52004DC0562

Livro Verde sobre o reconhecimento mútuo das medidas de controlo não privativas de liberdade tomadas antes do julgamento {SEC(2004) 1046} /* COM/2004/0562 final */


LIVRO VERDE sobre o reconhecimento mútuo das medidas de controlo não privativas de liberdade tomadas antes do julgamento {SEC(2004) 1046}

(apresentado pela Comissão)

LIVRO VERDE

sobre o reconhecimento mútuo das medidas de controlo não privativas de liberdade tomadas antes do julgamento

Pretende-se com o presente Livro Verde lançar o debate sobre a preparação de uma proposta da Comissão de um novo instrumento legislativo relativo ao reconhecimento mútuo das decisões judiciais respeitantes a medidas de controlo não privativas de liberdade tomadas antes do julgamento. Um documento de trabalho dos serviços da Comissão associado ao Livro Verde (SEC(2004) 1046) inclui uma análise aprofundada do enquadramento jurídico relevante nesta área e o que a Comissão pensa sobre as modalidades de elaboração de um tal instrumento.

1. Razões da apresentação pela Comissão de um Livro Verde

1.1. Identificação do problema

O recurso excessivo à detenção preventiva (e a sua duração) constitui uma das principais causas da sobrepopulação prisional. Devido ao risco de fuga, os suspeitos não residentes permanecem frequentemente em detenção preventiva, enquanto os residentes beneficiam de medidas alternativas.

De acordo com os princípios gerais de direito, a detenção enquanto se aguarda julgamento deve permanecer uma medida excepcional, devendo-se recorrer o mais possível a medidas de controlo não privativas de liberdade. No entanto, as diferentes alternativas à detenção preventiva que existem no direito nacional (por exemplo, a obrigação de se apresentar regularmente às autoridades policiais ou a limitação da liberdade de circulação) não podem actualmente ser transpostas ou transferidas transfronteiras, uma vez que os Estados não reconhecem as decisões judiciais estrangeiras nestas matérias.

A adopção de um instrumento legal que permitisse aos Estados-Membros da União Europeia reconhecer mutuamente as medidas de controlo não privativas de liberdade tomadas antes do julgamento contribuiria para reduzir o número de detidos não residentes a título preventivo na União Europeia. Simultaneamente, reforçaria o direito à liberdade e à presunção de inocência na União Europeia no seu conjunto (isto é, no espaço comum de liberdade, segurança e justiça) e reduziria o risco de tratamento desigual dos suspeitos não residentes.

1.2. Necessidade de agir

Existe um mandato claro para intervir nesta matéria ao abrigo das medidas 9 e 10 do Programa de medidas destinadas a aplicar o princípio do reconhecimento mútuo das decisões penais de Novembro de 2000 [1] (a seguir denominado "Programa de reconhecimento mútuo"), adoptado a pedido do Conselho Europeu de Tampere. Os elementos constitutivos deste mandato constam do Capítulo 2.2.1.3. do documento de trabalho dos serviços da Comissão.

[1] JO C 12 de 15.1.2001, p. 10.

A necessidade de acção a nível europeu foi salientada pelo Parlamento Europeu em diversas resoluções, tendo sido igualmente identificada por outros organismos de cooperação regional, como o Conselho da Europa e o Comissário do Conselho dos Estados do Mar Báltico. Foi também realçada por diversas organizações não governamentais (ONG) que operam neste domínio.

1.3. Solução possível

A principal ideia subjacente a um novo instrumento no domínio do reconhecimento mútuo das medidas de controlo não privativas de liberdade tomadas antes do julgamento consiste em substituir a detenção preventiva por uma medida de controlo não privativa da liberdade e em transferir essa medida para o Estado-Membro de residência habitual do suspeito. Isto permitiria ao suspeito ser objecto da medida de controlo no seu ambiente normal até que o julgamento se realize no outro Estado-Membro. No documento de trabalho dos serviços da Comissão são discutidos diversos modelos de concretização desta ideia.

No sentido de assegurar o respeito de uma medida de controlo não privativa de liberdade, o novo instrumento deverá incluir, a título de última instância, um mecanismo coercivo que permita voltar a mandar um suspeito que não coopere para o Estado de julgamento, se necessário utilizando a força. É mais a mera existência de tal possibilidade que a sua utilização efectiva que assegurará o bom funcionamento do novo instrumento. Deve sublinhar-se que, sem esta possibilidade de recurso a medidas coercivas, existiria um risco (a curto e a longo prazo) de a categoria de pessoas relevante acabar por não beneficiar de medidas alternativas. Os diferentes aspectos deste mecanismo coercivo são também abordados no documento de trabalho dos serviços da Comissão.

2. processo de consulta

O presente Livro Verde constitui a terceira etapa do processo de consulta sobre as alternativas à detenção preventiva.

A primeira etapa consistiu na elaboração e envio de um questionário sobre a detenção preventiva e as alternativas a tal detenção, no sentido de identificar eventuais obstáculos à cooperação entre os Estados-Membros nesta área. Os então 15 Estados-Membros da UE responderam a este questionário e uma síntese das suas respostas, nomeadamente sobre as medidas de controlo não privativas de liberdade (alternativas à detenção preventiva) e as sanções aplicáveis em caso de não cumprimento (como exigido pela medida 9 do Programa de reconhecimento mútuo) consta do documento de trabalho dos serviços da Comissão (Anexo 2).

A segunda etapa consistiu na elaboração de um documento de discussão com base nas respostas ao questionário e na organização de uma reunião de peritos. O documento de discussão (de 24 de Abril de 2003), que foi enviado a um certo número de peritos em matéria de detenção preventiva e de soluções alternativas a tal detenção nos Estados-Membros da UE (e nos então Estados aderentes), propõe nomeadamente a introdução a nível da União Europeia de uma obrigação europeia de se apresentar regularmente a uma autoridade enquanto medida de controlo não privativa de liberdade. O documento de discussão considera ainda as limitações e as possibilidades de se tomarem medidas no domínio da detenção preventiva em geral. A reunião de peritos foi realizada em Bruxelas em 12 de Maio de 2003. Diversos peritos, incluindo representantes das ONG, foram convidados numa base pessoal, enquanto outros o foram a título de representantes dos seus Estados-Membros. A Eurojust também esteve representada. Nesta reunião, foram discutidos diferentes aspectos da detenção preventiva e das alternativas a tal detenção, em especial a ideia da Comissão de criar uma obrigação europeia de se apresentar regularmente a uma autoridade. O Livro Verde tem plenamente em conta o resultado desta reunião (para mais pormenores, ver documento de trabalho dos serviços da Comissão).

3. Objectivos do presente Livro Verde

3.1. Alargar o debate a uma audiência mais vasta

O principal objectivo do presente Livro Verde consiste em alargar o processo de consulta a uma audiência mais vasta, nomeadamente os profissionais, como os juízes, os procuradores e os advogados de defesa, as pessoas que trabalham nos serviços sociais e de liberdade condicional, os estabelecimentos de detenção preventiva e outros estabelecimentos penitenciários, organizações profissionais, círculos académicos, ONG relevantes e autoridades públicas.

3.2. Privilegiar o reconhecimento mútuo das medidas de controlo não privativas de liberdade tomadas antes do julgamento

O presente Livro Verde centra-se no reconhecimento mútuo das medidas de controlo não privativas de liberdade tomadas antes do julgamento. Alguns aspectos importantes (apoio judiciário, intérpretes e tradutores, categorias vulneráveis, por exemplo, crianças e jovens, assistência consular /direito a comunicar e "carta de direitos") foram já abordados no Livro Verde [2] e na proposta de decisão-quadro do Conselho relativa a certos direitos processuais [3]. Apesar de relacionada com o enquadramento legal da detenção preventiva e das alternativas a este tipo de detenção, o documento de trabalho dos serviços da Comissão não entra em pormenores sobre estas questões, salvo quando tal é considerado necessário.

[2] COM(2003) 75 final.

[3] COM(2004) 328 final.

3.3. Explorar as possibilidades de acção

A introdução de um regime de reconhecimento mútuo das medidas de controlo não privativas de liberdade tomadas antes do julgamento a nível da União Europeia não deve, no entanto, ser dissociada do enquadramento legal que rege a detenção preventiva em geral. Deve recordar-se que as medidas de controlo constituem em princípio alternativas à detenção preventiva. Certos princípios fundamentais que são aplicáveis à detenção preventiva em geral são aplicáveis mutatis mutandis às medidas de controlo não privativas de liberdade. Consequentemente, estes princípios devem ser considerados na concepção de um instrumento em matéria de reconhecimento mútuo e de aplicação das medidas de controlo não privativas de liberdade tomadas antes do julgamento.

O documento de trabalho dos serviços da Comissão explora as possibilidades de acção nesta área à luz das convenções, da jurisprudência e da legislação nacional em vigor.

A Comissão convida-o a apresentar os seus comentários sobre o presente Livro Verde (incluindo o documento de trabalho dos serviços da Comissão) e, em especial, sobre as perguntas abaixo enumeradas. A Comissão gostaria igualmente de receber os seus comentários sobre novos desenvolvimentos no domínio das alternativas à detenção preventiva nos Estados-Membros (incluindo as sanções aplicáveis em caso de não cumprimento de uma obrigação imposta no quadro de uma medida de controlo não privativa de liberdade).

Para facilitar o intercâmbio de pontos de vista, foi criado um sítio Web em que se encontra o Livro Verde e um conjunto de ligações pertinentes.

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As respostas deverão ser enviadas até x x 2004, preferencialmente para o seguinte endereço:

ou pelo correio para:

Comissão Europeia

Direcção-Geral da Justiça e Assuntos Internos

Unidade D3 - Justiça penal

B-1049 Bruxelas

Bélgica

Ao cuidado do Sr. Thomas Ljungquist

A Comissão tenciona organizar uma audição pública em 2004.

Pergunta 1:

Tendo em conta as consequências negativas do enquadramento jurídico actual em matéria de tratamento dos suspeitos não residentes na área das alternativas à detenção preventiva:

(a) Está de acordo com a abordagem da Comissão no que se refere ao reconhecimento mútuo das medidas de controlo não privativas de liberdade tomadas antes do julgamento, tal como descrita no Capítulo 4.3. do documento de trabalho dos serviços da Comissão (isto é, a possibilidade de controlar o suspeito no seu país de residência habitual e a necessidade de introduzir um mecanismo que assegure a presença do arguido na audiência, salvo se o julgamento puder ser realizado por contumácia), no sentido de assegurar a aplicação a nível de toda a União Europeia do direito à liberdade e à presunção de inocência?

(b) Em caso negativo, existirão soluções alternativas?

(c) Queira descrevê-las.

(d) Deverá o mecanismo de reconhecimento mútuo das medidas de controlo não privativas de liberdade tomadas antes do julgamento abranger igualmente infracções menos graves (isto é, aquém do limiar previsto no nº 1 do artigo 2º da Decisão-Quadro relativa ao mandado de detenção europeu)?

Pergunta 2:

Deverá um mecanismo de reconhecimento mútuo das medidas de controlo não privativas de liberdade abranger

- a situação em que uma pessoa suspeita, que já está sujeita a tais medidas e que, de forma permanente ou temporária, deseja ir para outro Estado-Membro, apresenta um pedido de transferência destas medidas para esse Estado-Membro (tal como descrito no Capítulo 4.2.2.3. do documento de trabalho dos serviços da Comissão)?

- em caso afirmativo, em que condições?

- a situação em que o suspeito já se deslocou para outro Estado-Membro (tal como descrito nos Capítulos 4.2.3.1., "suspeito de não ter cumprido uma obrigação imposta no quadro de uma medida de controlo não privativa de liberdade tomada antes do julgamento" e 4.2.3.2., "pedido tardio de medidas de controlo não privativas de liberdade", do documento de trabalho dos serviços da Comissão)?

- em caso afirmativo, em que condições?

Pergunta 3:

(a) Deverá o novo instrumento incluir uma disposição sobre uma medida específica de controlo não privativa de liberdade tomada antes do julgamento, como uma ordem europeia de se apresentar regularmente a uma autoridade, possivelmente em combinação com uma limitação da liberdade de circulação, como acima descrito?

(b) Será adequado conferir à autoridade de emissão a faculdade de decidir das medidas de controlo não privativas de liberdade a aplicar durante a fase de controlo (de acordo com a legislação nacional) ou da forma como o suspeito deverá dar cumprimento à ordem europeia para se apresentar regularmente (isto é, com que frequência deverá fazê-lo, a que autoridade, etc.)?

(c) Será mais adequado ser a autoridade de execução a escolher as medidas coercivas adequadas em conformidade com o seu direito nacional, devendo a autoridade de emissão limitar-se a indicar o objectivo a controlar?

(d) Será adequado o modelo europeu de libertação provisória (com ou sem caução) («Eurobail»)?

Pergunta 4:

(a) Deverá o novo instrumento incluir motivos de recusa obrigatória em caso de amnistia, julgamento definitivo ou outras decisões de carácter definitivo ou relacionados com a idade de imputabilidade penal?

(b) Os outros motivos de recusa, previstos no artigo 4º da Decisão-Quadro relativa ao mandado de detenção europeu, deverão ser relevantes no contexto de uma ordem de transferência de medidas alternativas?

(c) Em especial, deverá a autoridade de execução ter o direito de recusar a execução por motivo de inexistência de dupla incriminação?

Pergunta 5:

Poderão ser previstas condições para executar uma ordem de transferência de medidas alternativas para além:

- do envio da pessoa para o seu país de residência para aí cumprir a sua pena?

- da possibilidade de revisão da pena em caso de prisão perpétua?

Pergunta 6:

(a) Deverá a autoridade de emissão especificar a obrigação (relativamente aos três "perigos clássicos" - fuga, eliminação de provas e reincidência) que deverá ser cumprida pelo suspeito no âmbito da medida de controlo não privativa de liberdade tomada antes do julgamento numa forma (na linha do acima referido) que deixe à autoridade de execução a decisão sobre as medidas coercivas que não a detenção em caso de não cumprimento?

(b) Deverá a autoridade de execução ser obrigada a comunicar uma violação (grave) de uma obrigação relacionada com os "três perigos clássicos"?

(c) Deverá a autoridade de execução ser autorizada a colocar o suspeito em detenção preventiva em caso de não cumprimento de uma obrigação imposta no quadro de uma medida de controlo, mantendo-a detida até ao julgamento, ou deverá esta autoridade enviar imediatamente a pessoa suspeita para o Estado da autoridade de emissão?

(d) A participação da pessoa suspeita através de uma ligação vídeo a partir do Estado de execução poderá substituir a presença física dessa pessoa nos processos perante a autoridade de emissão, no que se refere (unicamente) à questão de saber se deve permanecer em detenção preventiva no Estado-Membro de emissão?

(e) Como poderá ser resolvida a situação em que as autoridades de emissão e de execução têm opiniões divergentes sobre o tratamento a dar a uma pessoa que não cumpriu uma obrigação: ser colocada em detenção preventiva ou eliminação do risco mediante a imposição de uma nova obrigação?

(f) Deverá um mecanismo de reenvio da pessoa suspeita do Estado-Membro de execução para o Estado-Membro de emissão aplicar-se simultaneamente à fase de controlo e à fase de julgamento?

(g) Deverá a autoridade de emissão especificar a obrigação de comparecer na audiência ou/e de a pessoa em questão poder ser julgada por contumácia no caso de não comparecer na audiência e será para tal necessário o seu consentimento relativamente a esta obrigação antes de poder beneficiar de uma medida alternativa no Estado-Membro de execução?

(h) Deverá a autoridade de execução, durante a fase de controlo e a fase de julgamento, dispor da possibilidade de adiar o reenvio da pessoa suspeita?

(i) Em especial, deverá a autoridade de execução dispor da possibilidade de adiar o reenvio da pessoa que seja suspeita de ter cometido uma nova infracção no seu território?