20.5.2005   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 120/47


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «A segurança sanitária: uma obrigação colectiva, um direito novo»

(2005/C 120/10)

Processo

Em 28 de Janeiro de 2004, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, em conformidade com o n.o 2 do artigo 29.o do Regimento, elaborar um parecer sobre «A segurança sanitária: uma obrigação colectiva, um direito novo».

Incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos do Comité, a Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania emitiu parecer em 22 de Setembro de 2004, sendo relator A. BEDOSSA.

Na 412.a reunião plenária de 27 e 28 de Outubro de 2004 (sessão de 27 de Outubro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 164 votos a favor, 3 votos contra e 7 abstenções, o seguinte parecer.

1.   Introdução

1.1

Para os cidadãos europeus, a segurança sanitária, que constitui um dos vectores elementares da saúde pública, implica por parte das autoridades competentes o reforço da obrigação colectiva (mesmo quando por vezes se tratar de bioterrorismo) e, consequentemente, o exercício pelos cidadãos do seu direito novo a serem informados de modo transparente sobre as decisões destas autoridades tutelares.

1.2

Segurança e sistema de cuidados de saúde: dois termos habitualmente associados entre si, mas que apenas o estão de modo invisível, ao passo que o conceito de saúde pública é ainda vítima de pressões sociológicas e de hábitos médicos em função de diagnósticos e de terapêuticas individuais.

1.3

Numa altura em que as crises surgidas na Europa demonstram de modo claro que o risco sanitário já não é apenas uma questão de ordem médica mas irrompeu no campo social, económico e político, definir uma estratégia de saúde sanitária passou a ser responsabilidade de todos, em particular dos responsáveis políticos: doravante, os cidadãos devem ter a certeza de dispor destas garantias.

1.4

A segurança sanitária não parte do nada, antes, enriquece e completa os domínios tradicionais da saúde pública, designadamente a epidemiologia, baseia-se na reflexão e nos sistemas de controlo desenvolvidos em torno dos medicamentos, impõe-se à medida que se descobrem os efeitos iatrogénicos de todas as práticas médicas.

1.5

A abordagem em matéria de segurança sanitária não é diferente da abordagem médica. Evolui por etapas, numa sequência de escolhas de probabilidades em dado momento, ditadas pela avaliação da relação benefício-custo e dos possíveis riscos. A qualidade da segurança sanitária reflecte a qualidade do sistema de cuidados de saúde.

1.6

A segurança sanitária baseia-se numa abordagem de tipo médico e necessita também urgentemente de uma metodologia que constitua uma verdadeira promessa de actuação pública. O âmbito da segurança sanitária é, sem dúvida, muito mais vasto, pois acompanha as constantes inovações médicas.

1.7

O conceito de segurança sanitária é necessariamente evolutivo; perante as ameaças latentes de bioterrorismo, por exemplo, não pode satisfazer–se com receitas estáticas: há que encontrar o equilíbrio entre a busca de uma segurança absoluta inatingível e a negligência ou a inacção positiva. A eficácia crescente do sistema de saúde carece inexoravelmente de segurança sanitária, embora não se deva esquecer de cotejar esta necessidade com a situação dos países mais pobres, para os quais o único problema actualmente reside em conseguir, antes de mais, as bases de um sistema de saúde pública.

1.8

Na União Europeia, mais rica e mais inclinada aos mecanismos de mutualização dos riscos, o passo a dar agora é a institucionalização da segurança sanitária. Para debater as decisões no âmbito da segurança sanitária e, sobretudo, divulgá-las é necessário utilizar todos os meios disponíveis, dando aos cidadãos da União Europeia outras alternativas que não o pânico ou a dissimulação; só assim é que a União Europeia se tornará numa democracia adulta em matéria de saúde pública.

2.   Historial da abordagem da União Europeia

2.1

Anteriormente ao Tratado de Maastricht de 7 de Fevereiro de 1992 sobre a União Europeia, os textos comunitários apenas faziam referências periféricas às políticas de saúde. O Tratado de 25 de Março de 1957 que institui a Comunidade Europeia da Energia Atómica (Euratom) continha disposições específicas sobre a protecção sanitária da população contra os perigos das radiações ionizantes.

2.2

Em contrapartida, o Tratado de Roma de 25 de Março de 1957 apenas se refere à «protecção da saúde» no seu artigo 36.o, que previa:

2.2.1

«As disposições dos artigos 30.o a 34.o, inclusive, são aplicáveis sem prejuízo das proibições ou restrições à importação, exportação ou trânsito justificadas por razões de moralidade pública, ordem pública e segurança pública; de protecção da saúde e da vida das pessoas e animais ou de preservação das plantas; de protecção do património nacional de valor artístico, histórico ou arqueológico; ou de protecção da propriedade industrial e comercial. Todavia, tais proibições ou restrições não devem constituir nem um meio de discriminação arbitrária nem qualquer restrição dissimulada ao comércio entre os Estados-Membros».

2.3

A introdução de um artigo 118.o-A no Acto Único Europeu, em 1986, alargava as competências comunitárias permitindo à Comissão Europeia apresentar propostas em matéria de saúde, tendo por base um «elevado nível de protecção».

2.4

Uma outra referência indirecta à protecção da saúde encontra-se no artigo 130.o-R do Tratado de Roma, aditado pelo Acto Único Europeu, que estipulava que a política da Comunidade no domínio do ambiente tinha designadamente por objectivo «contribuir para a protecção da saúde das pessoas».

2.5

O Tratado da União Europeia modificou profundamente as perspectivas da construção europeia no domínio da saúde, uma vez que introduziu um Título X intitulado «Saúde Pública», em virtude do qual «A Comunidade contribuirá para assegurar um elevado nível de protecção da saúde humana». O número 4 do artigo 129.o prevê que o Conselho pode adoptar, para realização dos objectivos, acções de incentivo, previstas no artigo 189.o-B, ou recomendações.

2.6

Do mesmo modo, o conceito de protecção da saúde surge em outros artigos do Tratado da União Europeia, uma vez que o artigo 129.o-A, relativo à defesa dos consumidores, refere designadamente a protecção da saúde e da segurança dos consumidores.

2.7

Um quadro jurídico preciso permitirá às instituições europeias desenvolverem todas as suas actividades no domínio da saúde pública, quadro esse que seria melhorado no artigo 179.o do projecto de Tratado Constitucional Europeu:

«1.

Na definição e execução de todas as políticas e acções da União é assegurado um elevado nível de protecção da saúde.

2.

A acção da União, que é complementar das políticas nacionais, incide na melhoria da saúde pública e na prevenção das doenças e afecções humanas e das causas de perigo para a saúde física e mental. Esta acção abrangerá a luta contra os grandes flagelos, fomentando a investigação sobre as respectivas causas, formas de transmissão e prevenção, bem como a informação e a educação sanitária ...».

2.8

As novas estruturas criadas (Agência Europeia de Avaliação dos Medicamentos, etc.) podem ter uma incidência tanto mais importante quanto as instituições europeias estão empenhadas numa política de crescente cooperação com os países terceiros e com as grandes organizações internacionais – em particular, a cooperação com a Organização Mundial de Saúde, o Conselho da Europa, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico, a Agência Internacional da Energia Atómica para a protecção contra radiações, o Secretariado das Nações Unidas para o Controlo dos Estupefacientes e a Prevenção da Criminalidade –, que deve ser prosseguida e reforçada.

3.   Princípios da segurança sanitária

3.1   Decisão sanitária

3.1.1

É num universo de incertezas que são tomadas as decisões médicas: incertezas quanto às patologias, aos efeitos dos tratamentos e respectivos riscos; informações médicas sobre os pacientes incorrectas, má escolha dos exames complementares e dos equipamentos sanitários, imprecisões do interrogatório médico dominado pela emoção ou preocupação, lacunas do exame médico, por natureza, aproximativo.

3.1.2

Todo o acto médico é, muitas vezes, o resultado de uma série de decisões de probabilidade, tomadas em situação de incerteza: quanto mais escolhas ou decisões forem necessárias para o diagnóstico ou o tratamento, mais aumenta o risco ou até a probabilidade de erro, sem que tal implique necessariamente uma falta indesculpável.

3.1.3

Cada decisão ou acto médico contém uma certa dose de imponderável, um imprevisto incontrolável no actual estado dos conhecimentos científicos, um risco estatístico inevitável, que faz parte integrante da ciência médica.

3.1.4

Na origem da insegurança sanitária estão causas humanas – o erro ou a negligência do médico – e causas factuais – os riscos conhecidos mas estatisticamente inevitáveis no actual estado dos conhecimentos científicos e os riscos desconhecidos, sempre possíveis.

3.1.5

Não é possível falar de segurança sanitária sem recordar estas características essenciais da decisão médica. Quando está em jogo a saúde ou a vida, é muitas vezes difícil concordar em pedir apenas o possível. Todavia, não há actividade médica sem riscos, porque não existe vida sem riscos.

3.2.   A relação benefícios-riscos

3.2.1

As mesmas observações valem tanto para as decisões em matéria de segurança sanitária como para as decisões médicas; a inacção, tal como a acção, implica uma decisão e pode ser indesculpável.

3.2.2

Trata-se de ponderar o risco terapêutico e os riscos de evolução espontânea. A recusa irracional de que existe risco em questões de saúde é tão irresponsável quanto a negligência.

3.2.3

A cultura da relação benefícios-riscos está muito longe das preocupações de uma sociedade europeia que conseguiu reduzir consideravelmente os riscos naturais.

3.2.4

Para avaliar a segurança sanitária de um acto ou de um produto, há que o situar numa escala de risco que permita identificar o risco menor e não o risco nulo. Nesta relação benefícios-riscos, devem-se ter em conta cinco critérios:

grau

realidade

frequência

duração

necessidade.

3.2.5

Assim, compete aos poderes públicos, expostos às pressões convergentes ou contraditórias da opinião pública e dos produtores de cuidados médicos, decidir, em situação de incerteza, entre adoptar a hipótese mais pessimista e, consequentemente, a mais conservadora em termos de saúde pública, ou optar pela estimativa mais plausível.

3.2.6

Além disso, as decisões sanitárias têm, por vezes, de ser tomadas em situação de crise. As autoridades confrontam–se, então, simultaneamente, com um turbilhão de problemas, os disfuncionamentos de certos sistemas e profundas divergências sobre as decisões a tomar.

3.2.7

Para não ceder à improvisação, face à urgência da situação, deve ser possível contar com processos de avaliação, controlo e intervenção previamente definidos e testados, pelo que se impõe uma reflexão sobre as crises anteriores e sobre a metodologia a adoptar em matéria de segurança sanitária.

3.2.8

Sejam quais forem as garantias científicas e médicas, a avaliação da relação benefícios/custos inclui muitas vezes, em última análise, uma certa convicção íntima.

4.   Factores médicos da segurança sanitária

São cinco os factores essenciais para definir a segurança sanitária.

4.1   Vigilância sanitária

4.1.1

Tal como a vigilância epidemiológica é componente fundamental da protecção da saúde pública, a vigilância sanitária específica deve ser assegurada através de um centro europeu (ver ponto 6.3).

4.1.2

A missão desta vigilância consiste em detectar os acidentes médicos e as patologias iatrogénicas, identificar os efeitos imprevistos ou indesejáveis relacionados com a utilização de protocolos terapêuticos, efectuar controlos e analisar as conclusões, avaliar a eficácia dos sistemas de intervenção sanitária, todas elas actividades essenciais para a segurança sanitária que dependem desta vigilância.

4.1.3

Esta função de vigilância tem evoluído no plano internacional, uma vez que se introduziram mecanismos de intercâmbio de informações e de alerta mútuo sob o patrocínio da OMS e da União Europeia.

4.1.4

Textos multilaterais regem cooperações a todos os níveis, em todas as especialidades e em todos os continentes, o que permite tomar rapidamente as medidas sanitárias destinadas a garantir a máxima segurança sanitária.

4.2.   Escolha das estratégias terapêuticas

4.2.1

A qualidade e a segurança da escolha da estratégia terapêutica dependem, prioritariamente, do estado de desenvolvimento da ciência e, por conseguinte, do grau de actualização dos conhecimentos do médico.

O primeiro factor para a melhoria destes conhecimentos passa, sem dúvida, pela investigação médica e farmacêutica e pelos progressos terapêuticos ou de diagnóstico que dela resultam.

A formação médica de base constitui o segundo factor-chave da segurança sanitária em matéria de escolha das estratégias e adaptada aos progressos da ciência e à organização do sistema de saúde.

Terceira vertente, a formação médica permanente: a assimilação dos dados mais recentes constitui, como em todos os sectores de risco e de alta tecnologia, um dos factores determinantes da segurança.

O último factor que contribui para a segurança das escolhas terapêuticas é a avaliação médica, que se tornou no elo de ligação entre a investigação, a formação e a prática diária dos profissionais da saúde.

Pode-se definir a avaliação médica como o conjunto dos processos de controlo da qualidade do sistema de cuidados médicos.

A avaliação das técnicas e das estratégias de diagnóstico e terapêuticas consiste em garantir a avaliação dos instrumentos à disposição dos profissionais da saúde: tecnologias médicas, métodos de diagnóstico, medicamentos, conjunto de procedimentos e serviços.

A avaliação da qualidade, e, por conseguinte da qualidade dos cuidados de saúde, é definida retomando os termos da OMS do seguinte modo:

«Processo que permite assegurar a cada paciente o conjunto de actos diagnósticos e terapêuticos que lhe garantirão o melhor resultado do ponto de vista da saúde em função do estado actual de desenvolvimento da ciência, ao melhor custo para resultado idêntico, com o menor risco iatrogénico e para sua maior satisfação quanto a procedimentos, resultados e contactos humanos no sistema de saúde.».

A avaliação deverá, por último, definir os termos de referência, ou seja, elaborar recomendações com base num consenso mais ou menos alargado obtido em colégio de médicos ou de sociedades/associações de sábios, as chamadas «conferências de consenso», a fim de se estabelecerem orientações.

4.3   Administração dos cuidados de saúde e realização dos actos médicos

4.3.1

O cumprimento das obrigações é controlado por todas as autoridades; existe abundante e constante jurisprudência que estabelece as obrigações dos profissionais da saúde e define o conceito de cuidados conscienciosos, escrupulosos e conformes aos conhecimentos científicos actuais.

4.3.2

A realização dos actos médicos depende dos regimes de segurança sanitária, muito variáveis consoante a natureza dos actos e a existência de riscos «naturais».

4.3.3

A comparação das dificuldades inerentes à realização dos actos, ou seja, com excepção dos riscos estatisticamente evitáveis, mesmo que marginais, permite por si só definir as condições de segurança sanitária a respeitar. Trata–se de algo semelhante a uma relação benefícios/riscos, que permite fixar o nível normal de segurança sanitária aceite e desejado.

4.4   Organização e funcionamento das estruturas de cuidados de saúde

A qualidade da organização e do funcionamento do sistema de cuidados de saúde condiciona em grande medida a segurança sanitária.

Na verdade, a segurança sanitária impõe uma obrigação de meios a todos os estabelecimentos públicos ou privados, meios previstos por lei e submetidos a autorizações específicas. O sistema de saúde deve estar em condições de dar resposta às necessidades das populações e de assumir a cobertura sanitária nas melhores condições de segurança.

4.5   Recurso aos bens de saúde

4.5.1

Os produtos e bens de saúde utilizados na prevenção, diagnóstico ou tratamento estão sujeitos a regimes jurídicos rigorosos e a regulamentações por temas:

medicamentos

dispositivos médicos utilizados em medicina

produtos de origem humana

reagentes de laboratório

base jurídica para a utilização de produtos e partes do corpo humano com fins terapêuticos.

4.5.2

As regras de segurança sanitária aplicáveis a estes produtos e bens constituem um verdadeiro mecanismo de segurança.

5.   Propostas – recomendações do CESE

5.1   Factores administrativos da segurança sanitária

5.1.1

Nos Estados-Membros da União Europeia, a saúde pública ainda não tem em conta os princípios da segurança sanitária.

5.1.2

A segurança sanitária não é o resultado de uma equação nem a aplicação de receitas, assenta, antes, no espírito de precaução e de contradição.

5.1.3

Requer sensibilização e articulação transfronteiras. Deve-se pôr de lado a ilusão de uma linha Maginot que impedisse, com facilidade, o avanço da próxima epidemia. Os riscos sanitários são proteiformes, infinitamente variados e, na generalidade, inesperados. Os comportamentos face à doença evoluem, os vírus sofrem mutações, os agentes infecciosos renovam-se ou dissimulam-se.

5.2   Competências claramente reconhecidas

5.2.1

Na ausência de instrumentos jurídicos específicos em matéria de protecção da saúde pública, tornou-se, por vezes, hábito em alguns Estados-Membros da União Europeia recorrer a outras vias dúbias ou incertas – designadamente o recurso abusivo à regulamentação da segurança social – por, desde logo, se confundirem num mesmo debate os desafios sanitários e económicos: se é legítimo avaliar o custo da saúde e procurar uma utilização o mais racional possível dos recursos disponíveis, torna-se todavia perigoso misturar as duas problemáticas.

5.2.2

Uma coisa é avaliar a eficácia, a qualidade e a inocuidade de um produto ou de uma terapêutica, outra é decidir o seu reembolso através da segurança social. As dificuldades das decisões em matéria de saúde pública são exacerbadas devido à concorrência entre vários poderes.

5.2.3

Definir as competências é definir as responsabilidades e, logo, identificar quem exerce a autoridade sanitária e quem carrega o fardo moral, administrativo e/ou judiciário. A responsabilidade só pode ser plenamente assumida se os textos, com as suas lacunas ou ambiguidades, não favorecerem os conflitos e as intervenções susceptíveis de desvirtuarem as opções feitas.

5.3   Uma administração sanitária reconhecida

5.3.1

Ao nível europeu, a administração sanitária em saúde pública é insuficiente e o seu suporte legal fraco. Falta–lhe também legitimidade médica devido à escassez de recursos. Todos estes aspectos devem ser melhorados.

5.3.2

A acção pública só pode ser eficaz se dispuser de efectiva legitimidade, e a administração da saúde só poderá exercer plenamente a sua missão de segurança sanitária se estiver investida de dupla legitimidade: ser reconhecida pelas autoridades de tutela de cada um dos países da União Europeia e, evidentemente, pela opinião pública, ou seja, pelos consumidores.

5.3.3

A credibilidade científica e técnico–clínica pressupõe reforço dos recursos, recrutamento de pessoal técnico de alto nível, mas igualmente a cooperação entre todas as instituições europeias e nacionais.

5.3.4

Identificam-se cinco funções fundamentais: recomendação, vigilância, controlo, peritagem e avaliação.

5.3.5

A realização da rede europeia de saúde pública atesta a vontade todos os poderes públicos europeus de associar os actores da saúde pública e de dar coerência e nova eficácia aos instrumentos de vigilância sanitária existentes em cada Estado-Membro.

5.4   Necessidade de uma peritagem externa à administração

5.4.1

Qualquer que seja a excelência técnica e científica dos serviços de segurança sanitária, o tradicional e respeitado princípio do contraditório deverá imperativamente ter lugar no exercício das missões de segurança sanitária.

5.4.2

O recurso a peritos independentes dá resposta à preocupação de as autoridades europeias poderem dispor dos mais eminentes especialistas, o que permitirá, através do diálogo, aperfeiçoar e completar a informação em fase anterior à tomada de decisões.

5.4.3

Nos domínios mais sensíveis ou mais prementes, parece ser mesmo indispensável alargar a peritagem externa a individualidades estrangeiras mundialmente reconhecidas. Esta abertura internacional pode permitir obter um consenso em todos os países implicados, evitando-se deste modo desfasamentos temporais que a todos prejudicam (doentes e intervenientes de todo o tipo).

5.4.4

Esta abertura poderá ultrapassar as especificidades inerentes aos hábitos culturais na administração dos cuidados médicos e às modalidades de formação dos profissionais de saúde dos diferentes países.

5.5   Separação das funções de perito, decisor e gestor

5.5.1

O poder no domínio da política sanitária, que é, com efeito, da competência do decisor (autorizar ou não, proibir ou não) só pode ser legitimamente exercido se tiver em conta o conjunto das informações relativas ao problema de saúde pública em questão.

5.5.2

Trata-se, sempre, de avaliar a relação benefícios/riscos. A avaliação não pode ser exclusivamente científica nem deve ser imposta pelo gestor ou por um actor com interesses materiais ou intelectuais na sua divulgação.

5.5.3

A clarificação dos papéis de perito e de decisor tem como corolário garantir a transparência das relações entre peritos e gestores. Deve ser declarada e respeitada uma ética rigorosa para a peritagem. Tal nem sempre é evidente, sobretudo quando o problema é muito sensível, em que os peritos são escassos e estabeleceram, muitas vezes, relações com as instituições ou as empresas implicadas.

5.5.4

A transparência que deve caracterizar as decisões neste domínio exige que os peritos apresentem às autoridades sanitárias uma declaração sobre as possíveis relações com os organismos, empresas ou pessoas implicadas nas peritagens.

5.5.5

A Comunidade Europeia começou a definir tais procedimentos: a generalização dos procedimentos transparentes desejada pelos próprios peritos permite uma maior objectividade das peritagens.

5.6   Transparência dos processos de decisão

5.6.1

Existem perigos sanitários novos que, como a inovação em geral, questionam e põem em causa certezas e hábitos.

5.6.2

A atitude intelectual deve ser a mesma, «escutar o silêncio».

5.6.3

Seja qual for a qualidade do sistema de vigilância em vigor, não se deve ignorar a possibilidade de uma cegueira colectiva.

5.6.4

O debate público é uma necessidade. Os pacientes e os médicos exteriores ao círculo de peritos devem poder fazer–se ouvir, ventilar as questões que os inquietam, dar o alerta.

5.6.5

O debate deve ser organizado para não alarmar inutilmente.

5.6.6

Este «pluralismo sanitário», indispensável para aumentar as possibilidades de evitar novas tragédias, pressupõe a evolução dos processos de decisão no sentido de uma maior transparência. Sem prejuízo da protecção do sigilo médico ou do segredo industrial, os resultados das peritagens bem como as justificações das decisões sanitárias devem ser do domínio público.

5.7   Um código de conduta para a comunicação em matéria de segurança sanitária

5.7.1

Apesar da sua vulgarização, a comunicação no domínio da saúde pública apresenta características fundamentais que são ainda mais notórias no vector da segurança sanitária.

5.7.2

A comunicação sobre estas matérias é, muitas vezes, uma comunicação sobre doença ou morte. Transparência e comedimento devem ser os elementos que presidem à organização desta função sensível do sistema de saúde.

5.7.3

A transparência é essencial para garantir a confiança e evitar a preocupação que é suscitada pelo divulgar de uma informação que pode parecer sensacionalista devido à impressão de segredo que a rodeava.

5.7.4

A ela estão obrigadas as autoridades e as instituições sanitárias, tal como o médico é obrigado a informar o paciente. Em matéria de riscos para a saúde do cidadão, impõe-se o «dever da verdade».

5.7.5

Todavia, esta obrigação moral é acompanhada de um dever de comedimento. Muitas vezes divulgada na urgência, a informação deve ser compreensível e científica e evitar o risco de cacofonia, sensacionalismo e alarmismo. Pressupõe regras de trabalho comuns para os meios de comunicação social, os profissionais de saúde, as associações de pacientes e os poderes públicos. O pânico ou a dissimulação não são alternativas.

5.8   Comunicação de rotina

5.8.1

Em matéria de saúde, a informação é sempre susceptível de ser entendida pelos pacientes com particular intensidade.

5.8.2

Há uma distinção de fundo entre a informação destinada aos médicos e a informação destinada ao público.

5.8.3

A primeira beneficia do acervo científico da população a que se destina, que dispõe dos seus próprios canais: cursos, conferências, congressos, órgãos profissionais e associações industriais.

5.8.4

Em contrapartida, a comunicação destinada ao público em geral não pode pressupor, sem correr o risco de não ser entendida ou de provocar o pânico, que a população possui os conhecimentos médicos necessários para avaliar o alcance da informação divulgada. Deve procurar um equilíbrio entre, por um lado, a necessidade de informar sobre as terapêuticas novas ou tradicionais e, por outro, os riscos de uma má interpretação destas informações.

5.8.5

A informação divulgada pode provocar pânico inútil ou exagerado na população ou, pelo contrário, alimentar esperanças de tratamento infundadas. A informação é parte da educação sanitária da população, que contribui de modo directo para a eficácia das políticas de higiene, prevenção dos riscos e responsabilização precoce do sistema de saúde.

5.9   Comunicação de crise

5.9.1

Em caso de urgência sanitária ou de sérios riscos para a saúde pública, a comunicação vê-se confrontada com uma necessidade tripla:

em primeiro lugar, a informação fornecida deve ser proporcional ao risco sanitário;

a segunda preocupação prende-se com o facto de que a informação não se destina apenas a aumentar a consciencialização do público, mas também a levar a alterações de comportamento. Assim, a informação deve atingir o seu objectivo, ou seja, prevenir ou limitar o acidente sem, por um lado, provocar alarme desnecessariamente e, por outro, garantir o direito dos cidadãos a saberem o que se passa e a obrigação ética da imprensa de evitar uma comunicação alarmista e sensacionalista;

por último, a informação final deve ser fornecida tendo em conta os públicos a que se destina e a ordem em que devem ser informados.

5.9.2

Em todo o caso, o papel da imprensa é determinante para o sucesso de uma comunicação de crise. Os meios de comunicação social devem, por vezes, aceitar o facto de não poderem divulgar a informação ao público antes de os profissionais de saúde terem sido amplamente informados. É, por conseguinte, necessário formar jornalistas especializados, que sejam capazes de compreender as questões de segurança sanitária e de as comunicar de modo correcto.

5.9.3

Trata-se de um exercício difícil, pois a quantificação dos efeitos indesejáveis e a determinação da sua origem, o efeito dos meios de comunicação social na taxa de notificação, a avaliação geral do risco, por exemplo, implicam análises difíceis e complexas, quando é certo que a opinião pública espera ser informada imediatamente numa linguagem simples e emocional.

6.   Conclusão

6.1.

Consciente das sucessivas crises que sacudiram o mundo nas duas últimas décadas, (a explosão da SIDA, as catástrofes do sangue contaminado, a crise de saúde pública devida à síndrome respiratória aguda, a doença do legionário, a ameaça de bioterrorismo através do carbúnculo), o Comité Económico e Social Europeu propõe a realização periódica de congressos europeus de alto nível em matéria de saúde pública.

6.2.

Estas conferências têm por objectivo debater medidas colectivas a tomar, fornecer informações precisas sobre as crises, dar respostas coordenadas, avaliar as ameaças de riscos externos, contribuir para diagnósticos rápidos e encontrar as respostas adequadas.

6.3.

O CESE preconiza que seja conferido, desde já, ao futuro Centro Europeu de Vigilância Sanitária de Estocolmo um mandato alargado e reforçado para elaborar relatórios relevantes e permanentes em matéria de saúde pública e obrigar os países da União Europeia a tomarem as medidas necessárias em conformidade como princípio de subsidiariedade.

6.4.

O Comité Económico e Social Europeu considera ser o local privilegiado de sensibilização e alerta da sociedade civil europeia.

6.5.

Apela a que todos os implicados adoptem uma atitude activa em matéria de saúde pública: a visão global das crises de saúde pública deverá permitir o intercâmbio de todas as experiências numa época de globalização das crises sanitárias.

6.6.

Entende que se deve promover uma grande política de informação à escala europeia, mediante a formação específica de todos os actores e de todos os órgãos de comunicação social com especiais responsabilidades nesta matéria.

6.7.

Recorda que as suas recomendações estão interligadas e que, para serem aplicadas, requerem uma vontade forte por parte dos países da União Europeia, a saber:

reforço das capacidades administrativas com articulações transfronteiras e gestão universalmente reconhecida e aceite;

competências e instrumentos jurídicos de apoio;

processos de decisão transparentes e uma deontologia mais rigorosa e compartilhada por todos no que toca às comunicações em matéria de segurança sanitária;

cooperação reforçada e ligação em rede entre todos os organismos de vigilância e de fiscalização (União Europeia, Organização Mundial de Saúde, Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico, Conselho da Europa e grandes organizações nacionais, tais como o Centro de Controlo e Prevenção de Doenças em Atlanta, nos Estados Unidos).

Bruxelas, 27 de Outubro de 2004

A Presidente do

Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND