20.5.2005   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 120/60


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre as:

«Proposta de directiva do Conselho relativa a um procedimento específico de admissão de nacionais de países terceiros para efeitos de investigação científica»;

«Proposta de recomendação do Conselho destinada a facilitar a admissão de nacionais de países terceiros para efeitos de investigação científica na Comunidade Europeia»;

«Proposta de recomendação do Conselho destinada a facilitar a emissão pelos Estados-Membros de vistos uniformes de curta duração para os investigadores nacionais de países terceiros que se desloquem para efeitos de investigação científica na Comunidade Europeia»

[COM(2004) 178 final — 2004/0061 (CNS)]

(2005/C 120/12)

Em 7 de Abril de 2004, o Conselho decidiu, em conformidade com o artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social sobre a proposta supra mencionada.

A Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania, incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, emitiu parecer em 22 de Setembro de 2004, sendo relatora B. King.

Na 412.a reunião plenária de 27 e 28 de Outubro de 2004, (sessão de 27 de Outubro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou o seguinte parecer por 181 votos a favor, 1 voto contra e 3 abstenções.

1.   Síntese do documento da Comissão

1.1

A Comunicação em apreço comporta uma proposta de directiva e duas propostas de recomendação relativas à admissão de nacionais de países terceiros para efeitos de investigação científica na Comunidade Europeia.

1.2

Estas propostas inserem-se no âmbito do objectivo estratégico de Lisboa de desenvolver a investigação para que a União Europeia se torne a economia do conhecimento mais competitiva e dinâmica do mundo até 2010. Calcula-se que, para atingir este objectivo, a União Europeu precisará de 700 000 investigadores suplementares. Foram definidas as seguintes medidas convergentes:

reforço da atracção dos jovens pelas áreas científicas na educação;

melhoria das perspectivas de carreira para os investigadores na União Europeia;

aumento das oportunidades em matéria de formação e de mobilidade.

1.3

Se bem que o objectivo de 700 000 investigadores suplementares se refira principalmente a nacionais da UE, reconhece-se que, para o realizar, serão necessários investigadores de países terceiros. Assim, esta Comunicação da Comissão centra-se especificamente na admissão na Europa de talentos em matéria de investigação de alta qualidade provenientes de países terceiros, através das seguintes medidas:

facilitar a admissão e residência de investigadores de países terceiros;

remover os obstáculos à sua mobilidade na Europa.

1.4

A Comissão reconhece igualmente a necessidade de dar um forte impulso à mobilidade dos investigadores europeus para outras partes do mundo, já que a sua mobilidade constitui um elemento fundamental da aquisição e da transmissão dos conhecimentos.

2.   Observações na generalidade

2.1

O CESE acolhe favoravelmente a Comunicação relativa à admissão de nacionais de países terceiros para efeitos de investigação científica na Comunidade Europeia.

2.2

Dado que o objectivo da Comissão de 700 000 investigadores suplementares até 2010 diz essencialmente respeito a nacionais da UE, o CESE remete a Comissão para o seu anterior parecer (1) sobre a Comunicação da Comissão relativa aos problemas com que os investigadores se deparam no Espaço Europeu da Investigação e as propostas e iniciativas para os resolver (2).

2.3

No que respeita às medidas convergentes «para o reforço da atracção dos jovens pelas áreas científicas na educação», o presente parecer salienta que a importância da ciência está insuficientemente reflectida nos curricula escolares, recomenda que se dê mais peso ao ensino da ciência, da tecnologia e da matemática nas escolas e sublinha a importância de apresentar estas matérias de uma forma atractiva para os estudantes. Importa igualmente ter em mira as raparigas, já que tendem a estar subrepresentadas nestas áreas. Há diversas indicações de que quem procura ingresso no ensino superior está a optar por áreas não científicas, pelo que a Comissão não logrará obter um elevado número de investigadores se não se debruçar sobre esta questão com urgência e de forma aprofundada.

2.4

Quanto à segunda medida convergente, que visa a «melhoria das perspectivas de carreira para os investigadores na União Europeia», o anterior parecer examina o dilema dos cientistas que trabalham no meio académico ou em organismos de investigação com financiamento público, que são, em regra, remunerados de acordo com as tabelas salariais do sector público, mas sem segurança de emprego ou outras vantagens concedidas a outras carreiras do sector público (por exemplo, funcionários ou professores). Com efeito, os investigadores beneficiam de pouca ou nenhuma segurança de emprego, já que, com frequência, lhes são propostos contratos a termo sempre que mudam de emprego ou avançam na carreira.

2.5

A última referência que o CES gostaria de fazer ao seu anterior parecer é sobre a mobilidade dos investigadores europeus. O CESE reconhece que uma carreira no Espaço Europeu da Investigação exige mobilidade e flexibilidade na UE, o que não deve, porém, afectar negativamente as condições de vida pessoal e familiar e a segurança social. Acresce que a Comissão tem de actuar contra uma possível fuga de cérebros unívoca em que os melhores investigadores jovens abandonariam a UE, especialmente para se fixarem nos EUA. É provável que os actuais problemas relativos à obtenção de vistos de entrada nos EUA sejam de curta duração, visto que os círculos científicos e académicos dos EUA estão já a exercer pressão sobre o governo norte-americano para que os requisitos de entrada sejam agilizados, de forma a poderem recrutar mais nacionais de países terceiros.

2.6

Voltando à Comunicação da Comissão em apreço, relativa à admissão de nacionais de países terceiros para efeitos de investigação científica na Comunidade Europeia, o Comité concorda que a remoção dos obstáculos à mobilidade dos investigadores de países terceiros é vital para que a União Europeia seja mais atractiva para os investigadores de todo o mundo, especialmente se quiser ter êxito na concorrência global para atrair investigadores altamente qualificados.

2.7

O Comité concorda com a afirmação da Comissão de que a globalização da economia, cada vez mais assente no saber, confere uma importância crescente à dimensão internacional da ciência. Contudo, o CESE considera que a globalização deveria ter ficado mais explícita na Comunicação, através da inclusão de dados comparativos sobre o nível dos recursos que países como o Japão e os EUA consagram à promoção da formação, da mobilidade e do desenvolvimento da carreira dos investigadores.

2.8

O CESE está também muito preocupado com a estrutura etária dos actuais investigadores da UE. Muitos deles estão a atingir a idade de reforma, e é escasso o número de jovens investigadores suficientemente motivados para os substituir ou incentivados a fazê-lo. Se não se reconhecer este facto e não se tomarem medidas urgentemente, o objectivo da UE não será atingido. Esta situação deve-se igualmente ao envelhecimento da população europeia e à diminuição da taxa de natalidade. Em diversos países da UE, prevê-se que a população comece a diminuir após 2010, o que torna o objectivo de 700.000 investigadores suplementares até 2010 muito ambicioso, mesmo contando com investigadores de países terceiros.

2.9

O CESE compreende que a Comunicação se centra exclusivamente na questão da admissão, pelo que os investigadores de países terceiros que já se encontram na União Europeia, alguns dos quais são profissionais de topo no seu sector, não serão visados pela proposta de directiva e pelas recomendações. Considera, porém, que é necessária uma directiva futura que aborde o problema específico do acesso desta categoria de investigadores a postos de trabalho altamente qualificados, o que contribuiria para a realização do objectivo de dispor de 700 000 investigadores suplementares. Alguns destes investigadores beneficiam do estatuto de refugiado na UE. Lamentavelmente, o seu talento e o seu contributo estão a ser subaproveitados. Não está previsto o apoio sistemático a esta categoria de investigadores na UE, a não ser através de subsídios concedidos por organizações de voluntariado ou de beneficência. Com um financiamento modesto para apoio a estes investigadores, é provável que o número de investigadores na UE aumente em, pelo menos, 40 000 (3). Assim, o CESE recomenda vivamente que a Comissão inicie um processo que permita que os investigadores em questão sejam identificados e considerados como tais e tenham acesso mais fácil a postos de investigação.

2.10

O Comité toma nota da definição de «investigador» proposta pela Comissão. Também neste caso, gostaria de remeter para a definição recomendada no seu anterior parecer 305/2004, ponto 5.1.1.7: «Profissionais que trabalham na concepção ou criação de novos conhecimentos, produtos, métodos e sistemas e na gestão dos respectivos projectos, para o que possuem as qualificações necessárias em virtude da sua formação e experiência». Esta definição tem a vantagem de reconhecer as capacidades de gestão do investigador.

3.   Observações na especialidade

3.1   Propostas na linha da Política Europeia da Investigação

3.1.1

O CESE entende que a criação de um título de residência específico para os investigadores de países terceiros não é a única questão a tratar. Existem outros problemas a resolver, como o estatuto de imigrante do investigador e o estatuto dos investigadores na UE, como referido no parecer do CESE 305/2004. O Comité considera ainda que a mobilidade dos investigadores na Comunidade será uma questão crucial. Os investigadores devem poder procurar emprego independentemente do seu estatuto de imigrante.

3.1.2

O Comité verifica que os títulos de residência dos investigadores dispensam a obtenção de uma autorização de trabalho e acolhe favoravelmente esta tentativa de racionalização de procedimentos.

3.2   Propostas que completam os instrumentos da política europeia em matéria de imigração

3.2.1

A recomendação da Comissão de reabertura controlada dos canais de imigração legal em função de vários parâmetros e consoante as categorias de migrantes em causa merece acolhimento favorável. Todavia, o Comité solicita que estes parâmetros sejam desprovidos de ambiguidade e específicos. Algumas das pessoas admitidas podem carecer de refúgio e de protecção ao abrigo da Convenção de Genebra de 1951. Para além de lhes ser dada a oportunidade de se tornarem migrantes, poderão, uma vez chegados, desejar requerer o estatuto de refugiado. O Comité compreende que a Comissão não pode pronunciar-se claramente sobre estas questões neste momento, mas gostaria que as mesmas fossem resolvidas num futuro próximo.

3.2.2

O CESE concorda com as recomendações relativas ao visto de curta duração, que permite aos investigadores de países terceiros deslocar-se livremente no espaço Schengen. Concorda igualmente que os residentes de longa duração provenientes de países terceiros que residem legalmente num Estado-Membro da UE há cinco anos devem gozar do direito de residência em toda a UE.

3.2.3

O CESE congratula-se com o facto de a Comissão reconhecer que a possibilidade de os investigadores de países terceiros procederem ao reagrupamento familiar constitui um aspecto essencial da problemática da mobilidade.

3.2.4

O CESE observa que esta questão é tratada na Directiva 2003/86, de 22 de Setembro de 2003, relativa ao direito ao reagrupamento familiar, e que a presente Comunicação completa a proposta de directiva COM (2002) 548 relativa às condições de entrada e de residência de nacionais de países terceiros para efeitos de estudos, de formação profissional ou de voluntariado.

3.3   O papel central dos organismos de investigação

3.3.1

O CESE nota que a convenção de acolhimento se inspira no protocolo de acolhimento existente em França. O Comité observa que a repartição de funções entre o organismo de investigação e as autoridades dos Estados-Membros em matéria de imigração facilitariam a entrada na UE de nacionais de países terceiros altamente qualificados, satisfazendo simultaneamente os requisitos de segurança dos Estados-Membros da UE.

3.3.2

Os Estados-Membros têm poder para verificar se a convenção de acolhimento respeita as condições estabelecidas no n.o 2 do artigo 5.o. Esta medida merece acolhimento favorável do CESE, já que deverá impedir eventuais abusos.

3.4   Responsabilização dos organismos de investigação

3.4.1

O Comité considera que a definição de «organismo de investigação» apresentada pela Comissão está incompleta, devendo ser alargada para incluir as organizações públicas ou privadas que concedem subsídios de investigação, bem como as que realizam trabalhos de investigação.

3.4.2

O CESE verifica com agrado a reafirmação do compromisso do Conselho Europeu de Barcelona de aumentar o investimento em investigação e desenvolvimento tecnológico para 3 % do PIB até 2010, sendo dois terços desse investimento provenientes do sector privado.

3.4.3

O Comité recomenda vivamente que a Comissão consulte o sector privado sobre esta proposta em geral e, especificamente, sobre a recomendação segundo a qual o organismo de investigação deverá celebrar uma convenção de acolhimento, que dará início ao procedimento de admissão de um investigador num Estado-Membro.

3.5   Uma concepção lata da noção de investigador, centrada nas necessidades da União Europeia

3.5.1

O CESE concorda com a recomendação da Comissão de não limitar o procedimento às pessoas que já tenham o estatuto de investigador no seu país de origem.

3.5.2

Todavia, o CESE não concorda com a restrição relativa ao objecto da admissão. Com efeito, há pessoas que satisfazem os requisitos mínimos estabelecidos na directiva para serem consideradas investigadores sem que o objectivo inicial da sua admissão num Estado-Membro seja a realização de um projecto de investigação. Estes investigadores podem ter obtido uma qualificação na UE e pretender obter um posto de trabalho correspondente.

3.5.3

O CESE regozija-se com o facto de as exigências em matéria de qualificações das pessoas cuja admissão é solicitada e o interesse científico da investigação prevista serem claras e desprovidas de ambiguidade. Se bem que tal não se insira no âmbito da presente Comunicação, o CESE considera que é necessário dispor de uma certa margem de manobra na avaliação das qualidades dos investigadores, de modo que a UE possa ter em conta a evolução das exigências da investigação. Isto deve-se ao constante surgimento de novas tecnologias, devendo a UE procurar recrutar investigadores capazes de as desenvolver e expandir.

3.5.4

O Comité chama a atenção da Comissão para um anterior parecer (4) que salienta outro obstáculo à mobilidade, designadamente a falta de transparência em matéria de qualificações e de competências, verificando-se, por esse motivo, numerosos casos de qualificações não aceites, particularmente as obtidas em países em desenvolvimento. Os investigadores são forçados a requalificar-se ou a obter qualificações pós-doutoramento para poderem exercer a sua actividade profissional na UE. O Comité sugere que o Plano de Acção (5) da Comissão que visa facilitar a mobilidade na UE, nomeadamente a aplicação e desenvolvimento de instrumentos de apoio à transparência e à transferibilidade das qualificações e a criação de um sítio internet europeu único de informação sobre a mobilidade, seja utilizado para resolver esta questão.

3.6   Um título de residência independente do estatuto do investigador

3.6.1

O CESE acolhe favoravelmente a proposta de uniformização do estatuto dos investigadores de países terceiros em toda a UE.

3.6.2

Igualmente se congratula com a recomendação segundo a qual os investigadores que forem admitidos com base num contrato de trabalho deixarão de estar sujeitos à obtenção de uma autorização de trabalho.

3.7   A mobilidade dos investigadores na União Europeia

3.7.1

O CESE regozija-se com a recomendação da Comissão que visa simplificar o procedimento de admissão para promover a mobilidade, de modo a permitir aos nacionais de países terceiros prosseguir um projecto de investigação em vários Estados-Membros sem se confrontarem com dificuldades de admissão.

3.7.2

O Comité toma igualmente boa nota de que esta medida se aplicará aos nacionais de países terceiros residentes de longa duração.

3.8   Escolha da base jurídica da proposta de directiva

3.8.1

O CESE concorda com a base jurídica escolhida, mas lamenta que a directiva não vincule a Dinamarca, a Irlanda e o Reino Unido. O Comité regista a decisão tomada pela Irlanda de aderir a esta directiva e espera que o Reino Unido adopte decisão idêntica. Manifesta a sua forte convicção de que este assunto deve ser reexaminado, dado que os referidos países, e especialmente o Reino Unido, dispõem de uma base de investigação de tal modo importante que os esforços da UE para atrair o número de investigadores necessário serão seriamente dificultados sem a sua participação.

3.9   Outras questões

3.9.1

O CESE considera que é necessário reconhecer a necessidade de atrair investigadores potenciais e que a questão da «fuga de cérebros» de alguns países terceiros deve ser examinada em profundidade. São dois aspectos interligados. A questão da formação dos investigadores no Reino Unido merece particular atenção. Alguns investigadores potenciais poderão carecer de uma formação ou de um período de estudo adicional, após o que, em muitos casos, poderão rapidamente candidatar-se a um posto de investigador na UE. A directiva deve ser examinada tendo presente este facto.

3.9.2

O Comité está seriamente preocupado com as consequências de uma «fuga de cérebros» de determinados países em desenvolvimento e considera necessário promover um debate aprofundado sobre a forma como se poderia aumentar o número de investigadores em todo o mundo. De notar que alguns governos incentivam os investigadores a irem para o estrangeiro, a fim de adquirirem experiência que reverta em benefício do país de origem. A presidência neerlandesa vai levar a efeito uma conferência em Haia intitulada «Brain Gain: The Instruments». A questão do impacte da fuga ou do «ganho» de cérebros nos países em desenvolvimento será examinada nessa conferência e a Comissão apresentará um relatório sobre a matéria até ao final do ano. O CESE considera que se trata de um primeiro passo para a resolução de uma questão muito séria.

3.9.3

Um dos temas abordados na anterior Comunicação da Comissão sobre os investigadores — COM(2003) 436 final — que o Comité gostaria de salientar é a questão do género. Importa realçar a subrepresentação das mulheres, especialmente em funções de gestão e de direcção. Trata-se de algo que afecta, em especial, as investigadoras de países terceiros. O Comité gostaria de lembrar a recomendação da Comissão de elaborar um código de conduta para o recrutamento de investigadores baseado nas melhores práticas, especialmente no domínio da igualdade de oportunidades. O Comité tem a firme convicção de que as investigadoras são objecto de uma acentuada desigualdade de tratamento. Com efeito, é insuficiente o número de investigadoras que apresentam a sua candidatura e, quando o fazem, são-lhes oferecidos menos lugares de topo do que aqueles que estão em condições de desempenhar. É necessário melhorar a transparência do processo de recrutamento e aumentar a proporção de candidaturas femininas.

Bruxelas, 27 de Outubro de 2004.

A Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Anne-Marie SIGMUND


(1)  JO C 110 de 30.4.2004, pág. 3. Relator: G. Wolf.

(2)  COM(2003) 436 final.

(3)  Este número baseia-se numa estimativa constante da informação estatística actualmente disponível.

(4)  Parecer do CESE 658/2004, de 28 de Abril de 2004. Relator: G. Dantin.

(5)  COM(2002) 72 final