examinar atentamente a sugestão de um plano integrado para a Irlanda do Norte e as zonas fronteiriças. Sublinhou, contudo, que necessitava da luz verde dos governos do Reino Unido e da Irlanda.

5.3.3   Em 1986, os governos do Reino Unido e da Irlanda instituíram o Fundo Internacional para a Irlanda (FII), para promover o progresso social e económico, e fomentar a reconciliação entre nacionalistas e unionistas na ilha da Irlanda. A par dos EUA, do Canadá, da Austrália e da Nova Zelândia, a UE é um dos principais doadores dos 849 milhões de euros que apoiaram mais de 5 700 projectos na Irlanda do Norte e nos condados fronteiriços da Irlanda durante mais de 20 anos. Em 2013, o financiamento da UE para o FII terá totalizado 349 milhões de euros.

5.3.4   A visita de Jacques Delors, Presidente da Comissão Europeia, à Irlanda do Norte em 1992, para consultas com representantes locais, reforçou o seu compromisso com a causa da paz na região. Nesse ano, as barreiras económicas ao comércio entre o Norte e o Sul da ilha foram derrubadas com a conclusão do Mercado Único, que, oportunamente, criou importantes possibilidades de comércio e negócios transfronteiras.

5.3.5   Em 1994, imediatamente após o cessar-fogo dos grupos paramilitares, Jacques Delors reuniu com os três eurodeputados da Irlanda do Norte (então Ian Paisley, John Hume e Jim Nicholson) e aprovou planos para um novo e importante pacote comunitário. Criou uma «Task Force» e, no seguimento de uma ampla consulta local, a proposta de um programa PEACE para três anos, com um orçamento de 300 milhões de euros, foi aprovada pela Cimeira da UE em 1994, escassas semanas antes do termo do mandato presidencial de Jacques Delors. Este programa acabou por ser prorrogado por mais dois anos, com um financiamento comunitário adicional de 204 milhões de euros.

5.3.6   Este foi o primeiro programa especial de apoio à paz e à reconciliação na Irlanda do Norte e nos condados fronteiriços da Irlanda, ou PEACE I. A consulta abrangente sobre o programa incluiu um parecer elaborado pelo Comité Económico e Social Europeu em 1995 (1), que saudou a iniciativa e sublinhou a necessidade de uma abordagem a longo prazo e de flexibilidade na atribuição de fundos.

5.3.7   Em 2000, ao PEACE I seguiu-se o PEACE II, negociado pelas partes com o novo executivo da Irlanda do Norte, com um financiamento comunitário de 531 milhões de euros. Este programa foi prorrogado em 2005/2006, com um financiamento comunitário adicional de 78 milhões de euros. O CESE elaborou um segundo parecer (relator: Simpson), em que solicitava que o financiamento do programa PEACE II se concentrasse mais em projectos que fomentam a reconciliação e nos problemas que afectam os trabalhadores migrantes. Em 2007, começou a ser aplicado o programa PEACE III, que vigorará no período 2007-2013 e contará com um financiamento comunitário de 225 milhões de euros. No total, a UE contribuiu com mais de 1 338 mil milhões de euros para estes programas.

5.3.8   Após o restabelecimento do governo regional em 2007, o Presidente da Comissão Europeia, José Manuel Barroso, criou uma nova «Task Force» liderada pela Comissária responsável pelos Assuntos Regionais, Danuta Hübner, para se debruçar sobre o futuro da cooperação UE/Irlanda do Norte. Publicado em Abril de 2008, o relatório propõe várias formas de a região se envolver mais nas políticas comunitárias e nota o interesse demonstrado pelas autoridades da Irlanda do Norte na promoção do desenvolvimento de um mecanismo institucional europeu de resolução de conflitos, que deverá ocupar-se da investigação, consultoria e intercâmbio de experiência.

6.   O impacto do envolvimento da UE

6.1   O envolvimento da UE no processo de paz assumiu muitas formas diferentes, desde o apoio político de alto nível à intervenção financeira no terreno. Esta actividade atingiu o seu ponto mais alto nos anos 1990, em apoio aos progressos políticos alcançados como resultado do cessar-fogo e da conclusão do Acordo da Sexta-Feira Santa/de Belfast, e continua até hoje, concentrando-se a «Task Force» da Comissão Europeia em novos domínios de cooperação, no PEACE III, no FII e no INTERREG.

6.2   O financiamento comunitário para o consolidação da paz tem sido um elemento essencial do apoio da UE ao processo de paz. Não obstante, factores não financeiros, inerentes à qualidade de membro da União Europeia, têm tido um efeito profundo na promoção de mudanças positivas. A «esfera de influência» da UE pode, portanto, ser dividida em factores financeiros e não financeiros que, embora distintos, se sobrepõem.

6.3   Factores não financeiros

6.3.1   A UE proporcionou um «espaço neutro» para facilitar o diálogo entre os políticos britânicos e irlandeses após a adesão, oferecendo novas oportunidades para reuniões regulares em terreno neutro. Isto também foi importante para os deputados irlandeses no Parlamento Europeu. O exemplo que melhor ilustra esta afirmação foi a reunião entre Paisley, Hume, Nicholson e Delors em 1994, que esteve na origem do primeiro programa PEACE e que Paisley descreveu como uma das reuniões mais produtivas da sua carreira. Também a cooperação transfronteiriça entre funcionários britânicos e irlandeses sobre assuntos correntes provocou uma «aproximação» entre as administrações com um inquestionável impacto positivo no processo de paz.

6.3.2   Este «espaço neutro» foi ainda mais valioso no que se refere ao apoio da UE ao processo de paz no terreno. O compromisso, a participação e a revalorização da sociedade civil foram facilitados pelas instituições e pela intervenção no terreno de funcionários empenhados em garantir uma abordagem «imparcial» e inclusiva.

6.3.3   Outro elemento não financeiro importante foi a oportunidade proporcionada às instâncias decisórias britânicas e irlandesas de tomarem contacto com o estilo de promoção de consensos que caracteriza o processo legislativo comunitário. Em negociações no Conselho, os Estados-Membros utilizaram um novo estilo de diálogo, negociação e compromisso multilateral, que constituiu um valioso instrumento nas negociações políticas locais.

6.3.4   A realização do Mercado Único Europeu em 1992, teve um impacto não financeiro significativo no processo de paz. A remoção das barreiras administrativas ao comércio transfronteiriço incentivou uma maior cooperação entre as organizações empresariais de ambos os lados da fronteira e reforçou as actividades tradicionais do movimento sindical no âmbito da cooperação transfronteiriça. Não obstante, os controlos de segurança na fronteira continuaram a inibir progressos mais substanciais em matéria de cooperação económica e social.

6.3.5   Um factor não financeiro de impacto limitado nos primeiros tempos foi o modelo europeu de consolidação da paz enquanto exemplo a seguir pela região. Quando a Irlanda do Norte aderiu à UE, muitos esperavam que a adesão tivesse um efeito estabilizador quase imediato. Contudo, as divisões da comunidade eram de tal modo profundas, que foi necessário algum tempo até que o modelo comunitário tivesse impacto no processo.

6.3.6   Mesmo hoje, volvidos 35 anos de adesão à União Europeia, ainda estão de pé os chamados «muros da paz», que separam as comunidades católica e protestante de Belfast. A maior parte das crianças frequenta escolas «separadas» e 90 % das pessoas vivem em comunidades «separadas».

6.4   Impacto financeiro

6.4.1   O programa PEACE I teve um impacto financeiro significativo no processo de paz, na medida em que foi único e inovador e não tinha qualquer semelhança com o que havia sido experimentado pela UE até então. Com um montante de 500 milhões de euros (1995-1999) para apoiar a paz e a reconciliação, foi igualmente a mais importante injecção de capital jamais destinada a apoiar este objectivo específico. Isto representava 73 % do total dos investimentos, tendo o resto sido fornecido pelos poderes públicos dos dois países e pelo sector não governamental.

6.4.2   Um factor decisivo que contribuiu para o impacto positivo do programa PEACE I foi o amplo processo de consulta subjacente à sua formulação. A sociedade civil organizada, nomeadamente as ONG, os sindicatos e as empresas, sentiram que o programa também lhes pertencia, na medida em que o seu contributo era reconhecido. Os deputados ao Parlamento Europeu da Irlanda do Norte também participaram directamente nos pormenores do processo. O programa PEACE I foi amplamente publicitado e, por conseguinte, bem conhecido em toda a zona abrangida. Este «reconhecimento» permanece válido até hoje. As estatísticas revelam que quase metade da população beneficiou dos programas PEACE.

6.4.3   A originalidade dos mecanismos de financiamento PEACE foi igualmente crucial para o seu êxito. Os organismos de financiamento intermediários constituíram um meio engenhoso de, simultaneamente, descentralizar as responsabilidades para o terreno e de reforçar simultaneamente as capacidades. As parcerias distritais, compostas por representantes dos sectores empresarial e agrícola, do voluntariado e das comunidades, bem como dos sindicatos e dos membros eleitos do governo local, foram uma «estreia» na Irlanda do Norte. Esta abordagem de parceria do processo decisório era, ao mesmo título que o próprio financiamento, parte do processo de consolidação da paz.

6.4.4   É consensualmente reconhecido que esta abordagem «ascendente» tornou o financiamento mais acessível às pessoas situadas à margem da vida económica e social local. Nomeadamente, visava grupos que até então haviam recebido pouco ou nenhum apoio, como as vítimas e os ex-reclusos, e aumentava o financiamento disponível para outros grupos, designadamente as organizações intercomunitárias e transfronteiriças, e os grupos de mulheres e de jovens.

6.4.5   O impacto financeiro destes programas foi maior do que o dos financiamentos anteriores da UE devido à garantia de «adicionalidade» dos fundos. Isto tornou o financiamento mais valioso e visível na medida em que intervinha «como complemento» do financiamento do governo que se destinava à região. Afirma-se frequentemente que tal não era o caso relativamente a outros programas dos Fundos Estruturais comunitários.

6.4.6   Também esta mudança de orientação entre os programas teve o seu impacto. A «inclusão social» obteve o maior contributo do programa PEACE I, enquanto a «renovação económica» obteve a maior atenção do programa PEACE II. Ao abrigo do programa PEACE III, a atenção passou a centrar-se na «reconciliação», que é reconhecida como o melhor meio de resolver os problemas de divisões sectárias remanescentes.

6.4.7   Além disso, a responsabilidade pelos programas PEACE II/III foi transferida para o novo órgão especial de programas da UE (Special EU Programmes Body — SEUPB) transfronteiriço. Alguns aspectos do seu trabalho são apoiados por comités de acompanhamento em que estão representados interesses dos sectores público, sindical e privado da Irlanda do Norte e dos condados fronteiriços. Embora alguns afirmem que esta mudança se limitou a reduzir o nível de envolvimento no terreno, outros consideram-na um valioso «balcão único» para todos os aspectos do financiamento comunitário transfronteiriço e no âmbito do programa PEACE.

6.4.8   O impacto do FII no processo de paz também foi muito significativo, tanto em termos de projectos como de composição. O FII reúne representantes dos seus países doadores, podendo esta forma única de cooperação, em especial entre a UE e os EUA, ser um inestimável exemplo de boas práticas para outras zonas de conflito.

6.4.9   Embora o INTERREG funcione em toda a UE, o seu impacto específico na ilha da Irlanda foi igualmente da maior importância para o processo de paz. Completando os elementos transfronteiriços dos programas PEACE, o INTERREG investiu em infra-estruturas transfronteiriças e em programas socioeconómicos, contribuindo para incentivar a colaboração entre comunidades que vivem «de costas voltadas».

6.4.10   Outras iniciativas comunitárias, como URBAN, EQUAL e LEADER, tiveram e continuam a ter uma influência menos directa, mas mesmo assim importante, no processo de paz na Irlanda do Norte.

6.5   Impacto na cooperação transfronteiriça

6.5.1   Após a divisão da ilha em 1921, as duas jurisdições evoluíram separadamente e em direcções opostas. O impacto desta atitude «de costas voltadas» era evidente antes das «perturbações» e foi exacerbado por 35 anos de violência. As interacções transfronteiriças eram limitadas devido aos perigos e dificuldades, e o comércio transfronteiriço era o mais baixo registado em qualquer uma das fronteiras internas da UE.

6.5.2   As políticas da UE incentivaram e facilitaram uma mudança de paradigma na cooperação transfronteiriça. Isto foi acelerado pelo facto de que tanto a Irlanda como o Reino Unido eram membros da Comunidade Europeia. Na esfera económica, o impacto «descendente» do Mercado Único foi especialmente importante, enquanto que na esfera social e cultural, o impacto «ascendente» dos programas PEACE, que integravam os seis condados situados a Sul da fronteira, funcionou como catalisador de uma interacção transfronteiriça até então inimaginável.

6.5.3   Os objectivos mútuos incluíam a intensificação da interacção empresarial e social, e o estreitamento da cooperação entre os governos respectivos. Uma pedra angular do Acordo de Sexta-Feira Santa/de Belfast foi a criação de um Conselho Ministerial Norte/Sul e de órgãos transfronteiriços. Estas instituições de financiamento conjunto não têm precedentes na UE. Além disso, a ideia de uma «economia insular» deixou de ser um conceito radical para passar a ser aceite pela maior parte das pessoas como normal, útil e benéfico.

6.5.4   Esta intensificação da cooperação transfronteiriça foi frequentemente liderada pelos parceiros sociais. O seu trabalho pioneiro levou as instâncias decisórias do Norte e do Sul a cooperar no sentido de melhorar a compreensão, a apreciação e a confiança de cada lado da fronteira. A estreita cooperação resultante deste processo funciona em muitos domínios, mas é mais evidente na esfera económica e na saúde e educação.

6.5.5   Os muitos resultados positivos deste trabalho incluem um programa de desenvolvimento comercial e empresarial de sete anos entre dois agrupamentos empresariais do Norte e do Sul, a Confederação da Indústria Britânica (Conferation of British Industry — CBI) e a Confederação Irlandesa das Empresas e dos Empregadores (Irish Business and Employers Confederation — IBEC), financiado pelo FII, pelo programa PEACE e pelo INTERREG, que implicou mais de 300 reuniões entre compradores e fornecedores. Durante este período (1991-2000), as transacções comerciais duplicaram para mais de 2 000 milhões de euros.

6.5.6   Também é extremamente valioso o trabalho do movimento sindical no sentido de fomentar laços transfronteiriços e intercomunitários. O Congresso Irlandês dos Sindicatos (Irish Congress of Trade Unions — ICTU) é um órgão que actua em todo o território da Irlanda e que, durante o período das «perturbações», trabalhou incansavelmente para promover a melhoria das relações entre as comunidades. O Congresso não procurou beneficiar de financiamento para os seus trabalhos, mas alguns órgãos associados aos sindicatos receberam de facto o apoio da UE.

6.5.7   No que respeita ao impacto transfronteiriço do programa PEACE, o facto de apenas os seis condados fronteiriços do Sul terem podido beneficiar directamente dos fundos de PEACE significa que o seu alcance era limitado, especialmente para o desenvolvimento de empresas, numa época em que as regiões com maior potencial estavam situadas fora da zona Sul elegível.

6.5.8   A cooperação transfronteiriça foi elevada a um nível completamente novo e significativamente mais amplo e profundo. Agora que a maior parte das barreiras físicas, fiscais, técnicas e de segurança foram derrubadas, o que permitiu e encorajou níveis transfronteiriços sem precedentes de comércio, interacção e cooperação, resta enfrentar o desafio que consiste em ultrapassar as arreigadas barreiras culturais e sociais que subsistem.

6.5.9   Essencialmente, os métodos utilizados pela UE para apoiar a paz e a reconciliação a nível económico e social e em todas as comunidades facultam um modelo regional único, bem desenvolvido e cada vez mais comprovado, para pôr em prática a filosofia, a proficiência e a metodologia próprias da UE.

6.6   Impacto no desenvolvimento económico

6.6.1   Ao apoiar o processo de consolidação da paz, a UE contribuiu para acelerar o desenvolvimento económico na Irlanda do Norte e nos condados limítrofes. O impacto directo dos programas PEACE I e II no desenvolvimento económico foi reconhecido como significativo numa série de avaliações ex post. O principal efeito indirecto tem a ver com o facto de o papel da UE no apoio ao progresso político e à consolidação da paz ter permitido acelerar o desenvolvimento social e económico.

6.6.2   Os programas PEACE, FII e INTERREG possibilitaram, colectivamente, a criação de empregos sustentáveis, bem como melhorias em matéria de ambiente e de infra-estruturas, em particular nas zonas afectadas por conflitos; estes programas favoreceram as capacidades de desenvolvimento e de actividade empresarial em comunidades e grupos marginalizados, e contribuíram de modo significativo para o rápido crescimento do comércio transfronteiriço na última década.

6.6.3   Em termos de qualidade do impacto, a perspectiva consensual é que os programas deram um contributo substancial para a construção de uma sociedade pacífica e estável. Foi possível atingir estes resultados, em grande medida, através do reforço das capacidades das comunidades e do sector associativo, o que permitiu apoiar o processo de reconciliação.

6.6.4   A «parceria social» constitui um pilar fundamental da actuação da UE, e os elementos distintivos da abordagem comunitária da paz e da reconciliação contribuem para estimular e fomentar novas formas de interacção entre os interesses económicos e políticos, em benefício de toda a sociedade.

6.6.5   O contributo da UE ajudou a desenvolver uma visão estratégica da economia num ambiente pós-conflito. Com o decorrer do tempo, abrem-se muitas oportunidades interessantes para esta região, nomeadamente através de uma cooperação mais intensa com a UE em domínios recomendados pela nova «Task Force» da Comissão Europeia, que são, nomeadamente, a investigação, a inovação e a transferência de conhecimentos, mas também através do desenvolvimento das suas relações comerciais com a zona euro.

6.7   Impacto na inclusão social

6.7.1   A inclusão social continua a ser um princípio fundamental e geral da abordagem da UE em relação à consolidação da paz, e a investigação sobre este tema confirma que o programa PEACE apoiou grupos que não tinham sido considerados anteriormente ou que apenas recebiam um apoio mínimo. O programa apoiou a integração de grupos pertencentes a minorias étnicas, a confiança e a consolidação das capacidades, bem como o reforço da sociedade civil a nível local, tendo permitido a integração das pessoas outrora excluídas.

6.7.2   Envolvendo mais de metade da população na qualidade de participantes em projectos, o programa PEACE levou a UE até aos cidadãos, através do que foi descrito como um «envolvimento no terreno, sem precedentes». Aqueles que trabalhavam nas estruturas associativas nas suas comunidades em prol da mudança foram identificados, habilitados e apoiados. Este reconhecimento constituiu um precioso mecanismo de reforço da confiança.

6.7.3   Foram utilizados métodos de financiamento inovadores, como os organismos de financiamento intermediários e as parcerias distritais, que se transformaram em parcerias estratégicas locais, para realizar acções no terreno e chegar a zonas onde muitas outras iniciativas não tinham chegado. A delegação das decisões financeiras a estas organizações locais contribuiu para o reforço das capacidades e assegurou a participação no terreno, tanto na concepção como na execução dos programas.

6.7.4   A abordagem da UE distinguiu-se igualmente pela utilização do modelo europeu de parceria social nos programas PEACE. Foram consultados e envolvidos representantes das empresas, dos sindicatos, do sector associativo e de «outros interesses». Embora este princípio continue a desempenhar um papel central, não foram mantidas muitas das estruturas de parceria inicialmente constituídas. Isto é um motivo de preocupação, pois reunir os parceiros sociais e os responsáveis políticos no quadro da tomada de decisões era uma parte integrante do processo de paz.

6.7.5   Reconhece-se que muitos habitantes das zonas mais divididas e carenciadas beneficiaram de financiamento comunitário no âmbito dos programas PEACE e INTERREG e do FII, e as consultas revelam que o papel desempenhado pela UE neste domínio é muito apreciado.

6.8   Impacto na paz e na reconciliação

6.8.1   No que respeita à consolidação da paz, a intervenção da UE contribuiu para manter vivo o processo de paz e para impulsionar a estabilidade política. Conferiu ainda às comunidades um sentimento de responsabilidade local em períodos de incerteza política. Os testemunhos recolhidos nas consultas do CESE às partes interessadas são unânimes em confirmar a conclusão de que a UE e os seus programas de financiamento ajudaram a criar a paz que prevalece actualmente.

6.8.2   Em termos do processo mais demorado de reconciliação comunitária, há muitos exemplos do impacto positivo que o contacto e a cooperação «ascendentes» têm a nível local, numa base intercomunitária e transfronteiriça. Os programas PEACE e o FII fizeram avanços significativos no que toca a estimular diferentes segmentos da comunidade a estabelecerem contactos entre si. Estes contactos conduziram de facto ao reforço da compreensão e confiança mútuas em determinadas zonas, mas o impacto ainda não é suficiente noutras zonas para evitar a dúvida e a desconfiança que persistem.

6.8.3   Por conseguinte, existe um apoio generalizado à decisão de adaptar os programas de financiamento da UE para centrá-los mais na reconciliação entre as comunidades. Isto deveria ajudar as comunidades a chegarem a um nível em que as pessoas que vivem por detrás dos muros tenham confiança em si próprias, se sintam confortáveis nas suas relações com as outras e, acima de tudo, se sintam suficientemente seguras na sua situação para viver sem os muros que as separam. Mas esta é uma decisão que terão de ser elas próprias a tomar. O apoio à criação de confiança nas zonas de «identidade única» tem sido considerado como um meio para alcançar este fim. No entanto, isto pode ter inconvenientes, na medida em que pode contribuir para a separação ajudando os grupos a preocuparem-se unicamente com «os seus». Devido ao facto de uns grupos estarem mais bem preparados do que outros para aproveitar o financiamento, esta situação pode igualmente gerar uma sensação de tratamento desigual entre os diferentes segmentos da sociedade.

6.8.4   Todavia, os progressos no sentido de uma «sociedade partilhada» também foram limitados. Um relatório recente sublinha o elevado custo da segregação, devido, principalmente, à necessidade de duplicar os serviços para servir as comunidades católica e protestante que vivem separadas. Só a segregação dos serviços públicos destinada a responder aos temores e à insegurança da comunidade absorve fundos públicos consideráveis, nomeadamente nos sectores da habitação, saúde e infra-estruturas recreativas e desportivas. No que respeita à educação, apenas 6 % das crianças frequentam escolas com uma população católica/protestante verdadeiramente integrada.

6.8.5   A estabilidade e a prosperidade reforçam-se mutuamente, e os programas de financiamento da UE contribuíram para melhorar as condições sociais e económicas degradadas pelo conflito, cuja degradação, aliás, também contribuía para o agravar. Contudo, a UE nunca esteve em posição de atacar as causas políticas e constitucionais profundamente enraizadas do conflito. Apenas podia abrir caminho a que outros o fizessem e limitar-se a ser um exemplo a seguir.

Bruxelas, 23 de Outubro de 2008.

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Mario SEPI


(1)  Pareceres do CESE sobre o Projecto de Comunicação aos Estados-Membros que estabelece as directrizes para uma iniciativa no âmbito do programa especial de apoio à paz e à reconciliação na Irlanda do Norte e nos condados fronteiriços da República da Irlanda, COM (1995) 279 final; JO L 155 de 21.6.1995 e JO C 236 de 11.9.1995.