30.4.2004   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 108/90


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o »XXXII Relatório sobre a Política de Concorrência 2002»

SEC(2003) 467 final

(2004/C 108/19)

Em 25 de Abril de 2003, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre o: «XXXII Relatório sobre a Política de Concorrência 2002» SEC(2003) 467 final.

A Secção Especializada de Mercado Único, Produção e Consumo, encarregada de preparar os trabalhos correspondentes, emitiu parecer em 16 de Dezembro de 2003, sendo relator A. METZLER.

Na reunião plenária de 28 e 29 de Janeiro de 2004 (sessão de 29 de Janeiro), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 60 votos a favor, 18 votos contra e 3 abstenções, o seguinte parecer.

1.   Introdução — Contexto geral

1.1

Como salientado pelo Comissário Mario MONTI na introdução ao XXXII Relatório sobre a Política de Concorrência 2002 (a seguir designado »relatório«), a política de concorrência da Comissão no ano de 2002 viveu inteiramente sob o signo de uma ampla modernização. No que respeita à interdição de acordos e práticas concertadas, foi adoptada nova legislação processual que suprime o monopólio da Comissão em matéria de isenções e descentraliza a aplicação das normas anti-trust. Foi apresentada uma proposta de alteração ao regulamento das concentrações a fim de melhorar a eficácia dos controlos das operações de concentração, em particular, no contexto do alargamento da União Europeia. Paralelamente foi lançado um conjunto de medidas com o objectivo de reforçar os direitos processuais das partes no procedimento de controlo das concentrações. Relativamente ao controlo dos auxílios estatais, a Comissão empenhou-se em simplificar os procedimentos e melhorar a transparência das decisões.

1.2

Um dos principais objectivos da política de concorrência europeia consiste em promover e salvaguardar os interesses dos consumidores e dos trabalhadores e, por conseguinte, garantir que uns e outros beneficiam da riqueza gerada pela economia europeia. Na introdução ao relatório, a Comissão apresenta o duplo objectivo geral da política de concorrência: por um lado, analisar as deficiências do mercado resultantes de um comportamento anticoncorrencial por parte dos operadores ou de algumas estruturas de mercado e, por outro, desenvolver um quadro global de política económica que integre vários sectores da economia e permita uma concorrência efectiva.

1.3

O relatório dá ainda uma panorâmica global das actividades da Direcção-Geral da Concorrência em 2002, clarifica a sua política, descreve os diversos diplomas jurídicos em vigor e analisa inúmeros casos particulares. Em 2002, o número total de processos novos situou-se em 1019 (em 2001, havia sido superior, com 1036 processos registados). De entre os novos, 321 pertenciam ao domínio anti-trust (284 em 2001); o número de processos de concentrações continuou a descer, situando-se em 277 (335 em 2001) e o número de novos processos de auxílios estatais manteve-se praticamente estável com 421 (417 em 2001). O número de processos encerrados aumentou, em variação homóloga, novamente, situando-se nos 1283 (1204 em 2001), dos quais 363 no domínio anti-trust, 268 processos de concentrações e 652 processos no domínio dos auxílios estatais.

1.4

O relatório divide-se em seis capítulos, que tratam os seguintes temas: acordos, decisões e práticas concertadas e abusos de posição dominante, controlo das concentrações, auxílios estatais, serviços de interesse geral, cooperação internacional e perspectivas para 2003. O conteúdo essencial dos cinco primeiros capítulos relativos ao ano de 2002 é a seguir sintetizado e comentado.

2.   Acordos, decisões e práticas concertadas e abusos de posição dominante — artigos 81.o e 82.o do Tratado CE; monopólios estatais e direitos exclusivos — artigos 31.o e 86.o do Tratado CE

2.1

O Tratado que institui a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) caducou em 2002, 50 anos após a sua entrada em vigor, o que significa que os sectores anteriormente abrangidos pelo Tratado CECA passarão a ser abrangidos pelo direito primário e secundário do Tratado CE.

2.2

Em Dezembro de 2002, o Conselho adoptou o Regulamento n.o 1/2003 do Conselho relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.o e 82.o do Tratado (1), que substituirá o antigo Regulamento n.o 17 relativo aos procedimentos em matéria de acordos que vigoram desde 1962. As novas regras, que constituem uma reforma profunda do antigo sistema, entrarão em vigor à data do alargamento, em 1 de Maio de 2004.

2.2.1

Digna de nota é a passagem que tal implica de um sistema de notificação e autorização para um sistema de excepção legal, por força do qual as empresas deverão elas próprias verificar a conformidade dos seus acordos com o artigo 81.o do Tratado CE. Contanto que preencham as condições previstas no n.o 3 do artigo 81.o do Tratado CE, os acordos abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 81.o do Tratado CE entram imediatamente em vigor, ainda que na falta de um regulamento de isenção por categoria, ao contrário do que acontecia com o sistema de notificação e autorização. Trata-se de uma medida positiva, porquanto o sistema de excepção legal contribui para aumentar a protecção da concorrência ao dar à Comissão a possibilidade de, no futuro, se concentrar nos processos importantes no domínio da política de concorrência. O sistema de excepção legal liberta as empresas de obrigações burocráticas desnecessárias. A insegurança jurídica para as empresas que, no entanto, está associada a esta mudança poderia ter sido atenuada se o regulamento tivesse reconhecido às empresas o direito de reclamarem um parecer fundamentado da Comissão em certos casos difíceis em vez de serem simplesmente remetidas para orientações informais, que a Comissão não é obrigada a fornecer. Seja como for, a Comissão deverá estar preparada para emitir parecer não só sobre questões de facto e de direito novas, mas também em caso de investimentos importantes e de mudanças estruturais significativas ou irreversíveis (2).

2.2.2

De futuro, a legislação comunitária anti-trust será aplicada directamente, de forma descentralizada, pelas autoridades nacionais de concorrência e pelos tribunais nacionais; para o efeito, aquelas trabalharão em estreita cooperação com a Comissão e entre si integradas numa rede europeia da concorrência. O Comité defende, todavia, a consagração do princípio de «balcão único», para evitar que as empresas sejam objecto de vários processos paralelos por infracções relativas a cartéis e, consequentemente, estarem sujeitas a sanções múltiplas em vários Estados-Membros. Não contendo o regulamento em si critérios pormenorizados quanto à atribuição de competências, recomenda-se que a Comissão crie a segurança jurídica necessária às empresas através de orientações adequadas (3).

2.2.3

Doravante, o direito nacional deverá poder ser aplicado a par do direito comunitário, não podendo a aplicação das regras nacionais de concorrência, todavia, tal como é indicado pela Comissão no seu relatório, levar a um resultado diferente do obtido mediante a aplicação do artigo 81.o do Tratado CE. A fim de criar condições equitativas e garantir a igualdade de tratamento na Europa, teria sido preferível que a Comissão — ao contrário do estabelecido no n.o 2 do artigo 3.o do Regulamento n.o 1/2003 — previsse uma aplicação uniforme do direito comunitário também para os actos unilaterais. O direito nacional pode, pois, determinar proibições não conformes com o direito comunitário, o que poderá dificultar a actividade económica na Europa.

2.2.4

Por forma a continuar a garantir uma aplicação efectiva das regras de concorrência comunitárias no sistema de excepção legal é lógico que a Comissão tenha alargado os seus poderes de investigação. No entanto, o regulamento só parcialmente garante às empresas os direitos de defesa. Nos processos instaurados contra as empresas deverá ser garantido o respeito pelos princípios gerais do Estado de Direito, se não forem referidos explicitamente no regulamento. Conviria que este aspecto fosse expressamente contemplado pela Comissão nas comunicações que estão anunciadas (4).

2.2.5

O Comité considera ainda importante garantir a máxima transparência possível no âmbito da aplicação descentralizada das regras de concorrência pelas autoridades nacionais. A Comissão deveria insistir para que fossem publicadas, pelo menos, as decisões das autoridades nacionais que põem termo aos processos.

2.3

Em Fevereiro de 2002, a Comissão adoptou novas disposições em matéria de não aplicação ou redução de coimas, que, comparadas com as anteriores, deverão melhorar a previsibilidade das práticas utilizadas para com as empresas. O êxito da luta contra os cartéis constatado pela Comissão — nos dez meses que se seguiram à entrada em vigor das novas disposições foram detectados cerca de dez cartéis diferentes na Europa — é prova da sua boa redacção. Numa próxima revisão dessa regulamentação conviria integrar orientações para o cálculo das coimas que lhe estão directamente associadas. Seria ainda desejável que a Comissão, ao calcular as coimas, desse mais peso aos danos provocados pela infracção à concorrência e suas consequências.

2.4

Em 2002, a Comissão consagrou, mais ainda do que em 2001, a máxima prioridade à luta contra os cartéis e ao tratamento dos processos deste tipo, tendo proferido 9 decisões e aplicado coimas no valor global de mil milhões de euros. Em contrapartida, nenhuma decisão foi tomada em relação ao artigo 82.o do Tratado.

2.5

O relatório aborda pormenorizadamente a evolução sectorial da concorrência.

2.5.1

No sector da energia, estão em fase de preparação a directiva de aceleração e o regulamento relativo ao comércio transfronteiras de electricidade, que contribuirão para uma liberalização do mercado da energia e a melhoria da concorrência no mercado interno da electricidade, garantindo simultaneamente a segurança do abastecimento (5). A Comissão não conseguiu, no entanto, impor a abertura completa de mercado para os clientes particulares antes de 2007, pelo que a criação do mercado comum da energia teve de ser mais uma vez adiada.

2.5.2

No domínio dos serviços postais, o Conselho e o Parlamento Europeu adoptaram, por proposta da Comissão, a nova directiva relativa aos serviços postais (Directiva 2002/39/CE) (6), que prevê uma maior abertura do mercado através de uma redução gradual do domínio reservado até 2006.

2.5.3

No sector das telecomunicações, o Conselho adoptou um novo quadro regulamentar composto por cinco directivas relativas à regulação ex ante das redes e serviços de comunicações electrónicas, que consagra uma reformulação do quadro regulamentar das telecomunicações e o abre a uma maior concorrência (7). Neste contexto, merece particular atenção a nova definição do conceito de «poder de mercado significativo» (PMS) constante do artigo 14.o da Directiva-Quadro 2002/21/CE em consonância com a noção de posição dominante nos termos do artigo 82.o do Tratado CE. Esta desregulação terá repercussões para todos os operadores de mercado.

2.5.4

No atinente aos transportes aéreos, o Regulamento de isenção por categoria n.o 1617/93 foi prorrogado em Junho de 2002; quanto aos transportes marítimos, o Tribunal de Justiça proferiu três acórdãos em relação ao Regulamento de isenção por categoria n.o 4056/86, que a Comissão pretendia agora rever após 15 anos de aplicação, com o objectivo de o simplificar. Em relação aos transportes ferroviários, a Comissão apresentou propostas legislativas para a integração das redes ferroviárias nacionais numa área ferroviária europeia única. O Comité concorda com a Comissão em que não existe ainda verdadeira concorrência no mercado dos transportes ferroviários.

2.5.5

No que diz respeito aos meios de comunicação social, a Comissão tratou a questão da venda conjunta dos direitos de transmissão televisiva dos desafios de futebol e pronunciou-se contra a atribuição de direitos exclusivos, que poderia aumentar a concentração dos meios de comunicação social e prejudicar a concorrência entre organismos de radiodifusão.

2.5.6

Em Outubro de 2002, entrou em vigor o novo Regulamento de isenção por categoria dos veículos a motor n.o 1400/02, que diz respeito à venda e reparação de veículos automóveis e venda de peças sobressalentes e introduz novos métodos de venda, tais como a distribuição por Internet e o sistema multimarcas (8). Mediante disposições mais estritas a Comissão espera intensificar a concorrência entre vendedores, facilitar a aquisição transfronteiriça de veículos automóveis novos e reforçar a concorrência dos preços. O novo regulamento já não permite a combinação da distribuição selectiva com a exclusiva nem a fixação de cláusulas de localização. A realização dos objectivos estabelecidos pela Comissão dependerá, em última análise, da futura evolução do mercado, que será apurada em posteriores procedimentos de vigilância do mercado e de que deveriam ser deduzidas consequências.

2.5.7

No sector dos serviços financeiros, a Comissão publicou, em Julho de 2002, o projecto de regulamento de isenção por categoria no sector dos seguros, que foi adoptado em 27 de Fevereiro de 2003 com ligeiras alterações. Em vez de enumerar as disposições isentas da aplicação das regras anti-trust, o regulamento limita-se a referir as disposições que não podem constar de acordos isentos. Além disso, a isenção dos agrupamentos de co-seguro está associada a poder de mercado emergente. Isto corresponde a uma abordagem económica actualmente seguida pela Comissão também em outros regulamentos de isenção por categoria.

2.5.8

A fim de promover a sociedade de informação, a Comissão prosseguiu os seus trabalhos relativos à criação de condições favoráveis a um contexto aberto e concorrencial para o desenvolvimento da Internet e do comércio electrónico. Neste contexto, tratou, em particular, dos mercados de acesso à Internet e de denúncias relativas aos registos de nomes de domínios de nível superior nos termos do artigo 82.o

2.5.9

A análise do sector das profissões liberais ocupa um espaço relativamente importante no relatório.

2.5.9.1

O Comité congratula-se com os esforços da Comissão para tornar o sector das profissões liberais mais transparente para os consumidores (9). A Comissão informa que encomendou a um instituto uma análise económica comparativa da regulamentação das profissões nos Estados-Membros em termos de custos/benefícios. Encetou também um debate com as autoridades nacionais de concorrência sobre a regulamentação das profissões liberais. A consulta às autoridades nacionais de concorrência, a quem compete estabelecer as disposições imperativas aplicáveis às profissões liberais a nível nacional, constitui um primeiro passo positivo nessa direcção. A fim de garantir transparência ao processo, deveriam ser-lhe também associados, na qualidade de peritos, representantes dos grupos profissionais.

2.5.9.2

O Comité acolhe favoravelmente a aplicação de princípio das regras da concorrência. Atendendo a que as profissões liberais desempenham um papel não só económico, mas também social e, por isso mesmo, estão sujeitas a requisitos legais obrigatórios, o Comité entende que as regras de concorrência devem respeitar um nível mínimo de regulamentação indispensável ao cumprimento desses requisitos («deontologia»). Isto foi confirmado pelo Tribunal de Justiça no acórdão proferido no processo Wouters, a que é feita referência também no relatório. Além disso, o Comité considera que, do ponto de vista da política de integração, existe o problema de o desrespeito pela deontologia das profissões liberais poder levar os Estados-Membros que tenham optado pelo modelo da auto-regulamentação a refugiarem-se nas disposições nacionais conformes à legislação no domínio dos acordos, decisões e práticas concertadas. Daí resultaria um aumento da regulamentação pelo Estado no sector das profissões liberais, o que comportaria graves inconvenientes tanto para os consumidores como para o público em geral.

2.5.9.3

A Comissão não contesta a existência da auto-regulamentação, mas, tendo em vista o objectivo global da protecção do consumidor, pretende verificar se se justifica existirem regras no que toca a tabelas de honorários fixas, associações multidisciplinares, publicidade, angariação de clientes e acesso à profissão. O Comité recorda que a multiplicidade de regulamentações no domínio das profissões liberais pode também servir para proteger os consumidores.

3.   Controlo das operações de concentração

3.1

Em 2002, a Comissão não adoptou qualquer decisão de proibição (5 em 2001). Na segunda fase foram já autorizadas sete operações (20 em 2001). Das 275 decisões finais, 252 foram autorizadas na primeira fase, das quais 111 de acordo com o procedimento simplificado.

3.2

Significativos foram três acórdãos do Tribunal Europeu de Primeira Instância, que anularam as decisões de proibição da Comissão nos processos Airtours/First Choice, Schneider/Legrand e Tetra Laval/Sidel. O acórdão Airtours esclarece quais os elementos necessários para provar uma posição dominante colectiva com base numa coordenação tácita entre empresas. No acórdão Schneider foram imputados à Comissão erros de análise e apreciação dos dados económicos, bem como violação ao direito de defesa. Quanto ao acórdão Tetra–Laval, contra o qual a Comissão apresentou recurso para o Tribunal de Justiça devido à sua importância fundamental, trata-se do primeiro caso em que um tribunal europeu apreciou concentrações com conglomerados, isto é, concentrações de empresas que operam em mercados diferentes.

3.3

Aumentou o número total de remessas de processos entre a Comissão e os Estados-Membros. A Comissão remeteu para os Estados-Membros 11 processos (7 em 2001) e, pela primeira vez, houve duas remessas de vários Estados-Membros para a Comissão.

3.4

De realçar, em particular, o projecto de reforma da Comissão no domínio do controlo das concentrações, no âmbito do qual a Comissão apresentou, em Dezembro de 2002, uma proposta de um novo regulamento (10). Praticamente ao mesmo tempo, publicou um projecto de comunicação relativa à apreciação das concentrações horizontais (11), bem como recomendações de boas práticas e outras medidas administrativas destinadas a aumentar a transparência e a melhorar os procedimentos internos em matéria de controlo das concentrações. Na sua génese está sobretudo a intenção de preparar a legislação da Comunidade em matéria de controlo das concentrações, após doze anos de aplicação prática, para os desafios dos próximos anos (alargamento a Leste, aumento das concentrações a nível mundial no contexto da globalização) e de, um modo geral, simplificar e acelerar o procedimento de controlo das concentrações.

3.4.1

A proposta de regulamento contém algumas melhorias que o Comité acolhe favoravelmente, mas, em outros aspectos, fica aquém das expectativas. As simplificações do processo de verificação das informações deram resultado (12). Assim, a supressão do prazo de uma semana (prazo de notificação de uma semana a contar da data da conclusão do acordo) permite uma melhor gestão das concentrações, que devem ser também notificadas fora da Europa. Dá igualmente margem de manobra para que, de futuro, se notifiquem fusões logo que haja firme intenção de concluir um contrato. O Comité apoia também a decisão da Comissão de autorizar imediatamente as concentrações susceptíveis de serem notificadas mediante o procedimento simplificado, não sendo necessário aguardar a conclusão do processo de verificação das informações, o que corresponde a uma necessidade prática das empresas. Um outro elemento essencial da reforma é a possibilidade de prolongar o processo de verificação das informações em ambas as fases, sempre que a situação o justificar. No entanto, há que velar por que o regime de prazos rigorosos não seja, em circunstância alguma, abandonado, de modo a não comprometer a rapidez das concentrações.

3.4.2

É louvável o facto de a Comissão, por razões de segurança jurídica, manter o critério de posição dominante do mercado, não tencionando recorrer ao de redução substancial da concorrência (13). Contudo, a redacção ampla do n.o 2 do artigo 2.o da proposta de regulamento é motivo de preocupação para o Comité. Por trás dessa proposta de formulação esconde-se o propósito concreto de colmatar uma «lacuna» no critério de posição dominante, que pretensamente se tem verificado até à data no caso de concentrações de empresas em mercados concentrados em que não há uma posição dominante. Assim, nos termos do n.o 2 do artigo 2.o, deve presumir-se que uma ou mais empresas detêm uma posição dominante «se, com ou sem coordenação, dispõem do poder económico para influenciar de forma significativa e duradoura os parâmetros da concorrência», em especial, os preços, a produção, a qualidade dos produtos, a distribuição ou a inovação ou para restringir sensivelmente a concorrência. O Comité entende que o novo n.o 2 do artigo 2.o da proposta de regulamento, se é certo que colmata eventuais lacunas, em contrapartida, devido à sua formulação ampla, reduz consideravelmente o limiar de intervenção e gera novas incertezas, que põem em causa a comprovada e fiável prática de decisão dos tribunais europeus e da Comissão. Apela, por isso, à Comissão para que se limite a tratar do caso específico dos «efeitos unilaterais», mantendo, no entanto, para todo o resto, as antigas noções, a fim de evitar uma perda da segurança jurídica para as empresas europeias (14). Dever-se-ia, por conseguinte, continuar a utilizar o critério original de posição dominante.

3.4.3

O Comité congratula-se também com a intenção da Comissão de, no futuro, incluir na apreciação global de uma operação de concentração uma análise cuidadosa dos argumentos de ganhos de eficiência. Só assim é que o controlo das concentrações poderá servir sustentavelmente os interesses dos consumidores (15). Atendendo aos debates que se perspectivam na opinião pública especializada sobre a matéria, seria preferível ainda que a Comissão tomasse posição clara sobre quais os casos em que, excepcionalmente, se podem tomar em consideração os ganhos de eficiência decorrentes de concentrações também a cargo das empresas em causa. Se não houver clarificação deste aspecto, corre-se o risco de as empresas continuarem a não avançar com o argumento de ganhos de eficiência e, consequentemente, de a nova política estar condenada ao fracasso (16).

3.4.4

Problemática é a pretensão da Comissão de estender ao controlo das concentrações praticamente todos os poderes de inquérito e de intervenção previstos no novo Regulamento n.o 1/2003. As diligências processuais contra infracções à concorrência e o controlo das concentrações de empresas constituem dois objectivos diferentes, que exigem meios diferentes. As infracções à concorrência prejudicam directamente terceiros e consumidores e são punidas com sanções administrativas ou mesmo penais, em alguns países. Quanto ao controlo das concentrações, não se trata de confirmar uma suspeita inicial de comportamento ilícito e, a seguir, aplicar os meios habituais no procedimento penal. Pelo contrário, as concentrações de empresas são, de um modo geral, operações legais, tal como o mostra a fraca percentagem de proibições. O Comité recomenda, por isso, à Comissão que não proceda a qualquer modificação neste domínio e que consagre expressamente no texto do regulamento a proibição da auto-incriminação e outros direitos de defesa das empresas, nomeadamente o direito ao sigilo profissional tanto de advogados internos como externos à empresa. Além disso, convém manter o actual quadro de coimas e sanções pecuniárias, pois deverá haver uma proporção razoável entre a gravidade da infracção e a sanção imposta.

3.4.5

O Comité lamenta não se ter conseguido alargar a competência da Comissão Europeia de modo a reduzir futuramente o número de notificações múltiplas (17). Pelo contrário, com o alargamento da União Europeia as notificações múltiplas serão certamente mais frequentes, o que acarretará pesados encargos burocráticos, custos elevados e perdas de tempo para as empresas. É, de facto, positivo que a Comissão tenha previsto um procedimento preliminar, que lhe permitirá, a pedido das empresas, decidir rapidamente se um projecto de concentração tem importância comunitária, sendo nesse caso ela própria responsável pelo controlo. Mas, como a decisão está ao critério dos Estados-Membros, esta proposta não pode provavelmente substituir-se a uma regra clara de atribuição de competências.

3.4.6

O Comité apoia expressamente as medidas anunciadas para melhorar os processos de decisão económica da Direcção-Geral da Concorrência através da criação de um lugar de economista principal com uma equipa de colaboradores. Deste modo, a Comissão pretende atacar o problema da deficiente análise económica, que, em grande medida, está na origem dos três acórdãos de anulação do Tribunal de Primeira Instância acima referidos. Será decisivo para o êxito desta inovação institucional que o economista principal e os seus colaboradores participem na apreciação de casos particulares desde o início e de forma constante.

3.5

A Comissão participa activamente nos três subgrupos do grupo de trabalho «Controlo das Concentrações» da Rede Internacional da Concorrência, criado em Janeiro de 2001. O Comité considera extremamente positivo o empenhamento da Comissão a este respeito. A melhoria da convergência e a redução do ónus de natureza pública e privada que a aplicação de diversos sistemas de controlo das concentrações e notificações múltiplas pelas empresas implicam constituem uma preocupação importante para as empresas europeias que se querem impor no xadrez da concorrência internacional. O Comité apoia veementemente uma concordância, tão grande quanto possível, dos vários sistemas e o desenvolvimento de boas práticas.

4.   Auxílios estatais

4.1

No domínio dos auxílios estatais, a Comissão prosseguiu, em 2002, a reforma das regras não só processuais como materiais. Um dos principais objectivos desse conjunto de reformas consiste em suprimir a carga processual desnecessária no âmbito do exame dos auxílios estatais, facilitando assim a adopção rápida de decisões na maioria dos casos e reservando os recursos mais importantes para as questões mais controversas no domínio dos auxílios estatais. A Comissão espera poder concluir a reforma ainda antes do alargamento, em 1 de Maio de 2004. O Comité congratula-se com a intenção de acelerar a tramitação, tanto mais que no passado não raras vezes os principais procedimentos de investigação duraram mais do que um ano, sujeitando as empresas a uma insegurança jurídica prolongada. Considera, todavia, que as medidas adoptadas até à data não são suficientes para concretizar esta intenção e apela à Comissão para que publique brevemente as outras medidas previstas, para que possam ser efectivamente postas em prática até 1 de Maio de 2004.

4.2

Como ponto de partida para as discussões com os Estados-Membros sobre o modo de reduzir o montante global dos auxílios estatais e reorientar esses auxílios para objectivos intersectoriais, a Comissão criou, ainda em 2001, o registo e o painel de avaliação dos auxílios estatais, que continuou a desenvolver em 2002. O Comité acolhe favoravelmente os esforços da Comissão para aumentar a transparência neste domínio, o que se afigura particularmente importante no que respeita aos auxílios estatais nos países candidatos. Estando previsto que os actuais regimes de auxílio nos países candidatos, após análise pela Comissão, gozem de protecção na Comunidade alargada enquanto «auxílios existentes», deve ser garantida aos meios interessados a oportunidade de darem a conhecer antecipadamente a sua posição. Mais sugere o Comité que o registo dos auxílios estatais, donde constam actualmente todas as decisões a partir de 1 de Janeiro de 2000, vá sendo alargado progressivamente também a períodos anteriores, a fim de aproveitar o acervo de experiências da Comissão para casos futuros.

4.3

Em 2002, a Comissão estabeleceu um número considerável de enquadramentos e de orientações. O Comité congratula-se com os esclarecimentos e as explicações precisas das regras que a Comissão faz regularmente. Merece especial atenção o regulamento de isenção por categoria aplicável aos auxílios ao emprego (18), que facilitará a criação de postos de trabalho pelos Estados-Membros.

4.4

Na medida em que as regras respeitantes aos auxílios estatais se aplicam às ajudas regionais ou a outras ajudas ao abrigo dos fundos estruturais, seria útil que os relatórios futuros se referissem também à prática da Comissão neste domínio específico.

5.   Serviços de interesse geral

5.1

No relatório ao Conselho Europeu de Laeken, a Comissão anunciara um enquadramento comunitário dos auxílios estatais concedidos às empresas encarregadas de assegurar serviços de interesse económico geral. Seguidamente, o Tribunal de Justiça decidiu no processo Ferring — contrariamente à jurisprudência do Tribunal de Primeira Instância —que as compensações relativas ao serviço público não constituem auxílios estatais quando se limitam a compensar as empresas em causa pela prestação desse serviço. Até ao final de 2002, era uma incógnita se o Tribunal de Justiça confirmaria ou não esta modificação de jurisprudência. No acórdão de 24 de Julho de 2003 proferido no processo Altmark, o Tribunal de Justiça confirmou a decisão do processo Ferring de não incluir as compensações nos auxílios estatais mediante, porém, quatro condições rigorosas. Primeiro, a empresa beneficiária deve ser efectivamente encarregada da execução de obrigações de serviço público, devendo estas ser claramente definidas. Segundo, a compensação deve poder ser calculada com base em parâmetros objectivos e transparentes estabelecidos antecipadamente. Terceiro, a compensação deverá cobrir apenas os custos gerados pela execução das obrigações, tendo em conta as receitas obtidas e um lucro razoável. Quarto, quando as obrigações de serviço público não forem adjudicadas mediante concurso público, o nível da compensação deverá ser determinado em função dos custos que uma empresa média bem gerida teria de suportar para executar essas obrigações. Atendendo a que as compensações que não satisfaçam as condições impostas pelo Tribunal de Justiça são consideradas como auxílios estatais, mantém-se a necessidade do enquadramento comunitário anunciado para clarificar a situação. O Comité toma nota do debate com peritos dos Estados-Membros iniciado com o «Non-Paper» de 12 de Novembro de 2002 e sugere que esse debate seja concluído em breve, tendo em conta o acórdão Altmark, de modo a criar o mais rapidamente possível a segurança jurídica para as empresas europeias, mediante a adopção das necessárias clarificações.

5.2

O Comité aprova o facto de a Comissão, com o «Livro Verde sobre serviços de interesse geral» anunciado no relatório e publicado em 21 de Maio de 2003, dar início à análise que lhe foi solicitada pelo Conselho Europeu de Barcelona (2002) sobre se os princípios relativos aos serviços de interesse geral devem ser posteriormente consolidados e especificados num quadro comunitário global (19).

6.   Cooperação internacional

6.1

Em 2002, a Comissão prosseguiu os preparativos e as negociações de adesão no âmbito do alargamento da UE e examinou até que ponto os países candidatos já dispunham de regras de concorrência operacionais. Apenas no domínio do controlo dos auxílios estatais existe ainda algum défice. Em 2002, a Comissão incluiu pela primeira vez no painel de avaliação dos auxílios estatais dados referentes aos países candidatos, tornando-os, assim, acessíveis a todos.

6.2

No atinente à cooperação bilateral, importa realçar que a Comissão e as autoridades da concorrência dos EUA adoptaram conjuntamente um código de «boas práticas» em matéria de cooperação no controlo das concentrações. O Comité considera importante e positiva a cooperação estreita entre as autoridades de controlo das concentrações dos dois maiores espaços económicos do mundo, porquanto ela permitirá diminuir o risco de decisões divergentes e reduzir os encargos administrativos para as empresas em causa.

7.   Conclusões

7.1

O relatório caracteriza-se por uma elevada densidade de informação e contém uma série de balizas relevantes para a legislação europeia da concorrência, que são igualmente importantes para os consumidores e para as empresas.

7.2.

As conclusões do Comité podem ser resumidas como segue:

o Comité aprova a reorganização do direito processual em matéria de acordos, decisões e práticas concertadas e a transição para o sistema de excepção legal que lhe está associada. A Comissão deveria, porém, aproveitando a ocasião proporcionada pelo pacote legislativo de modernização, dar alguns retoques na reforma e esforçar-se por assegurar às empresas maior segurança jurídica e consagrar mais na legislação o princípio de balcão único e os direitos de defesa das empresas (pontos 2.2.1, 2.2.2 e 2.2.4);

os danos concretos deveriam ter mais peso no cálculo das coimas (ponto 2.3);

no sector das profissões liberais, as regras da concorrência deveriam consentir o nível de regulamentação que é necessário para o exercício das suas funções específicas e obrigações legais (ponto 2.5.9.2);

quanto à reforma do controlo das concentrações, a Comissão deveria incluir na reformulação do critério de posição dominante apenas o caso específico dos «efeitos unilaterais», de modo a continuar a garantir às empresas europeias a máxima segurança jurídica. A Comissão poderia incentivar ainda mais os argumentos de ganhos de eficiência no que toca aos poderes de investigação e ao montante das sanções e deveria ter em conta que o controlo das concentrações e as diligências processuais contra infracções à concorrência exigem meios diferentes (pontos 3.4.2, 3.4.3 e 3.4.4);

a Comissão deveria publicar em breve as anunciadas medidas de reforma no domínio dos auxílios estatais e dar oportunidade aos meios em causa de exprimirem a sua posição quando for debatida a questão dos «auxílios existentes» nos países candidatos. Os relatórios futuros poderiam evocar ainda a prática da Comissão em matéria de auxílios estatais ao abrigo dos fundos estruturais (pontos 4.1, 4.2 e 4.4).

Bruxelas, 29 de Janeiro de 2004

O Presidente

do Comité Económico e Social Europeu

Roger BRIESCH


(1)  Cf. parecer do CESE sobre o Livro Branco sobre a modernização das regras de aplicação dos artigos 81.o e 82.o do Tratado CE, JO C 51/55, de 23 de Fevereiro de 2000, bem como o parecer do CESE sobre a proposta de regulamento do Conselho in JO C 155/73, de 29 de Maio de 2001.

(2)  Cf. parecer do CESE sobre a proposta de regulamento, JO C 155/73, ponto 2.8.2.5.

(3)  Cf. parecer do CESE, JO C 155/73, ponto 2.10.1.

(4)  Cf. parecer do CESE, JO C 155/73, ponto 2.12.

(5)  Cf. parecer do CESE sobre as duas propostas, JO C 36/10, de 8 de Fevereiro de 2002.

(6)  Cf. parecer do CESE sobre a proposta de directiva, JO C 116/99, de 20 de Abril de 2001.

(7)  Cf. parecer do CESE sobre as cinco propostas de directiva, JO C 123, de 25 de Abril de 2001, pp. 50, 53, 55 e 56.

(8)  Cf. parecer do CESE sobre a proposta de regulamento, JO C 221/10, de 17 de Setembro de 2002.

(9)  O que também ocorre nos trabalhos sobre a directiva de reconhecimento de diplomas.

(10)  Cf. parecer do CESE sobre a proposta de regulamento, CESE 1169/2003, de 24 de Setembro de 2003.

(11)  Cf. parecer do CESE sobre o projecto de comunicação, CESE 1170/2003, de 24 de Setembro de 2003.

(12)  Cf. parecer do CESE sobre a proposta de regulamento (CESE 1169/2003), de 24 de Setembro de 2003, ponto 3.10, bem como o parecer sobre o Livro Verde sobre a revisão do regulamento das concentrações, JO C 241/130, de 7 de Outubro de 2002, ponto 3.3.1.

(13)  Cf. parecer do CESE sobre a proposta de regulamento (CESE 1169/2003), de 24 de Setembro de 2003, ponto 3.10, bem como o parecer sobre o Livro Verde sobre a revisão do regulamento das concentrações, JO C 241/130 de 7 de Outubro de 2002, ponto 3.2.13.

(14)  Cf. parecer do CESE sobre o projecto de comunicação (CESE 1170/2003), de 24/25 de Setembro de 2003, ponto 3.1.4.

(15)  Cf. parecer do CESE sobre o Livre Verde, JO C 241/130, de 7 de Outubro de 2002, ponto 3.2.12.

(16)  Cf. parecer do CESE sobre o projecto de comunicação (CESE 1170/2003), de 24/25 de Setembro de 2003, ponto 4.7.2.

(17)  Cf. parecer do CESE sobre o Livre Verde, JO C 241/130, de 7 de Outubro de 2002, ponto 3.1.2.

(18)  Cf. parecer do CESE sobre a proposta de regulamento, JO C 241/143, de 7 de Outubro de 2002.

(19)  Cf. parecer do CESE sobre os serviços de interesse geral, JO C 241/119, de 7 de Outubro de 2002.