20.5.2005   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 120/119


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a medidas destinadas a garantir a segurança do fornecimento de electricidade e o investimento em infra-estruturas»

[COM(2003) 740 final — 2003/0301 (COD)]

(2005/C 120/22)

Em 23 de Janeiro de 2004, o Conselho decidiu consultar o Comité Económico e Social Europeu, nos termos do artigo 95.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, sobre a proposta supra mencionada.

A Secção Transportes, Energia, Infra-Estruturas e Sociedade da Informação, incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, emitiu o parecer em 5 de Outubro de 2004. A relatora foi U. B. Sirkeinen.

Na 412.a reunião plenária de 27 e 28 de Outubro de 2004 (sessão de 28 de Outubro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou o seguinte parecer por 134 votos a favor e 7 votos contra, com 14 abstenções.

1.   Introdução

1.1

Ao longo dos últimos anos, a política energética da UE seguiu três grandes linhas de orientação:

criar mercados de electricidade e de gás abertos e eficazes,

segurança do aprovisionamento energético, e

alcançar objectivos ambientais rigorosos e, em particular, combater as alterações climáticas.

A legislação essencial adoptada nestas áreas inclui as directivas revistas de electricidade e mercado de gás, que abrem os mercados aos utilizadores não domésticos em meados de 2004, e a todos os consumidores em 2007. Em 2001, foi publicado um livro verde relativo à segurança do fornecimento de electricidade, sublinhando a gestão da procura energética como uma medida-chave na segurança do aprovisionamento e no combate às alterações climáticas.

1.2

O aprovisionamento energético de confiança, a preços razoáveis, é uma condição prévia importante para o crescimento económico e bem-estar dos cidadãos da Europa. Como tal, nos seus pareceres, o CESE apoiou os objectivos e a abordagem da Comissão.

1.3

Os mercados energéticos da UE ainda não cumprem os objectivos supracitados. Talvez o mesmo não seja de esperar quando a legislação essencial ainda está apenas a começar a sua fase de aplicação. Segundo a Comissão, o presente projecto de legislação é um suplemento à legislação existente, com o objectivo de melhorar deficiências actuais ou futuras.

1.4

A falha de energia em Itália, no passado mês de Setembro de 2003, bem como outros incidentes na Europa e nos Estados-Unidos, constituiu uma forte motivação para a apresentação do pacote regulamentar. A falha de energia foi provocada por uma série de falhas operacionais que se seguiram a uma outra que ocorreu numa linha fortemente sobrecarregada na Suíça. Também revelou problemas na coordenação entre operadores de sistemas de transporte. O infeliz incidente constitui uma importante lição a aprender. Os mercados abertos aumentarão a transmissão e eventuais problemas daí adjacentes.

1.5

É surpreendente que a Comissão mencione apenas a mais profunda causa das falha de energia. Algumas zonas ou países apresentam um défice na produção de electricidade e necessitam continuamente de grandes importações de electricidade dos seus vizinhos e até mesmo de regiões mais distantes com excesso de oferta. O comércio transfronteiriço no mercado comum da electricidade é benéfico para lidar com variações na oferta e na procura e, por conseguinte, contribui para a segurança do fornecimento e reforça a competição. Contudo, não pode e não deverá compensar a capacidade de produção insuficiente em algumas áreas do mercado.

1.6

Segundo a Comissão, num mercado saudável, quando a procura aumenta e a oferta não, os preços aumentam. Em teoria, os consumidores reagem aos preços mais elevados limitando a utilização, mas sabe-se que nos mercados de electricidade a elasticidade dos preços é fraca por várias razões. A um determinado nível de preços, o investimento no reforço do fornecimento torna-se vantajoso, e assim cessa o aumento contínuo dos preços. Se não houver investimentos suficientes, os preços continuam a aumentar criando, pelo menos a curto e médio prazo, graves problemas aos consumidores e à concorrência industrial, e por conseguinte a economias inteiras. Há um problema particular no tocante aos investimentos em produção de electricidade: os sinais de preço não podem ter uma reacção imediata, uma vez que os projectos de investimento — desde o planeamento, à construção, passando pelo licenciamento — levam algum tempo a ser executados. Embora, em certos casos, os mercados a prazo e de futuros possam, em certa medida, diminuir este problema, estas práticas são recentes demais para a sua viabilidade ser segura.

1.7

A UE decidiu abrir os seus mercados de gás e electricidade à concorrência. Contudo, há dúvidas quanto ao facto de vir a haver investimentos suficientes no mercado aberto, em particular na capacidade de produção. A directiva relativa ao mercado de electricidade exige que os Estados-Membros criem um sistema de controlo do equilíbrio entre a oferta e a procura e que abram concurso sempre que seja necessária uma maior capacidade energética. Os Estados-Membros são responsáveis pela estrutura geral do aprovisionamento energético, bem como pela escolha das fontes de energia, situação que não é alterada pelo projecto de tratado constitucional.

1.8

Os investimentos insuficientes podem ser justificados tanto por carências do mercado (tomando insuficientemente em conta as necessidades a longo prazo, os factores ambientais e as circunstâncias regionais e locais, etc.) como por uma concorrência ineficaz, falta de um quadro regulamentar estável, procedimentos de licenciamento proibitivos e/ou oposição pública. A obrigação de converter a rede num actor económico independente (unbundling) condena-a a uma gestão sem ambição, dado que a inovação e o valor acrescentado se concentram nos serviços aos clientes. Assim, a rede encontra-se espartilhada entre as taxas fixadas pelos reguladores e os encargos e investimentos impostos pelos operadores clientes, sem qualquer visibilidade ou possibilidade de influenciar a evolução do sector.

1.9

A eficiência da utilização final de energia, ou a poupança de energia, já é há muito reconhecida como um poderoso elemento do mercado energético. Um menor uso de energia poupa dinheiro e contribui directamente para a segurança do aprovisionamento e muitas vezes para a redução dos gases com efeito de estufa, através da diminuição da necessidade de produção e de investimentos em nova produção e transmissão. As novas tecnologias podem contribuir para este objectivo e são necessárias medidas no sentido de reforçar o seu desenvolvimento e introdução no mercado.

1.10

A Comissão refere que, neste contexto, a questão do equilíbrio da procura do fornecimento não pode ser ignorada. Uma causa subjacente ao aumento da pressão nas redes é o aumento da procura, que pode ser parcialmente contrabalançada pela gestão da procura. Contudo, também são necessários incentivos apropriados ao investimento nas redes e produção de electricidade.

1.11

Segundo a Comissão, o aumento futuro na procura de electricidade será da competência da gestão da procura. Contudo, pensa-se que serão necessários novos investimentos, simplesmente para renovar fábricas que atingiram o limite de vida. A Comissão espera que grande parte desse investimento incida em fontes de energia renováveis e na produção combinada de calor e electricidade em pequena escala.

1.11.1

O Comité discorda totalmente desta descrição de tendências futuras no sector da electricidade. Espera-se que num comunicado sobre a segurança do aprovisionamento surja informação mais clara e realista quanto a tendências futuras e potenciais, sobretudo quando estiverem disponíveis cenários e informação mais bem quantificada, incluindo material produzido pela própria Comissão. Ninguém ganha ao evitar informação de base mais clara e mais realista — apesar de esta ser, para muitos, impopular.

1.11.2

Um cálculo aproximado pode dar uma ideia da magnitude do problema, bem como as opções para o resolver: a procura de electricidade está a aumentar a uma média anual de 1-2 % na UE. O objectivo da UE para o aumento da produção de electricidade a partir de fontes de energia renováveis representa um aumento inferior a 1 %. O objectivo proposto para a eficiência energética diminuiria o aumento anual em 1 %. Por conseguinte, as renováveis e a eficiência poderiam compensar o aumento da procura e substituir possivelmente a capacidade existente por muito menos do que 1 % ao ano. As centrais eléctricas funcionam durante 30 a 50 anos, o que, teoricamente, significa que a substituição tem de ter lugar numa média anual de 4 %. A Agência Internacional de Energia (AIE) assinala uma necessidade de novas centrais eléctricas na UE de mais de 200 000 MW ao longo dos próximos 20 anos.

2.   Proposta da Comissão

2.1

O objectivo da directiva proposta é a promoção do investimento no sector energético europeu para reforçar a competitividade e ajudar a prevenir falhas de energia. Frisa a necessidade de um quadro legislativo da UE claro para o funcionamento adequado de um mercado eléctrico interno competitivo, através da salvaguarda da segurança do fornecimento energético e da garantia de um nível de interligação adequado entre Estados-Membros, por meio de políticas gerais, transparentes e não discriminatórias.

2.2

O projecto de directiva solicita aos Estados-Membros que:

tenham uma política claramente definida, dirigida para o equilíbrio da procura de fornecimento, o que permite que se estabeleçam objectivos em matéria de capacidade de reserva ou alternativas como medidas de gestão de procura, e que

tenham normas definidas para serem respeitadas em matéria de segurança das redes de transmissão e distribuição.

2.3

Os operadores de rede de transmissão deverão apresentar à entidade reguladora nacional uma estratégia (pluri)anual de investimento. A entidade reguladora poderá adicionar à lista projectos transfronteiriços importantes.

2.4

As entidades reguladoras devem apresentar à Comissão uma síntese dos programas para consulta junto do Grupo europeu de reguladores da electricidade e do gás, prestando a devida atenção aos eixos de interesse europeu prioritário das redes transeuropeias de energia.

2.5

As autoridades nacionais têm o direito de intervir na aceleração da execução dos projectos e, se necessário, lançar concursos para certos projectos caso o operador da rede de transporte não possa ou não os queira concluir.

3.   Observações na generalidade

3.1

A directiva relativa ao mercado eléctrico e o regulamento sobre o comércio transfronteiriço constituem o quadro para um mercado interno eléctrico liberalizado. A sua aplicação terá início em 1 de Julho de 2004. De forma a proporcionar estabilidade regulamentar aos investidores e aos outros actores do mercado, crucial para o ambiente adequado a investimentos, qualquer alteração a este quadro deverá ser feita com especial cautela.

3.2

A própria Comissão refere-se de uma forma mais ou menos clara às razões que justificam a preocupação com o fornecimento de energia e a apresentação do projecto de directiva. Contudo, a directiva proposta não aborda directamente estas questões.

3.3

A primeira razão é a falta de capacidade de geração suficiente em algumas partes/Estados-Membros da União, tendo em conta a orientação da política energética. A Comissão descreve este problema face à capacidade de reserva, mas o problema existe também para a geração de base.

3.4

A segunda razão é a falta de concorrência, devido à falta de vontade política por alguns Estados-Membros de tomarem medidas quanto a monopólios ou oligopólios estabelecidos ou posições de mercado dominantes. A Comissão toma nota e refere as limitações das suas capacidades para fazer algo mais a este respeito. A opção escolhida foi a de reforçar a concorrência de operadores noutros Estados-Membros através da tentativa de assegurar uma capacidade de interligação suficiente.

3.5

Uma terceira razão é a falta de vontade ou capacidade de alguns operadores de sistema de transporte de aplicar orientações para o comércio transfronteiriço, apesar de estas orientações terem sido acordadas de livre vontade pelos operadores de sistema de transporte nas suas próprias organizações. Resta saber se uma razão subjacente é a insuficiente dissociação energética e actividades de rede.

3.6

O maior obstáculo ao investimento nas redes de transmissão é a resistência política e pública a projectos de transmissão semelhantes. Em alguns Estados-Membros não se recusa quase nenhuma forma de produção. O direito das pessoas a serem ouvidas quanto a projectos que têm influência sobre si próprias é um direito básico importante. Porém, os processos de planeamento e de tomada de decisões tendem a prolongar-se e a tornar-se complexos, colocando desta forma em risco até os projectos mais urgentes e necessários.

3.7

A questão relevante que a directiva levanta e que carece de uma solução a nível da UE é a de garantir, de uma forma ou de outra, que há investimento suficiente em interligações, em função do mercado.

3.8

O projecto de directiva atribui ao regulador o direito de interferir através da alteração do plano de investimento do operador de rede de transporte e solicitar um determinado investimento e, por último, introduz o processo de concurso. A presente proposta vai mais além do que a directiva relativa ao mercado energético, que prevê o controlo do equilíbrio entra a oferta e a procura e, sempre que necessário, a abertura de concurso tendo em vista o aumento da capacidade energética. Para evitar alterações regulamentares demasiado frequentes e sobre-regulação, a legislação não deve ser alterada antes de haver experiência suficiente do funcionamento das disposições vigentes.

3.9

Parte do conteúdo do projecto de directiva, tal como as disposições gerais do artigo 3.o, são elementos relevantes de qualquer boa política energética amplamente aplicada. Apresentá-las enquanto disposições numa directiva pode levar a uma confusão de responsabilidades.

3.10

Uma questão que teria merecido a atenção da Comissão é a gestão da procura. Reforçar as possibilidades de os utilizadores de energia, em particular utilizadores de energia médios, de reagirem à flutuação dos preços grossistas da electricidade poderia contribuir para a diminuição dos picos de procura.

4.   Observações na especialidade

4.1

Artigo 4.o: O CESE concorda com as disposições, uma vez que o n.o 1 refere que todos os operadores de rede de transporte terão de seguir as orientações da ETSO.

4.2

Artigo 5.o: O CESE é da opinião que a abordagem do artigo é algo confusa no que se refere às responsabilidades da UE e dos Estados-Membros. À partida, fora de contexto, o CESE concorda com a maior parte das medidas mencionadas no artigo, enquanto parte integrante de uma política energética nacional sólida.

4.3

O significado de «capacidade de reserva», no segundo parágrafo do artigo 5.o, n.o 1 é pouco claro. O artigo deveria tratar apenas de reservas técnicas a curto prazo, necessárias à fiabilidade do sistema.

4.4

Artigo 6.o: é difícil encontrar um sentido na ligação de investimentos na rede com a gestão da procura de electricidade, em particular da forma como surge no n.o 1 do artigo 6.o. Quanto ao n.o 2 do artigo 6.o, estes requisitos seriam tidos em consideração, se possível, quando se estabelecesse a metodologia para as tarifas de acesso à rede. No tocante ao n.o 2 do artigo 6.o, são necessárias medidas para as interligações, como se refere no ponto 3.7.

4.5

Artigo 7.o: O CESE discorda das medidas propostas no presente artigo, por razões mencionadas no ponto 3.8.

Bruxelas, 28 de Outubro de 2004.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


ANEXO

do Parecer do Comité Económico e Social Europeu

As seguintes partes do parecer da secção especializada foram rejeitadas a favor de alterações adoptadas pela plenária, mas obtiveram pelo menos um quarto dos votos expressos:

Ponto 1.8, última frase:

«A nova legislação que é frequentemente adicionada, em particular legislação que possibilita a interferência pública nos mercados, não cria o quadro regulamentar estável necessário, pelo contrário: aumenta os riscos do investidor, atrasa os investimentos e, por conseguinte, aumenta os preços

Resultado da votação:

Votos a favor: 78

Votos contra: 67

Abstenções: 9