52002DC0746

Livro Verde relativo a um procedimento europeu de injunção de pagamento e a medidas para simplificar e acelerar as acções de pequeno montante /* COM/2002/0746 final */


LIVRO VERDE RELATIVO A UM PROCEDIMENTO EUROPEU DE INJUNÇÃO DE PAGAMENTO E A MEDIDAS PARA SIMPLIFICAR E ACELERAR AS ACÇÕES DE PEQUENO MONTANTE

(apresentado pela Comissão)

ÍNDICE

Objectivo do livro verde

Consulta sobre o livro verde a todas as partes interessadas

1. PARTE I: INTRODUÇÃO

1.1. Aplicação de um instrumento europeu apenas a processos transfronteiras ou também a processos puramente nacionais

1.2. A escolha do instrumento adequado para uma aproximação do direito processual

2. PARTE II: UM PROCEDIMENTO EUROPEU DE INJUNÇÃO DE PAGAMENTO

2.1. Introdução

2.1.1. Acesso a uma justiça eficiente nos casos em que os devedores não cumpram as suas obrigações sem que seja previsível qualquer contestação da justificação, natureza e valor do crédito em causa

2.2. Definição de um procedimento de injunção de pagamento

2.3. A necessidade de acção a nível comunitário

2.4. Antecedentes

2.4.1. Iniciativas destinadas à criação de um procedimento europeu de injunção de pagamento antes da entrada em vigor do Tratado de Amesterdão

2.5. O Tratado de Amesterdão e as suas ramificações

2.6. Conclusões de Tampere

2.7. O programa de reconhecimento mútuo

2.8. O Título Executivo Europeu para créditos não contestados como primeira etapa de uma abordagem em duas etapas

2.9. Um Livro Verde como segunda etapa desta abordagem

3. A INJUNÇÃO DE PAGAMENTO EUROPEIA

3.1. Abordagem geral

3.1.1. Panorâmica geral dos vários modelos existentes nos Estados-Membros

3.2. Âmbito de aplicação do instrumento

3.2.1. Restrição a créditos pecuniários?

3.2.2. O procedimento só deverá estar disponível para alguns tipos de créditos ou deverão certos tipos de créditos ser excluídos do procedimento?

3.2.3. Deverá haver um limite máximo para o montante que pode ser reclamado (ou - se forem incluídos créditos não pecuniários - para o valor do crédito)?

3.2.4. A utilização deste instrumento deverá ser obrigatória?

3.3. Normas que regem o procedimento

3.3.1. Competência internacional em processos transfronteiras - foro do domicílio do requerido?

3.3.2. Normas de determinação da competência no Estado-Membro cujos tribunais são competentes

3.3.3. Normas que determinam quem é o responsável efectivo pelo procedimento

3.3.4. Requerimento para uma injunção de pagamento

3.3.5. Amplitude da análise do crédito pelo tribunal

3.3.6. Decisão do tribunal sobre a injunção de pagamento

3.3.7. Informação do requerido sobre os seus direitos e deveres processuais juntamente com a decisão

3.3.8. Notificação da injunção de pagamento ao requerido

3.3.9. Contestação pelo requerido

3.3.10. Efeitos da contestação

3.3.11. Efeitos da ausência de uma contestação em tempo útil

3.3.12. Regras sobre a representação por um advogado?

3.3.13. Regras relativas aos custos (custas judiciais, outras despesas) e sua compensação

3.3.14. Execução

4. PARTE III: MEDIDAS DESTINADAS A SIMPLIFICAR E ACELERAR OS PROCEDIMENTOS RESPEITANTES ÀS ACÇÕES DE PEQUENO MONTANTE

4.1. Direito comunitário existente - as primeiras iniciativas da Comunidade

4.2. Antecedentes

4.3. Procedimentos relativos às acções de pequeno montante existentes nos Estados-Membros

4.3.1. Limiar

4.3.2. Tipos de litígios

4.3.3. O procedimento para acções de pequeno montante como opção ou como obrigação

4.3.4. Introdução do procedimento

4.3.5. Representação e assistência

4.3.6. Resolução alternativa de litígios (RAL)

4.3.7. Aligeiramento de algumas regras relativas à obtenção de provas

4.3.8. Introdução da possibilidade de um procedimento unicamente escrito

4.3.9. Aligeiramento das regras relativas ao teor e ao prazo da decisão

4.3.10. Custas

4.3.11. Exclusão/limitação das possibilidades de recurso

4.4. Necessidade de acção a nível comunitário

5. ÂMBITO DO INSTRUMENTO RELATIVO ÀS ACÇÕES DE PEQUENO MONTANTE

5.1. Limiar

5.2. Tipos de litígios

5.3. O procedimento relativo a acções de pequeno montante como uma opção ou uma obrigação

6. SIMPLIFICAÇÃO DAS REGRAS PROCESSUAIS

6.1. Regras mínimas comuns para os formulários

6.2. Representação e assistência

6.3. Resolução alternativa de litígios (RAL)

6.4. Aligeiramento de algumas regras relativas à obtenção de provas

6.5. Introdução da possibilidade de um procedimento unicamente escrito

6.6. Aligeiramento das regras relativas ao teor da decisão e ao prazo

6.7. Custos

6.8. Exclusão/limitação das possibilidades de recurso

6.9. Outras opções de simplificação

7. RESUMO DAS PERGUNTAS

Objectivo do livro verde

O presente Livro Verde lança um processo de consulta a todas as partes interessadas sobre eventuais medidas a tomar a nível comunitário

* para criar um procedimento europeu de injunção de pagamento, ou seja, um procedimento específico, rápido e económico, aplicável aos créditos que presumivelmente não serão contestados e disponível em todos os Estados-Membros, e

* para simplificar e acelerar as acções de pequeno montante, domínio em que há particular necessidade de racionalizar os procedimentos e limitar os custos, a fim de evitar que a interposição deste tipo de acções se torne economicamente não razoável.

O Livro Verde baseia-se num estudo comparativo sobre o modo como os Estados-Membros gerem actualmente as questões processuais pertinentes. Esta apresentação pretende facilitar a identificação das melhores práticas que poderão servir de fonte de inspiração para os instrumentos europeus.

Consulta sobre o livro verde a todas as partes interessadas

Os Capítulos 1, 2, 3 e 5 do documento contêm uma série de perguntas sobre as questões cuja resolução a Comissão considera prioritária na avaliação de eventuais iniciativas respeitantes a um procedimento europeu de injunção de pagamento, por um lado, e às medidas destinadas a acelerar e simplificar as acções de pequeno montante, por outro. No final do Livro Verde, figura igualmente uma lista destas perguntas. A Comissão gostaria de receber respostas fundamentadas a estas perguntas de todas as partes interessadas. Como é evidente, estas últimas não devem considerar-se limitadas às ditas perguntas, se desejarem pronunciar-se sobre outros aspectos destes temas, incluídos ou não no Livro Verde. As respostas às perguntas e quaisquer outros comentários deverão ser enviados, até 31 de Maio de 2003, para o seguinte endereço:

Comissão Europeia Direcção-Geral da Justiça e Assuntos Internos, Unidade A.3 B-1049 Bruxelas Fax: +32 2 2996457

E-mail: jai-coop-jud-civil@cec.eu.int

Para facilitar o tratamento das respostas e comentários recebidos, solicita-se às partes interessadas que os transmitam por diferentes meios (por exemplo, por e-mail e em suporte papel) que indiquem que o documento já havia sido enviado à Comissão anteriormente.

As respostas e comentários poderão ser publicados no sítio Internet da Comissão, salvo pedido expresso em contrário do remetente. Na Primavera de 2003, a Comissão avaliará a necessidade de organizar uma audição pública para aprofundar o debate sobre as questões levantadas no Livro Verde.

1. PARTE I: INTRODUÇÃO

O programa de medidas destinadas a aplicar o princípio do reconhecimento mútuo das decisões em matéria civil e comercial [1], tal como o actual programa de trabalho da Comissão, centrou-se prioritariamente, como o seu próprio nome indica, nas medidas para facilitar o reconhecimento e a execução num Estado-Membro das sentenças proferidas noutro Estado-Membro, e não na aproximação ou harmonização do direito processual. No entanto, o programa reconhece que, nalguns domínios, a supressão de medidas intermédias que ainda são necessárias para permitir o reconhecimento e a execução pode coincidir com a criação de um procedimento específico na Comunidade, quer se trate de um procedimento uniforme instituído por um regulamento, quer de um procedimento harmonizado estabelecido por cada Estado-Membro em conformidade com uma directiva.

[1] JO C 12 de 15.01.2001, p.1.

Na linha das conclusões do Conselho Europeu de Tampere, o programa de reconhecimento mútuo apela expressamente ao estabelecimento dessas regras comuns

* para a instituição de um procedimento específico destinado à cobrança rápida e eficiente dos créditos não contestados (procedimento europeu de injunção de pagamento) e

* para a simplificação e aceleração das acções de pequeno montante.

Embora os procedimentos respeitantes às acções de pequeno montante e o procedimento de injunção de pagamento constituam duas áreas distintas do direito processual, as questões levantadas pela harmonização ou pela criação de um procedimento europeu uniforme são parcialmente idênticas ou sobrepõem-se. Trata-se, afinal, das primeiras iniciativas no domínio da cooperação judiciária em matéria civil que dizem directamente respeito às regras que regulam o procedimento destinado a obter uma decisão executória.

As duas principais questões no que diz respeito à abordagem geral da legislação europeia que estes dois domínios têm em comum (ainda que as soluções não tenham necessariamente de ser as mesmas) são as seguintes:

1.1. Aplicação de um instrumento europeu apenas a processos transfronteiras ou também a processos puramente nacionais

É concebível elaborar regras que se apliquem unicamente aos processos referentes a acções de pequeno montante ou a procedimentos de injunção de pagamento que envolvam duas partes domiciliadas em Estados-Membros diferentes e, portanto, prever uma injunção de pagamento europeia ou um procedimento respeitante a acções de pequeno montante unicamente aplicáveis aos processos transfronteiras. Por outro lado, a dimensão transfronteiras de um processo pode manifestar-se só depois de o credor avançar para a fase da execução e se dar conta de que essa execução se deve realizar noutro Estado-Membro, por o devedor ter entretanto mudado a sua residência para esse Estado-Membro ou porque só aí possui bens dignos de apreensão. Pode também ser considerado insatisfatório criar um procedimento específico europeu eficiente só para processos de dimensão internacional, enquanto os requerentes nos processos puramente internos se deverão contentar com um lento regime processual civil ordinário que não dá resposta às suas legítimas expectativas. Independentemente das questões relativas à exequibilidade e à equidade, um desequilíbrio manifesto em termos de eficiência dos meios processuais à disposição dos credores dos diferentes Estados-Membros para a cobrança dos seus créditos, sejam estes de pequeno montante ou incontestados, pode ter uma incidência directa no bom funcionamento do mercado interno. Tal incidência existiria se as partes em litígio não tiverem acesso na União Europeia a instrumentos de eficácia equivalente, na medida em que a igualdade dos cidadãos e dos parceiros comerciais num espaço integrado pressupõe a igualdade de acesso aos meios de defesa legais. É evidente que uma empresa que opere num Estado-Membro em que o sistema judicial prevê uma execução rápida e eficaz dos créditos tem uma vantagem competitiva significativa sobre uma empresa que desenvolva a sua actividade num ambiente judicial que não dispõe desses meios judiciais eficazes. Estas diferenças podem até ter como consequência que as empresas se sintam dissuadidas de exercerem os seus direitos de liberdade de estabelecimento noutros Estados-Membros ao abrigo do Tratado CE. Nesta perspectiva, poderá considerar-se também útil aplicar eventuais instrumentos relativos às injunções de pagamento e às acções de pequeno montante nos processos puramente internos.

Pergunta 1:

Os instrumentos europeus relativos às injunções de pagamento e às acções de pequeno montante só devem ser aplicados a processos transfronteiras ou também a processos puramente internos? Queiram pronunciar-se sobre as vantagens e desvantagens de um âmbito de aplicação reduzido ou alargado destes dois eventuais instrumentos.

1.2. A escolha do instrumento adequado para uma aproximação do direito processual

As repercussões da escolha do instrumento jurídico considerado adequado para uma aproximação do direito processual são significativas. Uma directiva poderia limitar-se aos princípios essenciais e deixar aos Estados-Membros uma certa margem de manobra para estruturar o procedimento consoante as suas necessidades próprias. Contudo, a obrigação de adaptar a sua legislação aos requisitos da directiva implicaria, inevitavelmente, a substituição do anterior sistema nacional. Por outro lado, um regulamento, sendo directamente aplicável, não deixa aos Estados-Membros qualquer margem de manobra, mesmo se a introdução de um procedimento europeu uniforme não substitui necessariamente a legislação nacional. Este novo procedimento europeu poderá também ser considerado como uma opção adicional que coexiste com o método nacional aplicável às acções de pequeno montante ou aos créditos não contestados.

Em conformidade com o princípio da subsidiariedade, qual o grau de uniformidade necessário para alcançar os pretendidos ganhos de eficiência e de facilidade de utilização? Que grau de liberdade e de flexibilidade poderá ser concedido aos Estados-Membros sem prejudicar o objectivo inicial de facilitar um acesso equitativo e igualmente eficiente à justiça?

É oportuno relembrar a este respeito que a linha de separação entre procedimento uniforme e procedimento harmonizado não é tão clara como poderia parecer. Mesmo no caso da adopção de um regulamento, todas as questões deliberadamente não abordadas nesse instrumento ficariam em aberto e requereriam regras nacionais complementares. Poder-se-ia imaginar, por exemplo, preferir um regulamento como instrumento adequado para garantir a plena uniformidade no que respeita aos princípios fundamentais de um procedimento europeu de injunção de pagamento, deixando em aberto a possibilidade de os pontos menos essenciais serem regulados por disposições, eventualmente divergentes, elaboradas pelos Estados-Membros segundo as suas necessidades próprias. Ao mesmo tempo, a directiva pode surgir como o instrumento legislativo mais adequado, tendo em conta os elementos fundamentais de um procedimento respeitante às acções de pequeno montante. Em ambos os casos, será necessário determinar os aspectos processuais fulcrais que garantem a harmonização e que deverão ser contemplados num instrumento legislativo, independentemente de se tratar de um regulamento ou de uma directiva. A parte restante do presente documento é consagrada à identificação das questões fundamentais relativas, por um lado, ao procedimento de injunção de pagamento e, por outro, ao procedimento relativo às acções de pequeno montante.

Pergunta 2:

Qual o instrumento legislativo adequado para o procedimento de injunção de pagamento e o procedimento relativo às acções de pequeno montante, um regulamento ou uma directiva?

2. PARTE II: UM PROCEDIMENTO EUROPEU DE INJUNÇÃO DE PAGAMENTO

2.1. Introdução

2.1.1. Acesso a uma justiça eficiente nos casos em que os devedores não cumpram as suas obrigações sem que seja previsível qualquer contestação da justificação, natureza e valor do crédito em causa

É um facto comprovado que o objecto principal de uma percentagem substancial dos processos judiciais nos Estados-Membros não consiste em obter uma decisão imparcial sobre questões controversas de facto ou de direito. Pelo contrário, está a tornar-se cada vez mais a regra que, mesmo na falta notória de um litígio, o credor tem de recorrer à justiça para obter um título executivo que lhe permita recuperar um crédito, mediante execução forçada, que o devedor não pretende ou não pode honrar [2].

[2] Em 2000, a Comissão lançou um estudo sobre os procedimentos específicos relativos às acções de pequeno montante existentes nos Estados-Membros. O questionário distribuído aos Estados-Membros nesse âmbito também continha algumas perguntas sobre os créditos não contestados. As respostas dos Estados-Membros, resumidas num quadro que figura no relatório final de Evelyne Serverin, Directora de Investigação no CNRS IDHE-ENS CACHAN (Des Procedures de traitement judiciares des demandes de faible importance ou non contestées dans les droits des Etats-Membres de l'Union Européenne, Cachan 2001, p. 30) revelam que, nos casos em que estão disponíveis dados estatísticos exaustivos, a percentagem de créditos não contestados varia entre cerca de 50% (Irlanda) e mais de 80% (Alemanha, Áustria, Suécia) dos processos tratados pelos tribunais cíveis ordinários de primeira instância.

Esta situação coloca um desafio multifacetado aos sistemas judiciais dos Estados-Membros. Tornou-se essencial distinguir, na fase mais precoce possível do procedimento, os casos verdadeiramente contenciosos daqueles em que não existe um litígio real. Esta diferenciação constitui uma condição necessária, embora não suficiente, para que os limitados recursos atribuídos aos tribunais sejam utilizados da melhor forma. Isto permitir-lhes-á concentrarem-se nos litígios controversos e julgá-los num período de tempo razoável. Este resultado só poderá, todavia, ser alcançado se existir um procedimento rápido e eficaz para os créditos não contestados que permita aliviar o sistema judicial e que é indispensável para a prevenção de grandes acumulações de processos em atraso. Deste modo, tendo em conta o grande número de casos não contenciosos acima referido, a existência de uma legislação processual que assegure a sua decisão eficiente é um factor determinante para a eficácia de um sistema judicial no seu conjunto.

A cobrança rápida das dívidas pendentes cuja justificação não é posta em questão assume importância primordial para os operadores económicos na União Europeia. Um quadro legal que não garanta a um credor o acesso ao rápido pagamento de créditos não contestados pode proporcionar aos maus devedores um certo grau de impunidade, dando assim um incentivo para reter intencionalmente os pagamentos em proveito próprio [3]. Os atrasos de pagamento são um importante motivo de insolvência, que ameaça a sobrevivência das empresas, sobretudo das de pequena e média dimensão, e que provoca a perda de muitos postos de trabalho. A necessidade de interpor acções judiciais demoradas, fatigantes e dispendiosas até mesmo para cobrar dívidas não contestadas, agrava inevitavelmente esses efeitos económicos prejudiciais.

[3] Com base nos resultados de um estudo realizado a pedido da Comissão em 1994 ("European Late Payment Survey" - Intrum Justitia"), a Comissão estimou em 35% a percentagem de atrasos de pagamento intencionais em toda a União Europeia, na sua Comunicação ao Conselho e ao Parlamento Europeu "Para uma maior eficácia na obtenção e execução das decisões na União Europeia" JO C 33 de 31.1.1998, p. 3, ponto 38.

2.2. Definição de um procedimento de injunção de pagamento

Todos os Estados-Membros tentam resolver a questão da cobrança em massa de créditos não contestados através dos seus tribunais numa perspectiva nacional no quadro dos seus sistemas e tradições jurídicas próprias. Como era previsível, as soluções que foram encontradas diferem substancialmente, quer na sua natureza técnica, quer no sucesso que cada uma delas obteve. Nalguns Estados-Membros, as sentenças por contumácia, os procedimentos sumários especiais no âmbito da estrutura do processo civil ou até as medidas cautelares, que na prática são quase definitivas porque quase nunca são seguidas pelos processos principais [4], constituem os principais instrumentos processuais utilizados no âmbito dos créditos não contestados.

[4] Nos Países Baixos, a inexistência de um procedimento rápido, simples e pouco oneroso de cobrança de dívidas estimulou um vasto recurso às medidas cautelares (kort geding) pelos tribunais.

Todavia, em vários Estados-Membros, um procedimento específico de injunção de pagamento demonstrou ser um instrumento particularmente útil para garantir a cobrança rápida e pouco onerosa dos créditos juridicamente não controversos. Actualmente, em onze Estados-Membros (Áustria, Bélgica, Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Itália, Luxemburgo, Portugal, Espanha e Suécia) este procedimento faz parte integrante do direito processual civil [5], podendo citar-se como exemplos mais conhecidos a injonction de payer francesa e a Mahnverfahren alemã. Nos últimos anos, assistiu-se, de facto, à introdução da injunção de pagamento em dois Estados-Membros (Espanha e Portugal), que antes não ofereciam aos seus credores a possibilidade de beneficiarem de uma decisão executória desta natureza [6]. Esta evolução comprova o crescente apreço de que goza este tipo de procedimento em toda a União Europeia.

[5] À excepção da Bélgica, onde, devido a algumas limitações estruturais (por ex. a injunção de pagamento tem de ser precedida de uma notificação formal) a procédure sommaire d'injonction de payer veio a revelar-se mais incómoda do que os processos cíveis ordinários e não teve, por isso, grande aceitação entre os profissionais forenses.

[6] Em Portugal, a legislação relativa à injunção de pagamento adoptada em 1993 foi objecto, em 1998, de uma reforma que melhorou significativamente a sua eficácia. Em Espanha, o proceso monitorio foi introduzido em 1999.

Os procedimentos de injunção de pagamento existentes nos Estados-Membros variam consideravelmente no que diz respeito a aspectos fundamentais, como sejam o seu âmbito de aplicação, a atribuição de competência para emitir uma injunção ou os requisitos de forma e de fundo para obter uma decisão favorável. Não obstante estas discrepâncias entre os modelos legislativos existentes, que serão abordados em mais pormenor no presente Livro Verde, todos estes procedimentos partilham as seguintes características distintivas, que podem servir como elementos de definição de um procedimento de injunção de pagamento:

A pedido do credor, o tribunal ou outra autoridade competente toma uma decisão sobre o pedido em causa ex parte, isto é, sem previamente dar ao requerido a possibilidade de participar. Esta decisão é notificada ao requerido, sendo-lhe comunicado que pode aceitar a injunção ou contestá-la dentro de um determinado prazo. Se o requerido não agir nem num sentido nem noutro, a injunção de pagamento torna-se executória. Só se o requerido contestar a injunção é que o caso pode ser transformado num processo ordinário. Portanto, contrariamente ao regime processual normal, o ónus de dar início a um processo contraditório recai sobre o destinatário da injunção de pagamento. Esta inversão de responsabilidade, definida em francês pela expressão particularmente feliz de 'inversion du contentieux', combinada com a protecção dos direitos da defesa, representada pela possibilidade de impedir a efectivação de um título executivo, constitui a característica essencial do procedimento de injunção de pagamento.

2.3. A necessidade de acção a nível comunitário

Afigura-se bastante evidente que a duração e o custo dos processos cíveis ordinários, que são inadequados para as acções juridicamente não controversas, tendem a tornar-se ainda mais desproporcionados nos casos com implicações transfronteiras. O desconhecimento dos sistemas jurídicos dos outros Estados-Membros e a consequente necessidade de consultar um advogado, a morosa notificação dos documentos judiciais às partes domiciliadas noutro Estado-Membro que não aquele em que o processo corre e as despesas relativas à tradução são apenas alguns dos factores que complicam mais notoriamente a vida dos titulares de créditos transfronteiras. Estes problemas são inerentes a todos os litígios transfronteiras, independentemente do crédito ser contestado ou não. No entanto, o contraste entre um procedimento de cobrança rápido a que se pode recorrer nos processos judiciais puramente internos e as demoras e despesas que se verificam quando as partes estão domiciliadas em Estados-Membros diferentes atinge uma dimensão intolerável nos casos em que a justificação do pedido em causa não é contestada pelo requerido. Esta situação privilegia os maus devedores nas relações transfronteiras e pode desincentivar os operadores económicos de expandirem as suas actividades para fora do seu Estado-Membro de origem, limitando assim as transacções comerciais entre Estados-Membros. A disponibilidade de um procedimento nacional eficaz de cobrança das dívidas não contestadas em todos os Estados-Membros, que está muito longe de existir actualmente [7], não constituiria necessariamente uma melhoria decisiva, uma vez que as profundas diferenças entre esses procedimentos e a falta de familiaridade com eles constituem, por si só, obstáculos significativos à resolução dos casos transfronteiras. Uma injunção de pagamento europeia harmonizada poderia contribuir de forma significativa para facilitar o acesso a uma justiça eficiente.

[7] Mesmo nos Estados-Membros onde existem injunções de pagamento, estas não são muitas vezes (na Áustria, Bélgica, Itália e Luxemburgo) aplicáveis se o requerido residir no estrangeiro.

Também é necessário tomar em consideração que os casos com implicações transfronteiras não se limitam de modo algum àqueles em que os processos principais envolvem partes de diversos Estados-Membros. Um caso que antes era puramente nacional pode adquirir uma dimensão internacional porque uma sentença proferida num Estado-Membro tem de ser executada noutro Estado-Membro, por exemplo, por o devedor ter entretanto mudado a sua residência para esse Estado-Membro ou porque só aí possui bens dignos de apreensão. A declaração de executoriedade (exequatur) que é necessária para permitir a execução no território de outro Estado-Membro que não aquele onde a sentença foi proferida [8] origina atrasos e despesas tais que o Conselho e a Comissão decidiram abolir esses trâmites intermédios, como uma das suas principais prioridades, no programa de medidas destinadas a aplicar o princípio do reconhecimento mútuo das decisões em matéria civil e comercial [9]. Permitir a oportunidade, sujeita às regras em matéria de competência internacional, de se obter um título executivo no Estado-Membro onde se pretende proceder à execução através de um procedimento harmonizado de injunção de pagamento eliminaria totalmente, em muitos casos, a necessidade de transpor uma fronteira para obter essa execução. Quando for inevitável a execução noutro Estado-Membro que não aquele onde a decisão foi tomada, a introdução geral de uma injunção de pagamento europeia poderia facilitar grandemente os procedimentos de reconhecimento e execução, ou mesmo torná-los obsoletos [10]. A reserva do direito de recusar a execução de uma decisão estrangeira é, em grande medida, consequência da diversidade das legislações nacionais e do desconhecimento das regras estrangeiras, especialmente no que diz respeito à sua compatibilidade com os requisitos implícitos na lista dos motivos de recusa ou revogação da declaração de executoriedade [11]. No que diz respeito às decisões à revelia - e uma injunção de pagamento é uma decisão à revelia na medida em que só se torna executória se o requerido se mantiver passivo e não a contestar [12] - este raciocínio é, sobretudo, aplicável à questão sensível da correcta observância dos direitos da defesa que estão consagrados no nº 2 do artigo 34º do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho. Se o procedimento europeu de injunção de pagamento contivesse regras comuns uniformes, incluindo em matéria de salvaguarda dos direitos da defesa, seria, aparentemente, possível alcançar a supressão total dos trâmites intermédios para efeitos de reconhecimento e execução [13].

[8] O procedimento de exequatur, originalmente previsto nos artigos 31º e seguintes da Convenção de Bruxelas de 1968 relativa à competência e à execução de decisões em matéria civil e comercial (versão consolidada, JO C 27 de 26.1.1998, p. 1), foi alterado e é agora regido pelos artigos 38º e seguintes do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, JO L 12 de 18.1.2000, p. 1, que entrou em vigor em 1 de Março de 2002.

[9] JO C 12 de 15.1.2001, p.1.

[10] Esta posição já foi exposta na Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu "Para uma maior eficácia na obtenção e execução das decisões na União Europeia", JO C 33 de 31.1.1998, p. 3.

[11] Nº 1 do artigo 45º, em articulação com os artigos 34º e 35º do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho.

[12] O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias examinou atentamente a conformidade das injunções de pagamento com o nº 2 do artigo 27º da Convenção de Bruxelas de 1968, que é aplicável às sentenças proferidas à revelia, em Hengst Import BV/Campese (C-474/93), 13.7.1995, Col. 1995, p. I-2113 (procedimento d'ingiunzione italiano) e Klomps/Michel (C-166/80), 16.6.1981, Col. 1981, p. 1593 (Mahnverfahren alemã).

[13] O risco inevitável de má interpretação ou má aplicação dessas regras em casos individuais não constitui um obstáculo neste aspecto, uma vez que os erros desta natureza não obstam à executoriedade de uma decisão num contexto puramente interno, a não ser que a própria decisão seja contestada pela parte derrotada.

Está aberto à discussão se um procedimento europeu de injunção de pagamento deve ser exclusivamente aplicável aos litígios transfronteiras. Para além das reflexões gerais sobre este assunto a propósito dos vários temas abordados no presente Livro Verde [14] deverão considerar-se as ideias seguintes. Tendo em conta o facto de um procedimento de injunção de pagamento ser, essencialmente, um método de cobrança em massa de dívidas não controversas, efectuado através dos tribunais porque estes têm o monopólio da emissão de títulos executivos, pode entender-se razoável considerar que uma situação que implica um acentuado desequilíbrio no tocante à eficiência dos meios processuais ao dispor dos credores nos diversos Estados-Membros corresponde a uma distorção da concorrência no mercado interno [15]. A criação de uma injunção de pagamento europeia poderia representar uma tentativa de harmonização, em conformidade com o princípio da subsidiariedade, já que este tipo de procedimento não está inextrincavelmente ligado com as outras regras que regulam o processo civil, constituindo antes um capítulo distinto. É o fim do procedimento de injunção de pagamento causado pela contestação do requerido que desencadeia a sua possível transformação num processo civil ordinário. Daí que a introdução de uma injunção de pagamento europeia não implique a necessidade de uma maior aproximação do direito processual nacional.

[14] Supra 1.1.

[15] Segundo a Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu "Para uma maior eficácia na obtenção e execução das decisões na União Europeia ", JO C 33 de 31.1.1998, p. 3, ponto 38, o estudo "European Payment Habits Survey", Intrum Justitia (ver supra, nota 3) demonstrou que a percentagem de atrasos de pagamento intencionais está substancialmente abaixo da média comunitária, que é de 35%, nos Estados-Membros onde as decisões podem ser obtidas e executadas com mais rapidez, menos custos e maior eficiência.

À luz das observações anteriores, e a fim de permitir que a Comissão avalie melhor o grau de necessidade de uma acção a nível comunitário, bem como a natureza da acção necessária, um dos objectivos do presente Livro Verde consiste em reunir mais informações sobre o funcionamento, nos Estados-Membros, das regras processuais em matéria de cobrança de créditos não contestados, quer se trate de um procedimento de injunção de pagamento ou de outro procedimento. A análise do quadro regulamentar em vigor não permite, só por si, retirar conclusões correctas sobre a eficácia de um determinado procedimento na sua utilização quotidiana. Quanto maior for a divergência em termos de aceitação e sucesso dos métodos destinados a simplificar e a acelerar a consecução de uma decisão executória sobre um crédito que não seja contestado, maior será o desequilíbrio atrás mencionado e mais urgente a necessidade de aproximação em toda a Comunidade.

Pergunta 3:

Que problemas surgiram eventualmente na aplicação do procedimento de injunção de pagamento ou de outro procedimento de cobrança de créditos não contestados, em vigor no seu Estado-Membro? Indique o nível de aceitação e sucesso destes procedimentos na prática. Estes procedimentos também estão disponíveis em processos transfronteiras, em que o requerente ou o requerido estejam domiciliados noutro Estado-Membro? Em caso afirmativo, que problemas ocorreram eventualmente na sua aplicação? Em caso negativo, de que modo são julgadas as acções relativas a créditos não contestados numa situação transfronteiras?

2.4. Antecedentes

2.4.1. Iniciativas destinadas à criação de um procedimento europeu de injunção de pagamento antes da entrada em vigor do Tratado de Amesterdão

2.4.1.1. Proposta Storme

Em 1993, um grupo de trabalho de peritos em direito processual, presidido pelo Professor Marcel Storme, apresentou à Comissão um projecto de proposta de directiva sobre a aproximação da legislação dos Estados-Membros relativas a alguns aspectos processuais das acções cíveis (a denominada Proposta Storme) [16]. Esta primeira tentativa global de abordar os aspectos mais fundamentais do processo civil [17], claramente baseada numa lógica de mercado interno [18], inclui uma secção onde se especificam as regras de um procedimento de injunção de pagamento, reconhecendo, assim, a importância particular da harmonização neste domínio [19]. Embora esta proposta nunca tenha sido convertida numa iniciativa legislativa da Comissão, constitui um ponto de referência e uma fonte de inspiração úteis.

[16] O texto foi publicado em 1995, Storme (ed.), Rapprochement du droit judiciaire de l'Union Européenne - Approximation of judiciary law in the European Union, Dordrecht/Boston/London.

[17] Vale a pena mencionar que, antes desta proposta, o Conselho da Europa tinha sugerido, na sua Recomendação nº R (81) 7 sobre as Medidas para facilitar o acesso à justiça, de 14.5.1981, que deviam ser adoptadas disposições relativas aos créditos não contestados ou considerados liquidados para assegurar que, nestas questões, é obtida uma decisão final rápida, sem formalidades, idas a tribunal ou custos desnecessários.

[18] O relatório introdutório do Prof. Marcel Storme debruça-se demoradamente sobre a necessidade de harmonizar o direito processual civil na sequência da criação de um mercado interno, tanto do ponto de vista económico, como no que se refere à base jurídica da legislação comunitária neste domínio.

[19] O grupo de trabalho tencionava, inicialmente, elaborar um modelo de código europeu completo de processo civil. A proposta final caracteriza-se, todavia, por uma acentuada diferença entre alguns domínios (como o da injunção de pagamento), tratadas em pormenor e em que é sugerido um procedimento comum harmonizado, e outros domínios, em que se limita à enunciação de princípios gerais ou normas mínimas.

2.4.1.2. Directiva relativa aos atrasos de pagamento

Em 1998, a Comissão apresentou uma proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais [20]. Partindo do princípio que as consequências dos atrasos de pagamento, tais como a cobrança de um juro dissuasivo pelo credor após a data de vencimento, apenas podem ser dissuasivas se forem acompanhadas por procedimentos de cobrança rápidos, eficazes e pouco onerosos para o credor [21], a proposta continha, no seu artigo 5º, uma disposição que obrigava os Estados-Membros a assegurarem a disponibilidade de um procedimento acelerado para a cobrança de dívidas não impugnadas e que descrevia algumas características mínimas essenciais desse procedimento. Embora o termo "injunção de pagamento" não fosse mencionado no texto, pode razoavelmente presumir-se que as pessoas que elaboraram a proposta tinham em mente um procedimento deste tipo [22]. A directiva que viria finalmente a ser adoptada em 29 de Junho de 2000 [23], com base no artigo 95º do Tratado que institui a Comunidade Europeia, adoptou uma abordagem mais cautelosa. Em vez da introdução de um procedimento específico (potencialmente novo), o artigo 5º exige que os Estados-Membros assegurem a possibilidade de obter um título executivo válido, num prazo de 90 dias, de acordo com as respectivas legislações nacionais [24]. Resta saber se a transposição do artigo 5º irá implicar alterações visíveis nos sistemas processuais dos Estados-Membros [25]. Em todo o caso, esta disposição tem de ser considerada como uma primeira fase prudente e não como a fase final do processo para a criação de um procedimento europeu de cobrança eficiente dos créditos não contestados.

[20] COM (98) 126 final, JO C 168 de 3.6.1998, p. 13.

[21] Considerando nº 14 da proposta, que passou a ser o considerando nº 20 da Directiva.

[22] A exposição de motivos da proposta referia-se expressamente à injonction de payer francesa e à Mahnverfahren alemã.

[23] Directiva 2000/35/CE, JO L 200 de 8.8.2000, p. 35. O prazo para a sua transposição terminou em 8 de Agosto de 2002.

[24] O artigo 5º ("Procedimentos de cobrança de dívidas não impugnadas") diz o seguinte:

[25] Parece não ser improvável que a maioria se não mesmo todos os Estados-Membros afirmem que a sua legislação processual já satisfaz estas condições. Nesse aspecto, muito depende da interpretação do termo "normalmente". Tomará este em conta apenas o quadro jurídico ou também os factos empíricos da eficiência factual dos tribunais na prática?

2.5. O Tratado de Amesterdão e as suas ramificações

A entrada em vigor do Tratado de Amesterdão implicou a transferência da cooperação judicial em matéria civil do terceiro pilar (nº 6 do artigo K.1 do TUE) para o primeiro pilar. Nos termos da alínea c) do artigo 61º e do artigo 65º do Tratado que institui a Comunidade Europeia, a Comunidade adopta medidas no domínio da cooperação judiciária em matéria civil que tenham uma incidência transfronteiriça e na medida do necessário ao bom funcionamento do mercado interno. Nos termos da alínea c) do artigo 65º, estas medidas incluem a eliminação dos obstáculos à boa tramitação das acções cíveis, promovendo, se necessário, a compatibilidade das normas de processo civil aplicáveis nos Estados-Membros.

Esta nova competência comunitária veio dar um novo impulso à discussão sobre uma aproximação mais vasta da legislação processual, incluindo o domínio dos créditos não contestados [26].

[26] Isto não significa, no entanto, que a alínea c) do artigo 61º e o artigo 65º constituam a única base legal possível para um procedimento europeu de injunção de pagamento.

2.6. Conclusões de Tampere

O Conselho Europeu de Tampere, de 15 e 16 de Outubro de 1999, aprovou o princípio do reconhecimento mútuo das sentenças e de outras decisões judiciais, enquanto pedra angular da cooperação judiciária a estabelecer na União. No âmbito da rubrica "Maior convergência em matéria civil" convidou o Conselho e a Comissão a prepararem uma nova legislação em matéria processual para os processos transfronteiras, em especial sobre os elementos determinantes para facilitar a cooperação judiciária e reforçar o acesso à justiça. As injunções de pagamento foram expressamente mencionadas entre essas questões cruciais [27].

[27] Conclusões da Presidência, ponto 38.

O Conselho Europeu solicitou ao Conselho e à Comissão que adoptassem, até Dezembro de 2000, um programa de medidas destinadas a aplicar o princípio do reconhecimento mútuo, incluindo o início dos trabalhos sobre um título executivo europeu e sobre os aspectos do direito processual relativamente aos quais se consideram necessárias normas mínimas comuns para facilitar a aplicação do princípio do reconhecimento mútuo.

2.7. O programa de reconhecimento mútuo

O programa conjunto da Comissão e do Conselho relativo a medidas destinadas a aplicar o princípio do reconhecimento mútuo das decisões em matéria civil e comercial, adoptado pelo Conselho em 30 de Novembro de 2000, considerou a supressão do exequatur para os créditos não contestados como uma das prioridades da Comunidade. Sublinhando que é contraditório que um procedimento de exequatur possa retardar a execução de decisões respeitantes a créditos não contestados, o programa designou este domínio como o primeiro em que o exequatur deveria ser suprimido, pois a cobrança rápida dos montantes não pagos constitui uma necessidade absoluta para o sector comercial e representa uma preocupação constante dos meios económicos interessados no bom funcionamento do mercado interno [28].

[28] JO C 12 de 15.1.2001, p. 1, secção I B 3.

Como já referido, o programa de reconhecimento mútuo está claramente centrado na facilitação do reconhecimento e da execução de decisões emitidas noutro Estado-Membro. Não se trata de um programa de harmonização do direito processual nacional. A aproximação da legislação processual, sob forma de estabelecimento de normas mínimas ou de harmonização, é encarada não como um objectivo em si mesmo, mas como uma medida de acompanhamento, que pode, em algumas áreas, constituir uma condição prévia para o progresso desejado na tentativa de suprimir gradualmente o procedimento de exequatur [29]. No mesmo documento, é sublinhado que, em alguns domínios, a supressão do exequatur poderia traduzir-se no estabelecimento de um autêntico título executivo europeu, obtido na sequência de um procedimento específico, uniforme ou harmonizado, estabelecido pela Comunidade [30]. É de salientar que a supressão do exequatur e a harmonização do direito processual são duas questões distintas. A primeira pressupõe que seja proferida uma decisão e diz respeito ao acesso à execução quando tem de ser transposta uma fronteira para esse efeito, ao passo que a segunda está relacionada com o acesso eficiente à justiça para obter uma decisão, independentemente de esta decisão ter ou não de ser executada no estrangeiro. Apesar de estas matérias estarem interligadas, como já foi referido, é importante ter presente a sua natureza distinta e o facto de ambas poderem ser abordadas de forma independente e pelos seus méritos próprios. Basta recordar que a supressão do exequatur não tem qualquer relevância para um credor que, num processo transfronteiras, tenha de intentar uma acção contra um requerido de outro Estado-Membro em que não exista um procedimento eficiente de cobrança de créditos não contestados. Reciprocamente, a utilização de um tal procedimento, que leva à emissão de uma decisão no Estado onde o requerido está domiciliado, irá, na grande maioria dos casos, eliminar a necessidade de executar esta decisão num terceiro Estado-Membro. Por outro lado, haverá sempre sentenças ou outros títulos executivos relativos a créditos não contestados (transacções judiciárias, actos autênticos) incluindo os obtidos através de procedimentos não harmonizados que terão de ser executados noutro Estado-Membro que não o de origem.

[29] É ilustrativo, nesse aspecto, que o programa trate de questões adequadas para uma harmonização ou para o estabelecimento de normas mínimas sob a rubrica "Medidas de acompanhamento do reconhecimento mútuo".

[30] Secção II A 2 b do Programa. Embora não seja feita, nesta secção, qualquer menção a um procedimento de injunção de pagamento (nem a qualquer outro procedimento específico), a proposta posterior de um título executivo europeu para os créditos não contestados, na primeira etapa de realização na secção III A, prova que foi prevista uma harmonização nesse sentido, sobretudo para a cobrança de créditos não contestados.

2.8. O Título Executivo Europeu para créditos não contestados como primeira etapa de uma abordagem em duas etapas

Tendo em conta o que precede, a Comissão optou por uma estratégia em duas etapas com o duplo objectivo de

* suprimir o exequatur, na condição de serem observadas certas normas mínimas para todos os títulos executivos relativos a créditos não contestados, independentemente da natureza dos procedimentos que levaram à decisão ou documento executório

e

* criar um procedimento harmonizado específico para a cobrança de dívidas que se prevê permanecerem incontestadas, a saber, a injunção de pagamento europeia,

embora não simultaneamente num mesmo instrumento legislativo. Esta abordagem permite obter progressos rápidos na supressão do exequatur, em todas as situações caracterizadas pela ausência verificável de qualquer controvérsia quanto à natureza e ao valor de uma dívida (e não apenas nas injunções de pagamento), ao mesmo tempo que prepara cuidadosamente a instituição de um procedimento harmonizado de injunção de pagamento.

Em Abril de 2002, a Comissão adoptou uma proposta de regulamento do Conselho que cria o Título Executivo Europeu para créditos não contestados [31]. Esta iniciativa legislativa constitui a primeira etapa da estratégia em duas etapas e prevê a supressão do exequatur para todos os títulos executivos relativos a créditos não contestados, não sendo o seu âmbito de aplicação limitado às decisões resultantes de um procedimento específico. A supressão dos trâmites intermédios está condicionada à observância de várias normas processuais mínimas relativas à citação ou à notificação de actos, que abrangem os métodos de citação ou de notificação admissíveis, os prazos entre a citação ou a notificação e a decisão que permitem a preparação da defesa e a informação adequada do devedor. Apenas a observância destes requisitos, certificada pelo tribunal de origem, pode justificar a supressão de um controlo do respeito dos direitos da defesa no Estado-membro onde a decisão deve ser executada. Este sistema de certificação por meio do preenchimento de formulários-tipo multilíngues pretende conferir uma vantagem tangível aos credores, permitindo-lhes obter uma execução rápida e eficaz no estrangeiro sem intervenção das autoridades judiciárias do Estado-Membro no qual a execução é requerida, com todos os atrasos e custos que tal implicaria.

[31] COM (2002) 159 final.

2.9. Um Livro Verde como segunda etapa desta abordagem

O presente Livro Verde constitui a segunda etapa desta estratégia e deve ser perspectivado no contexto da política da Comissão para resolver as questões levantadas pelo programa de reconhecimento mútuo em relação aos créditos não contestados no seu conjunto.

Das anteriores considerações relativas à realização do programa de reconhecimento mútuo e das reflexões gerais sobre as razões que justificam uma injunção de pagamento europeia [32] deverá decorrer, logicamente, que os objectivos de harmonização processual visados pelo presente Livro Verde e os de facilitação do reconhecimento e da execução não se excluem mutuamente, não são contraditórios, nem se sobrepõem. As duas iniciativas da Comissão são, antes, complementares. A existência de um procedimento europeu de injunção de pagamento não só criaria uma situação de igualdade de oportunidades para os credores e os devedores em todos os Estados-Membros, ao facultar-lhes um igual acesso à justiça, como poderia permitir mais progressos no domínio do reconhecimento e da execução, ao tornar supérflua a própria exigência de certificação prevista na proposta de título executivo europeu.

[32] Supra 2.3.

3. A INJUNÇÃO DE PAGAMENTO EUROPEIA

3.1. Abordagem geral

O presente documento tem por objectivo lançar uma ampla consulta sobre os caminhos possíveis para a criação de um procedimento europeu específico, uniforme ou harmonizado, de injunção de pagamento. Para o efeito, as regras que poderão reger tal procedimento serão tratadas individualmente, tanto quanto possível na sua ordem cronológica ao longo do processo. Cada questão será apresentada com base num breve resumo inicial da legislação pertinente existente nos Estados-Membros. Esta panorâmica servirá de inspiração para o debate, a fim de identificar as melhores práticas existentes na União Europeia - ou soluções novas e inovadoras sempre que oportuno - e traduzir o resultado desta análise numa nova injunção de pagamento a nível da UE, que proporcione um valor acrescentado para os cidadãos europeus.

A análise pormenorizada de cada uma das características de um procedimento de injunção de pagamento ficaria, todavia, incompleta e insuficiente, se permanecesse fragmentada, pois perderia necessariamente de vista o panorama geral, isto é, o objectivo geral de criar um procedimento cujos elementos individuais se encaixem de forma harmoniosa e formem um todo equilibrado. Consequentemente, antes de nos debruçarmos sobre os aspectos específicos, daremos uma breve panorâmica das diferentes "famílias" de procedimentos de injunção de pagamento existentes na Europa, oferecendo assim uma perspectiva das características processuais que os diversos sistemas nacionais normalmente combinam. Ao focar os diversos aspectos do procedimento há que ter em consideração a possível interrelação existente entre eles. Seguir um dos modelos mais importantes ou criar algo de novo, que combine elementos dos vários padrões divergentes actuais e talvez alguns elementos inovadores, constituirá uma escolha crucial.

3.1.1. Panorâmica geral dos vários modelos existentes nos Estados-Membros

Em grandes linhas, podem distinguir-se na Europa dois tipos de procedimentos de injunção de pagamento. Apesar de existirem pequenas diferenças, a legislação dos diversos Estados-Membros que dispõem de uma injunção de pagamento pode ser integrada numa dessas duas categorias.

A característica fundamental daquilo que podemos definir como o modelo "probatório" (Bélgica, França, Grécia, Luxemburgo, Itália, Espanha) é a exigência de o requerente apresentar uma prova escrita que fundamente o seu pedido. Sem essa prova documental, qualquer pedido de injunção de pagamento será considerado inadmissível. Esta condição constitui uma salvaguarda contra os pedidos infundados. Deve ser analisada no contexto de um sistema que só permite a emissão de uma injunção de pagamento após um exame sumário do mérito da causa por parte de um juiz. É nesta fase que a prova documental desempenha o seu papel fundamental. Existe uma prova escrita que comprova de modo suficiente o crédito para justificar a decisão do juiz de emitir uma injunção de pagamento? A necessária apreciação destas questões por parte do juiz constitui um meio de protecção do requerido mesmo na fase ex parte do processo, fase em que este não tem qualquer possibilidade de se exprimir sobre o fundamento do pedido. Os pedidos infundados, que só se baseiem nas informações fornecidas pelo requerente ou que não possam ser apoiados por qualquer prova escrita, devem ser filtrados numa fase muito precoce do processo pelo próprio juiz. Assim, se for emitida uma injunção de pagamento, esta terá mais autoridade pelo facto de ter sido considerada razoável. Na maior parte dos Estados-Membros da família "probatória" (França, Grécia, Itália e Espanha), o requerido só tem uma oportunidade para contestar o pedido. Uma vez terminado o prazo previsto para a contestação, a injunção de pagamento adquire imediatamente força de caso julgado e deixa de ser susceptível de recurso.

Contudo, o procedimento de injunção de pagamento "não probatório", utilizado pela Áustria, Finlândia, Alemanha, Suécia e Portugal, é caracterizado pela total ausência de uma apreciação por parte do tribunal relativamente ao mérito do pedido. Sempre que um pedido seja admissível e satisfaça os requisitos formais de base, o tribunal emite uma injunção de pagamento sem proceder a qualquer outra apreciação do fundamento do pedido [33]. Enquanto o modelo "probatório" parece considerar indispensável uma protecção mínima do requerido por parte do tribunal, o modelo "não probatório" coloca a tónica na responsabilidade do próprio requerido. Num certo sentido, trata-se da aplicação pura do princípio da "inversion du contentieux", uma vez que o destino do processo depende inteiramente da reacção (ou não reacção) do requerido, sem qualquer outra interferência do tribunal. Uma vez que o requerido tem a possibilidade de evitar uma decisão executória mediante um simples "não", ou seja, contestando o pedido, não se considera necessária qualquer protecção suplementar. As outras diferenças principais são a consequência lógica desta diferença de filosofias. Se não se procede a qualquer exame, obviamente não é necessária qualquer prova documental do crédito, já que esta é válida apenas enquanto instrumento para permitir esse controlo. Além disso, se o pedido não é apreciado pelo tribunal e, por conseguinte, todo o processo assume um carácter mais administrativo [34], não parece ser necessário envolver um juiz; consequentemente, em todos os Estados-Membros que integram este grupo, a competência para emitir uma injunção de pagamento é delegada quer nos funcionários judiciais quer, como se verifica na Suécia, nas autoridades responsáveis pela execução, que são organismos administrativos situados fora da esfera judicial. É interessante observar a forma como na maior parte dos Estados-Membros que pertencem a esta categoria a falta de protecção através de uma apreciação do mérito do pedido por parte do juiz é algo contrabalançada pelo facto de o requerido dispor de duas oportunidades para contestar o crédito em vez de uma. Na Finlândia, na Alemanha e na Suécia, na falta de contestação dentro do prazo previsto, é emitida uma segunda decisão (executória) que não é definitiva e que pode ser contestada pelo requerido dentro de um novo prazo. Só no caso de o requerido deixar passar esta segunda oportunidade é que a injunção de pagamento se torna res iudicata.

[33] Refira-se, todavia, o facto de, na nova legislação austríaca recentemente adoptada, se prescrever uma apreciação sumária do mérito do pedido por parte do tribunal. Ver mais pormenores infra, no nº 3.3.5.

[34] A utilização do termo "administrativo" refere-se à falta da apreciação do fundamento do pedido. Não deve ser entendida como pondo em questão a natureza judicial do procedimento em si mesmo. Só a Suécia chegou ao ponto de confiar a um organismo administrativo a condução do processo de injunção de pagamento.

Todavia, é importante indicar que dois Estados-Membros se afastaram deste modelo na sua legislação recente. Quer a Áustria quer Portugal subscreveram o modelo "não probatório" mas, para efeitos de maior eficácia, optaram por um procedimento numa só etapa. Quando o requerente tiver perdido a sua única oportunidade de se opor, não é obrigatório tomar outra decisão susceptível de contestação; a injunção de pagamento torna-se imediatamente definitiva.

Os exemplos austríaco e português ilustram a possibilidade de escolher e combinar os elementos mais eficazes dos dois modelos clássicos existentes de procedimentos de injunção de pagamento. A Mahnverfahren austríaca combina a simplicidade do modelo "não probatório" (sem prova documental, sem apreciação do pedido e sem envolvimento de um juiz) com a rigorosa limitação das possibilidades de recurso inspirada pelo sistema "probatório" e permite ao credor obter uma decisão não só executória mas com pleno efeito de res iudicata em pouco mais de duas semanas [35]. Poderá este modelo híbrido constituir uma inspiração para uma solução a nível europeu? [36] Ou deveremos ater-nos a um dos sistemas-padrão que descrevemos atrás? Será possível transpor o fosso cultural entre as tradições "probatória" e "não probatória" e, em caso afirmativo, de que modo? Qual o grau de responsabilidade que poderá ser atribuído ao requerido? Existe uma norma mínima de protecção do requerido pelos tribunais contra a prossecução de pedidos infundados através de injunções de pagamento?

[35] Acrescente-se, todavia, que o prazo para a contestação, actualmente de 14 dias, será duplicado para 4 semanas a partir de 1 de Janeiro de 2003; infra 3.3.9.1.

[36] Note-se, a este respeito, que tanto a Áustria como Portugal limitam o âmbito de aplicação do seu sistema de injunção de pagamento mediante a fixação de um montante máximo. Isto pode ser entendido como uma medida de precaução para evitar resultados intoleráveis de um novo procedimento ultra-eficiente

A discussão que se segue das possíveis estratégias para tratar todos os pormenores de um procedimento de injunção de pagamento tem de ser perspectivada à luz destas questões globais. As soluções encontradas pelos diversos Estados-Membros não podem nem devem ser analisadas fora do contexto da abordagem geral por eles escolhida. Todas as eventuais propostas para uma injunção de pagamento europeia têm de estabelecer o seu próprio equilíbrio, dada a interacção complexa entre os diferentes aspectos processuais. Nas secções seguintes, será feita especial menção às implicações de determinadas opções para o carácter global do procedimento, sempre que isso seja considerado adequado.

3.2. Âmbito de aplicação do instrumento

3.2.1. Restrição a créditos pecuniários?

Na maioria dos Estados-Membros (Áustria, Bélgica, Alemanha, Grécia, Luxemburgo, Portugal, Espanha), o âmbito de aplicação de um procedimento específico para a obtenção de uma decisão executória, baseado na presunção de que o crédito permanecerá incontestado e que implique a "inversion du contentieux", é limitado aos créditos pecuniários de um montante específico. A França, a Finlândia, a Itália e a Suécia também o disponibilizam para outras obrigações. Nestes Estados-Membros, a esfera de uma injunção de pagamento ou "injonction de payer" é transcendida, podendo obter-se uma "injonction de faire". A gama de pedidos elegíveis varia, mas inclui normalmente a entrega ou a restituição de bens móveis e as acções de despejo [37].

[37] Na Itália, nos termos do artigo 639º do C.P.C., são admissíveis os pedidos relativos a uma quantidade específica de bens fungíveis ou à restituição de um bem móvel específico. O procedimento sueco de "assistência ordinária" (handräckning) está disponível para as acções de despejo, a restituição de bens móveis, o cumprimento de um dever de entrega, a remoção de bens, a execução de um contrato de trabalho e a execução de uma proibição ou de um direito de servidão. Em França, nos termos do artigo 1425º-1 do N.C.P.C. existe uma injonction de faire para todas as obrigações não pecuniárias baseadas num contrato, se nem todas as partes no contrato forem comerciantes.

Ao considerar se os créditos não pecuniários devem ser ou não abrangidos por um procedimento europeu harmonizado, é necessário não esquecer que, dado o predomínio esmagador dos pedidos de pagamento nos litígios civis, uma injunção para agir terá relativamente pouca relevância prática comparativamente a uma injunção de pagamento [38]. Além disso, por definição, tais obrigações prestam-se menos a uma uniformização traduzida na utilização de formulários e no tratamento electrónico de dados, uma vez que o próprio pedido (e a formulação de uma decisão executória) exige sempre uma descrição precisa, muito mais difícil de obter do que a simples expressão de um crédito pecuniário em euros e cêntimos (ou noutras moedas).

[38] A esse respeito, é importante mencionar o facto de, em França, o procedimento de injonction de faire ter tido muito pouco êxito e de a sua supressão ter sido recomendada numa proposta de reforma apresentada pelo Presidente do Tribunal de Grande Instance de Paris.

Pergunta 4:

Um procedimento europeu de injunção de pagamento deverá limitar-se aos créditos pecuniários? Em caso negativo, que tipos de créditos não pecuniários deverão ser incluídos?

3.2.2. O procedimento só deverá estar disponível para alguns tipos de créditos ou deverão certos tipos de créditos ser excluídos do procedimento?

No domínio dos créditos pecuniários, vários Estados-Membros (Áustria, Bélgica, Grécia, Itália, Espanha, Suécia [39]) não limitam o procedimento de injunção de pagamento em função da natureza ou da base jurídica do crédito em questão. Entre os restantes Estados-Membros, podem observar-se duas abordagens diferentes à restrição do âmbito de aplicação deste procedimento. A França e Portugal só permitem a injunção de pagamento para os créditos resultantes de obrigações contratuais, excluindo assim a matéria delitual [40]. Em vez de definir os créditos elegíveis para uma injunção de pagamento, a Alemanha, a Finlândia e o Luxemburgo proíbem que uma tal decisão seja proferida em alguns casos bem definidos [41].

[39] A exigência de que a obrigação seja incondicional e exigível é considerada evidente em si mesma e não constitui uma limitação abrangida por esta secção do Livro Verde.

[40] Em França, para além das obrigações contratuais, o artigo 1405º do N.C.P.C. permite a injonction de payer para determinadas obrigações legais, como as contribuições para o regime de pensões.

[41] No Luxemburgo, a injunção de pagamento não é admissível para os créditos resultantes de contratos de arrendamento, de trabalho e de aprendizagem. Na Alemanha, a restrição é muito mais limitada, apenas abrangendo os créditos de consumo se a taxa de juro exceder o limiar fixado no 688 (II) (1) do ZPO. Na Finlândia, o procedimento não abrange as matérias em que não sejam permitidos acordos extrajudiciais entre as partes.

Saliente-se, todavia, que as diferenças atrás descritas não são tão manifestas como poderiam parecer à primeira vista. É particularmente relevante recordar, nesse contexto, que muitos Estados-Membros condicionam a injunção de pagamento à apresentação de uma prova documental do crédito. Este requisito dificilmente será satisfeito no caso dos créditos resultantes de responsabilidade delitual. Na prática, portanto, a discrepância entre uma injunção de pagamento que só está disponível para os créditos contratuais e uma injunção de pagamento disponível para todos os tipos de créditos, mas apenas mediante a apresentação de uma prova escrita (como acontece na Bélgica, na Grécia, na Itália e em Espanha) será bastante marginal.

Será necessário analisar cuidadosamente se, e em que medida, o âmbito de aplicação de uma injunção de pagamento europeia terá de ser restringido a determinados tipos de créditos e, em caso afirmativo, qual o método a utilizar para operar tal restrição. Evidentemente que a admissão de todos os créditos (pecuniários) seria a solução mais clara, uma vez que qualquer restrição suscitaria inevitáveis dificuldades de interpretação a respeito da distinção entre créditos elegíveis e não elegíveis [42] e exigiria uma apreciação por parte do tribunal ou da autoridade competente antes de a injunção ser emitida. Uma tal limitação só parece justificar-se se houver uma necessidade imperiosa de excluir determinadas matérias do âmbito de aplicação do procedimento. Por exemplo, pode considerar-se que uma fragilidade estrutural típica dos requeridos em domínios específicos pode prejudicar a protecção adequada dos direitos da defesa, apesar da possibilidade de contestar o crédito e de impedir, desse modo, a adopção de uma decisão executória.

[42] Por exemplo, os créditos resultantes de danos causados por uma relação pré-contratual (culpa in contrahendo) são considerados de natureza contratual em alguns Estados-Membros (por exemplo na Alemanha) e de natureza delitual noutros Estados-Membros (por exemplo, na França).

Pergunta 5:

O procedimento europeu de injunção de pagamento apenas deverá existir para os créditos relacionados com determinados domínios do direito civil e comercial ou deverão excluir-se alguns tipos de créditos? Em qualquer dos casos, queira indicar as categorias de créditos que devem ser incluídas ou excluídas.

3.2.3. Deverá haver um limite máximo para o montante que pode ser reclamado (ou - se forem incluídos créditos não pecuniários - para o valor do crédito)?

A disponibilidade de um procedimento de injunção de pagamento pode ser limitada não só pela definição da natureza dos créditos admissíveis, mas também pela introdução de um limite máximo para o montante que pode ser exigido (ou se forem incluídos créditos não pecuniários para o valor desses créditos). Nalguns Estados-Membros (Áustria, Bélgica, Portugal, Espanha) a injunção de pagamento só é possível até um montante máximo [43] ao passo que os outros (Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Itália, Luxemburgo e Suécia) se abstêm de impor uma tal limitação [44].

[43] Os montantes que constituem o limite máximo variam consideravelmente entre estes Estados-Membros. São de aproximadamente 1850 euros na Bélgica, 3750 euros em Portugal e 30 000 euros em Espanha. Na Áustria, foi recentemente adoptada nova legislação que aumenta o montante máximo de 10 000 euros para 30 000 euros, a partir de 1 de Janeiro de 2003.

[44] No Luxemburgo, existem dois procedimentos diferentes (ordonnance conditionelle de paiement e provision sur requête) dependendo do montante exigido. A provision sur requête, que é aplicável aos créditos superiores a 10 000 euros, só foi introduzida em 1997 e é largamente inspirada pelas normas que regem a ordonnance conditionelle de paiement, mas difere desta última, na medida em que se trata essencialmente de uma medida provisória e não pode adquirir o estatuto de res iudicata.

Uma vez que o procedimento de injunção de pagamento se destina a permitir a resolução eficiente e pouco onerosa não de acções de pequeno montante, mas de créditos não contestados, e uma vez que o carácter não contestado de um crédito não está de modo algum ligado à magnitude do montante envolvido, a justificação de uma tal limitação do acesso apenas pode residir, de forma concebível, na protecção do requerido contra o perigo de danos irreparáveis caso seja executada uma decisão que venha a ser posteriormente anulada [45]. Este raciocínio apenas parece poder ser defendido, porém, se o processo ordinário a que o requerente pode recorrer oferecer um grau de protecção mais elevado ao requerido passivo do que o procedimento de injunção de pagamento. Tal é duvidoso, dado que quase todos os Estados-Membros permitem que seja proferida uma sentença por contumácia se o requerido não comparecer numa audiência no tribunal, independentemente do valor do crédito em causa e sem um exame mais aprofundado da justificação do crédito do que no caso do procedimento de injunção de pagamento [46]. É interessante notar que uma análise comparativa da legislação dos Estados-Membros em matéria de injunção de pagamento não revela a existência de qualquer correlação clara entre o acesso ilimitado a esse procedimento e uma maior protecção dos direitos do requerido. De facto, a maioria dos Estados-Membros, exceptuando a Áustria, que não exigem prova documental nem uma análise do fundamento do crédito e dão poderes a outros funcionários que não os juízes para proferirem a decisão (Alemanha, Suécia, Finlândia), não prevêem qualquer limite máximo para o acesso a uma injunção de pagamento. Possivelmente, em Portugal e em Espanha, a limitação do montante que pode ser exigido explicar-se-á em parte pelo facto de a injunção de pagamento constituir uma novidade nos sistemas processuais desses Estados-Membros, devendo ser entendido como uma medida de prudência [47].

[45] O limite máximo austríaco baseia-se na intenção de prevenir o perigo de aniquilação da existência do requerido. No recente debate sobre o aumento do montante máximo, a relação entre o valor de um crédito e a probabilidade de este ser contestado também desempenhou um papel considerável. Este critério tem de ser visto à luz do carácter obrigatório de que se reveste a utilização do procedimento na Áustria (infra 3.2.4). Em todos os outros Estados-Membros, cabe ao requerente optar por este procedimento, se considerar suficientemente provável que o requerido não conteste o crédito.

[46] Há que tomar em consideração, todavia, que, de um modo geral, uma sentença por contumácia pode ser normalmente objecto de recurso, ao passo que em vários Estados-Membros uma injunção de pagamento não pode sê-lo (infra 3.3.11.2).

[47] Também vale a pena referir que, na Áustria e em Portugal, o limite máximo foi consideravelmente aumentado num passado recente e que um novo aumento acaba de ser adoptado (Áustria) ou está actualmente em discussão.

Em resultado das reflexões anteriores, coloca-se a questão de saber se, e por que razões, é considerado necessário limitar o montante que pode ser exigido num procedimento de injunção de pagamento (e qual deverá ser esse limite) ou se o procedimento deve estar disponível independentemente do valor do crédito.

Pergunta 6:

O procedimento europeu de injunção de pagamento só deverá estar disponível para créditos até um determinado montante? Em caso afirmativo, qual deverá ser esse valor máximo?

3.2.4. A utilização deste instrumento deverá ser obrigatória?

Com a única excepção da Áustria, todos os Estados-Membros que dispõem de uma injunção de pagamento disponibilizam este procedimento como método opcional para a cobrança do crédito, que normalmente só será escolhido pelo credor se este tiver motivos para crer que a justificação do seu pedido não será contestada. Na Áustria, a Mahnverfahren é obrigatória e não depende de um pedido do requerente. Embora este carácter obrigatório do procedimento da injunção de pagamento como primeira fase de todos os procedimentos relativos a créditos pecuniários inferiores ao limite máximo estabelecido pela legislação austríaca possa ser explicado pelas circunstâncias específicas existentes nesse Estado-Membro [48], resta saber se esta forma de pensar é considerada adequada a nível europeu. Ao contrário do seu objectivo inicial, um procedimento de injunção de pagamento obrigatório poderá causar atrasos adicionais, se as partes tiverem de passar formalmente por esse trâmite apesar de ser claro, desde o início, que o requerido irá contestar [49].

[48] Antes da reforma da Mahnverfahren em 1983, a contestação pelo requerido invalidava pura e simplesmente a injunção de pagamento. Para prosseguir o processo, o credor era obrigado a interpor uma nova acção judicial segundo as regras dos procedimentos ordinários, o que era considerado excessivamente pesado e limitava fortemente a aceitação geral deste procedimento. A introdução de um procedimento de injunção de pagamento obrigatório, automaticamente transformado em procedimento ordinário se o crédito for contestado, parece ser considerada uma solução satisfatória para este problema. No entanto, uma passagem obrigatória pelo pedido de injunção de pagamento para dar início ao processo não parece constituir um requisito prévio para uma transição suave para o procedimento ordinário, caso o requerido conteste o crédito.

[49] As autoridades austríacas afirmam, todavia, que o carácter obrigatório do procedimento de injunção de pagamento não provoca quaisquer atrasos porque o prazo para contestar o crédito serve simultaneamente para preparar a defesa e contribui, por isso, para um tratamento mais rápido do processo no procedimento ordinário.

Pergunta 7:

A utilização de um procedimento europeu de injunção de pagamento deverá ser obrigatória ou apenas opcional, caso o credor acredite que o crédito não será contestado?

3.3. Normas que regem o procedimento

3.3.1. Competência internacional em processos transfronteiras - foro do domicílio do requerido?

Se o requerente e o requerido tiverem domicílio em dois Estados-Membros diferentes, a competência internacional é regulada pelas disposições do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho. Nos termos dessas disposições, os requeridos devem, em regra, ser demandados perante os tribunais do Estado-Membro em cujo território estão domiciliados (nº 1 do artigo 2º). O regulamento prevê, todavia, um número considerável de excepções, quer permitindo ao requerente a escolha de um foro adicional para além do do domicílio do requerido, quer mesmo prevendo uma competência exclusiva, independentemente do domicílio do requerido.

Parece valer a pena ponderar se um instrumento legislativo relativo a uma injunção de pagamento europeia deverá conter disposições especiais em matéria de competência internacional que tenham precedência sobre o Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho. Poderá ser objecto de discussão se este tipo de procedimento deve atribuir competência exclusiva aos tribunais do Estado-Membro de domicílio do requerido. Isto privaria o requerente da vantagem de poder agir judicialmente contra o requerido no seu próprio Estado-Membro de residência, ou pelo menos no Estado-Membro competente (a título exclusivo) para o processo ordinário principal, se houver contestação, em algumas instâncias. Em consequência, se o requerido contestar o crédito, o litígio poderá ter de ser transferido para outro Estado-Membro para o processo contencioso, uma vez que as regras específicas do procedimento de injunção de pagamento não deverão prejudicar as regras em matéria de competência, no que diz respeito ao procedimento ordinário. Esta transferência pode apresentar dificuldades processuais consideráveis. Todavia, estas eventuais desvantagens num pequeno número de casos poderão ser compensadas pela segurança jurídica resultante da existência de uma regra simples e clara sobre a competência internacional. Uma tal disposição também poderia contribuir para garantir os direitos da defesa. Em particular, só permitir o procedimento de injunção de pagamento no Estado-Membro de domicílio do requerido asseguraria que não seria necessário transpor qualquer fronteira para notificar a injunção de pagamento ao requerido. Dada a importância crucial desta notificação na perspectiva de salvaguarda dos direitos da defesa [50] poderiam evitar-se as potenciais complicações e atrasos da notificação ou citação transfronteiras, aumentando, assim, a rapidez e a eficiência do procedimento. De qualquer forma, deverá ser atentamente analisada a questão de as potenciais vantagens de uma regra sobre a competência para o efeito implicarem realmente um desvio em relação ao sistema bem equilibrado de competência internacional instituído pelo Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho.

[50] Mais pormenores sobre este aspecto no nº 3.3.8 infra.

Pergunta 8:

Os tribunais do Estado-Membro de domicílio do requerido deverão ter competência internacional exclusiva para um procedimento europeu de injunção de pagamento, nos casos transfronteiras?

3.3.2. Normas de determinação da competência no Estado-Membro cujos tribunais são competentes

A legislação dos Estados-Membros que dispõem de um procedimento de injunção de pagamento varia consideravelmente no que se refere à distribuição da competência em relação a esse procedimento no interior das suas fronteiras nacionais. Em alguns deles (Áustria, Itália, Luxemburgo) são aplicáveis as regras gerais de competência judiciária dos processos ordinários. Outros têm regras especiais. Em quase todos os Estados-Membros, são os tribunais do domicílio do requerido que têm competência para os procedimentos de injunção de pagamento. Frequentemente, o requerente tem também a possibilidade de recorrer ao tribunal do local onde a obrigação em causa (na maioria dos casos, o pagamento) deve ser satisfeita e/ou do local onde a execução da injunção será pedida. A Alemanha constitui a notável excepção neste aspecto, pois, em princípio, neste país são os tribunais do domicílio do requerente que são competentes para efeitos da Mahnverfahren [51].

[51] 689 (2) ZPO. Esta especificidade visa provavelmente aumentar a facilidade de utilização do sistema para credores em massa, a quem é concedida a vantagem de terem de recorrer apenas a um tribunal para todos os seus créditos, independentemente do local do domicílio do devedor. Tem de ser vista à luz do facto de o procedimento de injunção de pagamento ser um procedimento unicamente escrito, não fazendo uma grande diferença para o requerido o local de onde provém a injunção ou para onde terá de enviar a respectiva contestação. Vale a pena notar, porém, que esta regra é alterada pela alínea d) do 703, se o devedor não estiver domiciliado na Alemanha. Nestes casos, a competência é atribuída ao tribunal competente pelo processo principal (se o devedor tiver contestado o crédito), de acordo com as regras ordinárias em matéria de competência judiciária. A mesma regra é aplicável ao procedimento de injunção de pagamento perante os tribunais de trabalho. Em geral, a existência de regras jurisdicionais distintas para a Mahnverfahren, por um lado, e para os processos ordinários, por outro, torna necessário transferir o processo para outro tribunal, caso o devedor conteste o crédito e desencadeie o procedimento ordinário.

Para os requerentes de outros Estados-Membros seria, evidentemente, mais fácil utilizar regras idênticas em toda a União Europeia, evitando assim ter de fazer face às especificidades do sistema judicial do Estado-Membro onde o processo se realize. No entanto, parece ser algo questionável que um instrumento europeu inclua disposições sobre a repartição interna da competência judiciária dentro de cada Estado-Membro. Pelo contrário, estaria de acordo com o Regulamento nº 44/2001 do Conselho limitarem-se as regras jurisdicionais à determinação do Estado-Membro competente em processos transfronteiras. De qualquer modo, a existência de regras diferentes em matéria de competência judiciária exigirá que informações sobre estas regras sejam tornadas facilmente acessíveis, por exemplo, através da Rede Judiciária Europeia.

Pergunta 9:

Um instrumento europeu relativo ao procedimento de injunção de pagamento deverá conter regras que determinem quais são os tribunais competentes em cada Estado-Membro? Em caso afirmativo quais deverão ser estas regras?

3.3.3. Normas que determinam quem é o responsável efectivo pelo procedimento

Uma das linhas de demarcação fundamentais entre as denominadas escolas "probatória" e "não probatória" reside no facto de a primeira (Bélgica, França, Grécia, Itália, Luxemburgo, Espanha) atribuir a autoridade para emitir a injunção de pagamento ao juiz competente, ao passo que a segunda (Áustria, Finlândia, Alemanha, Portugal, Suécia [52]) delega esse poder nos funcionários judiciais (secretário judicial, greffier, Rechtspfleger) ou, no caso da Suécia, nos funcionários das autoridades responsáveis pela execução.

[52] Esta delegação nos funcionários judiciais no caso dos créditos não contestados também se encontra em Estados-Membros onde não existe um procedimento de injunção de pagamento, como por exemplo no Reino Unido, nas sentenças por contumácia.

Como já foi referido, esta diferença pode ser, pelo menos em parte, explicada pela discrepância estrutural entre as decisões resultantes de uma avaliação sumária do mérito da causa com base em provas escritas e as que são baseadas na mera circunstância de o devedor não contestar o crédito.

Ao optar por um desses modelos, combinar elementos de ambos ou deixar esta questão específica ao critério dos Estados-Membros, um aspecto importante a considerar é que a criação de um procedimento de injunção de pagamento tratado por funcionários judiciais pode contribuir significativamente para aliviar o volume de trabalho dos juízes e para permitir que estes se concentrem nos processos verdadeiramente "difíceis". No entanto, deverá ter-se em conta que, mesmo que o crédito em si não seja contestado pelo requerido, a pessoa efectivamente responsável pelo procedimento de injunção de pagamento poderá ter de resolver problemas jurídicos complexos como os seguintes: o documento que instituiu o processo foi adequadamente notificado ao requerido? O requerente apresentou uma justificação do crédito contraditória em si mesma, ou que poderia sugerir até uma conduta fraudulenta? O requerente explicou suficientemente porque é que tem direito a uma taxa de juro superior à prevista por lei? O requerido que não cumpriu o prazo de contestação, e que requer a anulação dos efeitos do termo do prazo, demonstrou não ter havido falta da sua parte [53]? Escusado será dizer que a capacidade dos funcionários judiciais para enfrentarem este desafio depende do grau e da qualidade da sua formação jurídica, que parece diferir substancialmente de Estado-Membro para Estado-Membro [54].

[53] Pelo menos na Áustria, as decisões sobre um pedido de anulação (Wiedereinsetzung in den vorigen Stand) e a rejeição da contestação, se for caso disso (por exemplo, se estiver atrasada) são da competência do Rechtspfleger (sob reserva das limitações explicadas na nota anterior) ao passo que na Alemanha estas questões são tratadas por um juiz.

[54] Na Áustria e na Alemanha os funcionários judiciais (Rechtspfleger) têm vários anos de formação jurídica.

Deste modo, embora a delegação de poderes seja a opção preferível, terá de se considerar cuidadosamente quais deverão ser os limites dos poderes dos funcionários judiciais no tratamento de uma injunção de pagamento europeia. Alguns Estados-Membros parecem ter tentado solucionar este problema dando a estes funcionários a oportunidade de encaminharem os "casos difíceis" para o juiz competente, ou obrigando-os a fazê-lo [55]. Neste último caso, os critérios para o envolvimento obrigatório de um juiz poderão ter de ser claramente definidos.

[55] Em Portugal as questões que suscitam dúvidas ao funcionário têm de ser decididas por um juiz. Nos procedimentos de injunção de pagamento finlandeses, os funcionários, que não têm necessariamente formação jurídica, devem encaminhar os "casos difíceis" para pessoal com formação jurídica, ou seja, notários ou juízes.

Pergunta 10:

Um instrumento relativo a uma injunção de pagamento europeia deverá conter disposições que determinem quem num tribunal (juízes, funcionários judiciais) está exactamente incumbido do procedimento e tem autoridade para emitir uma injunção de pagamento? Em caso afirmativo, quais deverão ser essas regras?

3.3.4. Requerimento para uma injunção de pagamento

3.3.4.1. Teor do requerimento, em particular no que se refere à descrição do crédito e à sua fundamentação jurídica

As informações básicas que é necessário incluir num requerimento para uma injunção de pagamento, tais como os nomes e os endereços das partes, o montante exigido, incluindo juros e despesas, se for caso disso, e a descrição das circunstâncias invocadas como base do crédito, parecem ser bastante simples e não demasiado propensas as controvérsias. Uma questão que, previsivelmente, poderá suscitar algum debate é o teor dos requisitos necessários para que haja uma descrição suficiente da origem do crédito. A actual legislação dos Estados-Membros em matéria de injunções de pagamento prevê desde condições idênticas às de um processo ordinário (Itália) até uma simples referência, de uma brevidade telegráfica, à base do crédito (Suécia, Áustria, Alemanha, Finlândia) [56]. A abordagem que deve ser escolhida neste aspecto está inextrincavelmente ligada às decisões sobre outras questões fundamentais abordadas no presente Livro Verde. Evidentemente que a qualidade e o pormenor necessários para a justificação do crédito dependem, em grande medida, do grau de análise deste último pelo tribunal. Se a injunção de pagamento resultar de uma avaliação jurídica (sumária) por parte do tribunal, a ponderação dos factos que supostamente justificam o crédito tem de ser suficientemente ampla para permitir essa análise do tribunal. Se, pelo contrário, for o requerido que tem a responsabilidade de suscitar uma análise do mérito da causa através da contestação do crédito e, na ausência dessa contestação, a injunção de pagamento for emitida sem qualquer análise, ainda que superficial, da sua justificação, basta que sejam fornecidas informações suficientes para que o requerido possa identificar o crédito e decidir se deseja ou não contestá-lo.

[56] O folheto informativo sueco apenso ao formulário-tipo utilizado no requerimento ilustra os requisitos de uma declaração clara do objecto da acção através do exemplo seguinte: compra de um automóvel, reg. No. BMG 689 em 19 de Janeiro de 1996.

Pergunta 11:

Que requisitos deverá satisfazer o teor do requerimento para uma injunção de pagamento europeia? Em particular, que condições deverão ser aplicáveis à descrição das circunstâncias invocadas como base do crédito?

3.3.4.2. Exigência de uma prova documental do crédito

A exigência de apresentação de uma prova documental do crédito já foi caracterizada como o principal elemento definidor do modelo "probatório" de um procedimento de injunção de pagamento. A clara vantagem em termos de protecção do requerido contra pedidos infundados assenta numa análise jurídica do mérito da causa pelo tribunal, com base na descrição feita pelo requerente e das provas escritas por este fornecidas. Este efeito tem de ser ponderado com as perdas de eficiência resultantes da necessidade dessa análise e as dificuldades em conciliar a necessária apresentação de provas escritas com a utilização do tratamento electrónico de dados. Em termos simples, isto resume-se à questão de saber se é indispensável a verificação pelo tribunal de que um crédito parece estar bem fundamentado ou se a contestação do crédito pode ser inteiramente deixada à responsabilidade do requerido e se a falta de contestação é por si só suficiente para justificar uma decisão a favor do requerente.

A fim de avaliar cuidadosamente o significado e o impacto da exigência de uma prova documental é essencial saber se esta deve ser entendida de forma lata ou restritiva, por outras palavras, que tipos de documentos são aceites como prova suficiente do crédito. Condições demasiado estritas, que exigissem um reconhecimento expresso do crédito pelo requerido retirariam ao procedimento de injunção de pagamento a maior parte da sua relevância prática. Pelo contrário, regras demasiado frouxas poderiam diluir o controlo susceptível de ser exercido pelo tribunal, a ponto de pôr em causa o próprio valor da exigência da prova documental. Os Estados-Membros pertencentes à escola "probatória" (Bélgica, França, Grécia, Luxemburgo, Itália, Espanha) não aplicam os mesmos critérios nesta matéria. O grau de precisão e de pormenor destas disposições é muito variável. Em França, o artigo 1407º do NCPC limita-se a enunciar a condição de que o requerimento deve ser acompanhado por documentos que o justifiquem [57], sem qualquer outra indicação sobre o que poderá ser considerado necessário para cumprir este requisito, deixando, assim, aos tribunais a missão de desenvolver orientações mais concretas na sua jurisprudência. A legislação belga vai um pouco mais longe, exigindo um documento da autoria do requerido, embora especifique que ele não tem de ser equivalente a um reconhecimento do crédito [58]. A legislação espanhola e, em especial, a legislação italiana contêm listas e definições extensas e pormenorizadas sobre aquilo que constitui uma prova documental para efeitos do procedimento de injunção de pagamento [59]. O âmbito do presente Livro Verde não permite tratar de forma aprofundada todos os documentos abrangidos por essas disposições. Bastará dizer que, nestes dois Estados-Membros, o crédito pode ser apoiado por documentos que não ostentem a assinatura do requerido e que tenham sido elaborados unilateralmente pelo requerente [60].

[57] Artigo 1407º, nº 3: "La requête doit être accompagnée des documents justificatifs". O nº 4 do artigo 11.2 da "Proposta Storme", que determina "O requerimento... deverá ser acompanhado por todas as provas documentais que sustentam o crédito" parece ser igualmente impreciso em termos qualitativos, mas mais exigente em termos quantitativos.

[58] Artigo 1338º do Código Judicial Belga (versão francesa: "... un écrit émanant du débiteur"). Os trabalhos preparatórios relativos a esta disposição dão como exemplos de documentos válidos um talão de encomenda, um recibo de entrega assinado pelo requerido e uma factura aceite.

[59] Em Espanha, artigo 812º do NLEC, em Itália, artigos 633º - 636º do C.P.C.. Em ambos os casos, as listas não são exaustivas.

[60] A disposição espanhola aceita documentos unilateralmente emanados do requerente, que comprovem quer as circunstâncias concretas do crédito em questão quer, a título complementar, outro documento que mencione o montante do crédito ou uma relação duradoura entre as partes.

Tendo em conta estas discrepâncias, parece que a complexidade de uma tentativa de desenvolver uma definição dos documentos admissíveis como prova nos procedimentos de injunção de pagamento não deve ser subestimada. Possivelmente, este será também um aspecto a ter em conta ao considerar a questão geral de saber se a emissão de uma injunção de pagamento europeia deverá depender da apresentação de uma prova escrita do crédito.

Pergunta 12:

A apresentação de prova documental do crédito em causa deverá constituir um requisito do requerimento para uma injunção de pagamento europeia? Em caso afirmativo, que tipos de documentos devem ser considerados prova suficiente do crédito?

3.3.4.3. Requisitos formais - utilização de formulários-tipo

Embora vários Estados-Membros que prevêem o procedimento de injunção de pagamento disponibilizam formulários-tipo oficiais (Áustria, Alemanha, Luxemburgo, Portugal, Suécia, Espanha) [61], a sua utilização só é obrigatória em alguns deles [62], constituindo noutros uma alternativa opcional ao requerimento inicial [63]. Nos Estados-Membros, em que pode ou deve ser apresentado um requerimento inicial, este pode ter de obedecer a requisitos idênticos aos dos processos civis ordinários [64] ou ser apenas uma versão simplificada, limitando-se a indicar as partes e respectivos domicílios, o montante e a origem do crédito [65].

[61] Em França, os formulários-tipo não oficiais são distribuídos por editoras privadas.

[62] Na Áustria, na Alemanha (excepto nos casos em que a notificação ou citação tem de ser efectuada no estrangeiro) e Portugal (a não ser que o formulário seja inadequado para o processo em questão).

[63] É o caso do Luxemburgo, onde também se pode iniciar um processo de forma simplificada através de uma déclaration au greffe (requerimento apresentado ao tribunal) oral ou escrita.

[64] Itália.

[65] Espanha (artigo 814º do NLEC).

A utilização de formulários-tipo é uma forma específica de estruturar a informação necessária para dar início ao processo de injunção de pagamento, podendo servir para diversas finalidades. Em primeiro lugar, auxilia o requerente, especialmente se este não for representado por um advogado, facultando-lhe a lista exaustiva das questões que devem ser abordadas para que o requerimento seja admissível, de preferência acompanhada de alguns comentários explicativos sobre cada uma delas. Em segundo lugar, é um instrumento importante para facilitar a utilização do tratamento electrónico de dados, em especial se este for combinado com a possibilidade de transmissão electrónica do requerimento ao tribunal. Além disso, nos processos transfronteiras, a existência de formulários-tipo multilíngues pode contribuir significativamente para simplificar e acelerar os processos, reduzindo ao mínimo a necessidade de tradução e os consequentes custos e atrasos. Por último, um requerimento normalizado afigurar-se-ia o pré-requisito necessário para uma decisão uniformizada, que poderia circular livremente em toda a Comunidade, para efeitos de execução.

A criação de um formulário-tipo europeu, se fosse considerada essencial à luz das considerações anteriores, apresentaria vários problemas técnicos. Numa série de questões como, por exemplo, as categorias de despesas cujo reembolso pode ser exigido, as regras nacionais diferem significativamente, facto que teria de se reflectir, provavelmente, no próprio formulário-tipo, bem como nos comentários explicativos. A limitação da uniformidade do formulário às questões essenciais, permitindo alguma flexibilidade para que os Estados-Membros adaptem outras questões às suas necessidades individuais ou incluam elementos adicionais, talvez possa ser uma estratégia viável para resolver estas dificuldades.

Pergunta 13:

A utilização de um formulário-tipo para apresentar um requerimento de injunção de pagamento europeia deverá ser obrigatória? Em caso afirmativo, qual deverá ser o teor do formulário-tipo?

3.3.4.4. Apresentação do requerimento ao tribunal por meios electrónicos e utilização do tratamento electrónico de dados em geral

Comunicação entre o tribunal e as partes

A comunicação entre o tribunal e as partes através de meios electrónicos, especialmente através do correio electrónico, oferece potencialidades para uma maior simplificação dos procedimentos e uma poupança substancial de dinheiro e de tempo. Isto parece ser particularmente convincente nos processos transfronteiras, tendo em conta os atrasos consideráveis que se verificam frequentemente no serviço postal ordinário ou na citação e notificação formal de actos de um Estado-Membro para outro. Além disso, a crescente utilização do processamento electrónico de dados pelos tribunais dos Estados-Membros no tratamento dos processos de injunção de pagamento poderia ser ainda mais facilitada pela apresentação electrónica de requerimentos (normalizados), pois os tribunais não teriam de duplicar o trabalho já feito pelo requerente ao introduzir o requerimento no seu sistema informático. A transmissão electrónica de um documento ao tribunal pelo requerente parece apresentar mais dificuldades técnicas do que jurídicas, uma vez que não implica as mesmas complicações que a notificação formal de actos judiciais por meios de comunicação electrónicos.

Há, por isso, vários Estados-Membros que permitem, ou estão, pelo menos, a experimentar, a introdução dos requerimentos através de meios electrónicos [66]. Não é surpreendente que os Estados-Membros mais avançados neste aspecto sejam também aqueles que mais utilizam o tratamento electrónico de dados na gestão do procedimento de injunção de pagamento em geral.

[66] Na Alemanha, um requerimento só pode ser apresentado em linha em alguns tribunais distritais onde a competência pelos processos de injunção de pagamento foi centralizada (ver supra 3.3.2, nota 50) e é globalmente informatizada.

Um instrumento legislativo relativo a uma injunção de pagamento europeia não deverá impedir, mas sim incentivar, uma maior abertura ao progresso tecnológico, a fim de promover um tratamento mais eficiente dos processos, desde que isso não ponha em causa o direito das partes a um julgamento justo. Parece, porém, muito duvidoso que uma proposta deva prever a disponibilidade de determinados métodos de comunicação com os tribunais, pois isso poria sob grande tensão os recursos dos Estados-Membros que ainda não desenvolveram suficientemente a infra-estrutura informática dos seus sistemas judiciais.

A questão de saber se, e em que medida, será possível alargar esses meios à notificação dos actos às partes [67] depende da evolução técnica futura, sobretudo no que diz respeito à segurança e à fiabilidade das comunicações electrónicas.

[67] Sobre a notificação dos documentos de forma mais circunstanciada, ver infra 3.3.8.

Gestão do processo pelo tribunal

A potencial utilização das tecnologias da informação não está limitada à comunicação entre o tribunal e as partes, podendo também revelar-se um instrumento importante na gestão dos processos pelo tribunal. Toda a libertação de tarefas susceptíveis de serem realizadas informaticamente contribui para que os tribunais possam dedicar mais tempo às questões verdadeiramente complexas. Uma vez que os casos que podem ser tratados num procedimento de injunção de pagamento são "fáceis", se não forem contestados, e devem ser apresentados ao tribunal de forma uniformizada, parecem ser os candidatos naturais a uma maior utilização do processamento electrónico de dados.

Actualmente, vários Estados-Membros (Áustria, Finlândia, França, Suécia) aplicam o tratamento electrónico de dados nos seus processos de injunção de pagamento de forma puramente auxiliar, para registar os processos, controlar os prazos, calcular os custos, etc. A decisão sobre o requerimento de uma injunção de pagamento, em si mesma, incumbe à pessoa encarregada do processo, quer seja um juiz ou um funcionário judicial. A Alemanha, por outro lado, deu um significativo passo em frente na utilização do processamento electrónico de dados ao informatizar totalmente o procedimento em vários tribunais distritais. O software utilizado em conjugação com formulários-tipo especiais permite uma verificação automática das informações em falta, da inadmissibilidade ou falta de fundamento evidente, bem como de outras circunstâncias extraordinárias (um requerido residente no estrangeiro, uma taxa de juro anormalmente elevada, etc.) [68]. O processo só é analisado pelo funcionário judicial se forem detectados problemas durante essa verificação. Caso contrário, o próprio sistema emite a injunção de pagamento, bem como, se não houver objecções por parte do requerido, a segunda decisão, o título executivo e uma factura dos custos, sem o envolvimento de qualquer ser humano. Se o requerido contestar a acção dentro do prazo, o processo é automaticamente transferido para o tribunal e transformado num processo ordinário.

[68] Na Áustria, também é realizada uma verificação semelhante automaticamente.

Os parágrafos anteriores deverão ter demonstrado como as possibilidades de utilização da tecnologia informática e das comunicações electrónicas são importantes e multifacetadas. Tendo em conta que essas questões estão estreitamente interligadas com outras decisões estratégicas sobre os princípios fundamentais de um procedimento europeu de injunção de pagamento [69], o presente Livro Verde deverá servir de base a uma ampla discussão sobre o papel das comunicações electrónicas e do tratamento electrónico de dados num instrumento europeu.

[69] É evidente, por exemplo, que um procedimento informatizado semelhante ao modelo alemão descrito no texto só é concebível se o tribunal não proceder a um exame do mérito da causa, o qual só poderá evidentemente ser realizado por um ser humano.

Pergunta 14:

Qual deverá ser o papel da tecnologia informática e do tratamento electrónico de dados

a) na comunicação entre o tribunal e as partes e

b) na gestão do procedimento europeu de injunção de pagamento pelo tribunal?

3.3.5. Amplitude da análise do crédito pelo tribunal

Parece ser evidente que o tribunal, após recepção de um requerimento para uma injunção de pagamento, tem de verificar a sua admissibilidade (se a acção em causa integra o âmbito de aplicação do procedimento de injunção de pagamento, ou seja, se é uma acção de direito civil, se diz respeito a um crédito pecuniário, se o eventual formulário-tipo obrigatório foi correctamente preenchido, se o requerimento está assinado, etc.) e a sua própria competência internacional ex officio [70].

[70] Nos termos do nº 1 do artigo 26º do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho, quando o requerido domiciliado no território de um Estado-Membro for demandado perante um tribunal de outro Estado-Membro e não compareça, o juiz declarar-se-á oficiosamente incompetente se a sua competência não resultar das disposições desse regulamento.

Quanto ao mérito do causa, a clivagem entre os denominados tipos "probatório" e "não probatório" de procedimento de injunção de pagamento fica, mais uma vez, patente. Regra geral, nos Estados-Membros que aderem ao modelo "probatório", uma injunção de pagamento só pode ser emitida se da avaliação das informações dadas e das provas documentais apresentadas pelo requerente se concluir que o crédito está bem fundamentado. Pelo contrário, de acordo com a escola "não probatória", uma decisão a favor do requerente não depende de qualquer exame prévio da justificação do crédito em questão [71]. A escolha de uma dessas opções está inextrincavelmente ligada à preferência por um dos dois sistemas e às suas características determinantes em geral. Como já foi apontado em relação à exigência de uma prova do crédito ou à necessidade do envolvimento de um juiz propriamente dito, a filosofia da plena responsabilidade do requerido para evitar uma decisão que lhe seja contrária e pelo desencadeamento do processo de contestação deve ser equacionada com o princípio de uma protecção mínima do requerido.

[71] Na Áustria, nos termos do 448 (2) do ZPO, a injunção de pagamento não deve ser emitida se o crédito não for manifestamente accionável (por exemplo, dívidas de jogo) ou ainda se não for exigível. Para além disso, na ausência de disposições expressas nesta matéria, foi debatido na doutrina se, e em que medida, se deve examinar o fundamento do crédito. A prática dos tribunais costumava ser muito liberal nesse aspecto. Contudo, a nova legislação, que entrará em vigor a partir de 1 de Janeiro de 2003, clarifica expressamente que o tribunal deve realizar um exame sumário da justificação do crédito, segundo as mesmas directrizes utilizadas antes de se proferir uma sentença por contumácia, isto é, com base na informação factual fornecida pelo requerente, que não tenha sido contestada.

Para preparar essa escolha, poderá ser instrutivo tomar em consideração os seguintes aspectos relativos à aplicação prática de cada um destes princípios.

É importante não esquecer que os próprios Estados-Membros que se abstêm de proceder a um exame institucionalizado do mérito da causa possuem uma certa "válvula de segurança", na medida em que, seguindo disposições expressas nesse sentido ou uma prática institucionalizada, os requerimentos manifestamente infundados são rejeitados [72]. Por outras palavras, a necessidade de uma certa protecção dos requeridos que permanecem passivos contra acções infundadas é reconhecida mesmo no modelo "não probatório". Um instrumento europeu inspirado neste modelo deveria conter, possivelmente, uma regra expressa que definisse, da forma mais clara possível, os deveres dos tribunais nessa matéria.

[72] De acordo com a secção 23 da lei sueca relativa aos processos sumários, "se puder presumir-se que o crédito reclamado pelo requerente... é infundado ou injustificado, o requerimento deverá ser tratado como se tivesse sido contestado pelo requerido". Na doutrina são dados os seguintes exemplos:

Na verdade, as diferenças práticas entre a protecção mínima oferecida pela eliminação das acções manifestamente infundadas e o exame do crédito na medida do necessário de acordo com o procedimento "probatório" de injunção de pagamento só poderão ser adequadamente avaliadas se existirem informações suficientes sobre a amplitude desse exame. Parece ser uma consequência inevitável do carácter unilateral dos procedimentos que antecedem a decisão que o critério aplicado pelos tribunais seja um critério de plausibilidade ou de credibilidade e não uma avaliação aprofundada da justificação do crédito. O facto de o tribunal estar em condições para efectuar mais do que um controlo muito superficial do mérito da causa depende em grande medida dos requisitos aplicáveis às provas documentais e da explicação dada pelo requerente [73]. O simples facto de, em todos os Estados-Membros que optaram pelo modelo "probatório", os juízes só emitirem uma injunção de pagamento se considerem que o crédito tem fundamento não exclui a existência de variações significativas na aplicação deste princípio na prática, nem garante, por si só, um nível elevado de protecção do requerido. Para assegurar normas iguais em toda a Europa, poderão revelar-se necessárias algumas orientações gerais sobre a minuciosidade da análise do mérito da causa.

[73] Pode considerar-se que o facto de, na Itália e na Grécia, o tribunal poder convidar o requerente a apresentar documentos adicionais ou a explicitar melhor alguns aspectos ou pormenores, caso considere o requerimento inicial insuficiente, indicia um controlo um pouco mais rigoroso da justificação do crédito. Em última análise, seriam necessárias informações adicionais sobre a aplicação habitual destas regras em todos os Estados-Membros pertencentes à escola "probatória" para tratar estas questões minuciosamente.

Pergunta 15:

Deverá realizar-se um exame da justificação do crédito antes da emissão de uma injunção de pagamento europeia? Em caso afirmativo, quais deverão ser os critérios desse exame?

3.3.6. Decisão do tribunal sobre a injunção de pagamento

3.3.6.1. Deverá ser possível uma injunção de pagamento parcial?

Se o requerimento só preencher as condições formais ou substantivas em relação a uma parte do crédito em causa, mas não para a sua totalidade, coloca-se a questão se deverá ser emitida uma injunção de pagamento para a parte que satisfaz os requisitos [74]. Vários Estados-Membros (Alemanha, Luxemburgo) respondem negativamente a esta pergunta, no tocante aos seus sistemas nacionais, e adoptam uma clara atitude de "tudo ou nada". Se a injunção de pagamento não puder ser integralmente concedida, incluindo a taxa de juro e os custos exigidos, deve ser rejeitada na sua totalidade [75].

[74] Esta situação deve ser distinguida da de uma injunção de pagamento relativa a um crédito que seja depois apenas parcialmente contestado pelo requerido.

[75] 691 (1) do ZPO alemão. Na Áustria, só se aplica a mesma regra se o crédito for parcialmente infundado. Se, todavia, o requerimento for parcialmente inadmissível, pode ser emitida uma injunção de pagamento para o resto do crédito.

Os sistemas francês e belga adoptam uma abordagem diferente. Se o juiz competente considerar que o crédito em causa apenas se justifica parcialmente, emite uma injunção de pagamento para a fracção válida do requerimento. Não há recurso contra essa decisão, mas o requerente tem duas opções para reagir à recusa parcial. Se estiver decidido a exigir a totalidade do crédito, incluindo a parte rejeitada pelo tribunal, deve abster-se de notificar a injunção de pagamento ao requerido e dar início a um processo ordinário. Se, pelo contrário, prosseguir com a notificação e a execução da injunção de pagamento parcial, perde o direito de iniciar outros processos judiciais relativamente ao resto do crédito [76].

[76] Art. 1409º NCPC: "Si, au vu des documents produits, la demande lui paraît fondée en tout ou partie, le juge rend une ordonnance portant injonction de payer pour la somme qu'il retient. ...Si le juge ne retient la requête que pour partie, sa décision est également sans recours pour le créancier, sauf a celui-ci à ne pas signifier l'ordonnance et à procéder selon les voies de droit commun". (Se, perante os documentos apresentados, o requerimento lhe parecer fundamentado, no todo ou em parte, o juiz emite um despacho de injunção de pagamento no valor aceite... Se o juiz apenas aceitar parte do requerimento, o credor também não poderá recorrer desta decisão, restando-lhe não notificar o despacho e seguir os procedimentos judiciais comuns).

No entanto, há que ter em conta o facto de as diferenças entre estes dois sistemas poderem ser muito reduzidas na prática quotidiana. Se, por exemplo, os tribunais, seguindo uma prática instituída, ou mesmo uma disposição expressa, derem ao requerente a oportunidade de corrigir as insuficiências do requerimento ou de o reduzir a um montante ou a uma taxa de juro que permita a emissão de uma injunção de pagamento [77], antes de rejeitarem o pedido, isto equivale praticamente a deixar ao requerente a decisão de se contentar com o montante considerado justificado pelo tribunal ou recorrer a um processo ordinário para recuperar a totalidade do crédito.

[77] Essa obrigação existe na Alemanha, por força do 691 (1) do ZPO.

De qualquer modo, os dois métodos que acabámos de descrever pretendem ambos evitar a divisão de um caso único em dois processos distintos, um procedimento de injunção de pagamento parcial e um procedimento civil ordinário parcial, com a consequente complexidade que tal implicaria e que seria contrária ao objectivo principal de um procedimento de injunção de pagamento que é o de simplificar a cobrança de créditos que se presume não virem a ser contestados.

Pergunta 16:

Deverá ser possível conceder uma injunção de pagamento europeia apenas para parte do crédito em causa?

3.3.6.2. Modelo normalizado da decisão

Como já foi referido, a utilização de formulários-tipo para o requerimento e para a decisão sobre o requerimento estão estreitamente interligadas. Ambas oferecem vantagens semelhantes, embora evidentemente em fases diferentes do procedimento. Enquanto um formulário-tipo para iniciar a acção facilita o acesso à justiça, uma decisão normalizada diminuiria os encargos de execução noutro Estado-Membro que não aquele onde a injunção de pagamento foi emitida.

Se a injunção de pagamento europeia fosse directamente executória noutros Estados-Membros, todas as informações necessárias para a execução teriam de estar clara e inequivocamente indicadas na injunção. Para citar apenas um exemplo das dificuldades práticas susceptíveis de surgirem em alguns Estados-Membros é adicionada uma certa taxa de juro ao crédito ex officio e não é mencionada ou meramente referida na decisão como sendo a taxa de juro legal. Isto pode não exigir explicações para as autoridades responsáveis pela execução no Estado-Membro onde a decisão foi proferida, mas será incompreensível, e logo não executável, no estrangeiro. Por este motivo, um modelo a utilizar nas injunções de pagamento terá de declarar explicitamente a taxa de juro aplicável em termos numéricos, mesmo que isso não seja normalmente necessário nos termos da lei do Estado-Membro em que a injunção é emitida. Para poder desenvolver um formulário que responda a estas necessidades de forma tão ampla quanto possível, o Estado-Membro e outros círculos experientes dariam um contributo valioso informando a Comissão sobre os problemas deste género que surgem frequentemente no contexto da execução das decisões emitidas noutros Estados-Membros.

Pergunta 17:

A injunção de pagamento europeia deverá ser emitida de forma normalizada? Em caso afirmativo, qual deverá ser o conteúdo da decisão normalizada?

3.3.6.3. Possibilidade de recurso do requerente contra a recusa (parcial) de emitir uma injunção? Possibilidade de requerer uma injunção de pagamento repetidamente?

A exclusão da possibilidade de recurso contra uma decisão de rejeição do requerimento para uma injunção de pagamento parece ser prática corrente entre os Estados-Membros que têm um procedimento de injunção de pagamento. A explicação simples e convincente para a ausência desta possibilidade reside no facto de o requerente não estar impedido de iniciar um processo civil ordinário respeitante ao mesmo crédito. Vários Estados-Membros permitem até a apresentação de um novo requerimento para uma injunção de pagamento depois de corrigidas as insuficiências formais ou materiais que levaram a que fosse recusada uma decisão favorável ao requerimento inicial [78]. Poderia ser útil considerar a possibilidade de incluir uma disposição expressa nesse sentido num instrumento europeu [79].

[78] Parece ser o caso, pelo menos, da Itália, Luxemburgo e Alemanha. Quanto aos outros Estados-Membros, o texto das disposições pertinentes não prevê expressamente essa possibilidade.

[79] A Proposta Storme esclarece, no seu artigo 11.4 que "se o tribunal recusar o requerimento no todo ou em parte, essa recusa não deverá ter o efeito de res iudicata. Não poderá haver recurso contra essa recusa".

Pergunta 18:

O recurso contra a recusa (parcial) de uma injunção de pagamento europeia deverá ser inadmissível? Deverá ser possível apresentar um novo requerimento de injunção de pagamento europeia relativo ao mesmo crédito, após tal recusa?

3.3.7. Informação do requerido sobre os seus direitos e deveres processuais juntamente com a decisão

A fim de assegurar um julgamento justo, o requerido tem de ser adequadamente informado dos seus direitos e deveres processuais juntamente com a injunção de pagamento. Não pode considerar-se, de modo algum, como certo que o requerido está familiarizado com as características específicas de um procedimento de injunção de pagamento. Por conseguinte, uma informação concisa mas exaustiva constitui uma condição prévia para que os prazos possam ser curtos e para se poder partir do princípio de que, nesses prazos, o requerido pode decidir, com pleno conhecimento de causa, se contesta ou não o crédito, sem ter de obter aconselhamento jurídico. Embora o teor exacto dessa notificação varie ligeiramente de Estado-Membro para Estado-Membro, os seguintes elementos básicos parecem ser incontroversos:

* A possibilidade de contestação e o prazo para a apresentar, bem como os requisitos formais a que deve obedecer, incluindo o endereço do tribunal ou da autoridade para onde deve ser enviada

* carácter executório da injunção de pagamento, se o crédito não for contestado dentro do prazo

Se o crédito não tiver sido apreciado pelo tribunal quanto à sua substância, antes da emissão de uma injunção de pagamento europeia, poderá considerar-se necessário que o requerido seja informado desse facto, para que não fique com a impressão de que o crédito poderá ser considerado infundado sem qualquer intervenção activa da sua parte [80]. Além disso, no caso de um procedimento numa só etapa, sem qualquer outra possibilidade de recurso ordinário contra a decisão se não houver contestação, poderá afigurar-se adequado avisar o requerido deste facto [81].

[80] O 692 (1) nº 2 do ZPO alemão impõe essa informação. Do mesmo modo, na Áustria o requerido é notificado de que a injunção de pagamento se baseia nas informações fornecidas pelo requerente sem qualquer controlo da sua correcção.

[81] O artigo 1413º do NCPC francês contém uma obrigação nesse sentido.

A imposição de um dever de informar adequadamente o requerido suscita, evidentemente, a questão conexa das consequências jurídicas do não cumprimento desta obrigação. Neste aspecto, é de salientar que a nulidade da injunção de pagamento é a consequência da não observância das regras pertinentes em alguns [82], mas não em todos os Estados-Membros. Na Áustria e na Itália, por exemplo, a não informação correcta do requerido sobre o prazo para contestar o crédito não tem quaisquer consequências, uma vez que o requerido é considerado responsável pela recolha das informações necessárias para preparar a defesa e o prazo oficial é aplicável independentemente de ter sido notificado juntamente com a injunção de pagamento. Dada esta importante diferença, teria de ser inevitavelmente criada uma norma uniforme no contexto de um instrumento europeu, a fim de garantir uma mesma protecção dos direitos da defesa em toda a Comunidade.

[82] Em França, o artigo 1413º do NCPC e, no Luxemburgo, o artigo 134º do NCPC são muito claros a esse respeito ("a peine de nullité"- sob pena de nulidade).

Pergunta 19:

Que elementos deverão constar da informação dada ao requerido sobre os seus direitos e deveres processuais em anexo a uma injunção de pagamento europeia? Quais deverão ser as consequências do incumprimento desta obrigação?

3.3.8. Notificação da injunção de pagamento ao requerido

Se fosse necessário identificar o elemento potencial mais importante e mais complexo de uma injunção de pagamento europeia, as normas que regem a notificação da injunção de pagamento ao requerido seriam um dos principais.

A especial importância das regras relativas à citação e à notificação no contexto de um procedimento de injunção de pagamento é fácil de explicar. A citação e a notificação não se limitam, como acontece em muitas outras áreas do direito processual, a fazer correr o prazo, servindo, também, de ponto de referência para determinar se o requerido cumpriu o prazo de contestação do crédito. Uma das características da injunção de pagamento é o facto de esta só ser emitida e se tornar executória se o requerido não participar no processo judicial. Parte-se do princípio de que esta passividade resulta de uma decisão consciente, assente na avaliação que o requerido faz da justificação do crédito em causa, ou de uma indiferença deliberada pela acção judicial. A ausência de uma reacção explícita por parte do requerido leva a que a citação ou notificação correcta e oportuna dos actos que o informam do crédito em causa, dos seus direitos e deveres processuais e da consequência da não participação seja a única prova de que foi dada ao requerido a possibilidade de optar conscientemente pela não contestação do crédito.

Os Estados-Membros desenvolveram regras respeitantes à citação ou notificação dos actos que são baseadas em filosofias manifestamente divergentes. Como ponto de partida, poderá presumir-se com segurança que todos concordam ser desejável entregar os actos pessoalmente ao destinatário, mas que, na prática, isso é muitas vezes difícil de realizar, devendo admitir-se alguns métodos substitutivos para tornar o sistema funcional. Os diversos Estados-Membros encontraram, todavia, soluções que dificilmente se poderiam imaginar mais distantes. Para ilustrar esta diversidade, basta descrever brevemente as regras processuais inglesas e francesas. Em Inglaterra, o principal método de notificação e citação é o correio ordinário de primeira classe e sem aviso de recepção. Este sistema baseia-se na presunção de que o acto em causa chegou efectivamente às mãos do requerido, sem que haja qualquer prova nesse sentido, e pressupõe um elevado grau de confiança na fiabilidade dos serviços postais. Para os casos excepcionais em que a citação ou notificação não foi efectuada adequadamente, a vítima desse mau funcionamento dispõe do recurso de requerer a anulação de uma decisão do tribunal tomada na sequência de uma notificação ou citação inadequadas. Em forte contraste com esta abordagem pragmática e pouco onerosa, a legislação francesa só confia a notificação de uma injunção de pagamento a profissionais liberais especializados (huissiers de justice), com vasta formação jurídica, que não só devem entregar a injunção ao requerido como são obrigados a explicar ao destinatário o significado jurídico do documento, para além das instruções escritas que figuram já na própria decisão do tribunal. Se o destinatário não for encontrado e tiver de ser utilizado um método de notificação substitutivo, o direito processual francês demonstra a sua falta de confiança nestes métodos retirando à notificação a maior parte das suas consequências legais. A própria notificação pessoal de uma injunção de pagamento, por exemplo, ao cônjuge do requerido não desencadeia o prazo para a contestação do crédito e isso só acontece a partir do primeiro acto de execução do seu património, que é o último momento possível para o requerido tomar conhecimento do processo. Sem dúvida que o sistema francês proporciona uma forte salvaguarda dos direitos da defesa, mas também, escusado será dizer, que a utilização de juristas formados para a notificação dos actos implica custos elevados.

Teoricamente, seria possível elaborar um instrumento legislativo respeitante a uma injunção de pagamento europeia sem incluir quaisquer regras sobre a citação e a notificação dos actos e deixar as questões pertinentes a cargo da legislação nacional ou, nos processos transfronteiras, da legislação nacional em conjugação com o Regulamento (CE) nº 1348/2000 do Conselho, de 29 de Maio de 2000, relativo à citação e à notificação dos actos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial nos Estados-Membros [83].

[83] JO L 160 de 30.06.2000, p. 37.

No entanto, pode ser algo difícil imaginar um procedimento de injunção de pagamento genuinamente europeu sem uma certa aproximação das regras em matéria de citação e de notificação. A executoriedade automática da decisão em todos os Estados-Membros, que deverá ser um elemento integrante de uma injunção de pagamento europeia, é dificilmente concebível sem regras de notificação e citação comuns. Esta é a lição inequívoca que pode ser retirada dos trabalhos preparatórios da proposta de regulamento que cria o Título Executivo Europeu para créditos não contestados, recentemente adoptada, nos quais, à luz do significado prático do nº 2 do artigo 27º da Convenção de Bruxelas de 1968 [84] como principal obstáculo ao reconhecimento e à execução, foi unanimemente considerado indispensável garantir algumas normas mínimas em matéria de notificação e de citação como requisito prévio para a supressão do exequatur. A própria proposta contém requisitos mínimos relativamente pormenorizados a este respeito, sem uma obrigação jurídica de os Estados-Membros adaptarem a sua legislação a esses requisitos. A observância destas regras constitui, antes, uma condição necessária para que uma decisão judicial seja certificada como título executivo europeu, o que permite, por sua vez, a livre circulação da decisão para efeitos de execução.

[84] Agora, com uma pequena alteração, nº 2 do artigo 34º do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho, que entrou em vigor em 1 de Março de 2002.

Parece inevitável que, na ausência de disposições comuns vinculativas relativas à notificação e à citação, uma injunção de pagamento europeia tenha de ser sujeita ao mesmo processo de certificação ou mesmo a um procedimento de exequatur. A fim de evitar esta consequência lamentável, que despojaria o procedimento de grande parte do seu interesse, uma iniciativa legislativa deveria, em princípio, dar um importante passo em frente e empreender uma verdadeira aproximação das normas que regem a notificação dos documentos [85].

[85] Também deve tomar-se nota do facto de o programa de reconhecimento mútuo especificar na secção II B 1 que "Para aumentar a segurança, a eficácia e a rapidez da notificação ou citação dos actos judiciais, que constituem obviamente um dos fundamentos da confiança recíproca entre sistemas judiciários nacionais, será prevista uma harmonização das normas aplicáveis nesta matéria, ou a elaboração de normas mínimas". Um procedimento de injunção de pagamento parece ser a área em que os progressos nesta matéria são mais indispensáveis.

A multiplicidade de questões suscitadas nesse contexto está aberta à discussão. Referindo apenas algumas: a aproximação deverá limitar-se ao procedimento de injunção de pagamento, criando assim um conjunto de regras distinto para um tipo de processo específico, ou deverá estender-se à notificação dos actos em geral, possivelmente num instrumento legislativo separado? Deverá ser escolhida uma abordagem de normas mínimas ou deverá procurar-se uma harmonização mais vasta? Que métodos de notificação e citação, em especial que métodos substitutivos, deverão ser aceites? Poderão as disposições pertinentes da proposta de regulamento do Conselho que cria o Título Executivo Europeu servir de inspiração nesse aspecto?

O presente Livro Verde destina-se a lançar um amplo debate sobre todas estas questões, primordialmente centrado na citação ou na notificação de um acto específico, a injunção de pagamento, num contexto específico, mas com potenciais ramificações para além desse domínio.

Pergunta 20:

Um instrumento legislativo respeitante a uma injunção de pagamento europeia deverá incluir disposições sobre a citação e a notificação dos actos para este procedimento específico ou deverá ser acompanhado pela harmonização das regras aplicáveis à notificação e à citação em geral? Em caso afirmativo, qual deverá ser o teor dessas regras?

3.3.9. Contestação pelo requerido

3.3.9.1. Prazos para a contestação

O prazo para a contestação do crédito, nos termos da legislação nacional, varia entre uma semana [86] e sessenta dias [87] a contar da notificação da injunção de pagamento ao requerido, concedendo a maioria dos Estados-Membros um prazo de mais ou menos duas semanas [88]. Alguns Estados-Membros (Itália, Suécia) não estabelecem um prazo fixo, adoptando uma atitude mais flexível ao darem ao tribunal ou à autoridade competente a possibilidade de adaptar o prazo às circunstâncias específicas de cada caso, dentro de certos limites. A França e Portugal estabelecem uma ligação directa entre o método de notificação da injunção de pagamento e a duração ou o cálculo do prazo, de modo a que este seja mais generoso para com um requerido que não tenha recebido a injunção de pagamento pessoal e directamente da pessoa que efectuou a notificação [89]. Na Alemanha, o prazo é alargado para mais do dobro, podendo atingir um mês, se o requerido estiver domiciliado no estrangeiro, noutro Estado-Membro ou num país signatário da Convenção de Lugano.

[86] Na Alemanha, o prazo de uma semana apenas é aplicável aos processos nos tribunais de trabalho. Na Suécia, o prazo é determinado caso a caso, mas normalmente dez dias são considerados suficientes para os processos ordinários.

[87] Na Itália, o prazo oficial normal foi fixado em 40 dias, mas pode ser adaptado às necessidades do processo em causa e ser reduzido para um mínimo de 10 dias ou alargado para um máximo de 60 dias.

[88] Bélgica (15 dias), Finlândia (normalmente 14 dias), Alemanha (14 dias para os processos em tribunais ordinários), Grécia (15 dias), Luxemburgo (15 dias), Portugal (15 dias), Espanha (20 dias). Na Suécia, o prazo não pode exceder duas semanas sem razões bem precisas. Na Áustria, o actual prazo de 14 dias será aumentado para 4 semanas a partir de 1 de Janeiro de 2003 concomitantemente com o aumento do montante máximo que pode ser exigido num processo de injunção de pagamento para 30 000 euros. Em França, o requerido tem um mês para contestar o crédito.

[89] Em Portugal, o prazo é prorrogado 5 dias (isto é, para 20 dias) nesse caso. Em França, a consequência da notificação não pessoal ao requerido é muito mais drástica, na medida em que o prazo permanece inalterado mas só começa a correr a partir do momento da primeira medida de execução tomada contra os bens do requerido (artigo 1416 NCPC).

Esta breve panorâmica mostra a grande variedade de opções em matéria de prazos, que vai muito além da simples determinação de um certo número de dias e semanas. Em última análise, a escolha de um prazo é uma questão bastante técnica, que não deverá apresentar grandes problemas. Há que não esquecer, todavia, que quanto mais exigentes forem os requisitos formais e substantivos aplicáveis à contestação mais tempo será necessário para preparar a defesa. Além disso, a importância do prazo de contestação depende em grande medida de o procedimento ter uma ou duas etapas. Se for concedida uma segunda oportunidade ao requerido para contestar o crédito, opondo-se a uma segunda decisão proferida depois de terminado o prazo, uma oposição atrasada contra a primeira decisão teria simplesmente de ser interpretada como uma contestação à segunda decisão [90]. Num procedimento numa só etapa, pelo contrário, depois de passado o prazo de contestação, a injunção de pagamento não só se torna executória, como adquire, simultaneamente, o estatuto de res iudicata.

[90] Na Alemanha, país onde a injunção de pagamento não se torna executória depois de expirado o prazo, mas é seguida de um título executivo que deverá ser emitido a pedido do requerente, o 694 do ZPO especifica que uma contestação atrasada da injunção de pagamento deve ser aceite, desde que não tenha sido emitido nenhum título executivo (isto é, essa contestação impede a emissão do título executivo por mais tardiamente que tenha sido apresentada), e que ela deve ser considerada como uma objecção ao título executivo, se este último já tiver sido emitido. A situação parece ser semelhante no Luxemburgo.

Pergunta 21:

Qual deverá ser o prazo para contestar o crédito? O prazo de contestação deverá ser influenciado por certas características específicas do processo e, em caso afirmativo, quais?

3.3.9.2. Requisitos aplicáveis à contestação

Em muitos Estados-Membros (França, Alemanha, Suécia), os requisitos formais e substantivos para contestar o crédito são os mínimos possíveis. Basta que o requerido apresente uma declaração escrita dizendo que contesta o crédito sem necessidade de mais explicações. Muitas vezes, a própria injunção de pagamento é acompanhada de um formulário-tipo muito simples para a contestação, que tem de ser preenchido, assinado e devolvido ao tribunal [91].

[91] Na Alemanha, por exemplo, o requerido apenas tem de dizer se contesta o crédito no todo ou em parte assinalando no local próprio. No segundo caso, deve especificar que parte do crédito contesta.

Noutros Estados-Membros (Itália, Luxemburgo, Portugal, Espanha), porém, a contestação deve conter, pelo menos, um resumo das razões de contestação do crédito. Na Itália, o requerido tem até de apresentar uma lista completa dos motivos para a sua contestação, sendo penalizado se não o fizer através da proibição de invocar novos argumentos numa fase posterior do processo. Na Áustria, após a última reforma do procedimento de injunção de pagamento, uma contestação não fundamentada só é admissível nos processos julgados num tribunal distrital, que é competente para créditos até 10 000 euros (Bezirksgericht). Em processos que envolvam um crédito de valor mais elevado (isto é, julgados pelo Gerichtshof) a resposta do requerido tem de cumprir as regras processuais ordinárias aplicáveis à contestação [92].

[92] Tendo em conta a jurisprudência dos tribunais austríacos nos processos ordinários, é, todavia, de esperar que uma contestação seja considerada admissível mesmo que não cumpra os requisitos relativos ao seu conteúdo. As consequências desse não cumprimento limitam-se ao impedimento do requerido de contestar a competência do tribunal numa fase ulterior e a alguns aspectos relativos aos custos.

Um tal requisito poderia suscitar possivelmente uma variedade de complexos problemas jurídicos, se fosse entendido que uma determinada norma mínima relativa ao teor da contestação sobre a substância do crédito era uma condição necessária para a admissibilidade da própria contestação [93]. O facto de o tribunal poder rejeitar uma contestação como inadmissível por não ser suficientemente fundamentada poderia ser uma questão delicada e não contribuiria necessariamente para a transparência e a inteligibilidade de um procedimento de injunção de pagamento. Afinal, mesmo que a contestação tenha uma falta de justificação evidente, o crédito não deixa de ter sido contestado e não poderá ser considerado incontestado a não ser que a declaração do requerido seja tão completamente absurda que nem sequer constitua uma contestação. A decisão sobre o carácter fundado das razões para a contestação do crédito está relacionada com o mérito da causa e deve ser tomada no âmbito do processo civil ordinário.

[93] Parece ser este o caso do procedimento de injunção de pagamento finlandês, em que o requerido que queira contestar é solicitado a apresentar os motivos da sua contestação e a indicar as provas que tenciona apresentar, e em que o processo só é transformado num processo ordinário se o requerido tiver apresentado motivos razoáveis para contestar o crédito. De modo algo semelhante, na Suécia, as objecções do requerido podem ser rejeitadas se forem manifestamente infundadas. O grau de diferença entre estas duas posições depende da sua interpretação no dia a dia e da sua aplicação na prática.

Seria mais compreensível que se impusesse a obrigação de apresentar os motivos da contestação o mais cedo possível, ou seja, na própria contestação, não como um pré-requisito para a sua admissibilidade, mas para permitir uma preparação cuidadosa e facilitar o processo ordinário subsequente [94]. No entanto, a existência de requisitos rigorosos neste aspecto não podem deixar de ter repercussões no tempo que deverá ser concedido ao requerido para apresentar a sua contestação. As possíveis perdas de eficiência e rapidez do próprio procedimento de injunção de pagamento têm de ser ponderadas com os efeitos benéficos que o dever de apresentar uma contestação fundamentada poderá ter para o processo subsequente.

[94] Esta parece ser a lógica subjacente à nova solução austríaca para os processos julgados na Gerichtshof erster Instanz.

Se o procedimento de injunção de pagamento fosse considerado pelas pessoas como um método rápido e eficiente de averiguar se um crédito é contestado pelo requerido e de emitir uma decisão executória se o não for, pareceria estar conforme com essa lógica não se exigir mais do que um simples "Não" para constituir a contestação.

Pergunta 22:

Deverão associar-se requisitos formais ou substantivos à contestação? Em caso afirmativo, quais deverão ser esses requisitos?

3.3.10. Efeitos da contestação

Se o requerido contestar o crédito dentro do prazo, a injunção de pagamento não adquire carácter executório. Se o requerente quiser obter uma decisão executória, tem de prosseguir os seus esforços num processo civil ordinário. Estas características são comuns a todos os sistemas de injunção de pagamento [95], mas ainda deixam margem para alguma diversidade, especialmente no que respeita às duas questões seguintes, que merecem algumas observações sucintas.

[95] Vale a pena mencionar a esse respeito que, no Luxemburgo, uma injunção de pagamento contestada só é prosseguida segundo as regras do processo civil ordinário perante o juge de paix. Aos casos que sejam da competência do tribunal d'arrondissement são aplicáveis as regras do procedimento de référé (medidas provisórias).

Em primeiro lugar, os Estados-Membros escolheram estratégias diferentes no que se refere ao destino da própria injunção de pagamento, depois da contestação. Em vários deles (França, Grécia, Itália, Luxemburgo), a injunção de pagamento transforma-se na matéria do processo ordinário subsequente. Por outras palavras, a injunção de pagamento ou é confirmada ou anulada pela sentença. Noutros, porém (Áustria, Alemanha, Suécia [96]), a própria contestação invalida praticamente a injunção de pagamento e o processo ordinário subsequente é conduzido como se ela nunca tivesse existido. Uma vez que esta opção não afecta directamente o procedimento de injunção de pagamento mas sim o processo ordinário que se segue à contestação, subsistem dúvidas sobre se esta questão terá de ser abordada num instrumento europeu. Se tal for considerado necessário, terá de se fazer uma escolha.

[96] Relativamente à Alemanha e à Suécia, há que ter em atenção que aplicam um sistema em duas fases. A primeira fase ex parte do processo produz uma decisão judicial que intima o requerido a honrar o crédito ou a contestá-lo, mas que nunca se torna executória. Se o requerido não pagar nem contestar, o tribunal tem de emitir uma segunda decisão, que é executória (na Alemanha o denominado Vollstreckungsbescheid, ou título executivo) e o seu estatuto equivalente ao de uma sentença por contumácia. A descrição dos efeitos da contestação feita no texto só é válida se o requerido contestar logo a primeira decisão. Se deixar passar o primeiro prazo e só contestar o título executivo, esta segunda decisão do tribunal constituirá a matéria do processo ordinário subsequente.

A segunda questão que deve ser mencionada refere-se à transformação da injunção num processo ordinário, se o requerido contestar o crédito em causa. Em alguns Estados-Membros (Áustria, Itália, Portugal, Espanha), esta transformação é consequência automática da contestação, ao passo que noutros (Alemanha, Luxemburgo, Suécia, Espanha [97]), depende do pedido de uma das partes [98] para esse efeito [99]. Uma vez que a continuação automática é, certamente, a solução mais rápida e menos incómoda, a exigência de um pedido adicional necessitaria de uma justificação convincente. Poderia argumentar-se, talvez, que, em alguns casos, o requerente não quer encetar um processo ordinário devido à sua demora e ao seu custo, por exemplo no caso de um crédito de pequeno montante, e deseja limitar, assim, a sua tentativa de cobrança do crédito ao procedimento de injunção de pagamento. Uma solução viável poderia ser talvez a apresentação de um pedido logo na fase do requerimento inicial mediante a simples sinalização do local devido no formulário-tipo.

[97] Não é por acaso que a Espanha está incluída em ambas as categorias, pois, de acordo com o artigo 818º do NLEC, abaixo do limiar de 3000 euros, as partes são automaticamente convocadas para uma audiência, ao passo que se o crédito for num montante superior, o requerente tem de apresentar um pedido nesse sentido. Na Suécia e em Espanha, o direito de iniciativa parecer estar restringido ao requerente.

[98] Na Alemanha e no Luxemburgo, ambas as partes têm a possibilidade de transformar o processo num processo ordinário pois, em determinadas circunstâncias, o requerido poderá ter interesse em obter uma decisão com força de caso julgado que declare a inexistência do alegado crédito.

[99] Em Espanha, na Suécia e no Luxemburgo, o pedido tem de ser apresentado no prazo, respectivamente, de um mês, quatro semanas e seis meses, a contar da contestação. Na Alemanha ( 696 (1) do ZPO) e no Luxemburgo, o requerente pode apresentar esse pedido, em caso de contestação, logo no requerimento inicial para a injunção de pagamento.

Pergunta 23:

Um instrumento relativo a uma injunção de pagamento europeia deverá conter regras que determinem se uma contestação invalida a injunção de pagamento ou se esta é transformada na matéria do processo ordinário subsequente? Em caso afirmativo, quais deverão ser essas regras?

Pergunta 24:

Se o crédito for contestado, o processo deverá ser automaticamente transformado num processo ordinário, ou só deverá sê-lo a pedido de uma das partes?

3.3.11. Efeitos da ausência de uma contestação em tempo útil

3.3.11.1. Necessidade de uma decisão adicional - procedimento numa ou em duas etapas

Uma diferença crucial entre os diversos tipos de procedimentos de injunção de pagamento prende-se com o facto de estes se desenrolarem numa ou em duas etapas.

O modelo numa etapa única (Áustria, França, Itália, Portugal, Grécia [100]) caracteriza-se pelo facto de o tribunal só emitir uma decisão sobre a substância do crédito, a injunção de pagamento, que é emitida após a fase ex parte do procedimento. Se o prazo para a contestação expirar sem que o requerido tenha contestado o crédito, esta decisão, a única, torna-se executória. De um modo geral, a expiração do prazo, e a executoriedade dela resultante, é simplesmente certificada por um funcionário judicial que acrescenta uma fórmula executória à injunção de pagamento [101].

[100] A contribuição de G. Nikolopoulos, Order of payment in Greece para Walter Rechberger/Georg Kodek (eds.), Orders for payment in the European Union, Kluwer Law International 2001, p. 165, 167 não é inteiramente clara neste aspecto, pois salienta que o requerente pode voltar a notificar a injunção de pagamento ao requerido, o que tem como consequência um período adicional de dez dias para contestar o crédito. Se esta segunda notificação for opcional, como sugere a linguagem utilizada pelo autor, não se percebe por que razão o requerente, depois de obter uma decisão final e executória, iria optar por dar outra possibilidade de contestação. Se a segunda notificação fosse, na verdade, obrigatória, a injunção de pagamento grega teria de ser classificada como um procedimento em duas etapas.

[101] Em França, de acordo com o artigo 1422 do NCPC, a fórmula executória não é automaticamente aposta pelo tribunal, mas depende da apresentação de um pedido separado pelo requerente. Na Áustria, o efeito de res iudicata e a executoriedade são certificados não pelo pessoal administrativo do tribunal, mas sim por um juiz ou um Rechtspfleger. Esta certificação pode ser, ela própria, contestada sem qualquer prazo ( 7 (3) do EO).

Nos restantes Estados-Membros que têm um procedimento de injunção de pagamento (Bélgica, Finlândia, Alemanha, Luxemburgo, Suécia), a injunção de pagamento inicial não pode adquirir ela própria carácter executório, devendo ser seguida de uma segunda decisão executória a seguir denominada "título executivo" [102]. O ónus adicional imposto ao requerente e, em especial, ao tribunal pelo simples facto de ser emitida uma segunda decisão varia de um Estado-Membro para outro e depende dos pormenores processuais da legislação nacional. Se, como acontece no Luxemburgo, a injunção de pagamento e o título executivo tiverem de ser emitidos por um juiz, isto significa que o mesmo caso tem de ser duas vezes analisado por um juiz durante um procedimento de injunção de pagamento. Aparentemente, os juízes não ficariam, assim, muito aliviados do tratamento de casos simples e não contestados, que é um dos principais objectivos da injunção de pagamento, em alguns Estados-Membros. Contudo, se o título executivo for emitido por um funcionário judicial, como acontece na Alemanha, ou por um organismo executivo, como na Suécia, a diferença prática entre a emissão de um título executivo e o acrescentamento de uma fórmula executória, num procedimento numa só etapa poderá ser mínima.

[102] Na Suécia e na Finlândia, a primeira etapa não consiste numa injunção de pagamento, mas sim numa intimação para responder e declarar se o crédito em questão é reconhecido ou contestado. Deste modo, falando com rigor, a primeira etapa não é uma injunção de pagamento. No entanto, o elemento definidor comum de todos os procedimentos em duas etapas é o facto de o tribunal (ou, na Suécia, o organismo executivo) ter de analisar a questão por duas vezes e de só a segunda produzir uma decisão executória. Para simplificar, aplicamos, assim, a seguir, os termos "injunção de pagamento" e "título executivo" para referir a primeira e a segunda etapas de todos os procedimentos em duas etapas, embora tal não seja tecnicamente correcto no caso destes dois Estados-Membros.

Uma vez que, em termos gerais, o modelo numa só etapa parece ser mais eficiente, há que analisar se existem ou não razões convincentes, ou mesmo imperiosas, para a introdução de uma segunda etapa. Se o principal objectivo for obrigar o requerente a indicar se foi feito um pagamento total ou parcial, dentro do prazo [103], poderá pensar-se noutras formas que não envolvam uma segunda decisão do tribunal. Outro argumento possível, de que um título executivo põe a correr o prazo para um recurso e de que tal recurso é necessário, será discutido a seguir.

[103] Na Alemanha e no Luxemburgo, o título executivo só é emitido a pedido do requerente, que tem de o apresentar ao tribunal até seis meses, o mais tardar, após a expiração do prazo de pagamento ou contestação. Na Alemanha, nos termos do 699 (1) do ZPO, o pedido não pode ser apresentado antes de expirar esse prazo e deve dizer se e em que medida o requerido efectuou um pagamento relativo ao crédito em causa.

Pergunta 25:

Um procedimento europeu de injunção de pagamento deverá ter uma ou duas etapas, isto é, a decisão inicial deve tornar-se executória, ou deverá ser necessária uma segunda decisão (um "título executivo") depois de terminado o prazo de contestação do crédito?

3.3.11.2. Recurso contra a injunção de pagamento

Há uma nítida correlação entre a escolha de um procedimento numa ou em duas etapas e a existência de uma segunda possibilidade de contestação do crédito através de um recurso ordinário, após o termo do prazo de contestação [104]. Enquanto nos Estados-Membros que optaram por um modelo numa só etapa, a injunção de pagamento se torna simultaneamente executória e final, desde que o requerido não a conteste, todos os exemplos de procedimento em duas etapas existentes na União Europeia oferecem ao requerido uma segunda oportunidade de contestar o crédito e transformar a acção num processo ordinário através da contestação do título executivo [105]. Essas duas questões têm, portanto, de ser consideradas em conjunto.

[104] Isto não exclui, evidentemente, a possibilidade de um recurso extraordinário, como o pedido de anulação das consequências do termo do prazo de contestação do crédito se, por exemplo, o requerido não tiver chegado a receber a injunção de pagamento, sem qualquer responsabilidade da sua parte, e não tiver tido, por isso, oportunidade de a contestar.

[105] Nestes Estados-Membros, a decisão tem, normalmente, o mesmo estatuto que uma sentença por contumácia e está sujeita aos mesmos meios de recurso ordinário que uma sentença deste tipo. Na Alemanha, o título executivo (Vollstreckungsbescheid) pode ser objecto de recurso até duas semanas após a notificação (uma semana nos processos julgados nos tribunais de trabalho). No Luxemburgo, pode ser apresentada uma opposition até 15 dias após a notificação. Na Suécia, o requerido pode pedir uma reabertura do processo, na terminologia usada neste Estado-Membro, até um mês após a emissão da injunção. Nos termos do nº 3 do artigo 1343º do Código Judiciário belga, o requerido pode optar entre dois métodos diferentes de contestação da decisão: o recurso (revisão judicial por um tribunal superior, um tribunal de 2ª instância) ou a contestação (conducente a um processo contraditório perante o mesmo tribunal que proferiu a decisão). Na Finlândia, a decisão é mesmo denominada sentença por contumácia, sendo a sua notificação ao requerido normalmente efectuada em conjunto com a própria execução. Depois de notificado, o requerido tem 30 dias para recorrer.

Como já foi referido, a existência de uma possibilidade de recurso adicional poderia conceber-se, em certa medida, como uma compensação por não se exigir a apresentação de provas documentais e um exame do mérito da causa por um juiz, antes da emissão da injunção de pagamento. Porém, em alguns Estados-Membros que aplicam um modelo numa só etapa e não permitem mais nenhum recurso (Áustria [106], Portugal) não há nenhuma apreciação jurídica do crédito em causa pelo tribunal. Em contrapartida, na Bélgica e no Luxemburgo, o título executivo emitido num procedimento em duas etapas pode ser objecto de recurso, apesar de a injunção ter sido emitida por um juiz, após uma apreciação jurídica baseada em provas escritas. Também se deve ter em conta que a existência de recurso contra um título executivo num procedimento em duas etapas não implica automaticamente uma melhor protecção dos direitos da defesa, nomeadamente dos que são salvaguardados pelas regras respeitantes à citação e notificação dos actos. Se esse título desencadear a contagem do prazo de recurso, terá de ser formalmente notificado ao requerido, do mesmo modo que a injunção de pagamento [107]. A probabilidade de surgirem problemas durante a notificação de um acto não parece diminuir devido ao simples facto de já ter sido notificado um outro acto à mesma pessoa. Por isso, apesar de a injunção de pagamento ter sido comunicada com êxito ao requerido, é muito possível que o tribunal receba um pedido de anulação dos efeitos do termo do prazo de recurso por o título executivo não ter sido entregue ao requerido. Se este último tiver recebido uma injunção de pagamento de forma adequada e tiver sido devidamente informado sobre o processo em curso, incluindo a impossibilidade de recorrer após o termo do prazo de contestação, poderá pôr-se em questão que ele mereça outra oportunidade de contestar o crédito sob a forma de um recurso ordinário. Por outro lado, o cenário de um procedimento numa só etapa, sem recurso nem apreciação do crédito pelo tribunal impõe, sem dúvida, uma responsabilidade muito grande, até excessiva, poder-se-ia dizer, a requeridos que são, muitas vezes, consumidores não familiarizados com o regime processual em vigor.

[106] Em relação à Áustria, esta informação só é válida até 31 de Dezembro de 2002, uma vez que a partir dessa data os tribunais terão de realizar um exame sumário do fundamento do crédito; ver esta questão com mais pormenor no nº 3.3.5 supra.

[107] Note-se que, na Finlândia, a notificação da segunda decisão compete ao requerente e não constitui um requisito prévio para a execução, efectuando-se normalmente no momento em que esta é iniciada. Este facto poderá reduzir a probabilidade da ocorrência de problemas, pois o momento em que o requerido teve indubitavelmente conhecimento da existência de uma decisão executória é mais fácil de estabelecer do que a mera notificação de um acto.

Pergunta 26:

Deverá haver um recurso ordinário contra uma injunção de pagamento europeia (ou, num procedimento em duas etapas, contra um título executivo) depois de terminado o prazo de contestação?

3.3.11.3. Efeito de res iudicata da decisão

Na grande maioria dos Estados-Membros (Áustria, Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Itália, Espanha, Suécia e, em parte, o Luxemburgo [108]), independentemente do procedimento ser numa só etapa ou em duas etapas, a decisão executória emitida pelo tribunal tem o efeito de res iudicata se o requerido não tiver contestado o crédito, nem recorrido da injunção de pagamento no prazo fixado, nos Estados-Membros onde esse recurso é possível. Sem pretender encetar uma discussão aprofundada de filosofia jurídica no presente Livro Verde, o efeito de res iudicata deve ser entendido como a resolução definitiva da causa de pedir em questão entre as partes, reflectida não só pela ausência de recurso contra a decisão, mas também pela impossibilidade de reexaminar essa decisão em processos judiciais subsequentes.

[108] No Luxemburgo, o procedimento no tribunal d'arrondissement diz respeito a medidas provisórias e, por isso, apenas pode produzir uma decisão provisória. Só as injunções de pagamento emitidas pelo juge de paix podem tornar-se res iudicata.

A Bélgica e Portugal constituem uma excepção, na medida em que, nesses Estados-Membros, o requerido ainda pode contestar a existência ou a justificação do crédito em causa, depois de a injunção de pagamento se ter tornado irrecorrível, quer em processos ordinários posteriores [109], quer na contestação da execução da decisão [110].

[109] Esta possibilidade existe na Bélgica.

[110] No caso de Portugal, uma vez que só as sentenças judiciais podem adquirir o estatuto de res iuidicata e dado que a injunção de pagamento emitida por um funcionário judicial, sem apreciação do crédito, não é equivalente a uma sentença judicial, na ausência de qualquer disposição expressa relativa à res iudicata tem de concluir-se que o requerido pode basear a sua contestação à execução da injunção de pagamento na inexistência da dívida.

A fim de garantir a segurança jurídica e criar um procedimento que não seja provisório mas dê lugar a uma decisão conclusiva sobre a questão, parece ser preferível excluir a opção da possibilidade de pôr em causa a injunção de pagamento, depois de os prazos de contestação e/ou recurso terem expirado, a menos que razões imperiosas sustentem ou exijam essa possibilidade [111]. Há que ter em conta, no entanto, que oito dos dez Estados-Membros que possuem um procedimento de injunção de pagamento atribuem sem reservas o efeito de res iudicata a este tipo de decisão. Se os direitos da defesa forem adequadamente protegidos pelas regras processuais aplicáveis, a outorga do estatuto de decisão verdadeiramente final a uma injunção de pagamento não deverá constituir grande obstáculo.

[111] Isto não excluiria, evidentemente, a possibilidade de um recurso extraordinário, tal como o pedido de anulação das consequências do termo do prazo de contestação ou de recurso (relèvement de forclusion, Wiedereinsetzung in den vorigen Stand), caso se constate, por exemplo, que o requerido não foi adequadamente notificado da injunção de pagamento e, por isso, não tomou dela conhecimento, sem qualquer responsabilidade da sua parte.

Pergunta 27:

Uma injunção de pagamento europeia deverá adquirir o estatuto de res iudicata depois de terminados os prazos de contestação e/ou recurso?

3.3.12. Regras sobre a representação por um advogado?

A questão da obrigatoriedade, e do nível de obrigatoriedade, da representação por um advogado nos processos de injunção de pagamento, é tratada de forma muito diferente nos diversos Estados-Membros, estando estreitamente ligada à forma como os seus sistemas judiciais abordam a necessidade de representação nos processos judiciais em geral. Na Itália, Bélgica e Grécia, o dever de ser representado por um advogado é geral e aplica-se tanto ao requerimento para uma injunção de pagamento, como à contestação. Na Finlândia, França, Alemanha, Luxemburgo, Portugal e Suécia, a representação não é obrigatória, nem para o requerente, nem para o requerido. Em Espanha, o requerimento para uma injunção de pagamento pode ser introduzido sem a assistência de um advogado, mas a contestação deve ser assinada por um advogado, se necessário nos termos das regras gerais aplicáveis à representação obrigatória nos processos ordinários [112]. Na Áustria, finalmente, o requerente tem de ser representado por um advogado, se o crédito em causa ultrapassar o limiar que desencadeia a obrigatoriedade de representação nos processos ordinários, ao passo que o requerido tem sempre a possibilidade de apresentar ele próprio a contestação, só necessitando de um advogado para o processo ordinário subsequente [113].

[112] Nº 2 do artigo 814º e nº 1 do artigo 818º NLEC.

[113] O limiar está actualmente fixado em 4000 euros. A partir de 1 de Janeiro de 2003, o âmbito de aplicação do procedimento de injunção de pagamento será alargado aos créditos entre 10 000 e 30 000 euros. Para os créditos que passam a ser abrangidos, a representação por um advogado é obrigatória para ambas as partes, incluindo a própria contestação. Contudo, nos processos de injunção de pagamento nos tribunais do trabalho de primeira instância, a representação não é obrigatória para qualquer das partes, independentemente do valor do crédito.

Embora não seja imediatamente evidente que um instrumento europeu relativo a um procedimento específico deva incluir disposições sobre a (não) obrigatoriedade da representação por um advogado, colidindo, assim, inevitavelmente com as regras gerais nessa matéria de um ou outro Estado-Membro, poderá considerar-se vantajoso manter os requisitos aplicáveis à contestação tão limitados quanto possível e isentar o requerido da obrigação de ser representado por um advogado para o simples acto de responder "Não" à alegação de que o crédito em causa é incontestado.

Pergunta 28:

Um instrumento relativo a uma injunção de pagamento europeia deverá incluir regras sobre a não obrigatoriedade da representação por um advogado no procedimento de injunção de pagamento? Em caso afirmativo, quais deverão ser essas regras?

3.3.13. Regras relativas aos custos (custas judiciais, outras despesas) e sua compensação

A fim de permitir a plena execução de uma injunção de pagamento noutros Estados-Membros cujas autoridades responsáveis pela execução não estejam familiarizadas com a legislação pertinente do Estado-Membro de origem, para não falar do cálculo dos custos que deverão ser compensados, a injunção de pagamento europeia terá de incluir expressamente esses custos de forma não ambígua. Dada a grande diversidade das legislações dos Estados-Membros nesta matéria [114], é duvidoso que, num instrumento sobre uma injunção de pagamento europeia, seja sensato sugerir regras substantivas em relação à compensação das custas judiciais, as quais poderiam originar contradições entre estas disposições e a lei aplicável nos processos ordinários.

[114] Para ilustrar esta diversidade, basta referir o exemplo da Suécia, onde, nos termos das secções 46 e 48 da Lei relativa aos processos sumários e de uma portaria do governo, o requerente é privado da possibilidade de compensação pelas despesas que suportou pois o requerido não pode ser obrigado a reembolsá-lo pelo seu próprio trabalho e aconselhamento acima de um determinado montante, moderado (actualmente 315 coroas suecas).

Em vez disso, pareceria preferível tentar identificar algumas questões isoladas com especial importância para o procedimento de injunção de pagamento, que possam ajudar a determinar a sua eficácia em termos de custos e o interesse que poderá revestir para as partes. Talvez possa ser útil assegurar, por exemplo, que, se o requerido contestar o crédito, o processo de injunção de pagamento não implicará custos adicionais para as partes e que as custas judiciais e os honorários dos advogados estão cobertos pelas custas previstas para o processo ordinário subsequente pois, se assim não for, os requerentes poderão ser dissuadidos de optar pelo processo de injunção de pagamento apenas por motivos relacionados com os custos.

Pergunta 29:

Um instrumento relativo a uma injunção de pagamento europeia deverá incluir disposições respeitantes aos custos do procedimento e à sua compensação? Em caso afirmativo, quais deverão ser essas regras?

3.3.14. Execução

Embora as normas que regem a execução pareçam, de um modo geral, não necessitar de uma aproximação neste domínio, os dois aspectos seguintes poderão merecer alguma reflexão.

3.3.14.1. Executoriedade provisória

As questões que se colocam em relação à executoriedade provisória de uma injunção de pagamento dependem fortemente de o procedimento ser numa ou em duas etapas e da questão conexa de se poder recorrer do título executivo. Se num procedimento numa só etapa a injunção adquire imediatamente o efeito de res iudicata assim que termina o prazo de contestação do crédito, não sendo possível qualquer outro recurso, a executoriedade provisória só poderá ter lugar antes do termo desse prazo ou depois da contestação. Regra geral, com a excepção notória da Grécia [115], os Estados-Membros que adoptaram um procedimento numa só etapa (Áustria, França, Itália, Portugal, Espanha) não atribuem executoriedade provisória à própria injunção, mas exigem que o prazo de contestação termine antes de lhe ser aposta a fórmula executória. Há algumas excepções parciais para os créditos baseados em provas documentais muito fortes, como um cheque ou uma letra de câmbio apresentados em tribunal [116]. Se a contestação for apresentada dentro do prazo, desde que não invalide a injunção de pagamento [117], a injunção não é provisoriamente executável [118].

[115] Neste país, um requerido que conteste uma acção pode pedir que a execução seja suspensa até à decisão final sobre o caso.

[116] Artigo 642º do C.P.C. italiano, que no seu artigo 649º também prevê a possibilidade de suspender essa executoriedade provisória a pedido do requerido, desde que existam razões imperiosas para que essa suspensão se verifique. Na Áustria, existe um procedimento especial de injunção de pagamento para esses créditos (Mandats- und Wechselmandatsverfahren), o qual permite uma execução provisória mesmo depois da contestação, sem que o requerente deva demonstrar que o crédito corre um risco especial.

[117] Sobre este aspecto, ver supra 3.3.10.

[118] A Itália constitui uma excepção nesta matéria, pois o artigo 648º C.P.C. permite que a injunção seja declarada provisoriamente executória depois de contestada em determinadas condições, por exemplo, se a contestação não for baseada em provas documentais.

A maioria dos Estados-Membros que aplicam um procedimento em duas etapas (Finlândia, Alemanha, Luxemburgo, Suécia) têm em comum que a primeira decisão do tribunal ("injunção de pagamento") não é de todo executória, ao passo que a segunda decisão, tomada após o termo do prazo de contestação ("título executivo"), "só" é provisoriamente executória até o recurso contra esta decisão ser aceite. As outras condições de execução provisória (como o requisito de que o requerente forneça uma caução) são consideravelmente diferentes [119].

[119] Na Alemanha, por exemplo, os títulos executivos são, em regra, provisoriamente executórios sem caução ( 700 (1) e 708 (2) do ZPO). O requerido pode pedir a suspensão da executoriedade, a qual só poderá ser concedida se ele prestar uma caução, excepto em casos excepcionais ( 719 e 707 do ZPO). No Luxemburgo, um título executivo emitido por um tribunal d'arrondissement é uma medida provisória por natureza; a executoriedade provisória pode ser concedida com ou sem caução.

Pergunta 30:

Uma injunção de pagamento europeia deverá ser provisoriamente executória? Em caso afirmativo, quais deverão ser os requisitos para a executoriedade provisória e para a suspensão da execução provisória?

3.3.14.2. Execução transfronteiras - a injunção de pagamento como título executivo europeu sem exequatur

Com base no pressuposto de que o Conselho irá adoptar, oportunamente, um regulamento baseado na proposta de regulamento que cria o Título Executivo Europeu para créditos não contestados, apresentada pela Comissão [120], a qual pretende abolir o exequatur relativamente a todas as decisões judiciais sobre créditos pecuniários não contestados, em determinadas condições, é evidente que uma injunção de pagamento europeia também será abrangida pelo âmbito de aplicação desse regulamento. Idealmente, porém, a criação de um procedimento europeu de injunção de pagamento deverá ir um pouco mais longe e libertar o requerente do requisito de ter de fazer certificar a decisão como título executivo europeu pelo tribunal de origem. O potencial estatuto de título executivo europeu de que uma injunção de pagamento europeia gozará à partida levaria a supor que a protecção adequada dos direitos da defesa, garantida pela verificação do cumprimento de determinadas normas mínimas, sobretudo relacionadas com a notificação do acto que dá início ao processo, durante o procedimento de certificação, seria desnecessária. Isto, por sua vez, só parece ser concebível se um instrumento relativo à injunção de pagamento europeia incluir, ele próprio, regras ou normas mínimas vinculativas sobre a notificação e citação dos actos, o que nos remete para as questões já discutidas atrás [121].

[120] COM (2002) 159 final, 18.04.2002.

[121] Supra 3.3.8.

Pergunta 31:

Deverá uma injunção de pagamento europeia ser directamente executória noutros Estados-Membros sem exequatur e também sem certificação no Estado-Membro de origem, tal como actualmente previsto no que se refere ao Título Executivo Europeu para os créditos não contestados? Em caso afirmativo, a que condições deveria ser sujeito tal carácter executório?

4. PARTE III: MEDIDAS DESTINADAS A SIMPLIFICAR E ACELERAR OS PROCEDIMENTOS RESPEITANTES ÀS ACÇÕES DE PEQUENO MONTANTE

Os cidadãos e as pequenas e médias empresas dos Estados-Membros parecem manifestar cada vez mais receios de que os seus sistemas judiciais não satisfaçam plenamente as suas necessidades. Para muitos deles, os sistemas judiciais são demasiado onerosos, lentos e complicados. Quando mais diminuto é o objecto de um litígio, mais aumenta o peso destes obstáculos, uma vez que as despesas, os prazos e os abusos (a "hidra de três cabeças" [122]) não diminuem necessariamente de modo proporcional ao valor do pedido. Estes problemas levaram à criação, em muitos Estados-Membros, de procedimentos simplificados em matéria civil para as acções de pequeno montante.

[122] Jacob, J., Justice between man and man, in: Current legal problems, 1985, 211.

Ao mesmo tempo, o número potencial de litígios transfronteiras está a aumentar em consequência da utilização crescente dos direitos de livre circulação de pessoas, de mercadorias e de serviços conferidos pelo Tratado CE. As dificuldades em obter uma sentença rápida e pouco onerosa são obviamente intensificadas num contexto transfronteiras: por exemplo, será muitas vezes necessário contratar dois advogados, há despesas adicionais de tradução e de interpretação e vários outros factores, tais como despesas de deslocação suplementares das partes, das testemunhas, dos advogados, etc. É grande a variedade de problemas possíveis: as pessoas podem envolver-se num acidente durante as férias ou numa viagem de compras no estrangeiro, ou podem comprar bens que depois se revelem defeituosos ou perigosos. Um consumidor pode encomendar, pela Internet, bens do estrangeiro que nunca chegam a ser enviados ou que se revelam defeituosos. É evidente que os potenciais problemas não se limitam aos litígios pessoais. Os proprietários de pequenas empresas também podem enfrentar dificuldades quando pretendem agir judicialmente para recuperarem os seus créditos noutro Estado-Membro. Um proprietário de hotel a quem o cliente não tenha pago a conta deverá ter a possibilidade de fazer valer os seus pedidos legítimos. No entanto, por falta de um procedimento que seja "proporcional" ao valor do litígio, os obstáculos que o credor provavelmente encontrará poderão colocar a questão de ser ou não ser economicamente razoável recorrer aos tribunais. Presentemente, o custo de obter uma decisão contra um devedor noutro Estado-Membro é frequentemente desproporcionado relativamente ao montante envolvido. Muitas pessoas, perante os custos dos processos, e assustadas pelas dificuldades práticas que poderão produzir-se, abandonam qualquer esperança de obter aquilo a que pensam ter legitimamente direito.

Com a entrada em vigor do Tratado de Amesterdão, e na sequência das conclusões do Conselho Europeu de Tampere, a União Europeia debate-se hoje com o desafio de garantir que, num verdadeiro espaço europeu de justiça, os cidadãos e as empresas não sejam impedidos ou desencorajados de exercerem os seus direitos por razões de incompatibilidade ou complexidade dos sistemas jurídicos e judiciais dos Estados-Membros. Dado que este problema é particularmente virulento no caso das acções de pequeno montante, há que considerar mais urgente a acção neste domínio específico do processo civil.

4.1. Direito comunitário existente - as primeiras iniciativas da Comunidade

O impacto do direito comunitário no direito nacional de processo civil ainda é bastante limitado. Existe, porém, uma excepção: o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias interpretou o artigo 12º [ex-artigo 6º] do Tratado CE (proibição da discriminação em razão da nacionalidade) como impondo limites à aplicação do direito nacional de processo civil sempre que cause uma discriminação em razão da nacionalidade.

O Tribunal deliberou em vários processos [123] que "Uma regra de processo civil nacional de um Estado-Membro, como a que obriga os cidadãos e as pessoas colectivas de um outro Estado-Membro a constituir uma cautio judicatum solvi quando pretendem intentar uma acção judicial contra um dos seus nacionais ou uma sociedade aí estabelecida, entra no âmbito de aplicação do Tratado CE, na acepção do artigo 6º, primeiro parágrafo, e está sujeita ao princípio geral da não discriminação consagrado por esse artigo".

[123] Ver: C-323/95, Hayes/Kronenberger, Col.1997, p. I-1711; Processo C-43/95, Data Delecta Aktiebolag, Col.1996, p. I-4661; Processo C-122/96, Saldanha, Col. 1997, p. I-5325.

Já fora, todavia, reconhecido que um impacto tão limitado no direito nacional não seria suficiente, uma vez que só se eliminariam as piores consequências das leis nacionais e que um mercado interno funcional exigia mais do que isso. Seria necessária uma aproximação das legislações nacionais para proporcionar, aos cidadãos e às empresas, um melhor acesso à justiça.

Por esta razão, em 1990 a Comissão solicitou a um grupo de peritos, denominado "Código Judiciário Europeu da Comissão", que realizasse um estudo sobre a aproximação das leis e regulamentos dos Estados-Membros no que dizia respeito a alguns aspectos do procedimento aplicável aos processos civis. O relatório resultante (o chamado "Relatório Storme" [124]) foi publicado em 1994 e continha uma série de propostas para aproximar os vários aspectos do processo civil, as quais ainda não foram, todavia, levadas à prática.

[124] Storme, M., Study on the approximation of the laws and rules of the member states concerning certain aspects of the procedure for civil litigation, Final Report, Dordrecht, 1994.

A questão das acções de pequeno montante foi abordada no passado, a nível comunitário, em duas ópticas diferentes:

Por um lado, a questão foi abordada com o objectivo de melhorar o acesso dos consumidores à justiça: [125] Com base no Livro Verde relativo ao acesso dos consumidores à justiça e à resolução dos litígios de consumo no mercado único [126] de 1993, a Comissão adoptou, em 1996, um Plano de acção relativo ao acesso dos consumidores à justiça e à resolução dos litígios de consumo no mercado interno. [127] No Plano de Acção, a Comissão propôs a introdução de um formulário europeu simplificado para melhorar o acesso aos procedimentos judiciais.

[125] Ver também, neste contexto, COM(1984) 692 final e COM (1987) 210 final.

[126] COM(1993) 576 final.

[127] COM(1996) 13 final.

Por outro lado, a Comissão propôs, em 1998, a introdução de procedimentos respeitantes às acções de pequeno montante em todos os Estados-Membros, na sua proposta de directiva que estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais. [128]

[128] Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais (JO C 168 de 3.6.1998, p. 13). O artigo 6º prevê "procedimentos legais simplificados para pequenas dívidas". A Directiva 2000/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Junho de 2000, que estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transacções comerciais (JO L 200 de 8.8.2000, p. 35) não contém, todavia, uma disposição equivalente.

4.2. Antecedentes

Entre os antecedentes da presente iniciativa, contam-se a entrada em vigor do Tratado de Amesterdão e as Conclusões do Conselho Europeu de Tampere, que estabeleceram o objectivo de criar progressivamente "um espaço de liberdade, segurança e justiça". Comparativamente ao Relatório Storme, esta abordagem tem um âmbito bastante limitado, uma vez que não procura estabelecer regras processuais comuns para todos os processos civis, mas apenas para um tipo de litígios específico, as acções de pequeno montante.

A necessidade de tomar medidas neste domínio tem sido repetidamente expressa:

- O Plano de Acção de Viena [129] considerou necessário identificar as "regras de processo civil com implicações transfronteiras que é urgente harmonizar a fim de facilitar o acesso dos cidadãos europeus à justiça" e analisar a "possibilidade de se elaborarem medidas complementares adequadas para melhorar a compatibilidade dos processos civis".

[129] Plano de Acção do Conselho e da Comissão sobre a melhor forma de aplicar as disposições do Tratado de Amesterdão relativas à criação de um espaço de liberdade, de segurança e de justiça, JO C 19 de 23.1.1999, pág. 1, ponto 41 d).

- As Conclusões do Conselho Europeu de Tampere (Outubro de 1999) apelavam a uma simplificação e aceleração dos processos transfronteiras relativos a pequenas acções do foro comercial e de consumidores:

"V. Melhor acesso à justiça na Europa

30. O Conselho Europeu convida o Conselho a estabelecer, com base em propostas da Comissão, normas mínimas que assegurem em toda a União um nível adequado de assistência jurídica nos processos transfronteiras, assim como regras processuais comuns específicas para processos judiciais transfronteiras, simplificados e acelerados, respeitantes a pequenas acções do foro comercial e de consumidores, bem como a acções de pensões de alimentos e a acções não contestadas. Também deverão ser criados pelos Estados-Membros procedimentos extrajudiciais alternativos.

31. Devem ser fixadas normas mínimas comuns para os formulários ou documentos multilíngues a utilizar nos processos transfronteiras que passariam a ser reciprocamente aceites como documentos válidos em todos os processos judiciais na União.

- As reuniões de peritos da Comissão, realizadas em 29 de Novembro de 1999 e 28 de Maio de 2002, identificaram os procedimentos relativos aos créditos de pequeno montante como uma questão prioritária.

- O Programa de Reconhecimento Mútuo do Conselho [130] apela à "simplificação e aceleração da resolução de "pequenas acções" transfronteiras".

[130] JO C 12 de 15.1.2001, p. 1.

- A necessidade de simplificar e acelerar as pequenas acções transfronteiras do foro comercial ou de consumidores também foi expressa pelo Parlamento Europeu" [131].

[131] JO C 146 de 17.5.2001, p. 4.

4.3. Procedimentos relativos às acções de pequeno montante existentes nos Estados-Membros

Para dar seguimento às conclusões de Tampere, a Comissão enviou um questionário a todos os Estados-Membros com o objectivo de obter uma descrição dos procedimentos nacionais respeitantes às acções de pequeno montante. As respostas dos Estados-Membros [132] foram resumidas num estudo [133].

[132] A Grécia não respondeu ao inquérito. Segundo o Livro Verde relativo ao acesso dos consumidores à justiça, COM(1993)576 final, existe um procedimento relativo às acções de pequeno montante na Grécia (artigos 466º a 472º do Código de Processo Civil).

[133] Des Procedures de traitement judiciaire des demandes de faible importance ou non contestees dans les droits des Etats-membres de l'Union Européenne, Exploitation de l'enquête de la Commission européenne "Les procédures judiciaires applicables aux demandes de faible importance", Rapport final: Evelyne Serverin, Directeur de recherche au CNRS IDHE-ENS CACHAN, Cachan, 2001.

Existem procedimentos simplificados para acções de pequeno montante na Alemanha, Espanha, França, Irlanda, Suécia e Reino Unido. As suas características mais importantes são as seguintes:

- em Espanha, Irlanda, Suécia e Reino Unido (Inglaterra/País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte) existem procedimentos específicos para as acções de pequeno montante que prevêem várias simplificações relativamente ao procedimento normal: em muitos casos, a introdução do pedido é facilitada, muitas vezes através de um formulário específico. Algumas regras relativas à obtenção de provas são aligeiradas e existe a possibilidade de um procedimento unicamente escrito. A possibilidade de recurso também é excluída ou limitada.

- Na Alemanha, não existe qualquer procedimento específico para as acções de pequeno montante, mas os tribunais podem decidir do procedimento mais adequado nesses casos [134].

[134] 495a do ZPO (Código de Processo Civil).

- Em França, não existe um procedimento específico para as acções de pequeno montante, mas sim uma forma simplificada de introduzir o processo no "Tribunal d'instance" mediante uma simples "déclaration au greffe".

Não existem procedimentos específicos para as acções de pequeno montante na Áustria, Bélgica, Dinamarca, Finlândia, Luxemburgo, Países Baixos e Portugal [135].

[135] Em conformidade com as respostas dos Estados-Membros ao questionário.

Na Finlândia, o Código de Processo Civil contém, todavia, diversas alternativas simplificadas ao procedimento ordinário. Podem por exemplo ser utilizados formulários para introduzir a acção ou para a contestar, os juízes e outros funcionários do tribunal podem ser obrigados a aconselhar as partes, não são necessárias referências jurídicas, não há obrigatoriedade de que as partes sejam representadas por um advogado, as regras relativas à obtenção de provas são aligeiradas, as provas periciais não são utilizadas e está disponível um procedimento unicamente escrito. A escolha entre o procedimento ordinário e as formas de procedimento simplificadas não é, porém, feita com base no montante pedido (isto é, numa base quantitativa), mas sim com base em critérios qualitativos. As formas de procedimento simplificadas são utilizadas nos processos mais simples e menos complexos, independentemente do montante reclamado.

Também na Áustria, o Código de Processo Civil contém disposições que simplificam as regras processuais para os processos julgados nos tribunais distritais ("Bezirksgerichte"), que são competentes para as acções até 10 000 euros As simplificações dizem respeito à representação (não obrigatória) por um advogado, ao dever do juiz de prestar apoio a uma parte que não esteja representada por um advogado, à introdução do processo, ao aligeiramento de algumas regras respeitantes à obtenção de provas e à limitação da possibilidade de recurso. Embora não se possa considerar que isto constitui um procedimento específico para as acções de pequeno montante, em sentido estrito, estas simplificações são, as seguir, referidas em pormenor.

As características mais importantes dos actuais procedimentos relativos às acções de pequeno montante podem ser resumidas da seguinte forma:

4.3.1. Limiar

Todos os Estados-Membros que dispõem de procedimentos relativos às acções de pequeno montante têm limiares aplicáveis a esses procedimentos, os quais variam, porém, consideravelmente [136]:

[136] Limiares em moeda nacional (antes de 1 de Janeiro de 2002), convertidos em euros.

600 EUR (Alemanha), 1 235 e 2 470 EUR (Escócia [137]), 1 270 EUR (Irlanda), 2 038 EUR (Suécia), 3 005 EUR (Espanha), 3 294 EUR (Irlanda do Norte), 3 811 EUR (França) e 8 234 EUR (Inglaterra/País de Gales) [138].

[137] Na Escócia, existem dois procedimentos simplificados: o Small Claims Procedure (até £750 inclusive), destinado a ser utilizado pelo cidadão comum, e o Summary Cause Procedure (mais de £ 750 e até £1500 inclusive) que cobre, de um modo geral, os pedidos dos consumidores, as acções intentadas por empresas para a recuperação de dívidas e os pedidos de senhorios para a recuperação da posse da propriedade.

[138] Os juros respeitantes ao crédito principal e as custas não estão incluídos.

4.3.2. Tipos de litígios

Na maioria dos Estados-Membros que têm procedimentos respeitantes às acções de pequeno montante, esses procedimentos não estão apenas disponíveis para as acções pecuniárias.

Na Escócia [139], Irlanda [140] e Inglaterra/País de Gales [141], os procedimentos simplificados são reservados a certos tipos de litígios.

[139] Na Escócia, o Small Claims Procedure é reservado às acções para o pagamento de montantes não superiores a ¤ 750 (excluindo juros e despesas), que não sejam acções respeitantes a pensões de alimentos definitivas ou provisórias nem acções por difamação. Para as acções ad factum praestatum (para executar outro acto que não o pagamento de um crédito pecuniário) ou para a recuperação de bens móveis quando em tal acção está incluída, como alternativa ao crédito, um pedido de pagamento de uma soma não superior a ¤ 750 (excluindo juros e despesas).

[140] Na Irlanda, o Small claims procedure é aplicável aos produtos defeituosos ou aos trabalhos mal feitos, aos prejuízos patrimoniais pouco elevados e ao não reembolso de depósitos de arrendamento.

[141] Na Inglaterra, o Small Claims Procedure é aplicável aos créditos por danos pessoais, quando a indemnização pedida é inferior a ¤ 1000, aos créditos por degradação da habitação, quando o crédito relativo às reparações for inferior a ¤ 1000 e para todos os outros créditos com um valor inferior a ¤ 5000.

Na Inglaterra/País de Gales [142], Irlanda [143] e Suécia [144], o recurso ao procedimento simplificado é proibido para determinados tipos de litígios.

[142] Em Inglaterra /País de Gales, as acções relativas a assédio ou a despejo ilegal, relacionadas com instalações residenciais, estão excluídos do Small Claims Procedure.

[143] Na Irlanda, as acções relativas a contratos, acordos de locação-venda /vendas a crédito, responsabilidade civil e direito da família estão excluídos do Small Claims Procedure.

[144] Na Suécia, o procedimento para acções de pequeno montante não pode ser utilizado em questões de direito da família.

Na Alemanha [145], o procedimento simplificado não é restringido a qualquer tipo de acções.

[145] O procedimento para créditos de pequeno montante pode ser utilizado em qualquer litígio da competência dos tribunais de registo de propriedade. O tribunal de registo da propriedade não tem competência em questões de direito do trabalho, acções contra as autoridades fiscais ao abrigo do direito da administração pública e acções contra os tribunais e os funcionários públicos por abuso de poder ou por não realização de actos oficiais.

4.3.3. O procedimento para acções de pequeno montante como opção ou como obrigação

Na Alemanha [146], Inglaterra/País de Gales [147], Escócia [148], Espanha [149] e Suécia [150], a utilização do procedimento simplificado é obrigatória (para créditos abaixo do limiar), mas na maioria desses Estados-Membros um processo pode ser transformado num processo ordinário ou num processo mais formal pelo juiz ou a pedido de uma das partes. Em França e na Irlanda, a aplicação do procedimento respeitante a acções de pequeno montante é opcional. Na Irlanda do Norte, os créditos inferiores a £ 2000 estão sujeitos a esse procedimento, a não ser que o processo se refira a uma dívida ou montante liquidado e o requerente opte por continuar o processo através de uma acção civil ordinária. No entanto, mesmo nesse caso, o requerido pode notificar a sua intenção de contestar a acção juntamente com um pedido de que o caso seja tratado como uma acção de pequeno montante, sendo o tribunal obrigado a aceder a esse pedido.

[146] Na Alemanha, as partes não podem pedir o regresso ao processo normal. Os tribunais podem decidir esse regresso em qualquer altura, mas, na prática, trata-se de uma excepção.

[147] Na Inglaterra/País de Gales, o tribunal pode, contudo, transferir acção de pequeno montante para um procedimento diferente (por exemplo, o procedimento "fast track").

[148] Na Escócia, o tribunal pode, todavia, transferir a acção para um procedimento mais formal depois de se certificar que se trata de uma questão de direito difícil ou de uma questão de facto de complexidade excepcional, quer por iniciativa própria, quer a pedido de uma das partes. O tribunal deve transferir a acção se as partes apresentarem um pedido conjunto.

[149] Em Espanha, é obrigatório o procedimento oral (para créditos inferiores a 500 000 pesetas).

[150] Na Suécia, uma parte pode pedir a aplicação do procedimento ordinário se a acção tiver uma importância específica para as relações jurídicas entre as partes que ultrapasse a questão do crédito.

4.3.4. Introdução do procedimento

Actualmente, podem ser utilizados formulários para introduzir o pedido na Inglaterra/País de Gales [151], Escócia [152], Irlanda do Norte [153], Suécia [154], Irlanda [155], Espanha [156] e França.

[151] Existe um formulário-tipo para todas as acções, incluindo as de pequeno montante.

[152] A utilização de um formulário-tipo é obrigatória. Há folhetos de instruções para preencher o formulário e os funcionários do tribunal prestam assistência oral.

[153] As regras do tribunal prescrevem um formulário que deve ser utilizado.

[154] Existe um formulário-tipo para todos os créditos, incluindo os de pequeno montante.

[155] Na Irlanda, há formulários especiais para introduzir o pedido e para a resposta do requerido, que podem ser obtido junto do escrivão, que irá acompanhar o seu preenchimento.

[156] Já está preparada a introdução de um formulário (em aplicação dos artigos 437º e 812º do Código de Processo Civil).

Em França, existe para as acções de pequeno montante uma forma simplificada de introduzir o procedimento no Tribunal d'instance por meio de uma simples "déclaration au greffe". Há um formulário cuja utilização não é obrigatória. A "déclaration au greffe" também pode ser feita oralmente. No procedimento de "déclaration au greffe", as partes são informadas da audiência por um greffier (escrivão do tribunal), por carta (ou também oralmente).

Na Alemanha, não existe qualquer formulário, mas todos os requerimentos e declarações também podem ser feitos oralmente.

Na Áustria, o pedido pode ser registado no tribunal distrital do local de residência do requerente, o qual determinará qual é o tribunal competente e transferirá o processo para este.

Em nenhum dos Estados-Membros existe a obrigação de fazer referências jurídicas no requerimento, isto é, só são necessárias referências factuais. Deste modo, os requerentes não têm necessariamente de contratar um advogado.

4.3.5. Representação e assistência

Na maioria dos Estados-Membros, está previsto o apoio de um funcionário judicial ou de um serviço administrativo para a introdução dos processos (Alemanha, Inglaterra/País de Gales, Escócia, Irlanda do Norte, Suécia, Irlanda, Áustria). Além disso, o juiz presta assistência, durante a audiência, a uma parte que não esteja representada por um advogado (sobretudo no tocante a questões processuais), observando simultaneamente o princípio da imparcialidade (Irlanda, Suécia, França, Alemanha, Suécia [157], Inglaterra/País de Gales, Irlanda do Norte [158] e Áustria).

[157] Quando alguém se dirige a um tribunal de primeira instância ou a um serviço público de cobrança forçada, pode receber assistência para a interposição de um processo. A base jurídica dessa assistência é a obrigação geral imposta à administração pública de servir os cidadãos. Essa obrigação de serviço implica que os cidadãos podem telefonar ou deslocar-se a um tribunal de primeira instância para obterem conselhos de ordem geral sobre o procedimento e as regras a este aferentes. Além disso, o presidente do tribunal deve velar, durante a fase preparatória de um processo, por que todas as questões relativas ao litígio sejam esclarecidas e por que as partes dêem a conhecer todos os elementos que poderão invocar.

[158] O District Judge orientará as partes durante a audiência e prestará assistência a qualquer parte que dela necessite. O juiz ajudará a formular as perguntas que devem ser colocadas às testemunhas e interrogará estas últimas, por decisão própria, depois de cada parte as ter interrogado.

Actualmente, nenhum dos Estados-Membros exige uma representação obrigatória por um advogado nos procedimentos relativos a acções de pequeno montante [159]. Em França, é frequente, na prática, que as partes se defendam a si próprias sem o auxílio de um advogado e se apresentem na audiência com um processo mais ou menos completo.

[159] Em Espanha, todavia, existe representação obrigatória se o valor da acção for superior a 150 000 pesetas. Na Áustria, não há representação obrigatória para as acções inferiores a 4 000 EUR.

No entanto, em todos os procedimentos respeitantes a acções de pequeno montante, é possível a representação por um advogado.

Na Suécia, Alemanha, Inglaterra/País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte, as partes também podem ser representadas por alguém que não seja jurista.

4.3.6. Resolução alternativa de litígios (RAL)

Em vários Estados-Membros, foram introduzidos métodos de resolução alternativa de litígios no contexto dos processos judiciais.

Na Irlanda, os esforços de resolução alternativa de litígios estão directamente relacionados com o procedimento das acções de pequeno montante. O Registrar encarregado destas acções facilita a conciliação, a mediação e as discussões informais, procurando obter um acordo sem ser necessário proferir uma sentença.

Na Escócia, as regras actuais não prevêem especificamente que o Sheriff procure obter a resolução de uma acção através da conciliação ou da mediação. Pretende-se, todavia, que o Sheriff procure determinar, se possível na primeira audiência, as questões que dividem as partes sem ser necessário ouvir testemunhas. Esta política é reforçada pelas novas regras que estão a ser preparadas no âmbito da actual revisão, as quais, se forem aprovadas, prevêem expressamente que o Sheriff deve tentar resolver o litígio através da negociação de um acordo. Um sistema de aconselhamento judicial patrocinado pelo Estado, que está a ser experimentalmente aplicado num dos Sheriff Courts, inclui uma instância de mediação para onde os processos podem ser enviados. Esses envios podem ser efectuados pelo conselheiro ou pelo tribunal. O êxito deste serviço está actualmente a ser avaliado.

Há ainda outros Estados-Membros que têm disposições para facilitar a resolução alternativa de litígios no contexto dos processos judiciais, independentemente de existirem (ou não) procedimentos para as acções de pequeno montante. Estas disposições vão desde a concessão da possibilidade de recorrer à RAL (por exemplo, na Bélgica [160] e em França [161]), ao seu incentivo (em Espanha, [162] Itália, [163] Suécia [164] e Inglaterra/País de Gales [165]) ou mesmo à obrigação de recorrer previamente à RAL, nos termos da lei ou por decisão do juiz (por exemplo, na Alemanha, [166] Bélgica [167] e Grécia [168]).

[160] O artigo 665º do Código Judicial, introduzido pela Lei relativa à mediação familiar, de 21 de Janeiro de 2001, permite que o juiz nomeie um mediador, a pedido conjunto das partes ou por sua própria iniciativa mas com o consentimento das partes.

[161] Ver nºs 1 a 15 do artigo 131º do novo Código de Processo Civil sobre a mediação judicial.

[162] Os artigos 414º e 415º da Lei Nº 1/2000, que entraram em vigor em 9 de Janeiro de 2001, prevêem que o juiz deve intervir para convidar as partes, no início do procedimento "ordinário", a uma conciliação ou transacção, depois de exprimirem os seus pedidos respectivos.

[163] Os artigos 183º, 185º e 350º do Código de Processo Civil estabelecem que o juiz deve tomar todas as medidas para avaliar na prática se estão presentes as condições necessárias para pôr termo ao julgamento em causa, através de um documento que estabeleça a reconciliação efectiva das partes.

[164] Nos termos do Capítulo 42, secção 17, do Código de Processo Civil, o tribunal deve tomar todas as medidas para permitir que o litígio seja resolvido amigavelmente.

[165] Nos termos das Regras 26.4 e 44.5 de Processo Civil para a Inglaterra e o País de Gales, que entraram em vigor em 26 de Abril de 1999, o tribunal pode suspender um processo para permitir que as partes recorram à mediação. Os tribunais podem impor sanções financeiras às partes se estas recusarem a mediação.

[166] Nos termos de uma Lei Federal de 15 de Dezembro de 1999, no 15a, para. 1 da lei que aplica os regulamentos de processo civil (EGZPO), os Estados federados podem tomar disposições legislativas para que não possa ser trazido a tribunal de registo um pedido cujo montante seja igual ou inferior a 750 euros ou, em alguns casos de perturbação da ordem pública e de carácter disciplinar, até que um organismo de arbitragem reconhecido tenha tentado resolver o assunto: qualquer pedido apresentado sem essa tentativa prévia de reconciliação seria considerado inadmissível. Até à data, quatro Länder utilizaram esta opção de resolução extrajudicial dos litígios. Depois de interposta uma acção, o 279 do ZPO exige que os tribunais considerem a resolução amigável do litígio ou, pelo menos, de alguns motivos de discórdia; deste modo, podem apresentar propostas de acordo às partes, em qualquer fase do processo, durante as audiências orais ou escritas, ou ordenar às partes que tentem resolver as questões amigavelmente. Nos processos ao abrigo do 495a do ZPO (procedimentos respeitantes a acções de pequeno montante), os tribunais também podem suspender o processo para permitir que se tentem resolver as questões extrajudicialmente.

[167] O recurso aos procedimentos extrajudiciais é obrigatório, nos termos do Código Judicial, por exemplo, em questões litigiosas que envolvam contratos de trabalho e arrendamentos agrícolas. Um projecto de lei actualmente em discussão prevê uma reforma global, no âmbito do Código Judicial, e introduz a possibilidade de qualquer juiz poder ordenar um procedimento de mediação.

[168] O artigo 214º do Código de Processo Civil estabelece que os litígios abrangidos pela competência judiciária do tribunal de primeira instância não podem ser ouvidos se não tiver existido antes uma tentativa de conciliação.

4.3.7. Aligeiramento de algumas regras relativas à obtenção de provas

O aligeiramento das regras relativas à obtenção de provas é uma das questões cruciais dos procedimentos para acções de pequeno montante, na maioria dos Estados-Membros. Em muitos casos, o juiz tem alguma margem de manobra a este respeito:

Nos procedimentos respeitantes às acções de pequeno montante existentes na Inglaterra/País de Gales e na Irlanda do Norte, não são aplicáveis regras estritas de obtenção de provas. Na Inglaterra/País de Gales nenhum perito pode fornecer provas numa audiência, quer escritas quer orais, sem a autorização do tribunal. O tribunal não necessita de obter provas sob juramento e pode limitar o interrogatório. As testemunhas podem apresentar depoimentos escritos, mas - regra geral - incentiva-se a sua comparência no julgamento ou na audiência final. O tribunal pode adoptar qualquer método processual que considere justo e limitar o interrogatório. O juiz pode interrogar qualquer testemunha directamente, antes de permitir que outras pessoas o façam.

Na Escócia e na Suécia, as regras normais em matéria de provas também são aligeiradas. Na Escócia há uma audiência, realizando-se uma outra audiência para a obtenção de provas, quando necessário. O juiz deve procurar determinar as questões que dividem as partes, se possível na audiência inicial, sem ser necessária a produção de provas. Não são exigidas alegações pormenorizadas por escrito em apoio do pedido. As regras normais em matéria de provas são aligeiradas sem que haja limitação das provas. Os depoimentos escritos das testemunhas são considerados provas documentais.

Na Alemanha, os tribunais são livres de obter provas da forma que considerarem mais oportuna, não estando vinculados por regras estabelecidas na lei no que se refere às provas ou aos procedimentos em matéria de provas. A margem de manobra do tribunal está, todavia, limitada pelo princípio do direito a um julgamento equitativo, o direito a ser ouvido em tribunal, a proibição de arbitrariedade e o princípio da razoabilidade e da imparcialidade.

Na Áustria, os tribunais podem rejeitar a obtenção de provas proposta pelas partes em determinados casos [169].

[169] Neste momento, essa possibilidade existe relativamente às acções inferiores (não mais de 10%) ao crédito total. A partir de 1 de Janeiro de 2002, esta possibilidade existirá para todas as acções inferiores a 1 000 euros.

Na Inglaterra e País de Gales, Irlanda do Norte, Suécia [170] e Alemanha são possíveis conferências pelo telefone.

[170] A audiência pode realizar-se por telefone, se for considerado oportuno fazê-lo, tendo em conta o objecto da acção, o custo da comparência presencial e os inconvenientes que a comparência presencial das partes poderá causar. A opinião das partes também é tida em conta. Acontece, na prática, as partes comparecerem por telefone, sobretudo no âmbito das acções de pequeno montante.

Em Espanha [171], Suécia [172], Alemanha e Irlanda, as testemunhas podem apresentar depoimentos escritos em vez de comparecerem em tribunal. Na Irlanda do Norte, os depoimentos escritos das testemunhas são possíveis, mas não muito utilizados.

[171] Em Espanha são permitidos depoimentos escritos em casos específicos (artigo 381º do Código de Processo Civil).

[172] Os depoimentos escritos das testemunhas só são admitidos se a audição das testemunhas não puder ter lugar durante a audiência principal, ou à margem desta, ou ainda no interior do tribunal, ou se for considerado que existem razões específicas em termos dos custos e inconvenientes gerados por essa audição, do contributo que ela poderá dar, da importância do depoimento ou outras circunstâncias. Este método é raro e as regras são, por conseguinte, aplicadas de forma restritiva.

4.3.8. Introdução da possibilidade de um procedimento unicamente escrito

A possibilidade de um procedimento unicamente escrito (em vez de audiências orais) existe actualmente na Suécia [173], Irlanda do Norte [174], Escócia [175], Alemanha, Inglaterra/País de Gales e Espanha.

[173] Essa possibilidade é aplicada nos casos em que os debates orais não são necessários para a instrução do processo e quando nenhuma das partes os exige.

[174] Embora a legislação permita um procedimento unicamente escrito, na prática este não é muito aplicado, embora signifique que os requerentes que residem fora da jurisdição podem apoiar os seus pedidos, e fazem-no efectivamente, com depoimentos escritos em vez de comparecerem em tribunal. Contudo, se a questão for contestada, o requerente fica em desvantagem, ao não comparecer na audiência e depender unicamente das suas declarações.

[175] Na Escócia, o procedimento escrito destina-se apenas a acções sem defensor

Na Alemanha, os procedimentos escritos são a regra, na prática. As partes podem, todavia, solicitar uma audiência oral.

Em Inglaterra, uma decisão pode basear-se apenas num procedimento escrito, se o juiz considerar que isso é adequado e as partes estiverem de acordo, mas tais casos são raros.

4.3.9. Aligeiramento das regras relativas ao teor e ao prazo da decisão

Na Alemanha, as decisões no âmbito de procedimentos referentes a acções de pequeno montante não contêm necessariamente os factos relativos ao processo. Quanto à argumentação jurídica, é suficiente que os elementos essenciais figurem nos autos.

Em nenhum Estado-Membro é aplicável um prazo geral para a resolução de um caso.

Actualmente, existe um prazo para que a sentença seja proferida em Espanha [176] (10 dias), Suécia (14 dias), Escócia (28 dias) Áustria (4 semanas) [177].

[176] Não há, todavia, consequências legais, se o prazo não for respeitado.

[177] Não há, todavia, consequências legais, se o prazo não for respeitado.

4.3.10. Custas

As regras processuais referentes ao reembolso das custas variam grandemente. Em muitos Estados-Membros, todos as custas têm de ser pagas apenas pelo requerido, se este perder o processo.

Em Inglaterra/País de Gales, Escócia, França [178], Irlanda, Irlanda do Norte [179] e Suécia, o reembolso é, todavia, limitado. Esta limitação vai desde a inexistência de reembolso (Irlanda) até restrições das custas judiciais (Irlanda do Norte) e a fixação de montantes máximos, dependentes, em alguns casos, do valor da acção (Inglaterra/País de Gales, Escócia, Suécia).

[178] O reembolso das custas está limitado em conformidade com o artigo 695º do novo Código de Processo Civil.

[179] Só serão imputadas as custas judiciais adequadas, a não ser que o juiz da comarca verifique que houve um comportamento despropositado de uma das partes (podendo imputar, nesse caso, os custos e despesas com as testemunhas a essa parte), ou que o procedimento foi adequadamente iniciado por civil bill (caso em que custos podem ser imputados).

4.3.11. Exclusão/limitação das possibilidades de recurso

As disposições legislativas dos Estados-Membros relativas à possibilidade de recorrer de decisões no âmbito de procedimentos respeitantes a acções de pequeno montante diferem consideravelmente.

Pode recorrer-se das decisões proferidas em processos relativos a acções de pequeno montante sem limites na Irlanda e em Espanha [180].

[180] Em Espanha existem, todavia, limitações relativamente às provas permitidas (artigo 460º do Código de Processo Civil).

Na Escócia, é possível recorrer, mas só sobre questões de direito.

Na Suécia, os recursos estão sujeitos a uma autorização, que é concedida se estiverem reunidas circunstâncias especiais, tais como a importância do processo para a aplicação da lei.

Em Inglaterra e no País de Gales, os recursos são sujeitos a autorização em todos os casos, salvo para processos específicos que afectam a liberdade de uma pessoa.

Na Irlanda do Norte, o direito de recurso nos procedimentos respeitantes a acções de pequeno montante é muito limitado, actualmente [181]. Contudo, foram propostas alterações legislativas que ampliarão esse direito.

[181] O juiz distrital pode, se o Tribunal Superior assim lho ordenar, submeter à apreciação deste qualquer questão jurídica suscitada por uma decisão.

Em França (25 000 FF = 3 811 EUR) e na Alemanha (600 EUR) existem limiares para os recursos, que se traduzem na prática na impossibilidade de recorrer no âmbito de um processo relativo a acções de pequeno montante. No entanto, na Alemanha é admitido um recurso se o processo tiver um significado geral.

Na Áustria só é possível recorrer das decisões relativas a acções inferiores a 2 000 euros por motivos de nulidade (ou seja, devido a erros processuais muito graves) ou em questões de direito [182].

[182] Os recursos baseados em questões de facto e na avaliação das provas estão excluídos ( 501 do Código de Processo Civil).

4.4. Necessidade de acção a nível comunitário

Como já foi referido, as despesas, os prazos e os abusos associados às soluções judiciais não diminuem necessariamente de modo proporcional ao montante do pedido. Pelo contrário, quando mais diminuto é o objecto de um litígio, mais aumenta o peso destes obstáculos. Muitos Estados-Membros criaram, por isso, procedimentos simplificados em matéria civil para as acções de pequeno montante.

O estudo "Cost of Judicial Barriers for Consumers in the Single Market" de 1995 [183] revelou os seguintes dados relativos a processos respeitantes a pequenas acções no domínio dos consumidores, mas que possuem uma pertinência mais geral:

[183] Cost of Judicial Barriers for Consumers in the Single Market, Hanno von Freyhold, Volkmar Gessner, Enzo L. Vial, Helmut Wagner (Eds.), A Report for the European Commission (Directorate General XXIV), Zentrum für Europäische Rechtspolitik an der Universität Bremen, Outubro/Novembro de 1995, disponível em: http://www.freyvial.de/Publications/ egi-2.pdf

* 24% dos cidadãos dos Estados-Membros compram esporadicamente (na maioria das vezes quando viajam no estrangeiro) bens ou serviços até 2 000 euros noutros países da União Europeia [184]. Destes consumidores, 10% ficam insatisfeitos e dois terços deste número não podem ou não querem agir judicialmente. O inquérito mostra também que praticamente não existe um mercado único de bens duradouros. Estes são raramente comprados no estrangeiro, devido ao risco de não se poder exigir uma reparação ou a devolução do dinheiro.

[184] Inquérito EUROBARÓMETRO de 17 de Maio de 1995 (43.0)

* Os custos totais da interposição de uma acção judicial transfronteiras no domínio do consumo para a recuperação de um montante de 2000 euros variam, consoante a combinação de Estados-Membros envolvidos, entre 980 euros e 6 600 euros e um processo no Estado de residência do requerido custa, em média, 2 489 euros. Os custos mínimos e médios de um processo no Estado de residência do requerente são cerca de 3% mais reduzidos do que um processo no Estado de residência do requerido (o custo máximo é 11% mais reduzido). Uma vez que mesmo os requerentes que ganham o processo têm de pagar parte dos custos, e há sempre o risco de terem de os pagar integralmente se perderem o processo um consumidor sensato não intentaria uma acção judicial por 2 000 euros.

* Além disso, os consumidores têm em conta a duração da acção judicial. Neste aspecto, os processos (incluindo a citação e a notificação dos actos) e a execução são elementos decisivos. Enquanto alguns Estados-Membros oferecem processos que demoram um ano ou menos, os tribunais com competência judiciária sobre as pequenas acções de consumidores na Irlanda e, em particular, na Itália necessitam de vários anos para resolver o litígio. A duração média de um processo judicial cível transfronteiras, na Europa, é de quase dois anos no país de residência do requerido e de mais seis meses no país de residência do requerente (onde a notificação do processo e o procedimento de reconhecimento e execução fazem aumentar a duração).

* Os dados indicam que há insegurança jurídica para os consumidores no mercado único. Em consequência, os consumidores informados evitam os mercados anónimos e os consumidores mal informados correm riscos ao comprarem no estrangeiro. As estruturas oferecidas para os processos cíveis transfronteiras estão longe de ser fiáveis, acessíveis e eficazes. Os cálculos dos custos directos para os consumidores indicam que os custos agregados dessa insegurança jurídica transfronteiras são significativos. A adição das diversas categorias de custos aponta para valores na ordem dos 7 230 a 73 790 milhões de euros.

O facto de os obstáculos à obtenção de uma decisão rápida e pouco onerosa serem, assim, claramente intensificados num contexto transfronteiras é igualmente realçado no Relatório da Conferência Pluridisciplinar de Peritos sobre a Resolução dos créditos de pequeno montante através das fronteiras europeias, organizada pela Presidência britânica da União Europeia em 1998 [185]. O desconhecimento dos sistemas jurídicos dos outros Estados-Membros e a consequente necessidade de consultar um advogado, a citação e a notificação dos actos mais demoradas a uma parte residente noutro Estado-Membro e os custos adicionais de tradução são apenas alguns dos factores que contribuem para esta situação. Consequentemente, neste momento, o custo da obtenção de uma decisão contra um requerido residente noutro Estado-Membro é frequentemente desproporcionado em relação ao montante envolvido, em especial quando o valor da acção é reduzido. Se não existir, neste caso, um procedimento disponível que seja "proporcional" ao valor do litígio, quer porque o sistema judicial de um Estado-Membro não prevê tal procedimento quer porque exclui a sua aplicação aos processos transfronteiras, os obstáculos que o credor irá provavelmente encontrar podem tornar o recurso à justiça economicamente questionável. Muitos credores, perante os custos dos processos, e assustados pelas dificuldades práticas que poderão ocorrer, abandonam qualquer esperança de obter aquilo que acreditam ter legalmente direito.

[185] Multidisciplinary Conference of Experts, Resolving Small Claims Across European Borders, 22 e 23 de Junho de 1998, Down Hall, Hatfield Heath, Hertfordshire.

Para permitir que a Comissão avalie melhor até que ponto é necessária uma acção a nível comunitário, bem como a natureza dessa acção, um dos objectivos do presente Livro Verde é recolher mais informações sobre o funcionamento dos procedimentos relativos às acções de pequeno montante existentes. Uma simples análise do quadro processual existente não é suficiente para tirar conclusões correctas sobre a eficácia de um procedimento específico na sua utilização quotidiana. Quanto maiores forem as diferenças entre os Estados-Membros no que diz respeito à aceitação e ao êxito dos procedimentos destinados a simplificar e a acelerar este tipo de litígios, maior é o desequilíbrio atrás mencionado e mais urgente se torna a necessidade de uma aproximação a nível da Comunidade.

Neste contexto, deverá também ser clarificado se um eventual futuro instrumento comunitário sobre acções de pequeno montante se enquadraria no acervo comunitário existente no domínio da cooperação judiciária em matéria civil e de outros eventuais futuros instrumentos nesta área. Nas acções de pequeno montante transfronteiras, os documentos deverão ser notificados em conformidade com o Regulamento (CE) nº 1348/2000, relativo à citação e à notificação dos actos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial [186]. O facto de um devedor ter contestado um crédito invocado num futuro possível procedimento europeu de injunção de pagamento, tal como referido na Parte II do presente Livro Verde, não teria um impacto sobre o facto de, após o procedimento de injunção de pagamento, prosseguir o procedimento relativo às acções de pequeno montante (desde que a acção se refira "a um pequeno montante"). E, finalmente, uma sentença não contestada proferida numa acção de pequeno montante poderia beneficiar de uma injunção de pagamento europeia (uma vez adoptado o regulamento do Conselho que institui um título executivo europeu para os créditos não contestados [187] e desde que as outras condições para a emissão da injunção estejam preenchidas).

[186] JO L 160 de 30.06.2000, p. 37.

[187] Ver COM(2002) 159 final, Proposta de regulamento do Conselho que cria um título executivo europeu paracréditos não contestados.

Pergunta 32:

Que problemas surgiram eventualmente na aplicação dos procedimentos respeitantes às acções de pequeno montante no seu Estado-Membro? Queiram indicar o nível de aceitação e de êxito que estes procedimentos têm na prática. Estes procedimentos também estão disponíveis para processos transfronteiras em que o requerente ou o requerido estão domiciliados noutro Estado-Membro? Que problemas surgem actualmente quando se interpõem acções judiciais transfronteiras relativas a acções de pequeno montante?

No contexto da aceitação e do êxito dos procedimentos existentes, deverá ainda ser salientado que, após a adopção de um futuro instrumento comunitário em matéria de acções de pequeno montante, um aspecto fundamental para os cidadãos consistirá em informá-los sobre a existência desse procedimento, no sentido de garantir na prática o acesso efectivo à justiça. Uma das formas possíveis de fornecer esta informação consistirá na cooperação com as autoridades nacionais competentes, no sentido de fornecer ao público em geral e aos meios profissionais a informação sobre o procedimento relativo às acções de pequeno montante, em especial através da Rede Judiciária Europeia em matéria civil e comercial criada pela Decisão nº 2001/470/CE do Conselho [188].

[188] Decisão do Conselho de 28 de Maio de 2001, que cria uma rede judiciária europeia em matéria civil e comercia, JO L 174 de 27.6.2001, p. 25.

Pergunta 33:

Quais as melhores formas para assegurar a informação dos cidadãos sobre o futuro instrumento comunitário referente ao procedimento relativo às acções de pequeno montante?

5. ÂMBITO DO INSTRUMENTO RELATIVO ÀS ACÇÕES DE PEQUENO MONTANTE

Para além das duas questões mencionadas na introdução (Parte I: instrumento jurídico adequado, aplicação apenas a processos transfronteiras ou também a processos puramente nacionais), o eventual futuro instrumento comunitário relativo às acções de pequeno montante levanta outras questões específicas. Podem distinguir-se dois tipos de questões diferentes:

- Um conjunto de questões está ligado ao âmbito de aplicação do instrumento relativo às acções de pequeno montante. O âmbito de aplicação prende-se, nomeadamente, com a questão do limiar que deverá ser aplicável a estas acções, do tipo de litígios para os quais deverá estar disponível e de saber se deverá ser obrigatório ou opcional. Esta questão é abordada no presente capítulo.

- A segunda questão diz respeito às regras processuais concretas que poderão distinguir o procedimento respeitante às acções de pequeno montante dos procedimentos comuns, isto é, que regras processuais poderão ser previstas e seriam adequadas para assegurar que os indivíduos e as empresas não são impedidos ou dissuadidos de exercerem os seus direitos. As regras processuais eventualmente ligadas a estes parâmetros estão ligadas a todas as fases de um processo cível, nomeadamente à introdução do processo, o próprio processo, a decisão e os seus custos, a executoriedade da decisão e a possibilidade de recurso. Esta questão é tratada a seguir (ver 6).

Um eventual futuro instrumento comunitário relativo às acções de pequeno montante suscita questões específicas no que se refere ao seu âmbito de aplicação. Estas três questões, nomeadamente o limiar do procedimento, os tipos de litígio para os quais está disponível e a questão de saber se deverá ser opcional ou obrigatório estão, em certa medida, interligadas.

5.1. Limiar

Uma vez que a noção "acções de pequeno montante" é quantitativa, parece necessário estabelecer um limiar quantitativo (baseado no valor da acção) abaixo do qual uma acção deve ser considerada "pequena". Há sistemas jurídicos em que a escolha entre o procedimento comum e formas de procedimento simplificadas não é feita com base no montante reclamado (isto, numa base quantitativa), mas sim com base em critérios qualitativos (ver 4.3). As formas de procedimento simplificadas são utilizadas nos processos mais simples, menos complexos, independentemente do montante reclamado. No entanto, parece ser preferível uma definição quantitativa das acções de pequeno montante, uma vez que um crédito que não envolva grandes questões de direito e em que a situação factual também seja clara, mas que tenha um valor elevado, dificilmente poderá ser definida como uma acção de "pequeno montante".

Em todos os Estados-Membros que têm procedimentos relativos a acções de pequeno montante, existem limiares aplicáveis a estes procedimentos, que variam consideravelmente (entre 600 EUR e 8 234 EUR). Parece haver uma tendência geral nos Estados-Membros para subir os limiares (e não para os baixar).

O limiar não deverá ser fixado num valor muito baixo, para haver a certeza de que o procedimento tem um âmbito de aplicação com suficiente significado prático e - em conformidade com as conclusões de Tampere - um impacto directo na vida dos cidadãos. Por outro lado, um limiar que seja fixado num nível demasiado elevado também poderá ser problemático. A simplificação das regras processuais só se justifica nos casos em que as custas judiciais são desproporcionadas relativamente ao valor da acção em causa. Um limiar excessivamente elevado poderá constituir um obstáculo à introdução de simplificações processuais significativas por motivos de protecção jurídica efectiva dos cidadãos. Um limiar entre 1000 euros e 2000 euros poderá constituir um compromisso aceitável. O limiar poderá ser fixado num nível mais elevado se o procedimento for opcional (ver 5.3), uma vez que a aplicação do procedimento ordinário se mantém aberta em qualquer caso.

Também se poderá prever um limiar mínimo comum abaixo do qual o procedimento respeitante aos créditos de pequeno montante seria aplicável em todos os Estados-Membros, mas que deixaria a estes últimos a opção de fixar o limiar num nível mais alto. Também se poderá considerar a fixação de um limiar máximo adicional.

Pergunta 34:

Deverá existir um limiar quantitativo para as acções de pequeno montante?

Em caso afirmativo, qual deverá ser esse limiar?

Deverá existir um limiar comum para todos os Estados-Membros, ou seria suficiente um limiar comunitário mínimo (e máximo)?

5.2. Tipos de litígios

Ao contrário do procedimento de injunção de pagamento, que visa criar um título executivo para os créditos não contestados dentro de um prazo razoável (possivelmente através do recurso ao tratamento electrónico de dados), o procedimento relativo às acções de pequeno montante é aplicável a acções que são contestadas pelo requerido. Dificilmente haverá, por isso, argumentos para limitar o procedimento apenas aos créditos pecuniários. Uma vez que o processo será julgado por um juiz - mesmo que numa forma processual simplificada -, não é necessário que a formulação da sentença seja compatível com um formulário cujo preenchimento consista apenas em assinalar determinados espaços com uma cruz (o que poderá ser difícil no caso das acções não pecuniárias). É assim que, na maioria dos Estados-Membros com procedimentos relativos às acções de pequeno montante, estes procedimentos não estão apenas disponíveis para os créditos pecuniários.

Além disso, coloca-se a questão de saber se o procedimento deverá ser limitado a alguns tipos de acções, ou se algumas acções deverão ser excluídas do procedimento. As legislações de vários Estados-Membros prevêem essas limitações.

As Conclusões de Tampere referem regras processuais comuns especiais para processos judiciais transfronteiras, simplificados e acelerados, respeitantes a "pequenas acções do foro comercial e de consumidores, bem como a prestações de alimentos".

O objectivo do procedimento relativo a acções de pequeno montante é evitar que essas acções sejam submetidas a procedimentos demorados e onerosos. A priori pareceria lógico, portanto, que o procedimento seja aplicável a todos os tipos de créditos em matéria civil e comercial. Isto poderia, contudo, causar problemas nos casos que exigem uma obtenção de provas substancial e onerosa (caso das testemunhas periciais). Por outro lado, poderiam conceber-se regras flexíveis sobre a obtenção de provas, concedendo-se ao juiz uma margem de manobra significativa nesse aspecto (ver 6.4 infra). Além disso, poderá ser difícil determinar alguns tipos de litígios normalmente mais complexos e que, por isso, não são adequados para um procedimento deste tipo. Mesmo no caso das acções de indemnização - que normalmente poderão ser mais complexas - as provas periciais eventualmente necessárias poderiam ser apresentadas por escrito, tornando, assim, viável um procedimento escrito. Neste contexto, também são pertinentes a questão do reembolso dos custos e a questão de o procedimento ser opcional ou obrigatório. Se, num procedimento respeitante a acções de pequeno montante, se limitar o reembolso das despesas com as testemunhas periciais (que poderão ser necessárias mesmo em acções relativas a simples obrigações contratuais), a interposição das acções tornar-se-á economicamente questionável sempre que essas provas sejam necessárias.

Ao determinar os tipos de processos adequados, também é necessário ter em conta que, em alguns Estados-Membros, há acções (como, por exemplo, em certas questões de direito de família) que não são tratadas segundo o procedimento civil ordinário. Deste modo, poderia ser difícil introduzir um procedimento relativo a acções de pequeno montante (um procedimento ordinário simplificado) para esse tipo de acções.

Nas acções não pecuniárias, é normalmente o requerente que determina o valor da acção. No caso de um procedimento obrigatório para acções de pequeno montante, caber-lhe-ia, portanto, determinar se o procedimento seria ou não aplicável à sua acção. Para evitar eventuais abusos, em alguns Estados-Membros o juiz controla a determinação do valor da causa.

Pergunta 35:

As acções de pequeno montante devem ser limitadas aos créditos pecuniários, ou não?

Pergunta 36:

Para que tipos de litígios deverá estar disponível o procedimento respeitante a acções de pequeno montante?

Deverão ser excluídos alguns litígios do foro civil e comercial?

Ou o procedimento apenas deverá estar disponível para alguns litígios do foro civil e comercial especificamente mencionados?

5.3. O procedimento relativo a acções de pequeno montante como uma opção ou uma obrigação

Procedimento opcional

Poderia ser instituído um procedimento opcional (como existe actualmente na França, Irlanda e Irlanda do Norte), como um procedimento europeu complementar que não interferiria com os procedimentos nacionais existentes. Isto poderia significar, porém, que o procedimento relativo às acções de pequeno montante dificilmente seria utilizado na prática, em especial se apenas fosse aplicável a processos com elementos transfronteiras.

Teria igualmente de ser ponderado quem poderia optar por este procedimento. A fim de garantir direitos processuais iguais para as partes, parece razoável que o requerente deva poder introduzir o processo como um procedimento relativo a acções de pequeno montante, mas que o requerido possa contestar esta opção, tornando, assim, aplicável o procedimento ordinário. Em consequência, um procedimento respeitante a acções de pequeno montante só seria aplicável se ambas as partes estivessem de acordo com isso. Mas como elas terão muitas vezes interesses contraditórios e nem sempre serão ambas a favor de um procedimento acelerado, o âmbito de aplicação do procedimento poderia ficar significativamente limitado na prática.

Procedimento obrigatório

Um procedimento obrigatório (tal como existe na Alemanha, Inglaterra/País de Gales, Escócia, Espanha e Suécia) asseguraria um âmbito de aplicação mais vasto do procedimento, em especial se este não abrangesse apenas os processos com elementos transfronteiras. Esta opção permitiria assegurar uma aplicação mais eficaz das conclusões de Tampere. Em alguns casos poderia ser, todavia, mais adequado aplicar um procedimento normal mesmo que o valor da acção fosse inferior ao limiar aplicável às acções de pequeno montante. Para evitar que esta decisão seja deixada às partes, poder-se-ia considerar a possibilidade de deixar ao critério do juiz a "transformação" de um procedimento relativo a acções de pequeno montante num processo ordinário. Uma tal decisão teria implicações para todas as outras simplificações processuais próprias de um procedimento relativo a acções de pequeno montante (tais como as limitações da possibilidade de recurso, etc.). Na maioria dos casos, o juiz ponderará a possibilidade de "transformação" num processo ordinário por querer aplicar as regras normais em matéria de obtenção de provas. Por isso, em lugar de uma "transformação" do processo, poder-se-ia considerar a hipótese de permitir apenas ao juiz a aplicação das ditas regras. A aplicação das restantes simplificações processuais não ficaria, assim, ao critério do juiz (ver 6.4 infra).

Há que ter em atenção a ligação existente entre esta questão e as possibilidades de simplificar regras processuais como a necessidade de uma audiência oral ou as consequências da limitação do reembolso dos custos.

Pergunta 37:

O procedimento respeitante às acções de pequeno montante deve ser obrigatório ou opcional?

O tribunal deverá ter a possibilidade de transformar esse procedimento num processo ordinário?

Em caso afirmativo, em que condições?

As partes deverão ter a possibilidade de transformar um processo relativo a uma acção de pequeno montante num processo ordinário?

Em caso afirmativo, em que condições?

6. SIMPLIFICAÇÃO DAS REGRAS PROCESSUAIS

As opções possíveis para a simplificação das regras processuais relativas aos procedimentos respeitantes a acções de pequeno montante em relação a um procedimento ordinário dizem respeito a todos os estádios do processo (início do processo, o próprio processo, a decisão e respectivas custas, a natureza executória da decisão e a possibilidade de interposição de recurso). As opções aqui mencionadas podem encontrar-se sob uma ou outra forma nos procedimentos respeitantes às acções de pequeno montante existentes (e, até em certa medida, também nos procedimentos ordinários de outros Estados-Membros), mas representam apenas uma parte de uma gama muito vasta de opções possíveis. As seguintes propostas de simplificação das regras processuais têm o intuito de manter os esforços processuais num limiar baixo, no que diz respeito ao pequeno valor da acção, mas garantir ainda assim uma protecção jurídica efectiva do cidadão que obedeça a um procedimento baseado no primado do direito.

6.1. Regras mínimas comuns para os formulários

A introdução do processo seria significativamente simplificada com um formulário de fácil preenchimento, que se limitasse aos elementos essenciais absolutamente necessários.

Esses elementos poderiam ser:

- Nome e endereço das partes e do tribunal

- O pedido, incluindo uma descrição concisa dos factos

- Data e assinatura.

As Conclusões de Tampere (ponto 31) também fazem alusão ao estabelecimento de normas mínimas comuns para formulários multilíngues.

O objectivo seria a introdução de um formulário que não contenha nenhuma informação para a qual o requerente necessite da assistência de um advogado (tal como comentários jurídicos ou a formulação juridicamente correcta da decisão pedida). Se necessário, um juiz ou um funcionário judicial poderão dar instruções às partes a respeito das alterações necessárias no decurso do procedimento (ver infra 6.2). A fim de evitar problemas, o formulário poderá incluir instruções que deverão ser seguidas no seu preenchimento. O formulário europeu simplificado proposto pela Comissão no Plano de Acção relativo ao acesso dos consumidores à justiça e à resolução dos litígios de consumo no mercado interno em 1996 [189] e os actuais formulários europeus de reclamação do consumidor da Comissão [190] poderão servir como pontos de referência.

[189] COM(1996) 13 final.

[190] http://europa.eu.int/comm/consumers/ policy/developments/acce_just/acce_just03_pt.html

No plano de acção, a Comissão propôs a introdução de um formulário para melhorar o acesso aos procedimentos judiciais.

Também se poderá prever a introdução de formulários para estádios mais avançados do procedimento (tais como para a resposta do requerido).

Tais formulários também poderão ser disponibilizados através da Internet, o que facilitaria as coisas, sobretudo para as partes residentes em Estados-Membros que não o do tribunal, em particular se, apesar de todos os esforços de harmonização entre os Estados-Membros, se revelassem necessárias algumas pequenas diferenças nos formulários.

Poder-se-ia considerar a possibilidade de autorizar que a introdução da acção e as posteriores comunicações entre as partes e o tribunal se efectuassem através de meios de comunicação modernos, como o fax e o correio electrónico. Enquanto a comunicação por fax é cada vez mais aceite pelos tribunais, a comunicação electrónica só é possível em casos excepcionais e apenas através de sistemas especiais de transferência de dados. A comunicação através do correio electrónico também é problemática devido à difícil verificação da autenticidade do documento. Tendo em conta o quadro legislativo comunitário respeitante às assinaturas electrónicas [191], a introdução de um processo através de correio electrónico poderia, no entanto, tornar-se mais comum no futuro. Há que ter igualmente em conta que as formas técnicas de comunicação constituem uma questão geral de processo civil e não uma matéria específica das acções de pequeno montante.

[191] Ver, em particular, a Directiva 1999/93/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Dezembro de 1999, relativa a um quadro legal comunitário para as assinaturas electrónicas, JO L 13 de 19. 1. 2000, p. 12.

Pergunta 38:

Deverão ser introduzidas normas mínimas comuns para os formulários?

Em caso afirmativo, que normas poderiam ser previstas?

Em que estádios do procedimento deverão os formulários ser utilizados?

Deverão ser introduzidos meios de comunicação modernos?

6.2. Representação e assistência

Uma vez que um dos objectivos dos procedimentos relativos às acções de pequeno montante é permitir que as partes obtenham uma decisão de forma fácil e pouco onerosa, a representação por um advogado não é obrigatória em nenhum Estado-Membro. Em contrapartida, a representação por um advogado é possível em todos os Estados-Membros. Este quadro actual parece satisfatório, uma vez que o procedimento respeitante às acções de pequeno montante deve possibilitar um acesso fácil à justiça, em particular para os cidadãos comuns, desde que não haja objecções à introdução do processo através de um advogado.

A possibilidade de representação por não advogados, já existente em alguns Estados-Membros (Alemanha, Inglaterra/País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte), poderá constituir uma outra melhoria. Esta possibilidade poderia ter interesse sobretudo para as empresas, que principalmente em casos fáceis, poderiam ser representadas por membros do seu pessoal.

Em muitos casos, as partes não são, de facto, representadas por um advogado. A fim de prestar uma assistência eficaz a essas pessoas, muitos Estados-Membros prevêem que funcionários judiciais as auxiliem a introduzir a acção, especialmente no tocante ao preenchimento dos formulários. Essa assistência poderá contribuir para evitar os atrasos causados por requerimentos incompletos e pelas correcções posteriormente necessárias.

Todavia, os não advogados também podem necessitar de ajuda em fases posteriores do processo. Os procedimentos relativos às acções de pequeno montante existentes na maioria dos Estados-Membros estabelecem, por isso, que não são necessárias alegações pormenorizadas e que o juiz tem o dever de dar algumas instruções às partes. O juiz deve esforçar-se por esclarecer completamente a situação factual e apoiar as partes, sobretudo em questões processuais. Para aumentar a facilidade de utilização do procedimento, poderá prever-se a introdução da obrigação de que o juiz dê instruções às partes. Esse dever poderia ser bastante alargado, mas implicaria evidentemente que o juiz teria de manter a neutralidade e não poderia realizar a sua própria investigação ex officio.

A possibilidade de introduzir os pedidos directamente no tribunal, oralmente, poderia completar a assistência prestada aos cidadãos comuns e reduzir as inibições das pessoas que não têm experiência de relacionamento com as autoridades.

Pergunta 39:

Deverá existir assistência em questões processuais para as partes não representadas por um advogado?

Em caso afirmativo, em que medida?

Deverá ser possível a representação por cidadãos comuns?

6.3. Resolução alternativa de litígios (RAL)

Uma outra opção processual que poderá ser considerada é a introdução de medidas de resolução alternativa de litígios (tais como conciliação, mediação e debates informais) no contexto dos procedimentos respeitantes às acções de pequeno montante. Isto teria a vantagem de reduzir o volume de trabalho dos tribunais e também os custos. Poderiam fazer-se poupanças substanciais nas custas judiciais e outras despesas de contencioso, bem como no tempo e energia das partes e dos juízes. Além disso, é provavelmente mais rápido chegar a um acordo do que proferir e executar uma decisão. As medidas de resolução alternativa de litígios poderiam contribuir, assim, significativamente para atingir o objectivo de diminuir custos e poupar tempo, que é relevante para todos os processos do foro civil e comercial, mas assume, por razões manifestas, uma importância primordial no contexto das acções de pequeno montante.

Podem considerar-se diversas opções quanto ao carácter opcional ou obrigatório da resolução alternativa de litígios. Estas vão desde a concessão da possibilidade de recorrer a modos alternativos de resolução dos litígios no âmbito dos processos judiciais até ao seu incentivo pelos tribunais. Pode até colocar-se a hipótese de introduzir a obrigação de recorrer a essas medidas antes de se poder proferir uma decisão.

Há que recordar, no entanto, que a resolução alternativa de litígios é uma questão geral do processo civil e não uma matéria específica das acções de pequeno montante. A Comissão abordou, por isso, esta questão num Livro Verde específico sobre os modos alternativos de resolução dos litígios em matéria civil e comercial [192].

[192] Livro Verde sobre os modos alternativos de resolução dos litígios em matéria civil e comercial, COM(2002) 196 final (http://europa.eu.int/eur-lex/pt/com/gpr/ 2002/com2002_0196pt01.pdf). No contexto dos créditos de pequeno montante, o capítulo do Livro Verde intitulado "ADR no âmbito de processos judiciais" tem especial interesse.

Pergunta 40:

Deverão ser introduzidos modos alternativos de resolução dos litígios para os processos relativos às acções de pequeno montante?

Em caso afirmativo, o recurso à resolução alternativa de litígios deverá ser opcional ou obrigatório?

6.4. Aligeiramento de algumas regras relativas à obtenção de provas

Uma questão crucial na maioria dos actuais procedimentos relativos às acções de pequeno montante reside na simplificação das regras relativas à obtenção de provas com o intuito de abreviar o procedimento e reduzir os custos.

Para alcançar este objectivo, poderia pôr-se a hipótese de limitar os meios de prova que são admitidos. Por exemplo, os meios de prova particularmente onerosos (como as testemunhas periciais) poderiam ser excluídos. Isto seria susceptível, todavia, de tornar o esclarecimento dos factos quase impossível.

Quase todos os procedimentos respeitantes às acções de pequeno montante prevêem, por isso, simplificações das regras relativas à obtenção de provas e não limitações dos meios de prova.

Podem conceber-se as opções seguintes:

- Admissão de depoimentos escritos pelas testemunhas e/ou pelas partes

Esta medida permitiria fazer economias significativas nas despesas de deslocação, principalmente nos processos transfronteiras.

- - Telefone e videoconferências

Esta opção também permitiria poupar nas despesas de deslocação e teria a vantagem adicional de criar um contacto directo entre o tribunal e as partes ou as testemunhas. Poderia ainda facilitar a avaliação das provas pelo tribunal e criaria a possibilidade de interrogatório. É claro que teriam de ser criadas as condições técnicas necessárias.

- Apresentação de alguns meios de prova para admissão pelo juiz

Para alargar ao máximo o âmbito de aplicação do procedimento respeitante às acções de pequeno montante e torná-lo aplicável a tipos muito diferentes de acções, a adopção de regras flexíveis em matéria obtenção de provas parece uma opção adequada. Também se poderá considerar a possibilidade de deixar a admissão de meios de prova específicos ao critério do juiz, que não estaria, assim, vinculado pelas regras normais em matéria de obtenção de provas. O juiz, perante um processo específico, poderia então - com base na sua formação e experiência - determinar ele próprio os meios de prova necessários e conduzir um procedimento que seria mais ou menos formal consoante as circunstâncias do processo em causa. À primeira vista, isto pode parecer uma opção de grande alcance, mas deve analisar-se se não seria aceitável uma solução tão fácil e flexível para acelerar e simplificar o procedimento, tendo em conta o pequeno valor da acção. Na Alemanha, esta opção tem sido aplicada com êxito. Possivelmente, também poderia ser expressamente determinado que o direito a um julgamento equitativo, consagrado no artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no artigo 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, deve ser respeitado em todas as circunstâncias.

À semelhança do que sucede em alguns Estados-Membros (como a Escócia e a Alemanha), esta medida poderia ser combinada com uma limitação da possibilidade de recurso (ver 6.8). Também poderia ponderar-se uma limitação dos motivos de recurso às questões de direito e à violação dos princípios fundamentais de um julgamento equitativo, como o direito de ser ouvido ou a proibição da arbitrariedade. A alegação de erros processuais também poderia ser objecto de autorização pelos tribunais de recurso.

Pergunta 41:

Deverão algumas regras respeitantes à obtenção de provas ser aligeiradas?

Em caso afirmativo, quais e em que medida?

6.5. Introdução da possibilidade de um procedimento unicamente escrito

Uma opção processual que vai ainda mais longe é a possibilidade de introduzir um procedimento unicamente escrito (em vez de audiências orais). Esta possibilidade pode reduzir significativamente os custos nos processos "fáceis", particularmente nos processos transfronteiras, e reduzir o tempo necessário para que a decisão seja proferida.

No contexto da margem de apreciação atrás mencionada (6.4), poderia ponderar-se a possibilidade de deixar ao critério do juiz se uma audiência oral é ou não necessária num caso específico. Isto teria, mais uma vez, a vantagem de constituir uma solução flexível que poderia ser adaptada a cada caso. Principalmente se o procedimento respeitante às acções de pequeno montante for obrigatório, deverá considerar-se a hipótese de prever uma audiência oral obrigatória a pedido de uma das partes, para evitar o conflito com as garantias processuais do artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e do artigo 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Se o procedimento for opcional, as partes poderão optar, de qualquer modo, por uma audiência oral através da escolha do procedimento ordinário, eventualmente mesmo após a introdução do processo.

Pergunta 42:

Deverá introduzir-se a possibilidade de um procedimento unicamente escrito (em vez de audiências orais)?

Em caso afirmativo, ele deverá obedecer a determinadas condições?

6.6. Aligeiramento das regras relativas ao teor da decisão e ao prazo

Para além de um julgamento simplificado, outra possibilidade de acelerar a emissão de uma decisão poderá ser o aligeiramento das regras relativas ao teor da decisão.

Poder-se-ia pensar, em particular, no aligeiramento das regras relativas ao teor da decisão. Esta opção poderia ser prevista em ligação com as possíveis restrições da possibilidade de recurso (ver 6.8). Nos casos em que não existe possibilidade de recurso, a decisão poderia ser limitada às questões de direito e de facto essenciais. Se os possíveis motivos de recurso estivessem limitados às questões de direito, pelo menos poderiam aligeirar-se as regras relativas à avaliação das provas.

Também poderá considerar-se a hipótese de introduzir o dever de apresentar uma notificação de interposição de recurso caso a decisão tenha sido emitida oralmente. Se não for apresentada qualquer notificação e a decisão se tornar definitiva, a transcrição escrita da sentença, eventualmente requerida, poderá limitar-se aos factos essenciais ou mesmo às conclusões.

Em nenhum Estado-Membro é aplicável um prazo geral para a resolução de um processo, o que também poderia ser problemático dado o grau de complexidade variável dos diversos processos. Além disso, há circunstâncias que influenciam a duração de um procedimento e que escapam ao controlo do tribunal (como os problemas relacionados com a citação e a notificação dos actos ou com testemunhas que não podem ser contactadas).

No contexto da introdução de regras aligeiradas relativamente ao teor da decisão, poderá ponderar-se a fixação de um prazo para a emissão da decisão, depois de terminado o processo. Os prazos actualmente existentes variam entre 10 dias (Espanha) e 28 dias (Escócia). Dependendo do grau de aligeiramento das regras, poderia ser adequado um prazo de 14 a 28 dias.

Pergunta 43:

As regras relativas ao teor da decisão deverão ser aligeiradas?

Em caso afirmativo, em que medida?

Deverá existir um prazo para a emissão de uma decisão?

6.7. Custos

A questão do reembolso dos custos e despesas como as custas judiciais, as despesas com as testemunhas, os peritos e os advogados, é importante para um credor poder avaliar se a acção judicial é economicamente razoável. A importância das regras relativas ao reembolso dos custos e despesas não deve ser subestimada. Alguns Estados-Membros (Inglaterra/País de Gales, Escócia, Irlanda do Norte, França, Irlanda, Suécia) divergem, nos seus procedimentos relativos às acções de pequeno montante, da regra geral muito disseminada de que o reembolso dos custos se baseia no grau de sucesso das partes. Estas regras também devem ser vistas no contexto do carácter obrigatório ou opcional do procedimento.

Procedimento obrigatório

Nos casos em que o procedimento é obrigatório (ver 5.3) e o credor não pode optar pelo procedimento ordinário, a imposição de grandes restrições ao reembolso dos custos poderá dissuadir os credores de agirem judicialmente em relação às acções de pequeno montante (ou pelo menos impedi-los de contratar um advogado) porque o resultado financeiro global poderia ser negativo, mesmo que ganhassem o processo. Uma regra que não preveja qualquer reembolso das despesas do requerente com as custas judiciais (e as eventuais despesas com as testemunhas e os peritos) tornará as acções judiciais relativas a acções de muito pequeno montante altamente questionáveis do ponto de vista económico. Essa regra poderia não contribuir para a consecução do objectivo de facilitar o acesso à justiça. Mesmo que o valor da acção fosse mais elevado do que os custos, o requerente não receberia, no final, o montante total que lhe era devido. A emissão mais rápida da sentença teria assim - num certo sentido - de ser "comprada". Por outro lado, um requerido levado a tribunal sem justificação poderia ser obrigado a fazer grandes despesas para se defender. Podem tecer-se considerações semelhantes se o reembolso dos custos for limitado a um montante máximo.

Poderá argumentar-se que, relativamente aos honorários dos advogados, o próprio conceito de procedimento para acções de pequeno montante torna supérflua a contratação de um advogado. Uma parte que, mesmo assim, decida contratar um advogado deverá pagar os seus honorários. Além disso, ninguém deveria envolver-se num processo judicial dispendioso só por a outra parte ter contratado um advogado. Por outro lado, uma limitação significativa do reembolso dos honorários dos advogados poderá levar - num procedimento obrigatório - à exclusão na prática da representação por um advogado. A maioria das partes não recorre ao apoio judicial de bom grado, mas deste modo as partes ficariam de facto privadas da possibilidade de contratar um advogado e seriam obrigadas a representarem-se a si mesmas no tribunal. Ao contrário do advogado que representa apenas os interesses da sua parte e a aconselha sobre todas as questões, mesmo a melhor assistência prestada pelo tribunal tem de se manter neutra e fica, por isso, limitada às questões processuais ou às informações sobre a situação jurídica. O objectivo é, certamente, assegurar que o procedimento relativo às acções de pequeno montante também pode ser realizado sem a assistência de um advogado. No entanto, essa assistência não pode ser substituída.

Num procedimento obrigatório relativo às acções de pequeno montante há, pois, que considerar cuidadosamente se o reembolso dos custos deve ou não ser limitado.

Procedimento opcional

No caso de um procedimento que seja opcional para ambas as partes (ver 5.3), estas questões têm menos importância. Contribuirão, todavia, para determinar o grau de utilização do procedimento relativo às acções de pequeno montante na prática dos tribunais. Uma parte que não queira representar-se a si própria num tribunal, ou que preveja fazer despesas significativas (por exemplo, com as testemunhas e os peritos), optará muito provavelmente pelo procedimento ordinário. Além disso, as empresas de grande e média dimensão normalmente empregam advogados. Uma vez que os processos relativos a acções de pequeno montante são frequentemente entre empresas ou entre empresas e consumidores, a limitação do reembolso dos custos poderá ter como consequência que o procedimento respeitante às acções de pequeno montante só seja aplicado, na prática, nos processos entre cidadãos individuais que se abstenham ambos de contratar um advogado.

Pergunta 44:

O reembolso dos custos deverá ser limitado?

Em caso afirmativo, em que medida?

6.8. Exclusão/limitação das possibilidades de recurso

Pode considerar-se a hipótese de introduzir limitações à possibilidade de recurso com o fim de reduzir as despesas e garantir mais rapidamente a segurança jurídica. Essas limitações são comuns no procedimento ordinário e, em grau variável, nos procedimentos relativos às acções de pequeno montante existentes nos Estados-Membros (Escócia, Suécia, Inglaterra/País de Gales, Irlanda do Norte, França, Alemanha) como um meio importante de reduzir a duração dos processos.

Poderia ponderar-se a exclusão total do direito de recurso, medida que produziria, evidentemente, a maior aceleração dos processos e a poupança de custos mais eficaz. Em contrapartida, essa solução poderia ser problemática, uma vez que as partes seriam impedidas de recorrer por maiores que fossem os erros - do seu ponto de vista - do tribunal de primeira instância. Isto poderia gerar a ideia de que haveria arbitrariedade do juiz.

Também se poderia considerar a hipótese de não excluir totalmente o direito de recorrer de uma decisão, mas limitá-lo. Uma vez que o juiz está vinculado pelo direito substantivo e - não obstante toda a simplificação da obtenção de provas - pelo princípio do direito a um julgamento equitativo (ver supra 6.4 e 6.5), também se poderia considerar a hipótese de limitar os motivos do recurso às questões de direito (excluindo assim as questões de facto). Consequentemente, poder-se-ia evitar a morosa e dispendiosa anulação de uma decisão e o seu retorno ao tribunal de primeira instância, para novo processo, devido a erros no estabelecimento dos factos. Além disso, poder-se-ia considerar a violação dos princípios fundamentais do direito a um julgamento equitativo como um motivo de recurso adicional. Isto teria a vantagem de não deixar a configuração concreta do princípio bastante geral do direito a um julgamento equitativo pela jurisprudência apenas aos tribunais de primeira instância.

Para evitar atrasos no processo devido a recursos sem perspectivas de êxito, também seria possível sujeitar a admissão de um recurso à aprovação pelo tribunal de segunda instância ou pelo tribunal de primeira instância. Esta possibilidade poderia colocar-se sobretudo em caso de erros processuais graves. Seria preferível que essa decisão fosse tomada pelo tribunal de segunda instância, já que uma decisão do tribunal de primeira instância sobre um recurso contra uma decisão emitida por esse mesmo tribunal poderia gerar a impressão de arbitrariedade.

Dado o reduzido valor da acção, não deverá dar-se a possibilidade de recorrer a uma terceira instância, uma vez que isto pode causar demoras particularmente longas.

Pergunta 45:

A possibilidade de recurso deverá ser excluída ou limitada?

Em caso afirmativo, em que medida?

6.9. Outras opções de simplificação

Poderão existir outras opções de simplificação das regras processuais em matéria de acções de pequeno montante, a fim de simplificar e acelerar os processos e tornar o procedimento pouco oneroso e fácil de utilizar.

Pergunta 46:

Que outras opções poderão ser previstas para simplificar as regras processuais relativas às acções de pequeno montante?

7. RESUMO DAS PERGUNTAS

Pergunta 1:

Os instrumentos europeus relativos às injunções de pagamento e às acções de pequeno montante só devem ser aplicados a processos transfronteiras ou também a processos puramente internos? Queiram pronunciar-se sobre as vantagens e desvantagens de um âmbito de aplicação reduzido ou alrgado destes dois eventuais instrumentos.

Pergunta 2:

Qual é o instrumento legislativo adequado para o procedimento de injunção de pagamento e o procedimento relativo às acções de pequeno montante, um regulamento ou uma directiva?

Pergunta 3:

Que problemas surgiram eventualmente na aplicação do procedimento de injunção de pagamento ou outro procedimento de cobrança de créditos não contestados, em vigor no seu Estado-Membro? Indique o nível de aceitação e sucesso destes procedimentos na prática. Estes procedimentos também estão disponíveis em processos transfronteiras, em que o requerente ou o requerido estejam domiciliados noutro Estado-Membro? Em caso afirmativo, que problemas ocorreram eventualmente na sua aplicação? Em caso negativo, de que modo são julgadas as acções relativas a créditos não contestados numa situação transfronteiras?

Pergunta 4:

Um procedimento europeu de injunção de pagamento deverá limitar-se aos créditos pecuniários? Em caso negativo, que tipos de créditos não pecuniários deverão ser incluídos?

Pergunta 5:

O procedimento europeu de injunção de pagamento apenas deverá existir para os créditos relacionados com determinados domínios do direito civil e comercial ou deverão excluir-se alguns tipos de créditos? Em qualquer dos casos, queira indicar as categorias de créditos que devem ser incluídas ou excluídas.

Pergunta 6:

O procedimento europeu de injunção de pagamento só deverá estar disponível para créditos até um determinado montante? Em caso afirmativo, qual deverá ser esse valor máximo?

Pergunta 7:

A utilização de um procedimento europeu de injunção de pagamento deverá ser obrigatória ou apenas opcional, caso o credor acredite que o crédito não será contestado?

Pergunta 8:

Os tribunais do Estado-Membro do domicílio do requerido deverão ter competência internacional exclusiva para um procedimento europeu de injunção de pagamento, nos casos transfronteiras?

Pergunta 9:

Um instrumento europeu relativo ao procedimento de injunção de pagamento deverá conter regras que determinem quais são os tribunais competentes em cada Estado-Membro? Em caso afirmativo quais deverão ser estas regras?

Pergunta 10:

Um instrumento relativo a uma injunção de pagamento europeia deverá conter disposições que determinem quem num tribunal (juízes, funcionários judiciais) está exactamente incumbido do procedimento e tem autoridade para emitir uma injunção de pagamento? Em caso afirmativo, quais deverão ser essas regras?

Pergunta 11:

Que requisitos deverá satisfazer o teor do requerimento para uma injunção de pagamento europeia? Em particular, que condições deverão ser aplicáveis à descrição das circunstâncias invocadas como base do crédito?

Pergunta 12:

A apresentação de prova documental do crédito em causa deverá constituir um requisito do requerimento para uma injunção de pagamento europeia? Em caso afirmativo, que tipos de documentos devem ser considerados prova suficiente do crédito?

Pergunta 13:

A utilização de um formulário-tipo para apresentar um requerimento de injunção de pagamento europeia deverá ser obrigatória? Em caso afirmativo, qual deverá ser o teor do formulário-tipo?

Pergunta 14:

Qual deverá ser o papel da tecnologia informática e do tratamento electrónico de dados na comunicação entre o tribunal e as partes e na gestão do procedimento europeu de injunção de pagamento pelo tribunal?

Pergunta 15:

Deverá realizar-se um exame da justificação do crédito antes da emissão de uma injunção de pagamento europeia? Em caso afirmativo, quais deverão ser os critérios desse exame?

Pergunta 16:

Deverá ser possível conceder uma injunção de pagamento europeia apenas para parte do crédito em causa?

Pergunta 17:

A injunção de pagamento europeia deverá ser emitida de forma normalizada? Em caso afirmativo, qual deverá ser o conteúdo da decisão normalizada?

Pergunta 18:

O recurso contra a recusa (parcial) de uma injunção de pagamento europeia deverá ser inadmissível? Deverá ser possível apresentar um novo requerimento de injunção de pagamento europeia relativo ao mesmo crédito, após uma tal recusa?

Pergunta 19:

Que elementos deverão constar da informação dada ao requerido sobre os seus direitos e deveres processuais em anexo a uma injunção de pagamento europeia? Quais deverão ser as consequências do incumprimento desta obrigação?

Perguntas 20:

Um instrumento legislativo respeitante a uma injunção de pagamento europeia deverá incluir disposições sobre a citação e a notificação dos actos para este procedimento específico ou deverá ser acompanhado pela harmonização das regras aplicáveis à notificação e à citação em geral? Em caso afirmativo, qual deverá ser o teor dessas regras?

Pergunta 21:

Qual deverá ser o prazo para contestar o crédito? O prazo de contestação deverá ser influenciado por certas características específicas do processo e, em caso afirmativo, quais?

Pergunta 22:

Deverão associar-se requisitos formais ou substantivos à contestação? Em caso afirmativo, quais deverão ser esses requisitos?

Pergunta 23:

Um instrumento relativo a uma injunção de pagamento europeia deverá conter regras que determinem se uma contestação invalida a injunção de pagamento ou se esta é transformada na matéria do processo ordinário subsequente? Em caso afirmativo, quais deverão ser essas regras?

Pergunta 24:

Se o crédito for contestado, o processo deverá ser automaticamente transformado num processo ordinário, ou só deverá sê-lo a pedido de uma das partes?

Pergunta 25:

Um procedimento europeu de injunção de pagamento deverá ter uma ou duas etapas, isto é, a decisão inicial deve tornar-se executória, ou deverá ser necessária uma segunda decisão (um "título executivo") depois de terminado o prazo de contestação do crédito?

Pergunta 26:

Deverá haver um recurso ordinário contra uma injunção de pagamento europeia (ou, num procedimento em duas etapas, contra um título executivo) depois de terminado o prazo de contestação?

Pergunta 27:

Uma injunção de pagamento europeia deverá adquirir o estatuto de res iudicata depois de terminados os prazos de contestação e/ou recurso?

Pergunta 28:

Um instrumento relativo a uma injunção de pagamento europeia deverá incluir regras sobre a não obrigatoriedade da representação por um advogado no procedimento de injunção de pagamento? Em caso afirmativo, quais deverão ser essas regras?

Pergunta 29:

Um instrumento relativo a uma injunção de pagamento europeia deverá incluir disposições respeitantes aos custos do procedimento e à sua compensação? Em caso afirmativo, quais deverão ser essas regras?

Pergunta 30:

Uma injunção de pagamento europeia deverá ser provisoriamente executória? Em caso afirmativo, quais deverão ser os requisitos para a executoriedade provisória e para a suspensão da execução provisória?

Pergunta 31:

Deverá uma injunção de pagamento europeia ser directamente executória noutros Estados-Membros sem exequator e também sem certificação no Estado-Membro de origem, tal como actualmente previsto no que se refere ao Título Executivo Europeu para os créditos não contestados? Em caso afirmativo, a que condições deveria ser sujeito tal carácter executório?

Pergunta 32:

Que problemas surgiram eventualmente na aplicação dos procedimentos respeitantes às acções de pequeno montante no seu Estado-Membro? Queira indicar o nível de aceitação e de êxito que estes procedimentos têm na prática. Estes procedimentos também estão disponíveis para processos transfronteiras em que o requerente ou o requerido estão domiciliados noutro Estado-Membro? Que problemas surgem actualmente quando se interpõem acções judiciais transfronteiras relativas a acções de pequeno montante?

Pergunta 33:

Quais as melhores formas para assegurar a informação dos cidadãos sobre o futuro instrumento comunitário referente ao procedimento relativo às acções de pequeno montante

Pergunta 34:

Deverá existir um limiar quantitativo para os créditos de pequeno montante?

Em caso afirmativo, qual deverá ser esse limiar?

Deverá existir um limiar comum para todos os Estados-Membros, ou seria suficiente um limiar comunitário mínimo (e máximo)?

Pergunta 35:

As acções de pequeno montante devem ser limitados aos créditos pecuniários, ou não?

Pergunta 36:

Para que tipos de litígios deverá estar disponível o procedimento respeitante a acções de pequeno montante?

Deverão ser excluídos alguns litígios do foro civil e comercial?

Ou o procedimento apenas deverá estar disponível para alguns litígios do foro civil e comercial especificamente mencionados?

Pergunta 37:

O procedimento respeitante às acções de pequeno montante deve ser obrigatório ou opcional?

O tribunal deverá ter a possibilidade de transformar esse procedimento num processo ordinário?

Em caso afirmativo, em que condições?

As partes deverão ter a possibilidade de transformar um processo relativo a uma acção de pequeno montante num processo ordinário?

Em caso afirmativo, em que condições?

Pergunta 38:

Deverão ser introduzidas normas mínimas comuns para os formulários?

Em caso afirmativo, que normas poderiam ser previstas?

Em que estádios do procedimento deverão os formulários ser utilizados?

Deverão ser introduzidos meios de comunicação modernos?

Pergunta 39:

Deverá existir assistência em questões processuais para as partes não representadas por um advogado?

Em caso afirmativo, em que medida?

Deverá ser possível a representação por cidadãos comuns?

Pergunta 40:

Deverão ser introduzidos modos alternativos de resolução dos litígios para os processos relativos às acções de pequeno montante?

Em caso afirmativo, o recurso à resolução alternativa de litígios deverá ser opcional ou obrigatório?

Pergunta 41:

Deverão algumas regras respeitantes à obtenção de provas ser aligeiradas?

Em caso afirmativo, quais e em que medida?

Pergunta 42:

Deverá introduzir-se a possibilidade de um procedimento unicamente escrito (em vez de audiências orais)?

Em caso afirmativo, ele deverá obedecer a determinadas condições?

Pergunta 43:

As regras relativas ao teor da decisão deverão ser aligeiradas?

Em caso afirmativo, em que medida?

Deverá existir um prazo para a emissão de uma decisão?

Pergunta 44:

O reembolso dos custos deverá ser limitado?

Em caso afirmativo, em que medida?

Pergunta 45:

A possibilidade de recurso deverá ser excluída ou limitada?

Em caso afirmativo, em que medida?

Pergunta 46:

Que outras opções poderão ser previstas para simplificar as regras processuais relativas às acções de pequeno montante?